Para vencer a guerra, derrotem o Hamas e parem os assentamentos; leia a coluna de Thomas Friedman


Expansão de assentamentos israelenses na Cisjordânia tem sido um dos pilares do governo Binyamin Netanyahu

Por Thomas Friedman

Eu tenho grande admiração pela maneira que o presidente Joe Biden usou sua empatia e presença física para convencer os israelenses de que eles não estão sozinhos em sua guerra contra o monstruoso Hamas ao mesmo tempo que tentou enviar um sinal para os palestinos moderados. Biden, eu sei, se esforçou muito não apenas para fazer a liderança israelense parar para pensar em meio à sua fúria e calcular três passos adiante — não apenas sobre como entrar em Gaza para derrubar o Hamas, mas também sobre como sair — e como fazer isso ocasionando o mínimo possível de baixas civis.

Ainda que o presidente tenha expressado profundo entendimento a respeito do dilema moral e estratégico de Israel, ele insistiu aos comandantes militares e líderes políticos israelenses que aprendam com o impulso à guerra dos Estados Unidos após o 11 de Setembro, que levou nossos soldados a becos sem saída e vielas escuras de cidades e vilarejos desconhecidos no Iraque e no Afeganistão.

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No entanto, as autoridades americanas deixaram Jerusalém com a sensação de que, ainda que o primeiro-ministro israelense, Binyamin Netanyahu, entenda que um exagero em Gaza poderia incendiar toda a vizinhança — e provavelmente ele é o líder mais cauteloso de Israel hoje — os parceiros de sua coalizão de direita estão ávidos para atiçar chamas na Cisjordânia. Colonos assentados no território mataram pelo menos sete palestinos na semana passada em atos de vingança, e os militares israelenses são ainda mais beligerantes do que o primeiro-ministro agora e estão determinados a castigar o Hamas de uma maneira que a região jamais esquecerá. Enquanto isso, o direitista ministro das Finanças israelense está se recusando a transferir o dinheiro dos impostos devidos à Autoridade Palestina, prejudicando sua capacidade de manter a Cisjordânia sob controle, o que o organismo tem feito até aqui.

Presidente dos EUA, Joe Biden, conversa com promeiro-ministro de Israel, Binyamin Netanyahu.  Foto: Kenny Holston/The New York Times

Imaginem-me muito preocupado. Não, imaginem-me extremamente preocupado.

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Porque na primeira semana desta guerra o líder supremo do Irã e o líder da milícia Hezbollah no Líbano, Hassan Nasrallah, pareceram estar mantendo controle muito firme sobre seus milicianos tanto na fronteira de Israel quanto no Iraque, na Síria e no Iêmen. Mas conforme a segunda semana transcorreu, autoridades americanas detectaram cada vez mais sinais de que ambos os líderes estão considerando permitir que suas forças ataquem mais agressivamente alvos israelenses — e talvez alvos americanos, se os EUA intervierem.

Não tenham nenhuma dúvida: a possibilidade de uma guerra regional capaz de atrair os EUA é muito maior hoje do que cinco dias atrás, disseram-me autoridades americanas. Conforme escrevo este texto, na noite da quinta-feira, o Times noticia que um navio de guerra da Marinha dos EUA no norte do Mar Vermelho interceptou três mísseis de cruzeiro e vários drones lançados do Iêmen, e o Pentágono afirma que o alvo pode ter sido Israel. Mais mísseis — provavelmente de milícias pró-Irã — foram disparados contra forças americanas no Iraque e na Síria e contra Israel a partir do Líbano.

Israel não deverá permitir que o Irã use seus agentes indiretos para atingir seu território sem eventualmente disparar algum míssil diretamente contra Teerã. E se isso acontecer, qualquer coisa pode acontecer. Acredita-se que Israel tem submarinos no Golfo Pérsico.

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O que torna a situação triplamente perigosa é que, mesmo se Israel agir com um comedimento hercúleo para evitar mortes de civis em Gaza, isso não vai importar. Pensem no que ocorreu no Hospital Ahli Arab, na Cidade de Gaza, na terça-feira.

Corpos de vítimas da explosão do hospital Ahli Arab, na cidade de Gaza. Foto: AP Photo/Abed Khaled

Conforme o colunista israelense Nahum Barnea apontou-me, a Jihad Islâmica na Palestina (JIP) conquistou mais nesta semana com um foguete que aparentemente funcionou mal “do que todos os seus lançamentos de mísseis bem-sucedidos”.

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Por quê? Após aquele foguete falhar e cair sobre o hospital palestino em Gaza, matando centenas de pessoas, o Hamas e a JIP apressaram-se para afirmar — sem evidências — que Israel tinha bombardeado o hospital deliberadamente, incendiando as ruas de todo o mundo árabe. Quando Israel e os EUA ofereceram evidências convincentes, poucas horas depois, de que a JIP atingiu o hospital de Gaza acidentalmente com seu próprio foguete, já era tarde demais. As ruas árabes estavam em chamas, e uma reunião entre líderes árabes e Biden foi cancelada.

Imaginem o que acontecerá quando a primeira grande invasão israelense a Gaza começar no nosso mundo conectado, interligado por redes sociais e poluído com desinformações amplificadas por inteligência artificial. Não surpreende que líderes árabes pró-EUA estejam suplicando a Biden que suplique aos israelenses para que eles ajam de maneira que deixe algum espaço para a continuidade do trabalho com Israel.

É por isso que eu acredito que Israel ficaria em posição muito melhor se definisse qualquer ação em Gaza como “Operação de Salvamento dos Reféns Israelenses” — em vez de “Operação para Pôr Fim ao Hamas de Uma Vez por Todas” — e a realizasse com ataques cirúrgicos e forças especiais, que ainda são capazes de pegar os líderes do Hamas, e também traçasse a linha mais clara possível entre civis de Gaza e a ditadura do Hamas.

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O Hamas não fez reféns apenas os israelenses que sequestrou, fez reféns também os civis de Gaza — que não votaram pelo sequestro selvagem perpetrado pelo Hamas de avós e bebês israelenses. Tirem um tempo para assistir à série de animação da ONG Center for Peace Communications e do jornal Times of Israel, “Whispered in Gaza” (Sussurrado em Gaza), produzida sobre entrevistas com moradores do enclave a respeito do que eles realmente pensam da liderança corrupta e despótica do Hamas. Israel tem que respeitar as visões dessas pessoas e construir sobre essas posições se espera fazer surgir desta guerra qualquer coisa positiva sustentável em Gaza.

Mas Israel está hoje em um modo de sobrevivência básica. Nós, americanos, podemos dar conselhos, mas Israel vai fazer o que achar que tiver de fazer.

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Onde eu tenho voto — só um — é nos EUA. O presidente, em seu discurso no horário nobre na noite da quinta-feira, prometeu pedir ao Congresso US$ 14 bilhões em ajuda adicional para Israel travar esta guerra, juntamente com uma injeção imediata de US$ 100 milhões em um novo financiamento para assistência humanitária aos palestinos em Gaza e na Cisjordânia ocupada.

Eu sou totalmente favorável à ajuda a civis israelenses e palestinos neste momento — mas não sem algumas contrapartidas visíveis amarradas.

Se Israel precisa de armas para se proteger do Hamas e do Hezbollah, nós devemos mandá-las como pudermos. Mas uma ajuda econômica maior para Israel só deveria ser enviada se o país concordar em não construir mais nenhum assentamento colonial na Cisjordânia — zero, nada, coisa nenhuma, nenhum tijolo a mais, nenhum prego — fora dos blocos já assentados e do território de seu entorno imediato, onde a maioria dos colonos judeus se concentra atualmente e que Israel deverá reter em qualquer solução de dois Estados com os palestinos. (O pacto da coalizão de Netanyahu promete a anexação de toda a Cisjordânia.)

Ataque israelense causa destruição em campo de refugiados palestinos na Cisjordânia.  Foto: AP / Majdi Mohammed

Eu sou bem ciente de que o Hamas é comprometido com a eliminação do Estado judaico desde sua criação — e não porque Israel expandiu os assentamentos na Cisjordânia. Mas se Israel tem qualquer esperança de estimular uma liderança palestina capaz de substituir o Hamas em Gaza no longo prazo e ser uma parceira eficaz para uma solução de dois Estados, o projeto dos assentamentos tem de parar — e agora.

Já a Autoridade Palestina na Cisjordânia precisa, assim que possível, eleger ou nomear uma nova liderança — com competência para construir instituições palestinas decentes, livres de corrupção, que conquistem respeito das pessoas e legitimidade. A Autoridade Palestina, que está pronta para coexistir com o Estado judaico, precisa ser capaz de realmente vencer o Hamas em eleições livres e justas na Cisjordânia e em Gaza.

Sem esses dois conjuntos de condições atendidos, não haverá futuro para a moderação nesse canto do mundo, nenhuma chance de paz sustentável e nenhuma chance de normalização entre Israel e Arábia Saudita — mesmo se Israel eliminar todos os líderes, soldados e fabricantes de foguetes do Hamas, não importa o quão simpático alguém possa ser com a causa palestina.

O pilar dos 15 anos de Bibi Netanyahu como primeiro-ministro foi expandir os assentamentos coloniais estrategicamente para evitar a concretização de qualquer projeto de um Estado palestino contíguo a Israel.

Ao atuar dessa maneira, o líder israelense agiu sabidamente e flagrantemente contra os interesses dos EUA. Netanyahu esteve disposto a desestabilizar Jordânia e Egito, países aliados dos americanos, para erguer mais assentamentos. Esteve disposto a arriscar a maior realização diplomática dos EUA, os Acordos de Abraão, se o pacto implicasse na paralisação das construções de assentamentos. Netanyahu não mostrou nenhuma disposição até aqui para brecar os assentamentos e garantir um avanço histórico com a Arábia Saudita.

Pessoal, Israel é um país rico hoje, e dinheiro compra de tudo. Por tempo demais a ajuda econômica e militar dos EUA permitiu a Netanyahu ter o melhor de seus dois mundos: financiar o ensandecido projeto colonial e manter Forças Armadas avançadas sem ter de aumentar impostos sobre toda a população israelense para pagar por isso tudo. Enquanto com uma mão Israel pegava a ajuda americana, com a outra seu Ministério da Defesa bancava estradas para colonos. A carteira do Tio Sam foi indiretamente a financiadora oculta da política de Netanyahu.

Portanto não, nós não estamos dizendo a Netanyahu o que fazer em Gaza — Israel é um país soberano. Só vamos dizer para ele o que não vamos fazer mais — porque, afinal, nós também somos um país soberano.

Os EUA tem financiado indiretamente o suicídio em câmera lenta de Israel — e eu não estou falando apenas dos assentamentos. Vejam o que Netanyahu fez em junho. Para comprar o apoio dos partidos ultraortodoxos que precisa para compor sua coalizão e manter-se fora da cadeia pelos processos de corrupção a que responde, o governo de Netanyahu deu aos ultraortodoxos e aos colonos “um incremento sem precedentes em alocações de recursos (…) incluindo financiamento para escolas que não ensinam inglês, ciências e matemática”, explicou o macroeconomista Dan Ben-David, que estuda a interação entre a demografia de Israel e a educação no país, da Universidade de Tel-Aviv, onde ele dirige o Instituto Shoresh para Pesquisa Socioeconômica. “Esse incremento orçamentário, sozinho, é maior que o montante investido por Israel anualmente em educação superior — mais que 14 anos de financiamento completo do Technion, o MIT de Israel”, afirmou Ben-David. “É completamente insano.”

Estrada entre assentamentos israelenses e vilas palestinas em Ramallah, na Cisjordânia.  Foto: AHMAD GHARABLI / AFP

A conclusão: Netanyahu tem uma estratégia completamente incoerente neste momento — eliminar o Hamas em Gaza e ao mesmo tempo construir mais assentamentos na Cisjordânia, que minam a única alternativa palestina ao Hamas decente a longo prazo, a Autoridade Palestina, de que Israel precisa para sair de Gaza com segurança.

Se esta é a temporada da guerra, também tem de ser a temporada das respostas sobre o que acontecerá na manhã seguinte. E eu dificilmente seria o único a querer escutá-las. Conforme escreveu no Haaretz o historiador israelense Yuval Noah Harari sobre o governo Netanyahu: se ele “realmente sonha em explorar a vitória para anexar territórios, redesenhar fronteiras pela força, expulsar populações, ignorar direitos, concretizar fantasias messiânicas ou transformar Israel em uma ditadura teocrática — nós precisamos saber agora”. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

Eu tenho grande admiração pela maneira que o presidente Joe Biden usou sua empatia e presença física para convencer os israelenses de que eles não estão sozinhos em sua guerra contra o monstruoso Hamas ao mesmo tempo que tentou enviar um sinal para os palestinos moderados. Biden, eu sei, se esforçou muito não apenas para fazer a liderança israelense parar para pensar em meio à sua fúria e calcular três passos adiante — não apenas sobre como entrar em Gaza para derrubar o Hamas, mas também sobre como sair — e como fazer isso ocasionando o mínimo possível de baixas civis.

Ainda que o presidente tenha expressado profundo entendimento a respeito do dilema moral e estratégico de Israel, ele insistiu aos comandantes militares e líderes políticos israelenses que aprendam com o impulso à guerra dos Estados Unidos após o 11 de Setembro, que levou nossos soldados a becos sem saída e vielas escuras de cidades e vilarejos desconhecidos no Iraque e no Afeganistão.

No entanto, as autoridades americanas deixaram Jerusalém com a sensação de que, ainda que o primeiro-ministro israelense, Binyamin Netanyahu, entenda que um exagero em Gaza poderia incendiar toda a vizinhança — e provavelmente ele é o líder mais cauteloso de Israel hoje — os parceiros de sua coalizão de direita estão ávidos para atiçar chamas na Cisjordânia. Colonos assentados no território mataram pelo menos sete palestinos na semana passada em atos de vingança, e os militares israelenses são ainda mais beligerantes do que o primeiro-ministro agora e estão determinados a castigar o Hamas de uma maneira que a região jamais esquecerá. Enquanto isso, o direitista ministro das Finanças israelense está se recusando a transferir o dinheiro dos impostos devidos à Autoridade Palestina, prejudicando sua capacidade de manter a Cisjordânia sob controle, o que o organismo tem feito até aqui.

Presidente dos EUA, Joe Biden, conversa com promeiro-ministro de Israel, Binyamin Netanyahu.  Foto: Kenny Holston/The New York Times

Imaginem-me muito preocupado. Não, imaginem-me extremamente preocupado.

Porque na primeira semana desta guerra o líder supremo do Irã e o líder da milícia Hezbollah no Líbano, Hassan Nasrallah, pareceram estar mantendo controle muito firme sobre seus milicianos tanto na fronteira de Israel quanto no Iraque, na Síria e no Iêmen. Mas conforme a segunda semana transcorreu, autoridades americanas detectaram cada vez mais sinais de que ambos os líderes estão considerando permitir que suas forças ataquem mais agressivamente alvos israelenses — e talvez alvos americanos, se os EUA intervierem.

Não tenham nenhuma dúvida: a possibilidade de uma guerra regional capaz de atrair os EUA é muito maior hoje do que cinco dias atrás, disseram-me autoridades americanas. Conforme escrevo este texto, na noite da quinta-feira, o Times noticia que um navio de guerra da Marinha dos EUA no norte do Mar Vermelho interceptou três mísseis de cruzeiro e vários drones lançados do Iêmen, e o Pentágono afirma que o alvo pode ter sido Israel. Mais mísseis — provavelmente de milícias pró-Irã — foram disparados contra forças americanas no Iraque e na Síria e contra Israel a partir do Líbano.

Israel não deverá permitir que o Irã use seus agentes indiretos para atingir seu território sem eventualmente disparar algum míssil diretamente contra Teerã. E se isso acontecer, qualquer coisa pode acontecer. Acredita-se que Israel tem submarinos no Golfo Pérsico.

O que torna a situação triplamente perigosa é que, mesmo se Israel agir com um comedimento hercúleo para evitar mortes de civis em Gaza, isso não vai importar. Pensem no que ocorreu no Hospital Ahli Arab, na Cidade de Gaza, na terça-feira.

Corpos de vítimas da explosão do hospital Ahli Arab, na cidade de Gaza. Foto: AP Photo/Abed Khaled

Conforme o colunista israelense Nahum Barnea apontou-me, a Jihad Islâmica na Palestina (JIP) conquistou mais nesta semana com um foguete que aparentemente funcionou mal “do que todos os seus lançamentos de mísseis bem-sucedidos”.

Por quê? Após aquele foguete falhar e cair sobre o hospital palestino em Gaza, matando centenas de pessoas, o Hamas e a JIP apressaram-se para afirmar — sem evidências — que Israel tinha bombardeado o hospital deliberadamente, incendiando as ruas de todo o mundo árabe. Quando Israel e os EUA ofereceram evidências convincentes, poucas horas depois, de que a JIP atingiu o hospital de Gaza acidentalmente com seu próprio foguete, já era tarde demais. As ruas árabes estavam em chamas, e uma reunião entre líderes árabes e Biden foi cancelada.

Imaginem o que acontecerá quando a primeira grande invasão israelense a Gaza começar no nosso mundo conectado, interligado por redes sociais e poluído com desinformações amplificadas por inteligência artificial. Não surpreende que líderes árabes pró-EUA estejam suplicando a Biden que suplique aos israelenses para que eles ajam de maneira que deixe algum espaço para a continuidade do trabalho com Israel.

É por isso que eu acredito que Israel ficaria em posição muito melhor se definisse qualquer ação em Gaza como “Operação de Salvamento dos Reféns Israelenses” — em vez de “Operação para Pôr Fim ao Hamas de Uma Vez por Todas” — e a realizasse com ataques cirúrgicos e forças especiais, que ainda são capazes de pegar os líderes do Hamas, e também traçasse a linha mais clara possível entre civis de Gaza e a ditadura do Hamas.

O Hamas não fez reféns apenas os israelenses que sequestrou, fez reféns também os civis de Gaza — que não votaram pelo sequestro selvagem perpetrado pelo Hamas de avós e bebês israelenses. Tirem um tempo para assistir à série de animação da ONG Center for Peace Communications e do jornal Times of Israel, “Whispered in Gaza” (Sussurrado em Gaza), produzida sobre entrevistas com moradores do enclave a respeito do que eles realmente pensam da liderança corrupta e despótica do Hamas. Israel tem que respeitar as visões dessas pessoas e construir sobre essas posições se espera fazer surgir desta guerra qualquer coisa positiva sustentável em Gaza.

Mas Israel está hoje em um modo de sobrevivência básica. Nós, americanos, podemos dar conselhos, mas Israel vai fazer o que achar que tiver de fazer.

Onde eu tenho voto — só um — é nos EUA. O presidente, em seu discurso no horário nobre na noite da quinta-feira, prometeu pedir ao Congresso US$ 14 bilhões em ajuda adicional para Israel travar esta guerra, juntamente com uma injeção imediata de US$ 100 milhões em um novo financiamento para assistência humanitária aos palestinos em Gaza e na Cisjordânia ocupada.

Eu sou totalmente favorável à ajuda a civis israelenses e palestinos neste momento — mas não sem algumas contrapartidas visíveis amarradas.

Se Israel precisa de armas para se proteger do Hamas e do Hezbollah, nós devemos mandá-las como pudermos. Mas uma ajuda econômica maior para Israel só deveria ser enviada se o país concordar em não construir mais nenhum assentamento colonial na Cisjordânia — zero, nada, coisa nenhuma, nenhum tijolo a mais, nenhum prego — fora dos blocos já assentados e do território de seu entorno imediato, onde a maioria dos colonos judeus se concentra atualmente e que Israel deverá reter em qualquer solução de dois Estados com os palestinos. (O pacto da coalizão de Netanyahu promete a anexação de toda a Cisjordânia.)

Ataque israelense causa destruição em campo de refugiados palestinos na Cisjordânia.  Foto: AP / Majdi Mohammed

Eu sou bem ciente de que o Hamas é comprometido com a eliminação do Estado judaico desde sua criação — e não porque Israel expandiu os assentamentos na Cisjordânia. Mas se Israel tem qualquer esperança de estimular uma liderança palestina capaz de substituir o Hamas em Gaza no longo prazo e ser uma parceira eficaz para uma solução de dois Estados, o projeto dos assentamentos tem de parar — e agora.

Já a Autoridade Palestina na Cisjordânia precisa, assim que possível, eleger ou nomear uma nova liderança — com competência para construir instituições palestinas decentes, livres de corrupção, que conquistem respeito das pessoas e legitimidade. A Autoridade Palestina, que está pronta para coexistir com o Estado judaico, precisa ser capaz de realmente vencer o Hamas em eleições livres e justas na Cisjordânia e em Gaza.

Sem esses dois conjuntos de condições atendidos, não haverá futuro para a moderação nesse canto do mundo, nenhuma chance de paz sustentável e nenhuma chance de normalização entre Israel e Arábia Saudita — mesmo se Israel eliminar todos os líderes, soldados e fabricantes de foguetes do Hamas, não importa o quão simpático alguém possa ser com a causa palestina.

O pilar dos 15 anos de Bibi Netanyahu como primeiro-ministro foi expandir os assentamentos coloniais estrategicamente para evitar a concretização de qualquer projeto de um Estado palestino contíguo a Israel.

Ao atuar dessa maneira, o líder israelense agiu sabidamente e flagrantemente contra os interesses dos EUA. Netanyahu esteve disposto a desestabilizar Jordânia e Egito, países aliados dos americanos, para erguer mais assentamentos. Esteve disposto a arriscar a maior realização diplomática dos EUA, os Acordos de Abraão, se o pacto implicasse na paralisação das construções de assentamentos. Netanyahu não mostrou nenhuma disposição até aqui para brecar os assentamentos e garantir um avanço histórico com a Arábia Saudita.

Pessoal, Israel é um país rico hoje, e dinheiro compra de tudo. Por tempo demais a ajuda econômica e militar dos EUA permitiu a Netanyahu ter o melhor de seus dois mundos: financiar o ensandecido projeto colonial e manter Forças Armadas avançadas sem ter de aumentar impostos sobre toda a população israelense para pagar por isso tudo. Enquanto com uma mão Israel pegava a ajuda americana, com a outra seu Ministério da Defesa bancava estradas para colonos. A carteira do Tio Sam foi indiretamente a financiadora oculta da política de Netanyahu.

Portanto não, nós não estamos dizendo a Netanyahu o que fazer em Gaza — Israel é um país soberano. Só vamos dizer para ele o que não vamos fazer mais — porque, afinal, nós também somos um país soberano.

Os EUA tem financiado indiretamente o suicídio em câmera lenta de Israel — e eu não estou falando apenas dos assentamentos. Vejam o que Netanyahu fez em junho. Para comprar o apoio dos partidos ultraortodoxos que precisa para compor sua coalizão e manter-se fora da cadeia pelos processos de corrupção a que responde, o governo de Netanyahu deu aos ultraortodoxos e aos colonos “um incremento sem precedentes em alocações de recursos (…) incluindo financiamento para escolas que não ensinam inglês, ciências e matemática”, explicou o macroeconomista Dan Ben-David, que estuda a interação entre a demografia de Israel e a educação no país, da Universidade de Tel-Aviv, onde ele dirige o Instituto Shoresh para Pesquisa Socioeconômica. “Esse incremento orçamentário, sozinho, é maior que o montante investido por Israel anualmente em educação superior — mais que 14 anos de financiamento completo do Technion, o MIT de Israel”, afirmou Ben-David. “É completamente insano.”

Estrada entre assentamentos israelenses e vilas palestinas em Ramallah, na Cisjordânia.  Foto: AHMAD GHARABLI / AFP

A conclusão: Netanyahu tem uma estratégia completamente incoerente neste momento — eliminar o Hamas em Gaza e ao mesmo tempo construir mais assentamentos na Cisjordânia, que minam a única alternativa palestina ao Hamas decente a longo prazo, a Autoridade Palestina, de que Israel precisa para sair de Gaza com segurança.

Se esta é a temporada da guerra, também tem de ser a temporada das respostas sobre o que acontecerá na manhã seguinte. E eu dificilmente seria o único a querer escutá-las. Conforme escreveu no Haaretz o historiador israelense Yuval Noah Harari sobre o governo Netanyahu: se ele “realmente sonha em explorar a vitória para anexar territórios, redesenhar fronteiras pela força, expulsar populações, ignorar direitos, concretizar fantasias messiânicas ou transformar Israel em uma ditadura teocrática — nós precisamos saber agora”. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

Eu tenho grande admiração pela maneira que o presidente Joe Biden usou sua empatia e presença física para convencer os israelenses de que eles não estão sozinhos em sua guerra contra o monstruoso Hamas ao mesmo tempo que tentou enviar um sinal para os palestinos moderados. Biden, eu sei, se esforçou muito não apenas para fazer a liderança israelense parar para pensar em meio à sua fúria e calcular três passos adiante — não apenas sobre como entrar em Gaza para derrubar o Hamas, mas também sobre como sair — e como fazer isso ocasionando o mínimo possível de baixas civis.

Ainda que o presidente tenha expressado profundo entendimento a respeito do dilema moral e estratégico de Israel, ele insistiu aos comandantes militares e líderes políticos israelenses que aprendam com o impulso à guerra dos Estados Unidos após o 11 de Setembro, que levou nossos soldados a becos sem saída e vielas escuras de cidades e vilarejos desconhecidos no Iraque e no Afeganistão.

No entanto, as autoridades americanas deixaram Jerusalém com a sensação de que, ainda que o primeiro-ministro israelense, Binyamin Netanyahu, entenda que um exagero em Gaza poderia incendiar toda a vizinhança — e provavelmente ele é o líder mais cauteloso de Israel hoje — os parceiros de sua coalizão de direita estão ávidos para atiçar chamas na Cisjordânia. Colonos assentados no território mataram pelo menos sete palestinos na semana passada em atos de vingança, e os militares israelenses são ainda mais beligerantes do que o primeiro-ministro agora e estão determinados a castigar o Hamas de uma maneira que a região jamais esquecerá. Enquanto isso, o direitista ministro das Finanças israelense está se recusando a transferir o dinheiro dos impostos devidos à Autoridade Palestina, prejudicando sua capacidade de manter a Cisjordânia sob controle, o que o organismo tem feito até aqui.

Presidente dos EUA, Joe Biden, conversa com promeiro-ministro de Israel, Binyamin Netanyahu.  Foto: Kenny Holston/The New York Times

Imaginem-me muito preocupado. Não, imaginem-me extremamente preocupado.

Porque na primeira semana desta guerra o líder supremo do Irã e o líder da milícia Hezbollah no Líbano, Hassan Nasrallah, pareceram estar mantendo controle muito firme sobre seus milicianos tanto na fronteira de Israel quanto no Iraque, na Síria e no Iêmen. Mas conforme a segunda semana transcorreu, autoridades americanas detectaram cada vez mais sinais de que ambos os líderes estão considerando permitir que suas forças ataquem mais agressivamente alvos israelenses — e talvez alvos americanos, se os EUA intervierem.

Não tenham nenhuma dúvida: a possibilidade de uma guerra regional capaz de atrair os EUA é muito maior hoje do que cinco dias atrás, disseram-me autoridades americanas. Conforme escrevo este texto, na noite da quinta-feira, o Times noticia que um navio de guerra da Marinha dos EUA no norte do Mar Vermelho interceptou três mísseis de cruzeiro e vários drones lançados do Iêmen, e o Pentágono afirma que o alvo pode ter sido Israel. Mais mísseis — provavelmente de milícias pró-Irã — foram disparados contra forças americanas no Iraque e na Síria e contra Israel a partir do Líbano.

Israel não deverá permitir que o Irã use seus agentes indiretos para atingir seu território sem eventualmente disparar algum míssil diretamente contra Teerã. E se isso acontecer, qualquer coisa pode acontecer. Acredita-se que Israel tem submarinos no Golfo Pérsico.

O que torna a situação triplamente perigosa é que, mesmo se Israel agir com um comedimento hercúleo para evitar mortes de civis em Gaza, isso não vai importar. Pensem no que ocorreu no Hospital Ahli Arab, na Cidade de Gaza, na terça-feira.

Corpos de vítimas da explosão do hospital Ahli Arab, na cidade de Gaza. Foto: AP Photo/Abed Khaled

Conforme o colunista israelense Nahum Barnea apontou-me, a Jihad Islâmica na Palestina (JIP) conquistou mais nesta semana com um foguete que aparentemente funcionou mal “do que todos os seus lançamentos de mísseis bem-sucedidos”.

Por quê? Após aquele foguete falhar e cair sobre o hospital palestino em Gaza, matando centenas de pessoas, o Hamas e a JIP apressaram-se para afirmar — sem evidências — que Israel tinha bombardeado o hospital deliberadamente, incendiando as ruas de todo o mundo árabe. Quando Israel e os EUA ofereceram evidências convincentes, poucas horas depois, de que a JIP atingiu o hospital de Gaza acidentalmente com seu próprio foguete, já era tarde demais. As ruas árabes estavam em chamas, e uma reunião entre líderes árabes e Biden foi cancelada.

Imaginem o que acontecerá quando a primeira grande invasão israelense a Gaza começar no nosso mundo conectado, interligado por redes sociais e poluído com desinformações amplificadas por inteligência artificial. Não surpreende que líderes árabes pró-EUA estejam suplicando a Biden que suplique aos israelenses para que eles ajam de maneira que deixe algum espaço para a continuidade do trabalho com Israel.

É por isso que eu acredito que Israel ficaria em posição muito melhor se definisse qualquer ação em Gaza como “Operação de Salvamento dos Reféns Israelenses” — em vez de “Operação para Pôr Fim ao Hamas de Uma Vez por Todas” — e a realizasse com ataques cirúrgicos e forças especiais, que ainda são capazes de pegar os líderes do Hamas, e também traçasse a linha mais clara possível entre civis de Gaza e a ditadura do Hamas.

O Hamas não fez reféns apenas os israelenses que sequestrou, fez reféns também os civis de Gaza — que não votaram pelo sequestro selvagem perpetrado pelo Hamas de avós e bebês israelenses. Tirem um tempo para assistir à série de animação da ONG Center for Peace Communications e do jornal Times of Israel, “Whispered in Gaza” (Sussurrado em Gaza), produzida sobre entrevistas com moradores do enclave a respeito do que eles realmente pensam da liderança corrupta e despótica do Hamas. Israel tem que respeitar as visões dessas pessoas e construir sobre essas posições se espera fazer surgir desta guerra qualquer coisa positiva sustentável em Gaza.

Mas Israel está hoje em um modo de sobrevivência básica. Nós, americanos, podemos dar conselhos, mas Israel vai fazer o que achar que tiver de fazer.

Onde eu tenho voto — só um — é nos EUA. O presidente, em seu discurso no horário nobre na noite da quinta-feira, prometeu pedir ao Congresso US$ 14 bilhões em ajuda adicional para Israel travar esta guerra, juntamente com uma injeção imediata de US$ 100 milhões em um novo financiamento para assistência humanitária aos palestinos em Gaza e na Cisjordânia ocupada.

Eu sou totalmente favorável à ajuda a civis israelenses e palestinos neste momento — mas não sem algumas contrapartidas visíveis amarradas.

Se Israel precisa de armas para se proteger do Hamas e do Hezbollah, nós devemos mandá-las como pudermos. Mas uma ajuda econômica maior para Israel só deveria ser enviada se o país concordar em não construir mais nenhum assentamento colonial na Cisjordânia — zero, nada, coisa nenhuma, nenhum tijolo a mais, nenhum prego — fora dos blocos já assentados e do território de seu entorno imediato, onde a maioria dos colonos judeus se concentra atualmente e que Israel deverá reter em qualquer solução de dois Estados com os palestinos. (O pacto da coalizão de Netanyahu promete a anexação de toda a Cisjordânia.)

Ataque israelense causa destruição em campo de refugiados palestinos na Cisjordânia.  Foto: AP / Majdi Mohammed

Eu sou bem ciente de que o Hamas é comprometido com a eliminação do Estado judaico desde sua criação — e não porque Israel expandiu os assentamentos na Cisjordânia. Mas se Israel tem qualquer esperança de estimular uma liderança palestina capaz de substituir o Hamas em Gaza no longo prazo e ser uma parceira eficaz para uma solução de dois Estados, o projeto dos assentamentos tem de parar — e agora.

Já a Autoridade Palestina na Cisjordânia precisa, assim que possível, eleger ou nomear uma nova liderança — com competência para construir instituições palestinas decentes, livres de corrupção, que conquistem respeito das pessoas e legitimidade. A Autoridade Palestina, que está pronta para coexistir com o Estado judaico, precisa ser capaz de realmente vencer o Hamas em eleições livres e justas na Cisjordânia e em Gaza.

Sem esses dois conjuntos de condições atendidos, não haverá futuro para a moderação nesse canto do mundo, nenhuma chance de paz sustentável e nenhuma chance de normalização entre Israel e Arábia Saudita — mesmo se Israel eliminar todos os líderes, soldados e fabricantes de foguetes do Hamas, não importa o quão simpático alguém possa ser com a causa palestina.

O pilar dos 15 anos de Bibi Netanyahu como primeiro-ministro foi expandir os assentamentos coloniais estrategicamente para evitar a concretização de qualquer projeto de um Estado palestino contíguo a Israel.

Ao atuar dessa maneira, o líder israelense agiu sabidamente e flagrantemente contra os interesses dos EUA. Netanyahu esteve disposto a desestabilizar Jordânia e Egito, países aliados dos americanos, para erguer mais assentamentos. Esteve disposto a arriscar a maior realização diplomática dos EUA, os Acordos de Abraão, se o pacto implicasse na paralisação das construções de assentamentos. Netanyahu não mostrou nenhuma disposição até aqui para brecar os assentamentos e garantir um avanço histórico com a Arábia Saudita.

Pessoal, Israel é um país rico hoje, e dinheiro compra de tudo. Por tempo demais a ajuda econômica e militar dos EUA permitiu a Netanyahu ter o melhor de seus dois mundos: financiar o ensandecido projeto colonial e manter Forças Armadas avançadas sem ter de aumentar impostos sobre toda a população israelense para pagar por isso tudo. Enquanto com uma mão Israel pegava a ajuda americana, com a outra seu Ministério da Defesa bancava estradas para colonos. A carteira do Tio Sam foi indiretamente a financiadora oculta da política de Netanyahu.

Portanto não, nós não estamos dizendo a Netanyahu o que fazer em Gaza — Israel é um país soberano. Só vamos dizer para ele o que não vamos fazer mais — porque, afinal, nós também somos um país soberano.

Os EUA tem financiado indiretamente o suicídio em câmera lenta de Israel — e eu não estou falando apenas dos assentamentos. Vejam o que Netanyahu fez em junho. Para comprar o apoio dos partidos ultraortodoxos que precisa para compor sua coalizão e manter-se fora da cadeia pelos processos de corrupção a que responde, o governo de Netanyahu deu aos ultraortodoxos e aos colonos “um incremento sem precedentes em alocações de recursos (…) incluindo financiamento para escolas que não ensinam inglês, ciências e matemática”, explicou o macroeconomista Dan Ben-David, que estuda a interação entre a demografia de Israel e a educação no país, da Universidade de Tel-Aviv, onde ele dirige o Instituto Shoresh para Pesquisa Socioeconômica. “Esse incremento orçamentário, sozinho, é maior que o montante investido por Israel anualmente em educação superior — mais que 14 anos de financiamento completo do Technion, o MIT de Israel”, afirmou Ben-David. “É completamente insano.”

Estrada entre assentamentos israelenses e vilas palestinas em Ramallah, na Cisjordânia.  Foto: AHMAD GHARABLI / AFP

A conclusão: Netanyahu tem uma estratégia completamente incoerente neste momento — eliminar o Hamas em Gaza e ao mesmo tempo construir mais assentamentos na Cisjordânia, que minam a única alternativa palestina ao Hamas decente a longo prazo, a Autoridade Palestina, de que Israel precisa para sair de Gaza com segurança.

Se esta é a temporada da guerra, também tem de ser a temporada das respostas sobre o que acontecerá na manhã seguinte. E eu dificilmente seria o único a querer escutá-las. Conforme escreveu no Haaretz o historiador israelense Yuval Noah Harari sobre o governo Netanyahu: se ele “realmente sonha em explorar a vitória para anexar territórios, redesenhar fronteiras pela força, expulsar populações, ignorar direitos, concretizar fantasias messiânicas ou transformar Israel em uma ditadura teocrática — nós precisamos saber agora”. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

Eu tenho grande admiração pela maneira que o presidente Joe Biden usou sua empatia e presença física para convencer os israelenses de que eles não estão sozinhos em sua guerra contra o monstruoso Hamas ao mesmo tempo que tentou enviar um sinal para os palestinos moderados. Biden, eu sei, se esforçou muito não apenas para fazer a liderança israelense parar para pensar em meio à sua fúria e calcular três passos adiante — não apenas sobre como entrar em Gaza para derrubar o Hamas, mas também sobre como sair — e como fazer isso ocasionando o mínimo possível de baixas civis.

Ainda que o presidente tenha expressado profundo entendimento a respeito do dilema moral e estratégico de Israel, ele insistiu aos comandantes militares e líderes políticos israelenses que aprendam com o impulso à guerra dos Estados Unidos após o 11 de Setembro, que levou nossos soldados a becos sem saída e vielas escuras de cidades e vilarejos desconhecidos no Iraque e no Afeganistão.

No entanto, as autoridades americanas deixaram Jerusalém com a sensação de que, ainda que o primeiro-ministro israelense, Binyamin Netanyahu, entenda que um exagero em Gaza poderia incendiar toda a vizinhança — e provavelmente ele é o líder mais cauteloso de Israel hoje — os parceiros de sua coalizão de direita estão ávidos para atiçar chamas na Cisjordânia. Colonos assentados no território mataram pelo menos sete palestinos na semana passada em atos de vingança, e os militares israelenses são ainda mais beligerantes do que o primeiro-ministro agora e estão determinados a castigar o Hamas de uma maneira que a região jamais esquecerá. Enquanto isso, o direitista ministro das Finanças israelense está se recusando a transferir o dinheiro dos impostos devidos à Autoridade Palestina, prejudicando sua capacidade de manter a Cisjordânia sob controle, o que o organismo tem feito até aqui.

Presidente dos EUA, Joe Biden, conversa com promeiro-ministro de Israel, Binyamin Netanyahu.  Foto: Kenny Holston/The New York Times

Imaginem-me muito preocupado. Não, imaginem-me extremamente preocupado.

Porque na primeira semana desta guerra o líder supremo do Irã e o líder da milícia Hezbollah no Líbano, Hassan Nasrallah, pareceram estar mantendo controle muito firme sobre seus milicianos tanto na fronteira de Israel quanto no Iraque, na Síria e no Iêmen. Mas conforme a segunda semana transcorreu, autoridades americanas detectaram cada vez mais sinais de que ambos os líderes estão considerando permitir que suas forças ataquem mais agressivamente alvos israelenses — e talvez alvos americanos, se os EUA intervierem.

Não tenham nenhuma dúvida: a possibilidade de uma guerra regional capaz de atrair os EUA é muito maior hoje do que cinco dias atrás, disseram-me autoridades americanas. Conforme escrevo este texto, na noite da quinta-feira, o Times noticia que um navio de guerra da Marinha dos EUA no norte do Mar Vermelho interceptou três mísseis de cruzeiro e vários drones lançados do Iêmen, e o Pentágono afirma que o alvo pode ter sido Israel. Mais mísseis — provavelmente de milícias pró-Irã — foram disparados contra forças americanas no Iraque e na Síria e contra Israel a partir do Líbano.

Israel não deverá permitir que o Irã use seus agentes indiretos para atingir seu território sem eventualmente disparar algum míssil diretamente contra Teerã. E se isso acontecer, qualquer coisa pode acontecer. Acredita-se que Israel tem submarinos no Golfo Pérsico.

O que torna a situação triplamente perigosa é que, mesmo se Israel agir com um comedimento hercúleo para evitar mortes de civis em Gaza, isso não vai importar. Pensem no que ocorreu no Hospital Ahli Arab, na Cidade de Gaza, na terça-feira.

Corpos de vítimas da explosão do hospital Ahli Arab, na cidade de Gaza. Foto: AP Photo/Abed Khaled

Conforme o colunista israelense Nahum Barnea apontou-me, a Jihad Islâmica na Palestina (JIP) conquistou mais nesta semana com um foguete que aparentemente funcionou mal “do que todos os seus lançamentos de mísseis bem-sucedidos”.

Por quê? Após aquele foguete falhar e cair sobre o hospital palestino em Gaza, matando centenas de pessoas, o Hamas e a JIP apressaram-se para afirmar — sem evidências — que Israel tinha bombardeado o hospital deliberadamente, incendiando as ruas de todo o mundo árabe. Quando Israel e os EUA ofereceram evidências convincentes, poucas horas depois, de que a JIP atingiu o hospital de Gaza acidentalmente com seu próprio foguete, já era tarde demais. As ruas árabes estavam em chamas, e uma reunião entre líderes árabes e Biden foi cancelada.

Imaginem o que acontecerá quando a primeira grande invasão israelense a Gaza começar no nosso mundo conectado, interligado por redes sociais e poluído com desinformações amplificadas por inteligência artificial. Não surpreende que líderes árabes pró-EUA estejam suplicando a Biden que suplique aos israelenses para que eles ajam de maneira que deixe algum espaço para a continuidade do trabalho com Israel.

É por isso que eu acredito que Israel ficaria em posição muito melhor se definisse qualquer ação em Gaza como “Operação de Salvamento dos Reféns Israelenses” — em vez de “Operação para Pôr Fim ao Hamas de Uma Vez por Todas” — e a realizasse com ataques cirúrgicos e forças especiais, que ainda são capazes de pegar os líderes do Hamas, e também traçasse a linha mais clara possível entre civis de Gaza e a ditadura do Hamas.

O Hamas não fez reféns apenas os israelenses que sequestrou, fez reféns também os civis de Gaza — que não votaram pelo sequestro selvagem perpetrado pelo Hamas de avós e bebês israelenses. Tirem um tempo para assistir à série de animação da ONG Center for Peace Communications e do jornal Times of Israel, “Whispered in Gaza” (Sussurrado em Gaza), produzida sobre entrevistas com moradores do enclave a respeito do que eles realmente pensam da liderança corrupta e despótica do Hamas. Israel tem que respeitar as visões dessas pessoas e construir sobre essas posições se espera fazer surgir desta guerra qualquer coisa positiva sustentável em Gaza.

Mas Israel está hoje em um modo de sobrevivência básica. Nós, americanos, podemos dar conselhos, mas Israel vai fazer o que achar que tiver de fazer.

Onde eu tenho voto — só um — é nos EUA. O presidente, em seu discurso no horário nobre na noite da quinta-feira, prometeu pedir ao Congresso US$ 14 bilhões em ajuda adicional para Israel travar esta guerra, juntamente com uma injeção imediata de US$ 100 milhões em um novo financiamento para assistência humanitária aos palestinos em Gaza e na Cisjordânia ocupada.

Eu sou totalmente favorável à ajuda a civis israelenses e palestinos neste momento — mas não sem algumas contrapartidas visíveis amarradas.

Se Israel precisa de armas para se proteger do Hamas e do Hezbollah, nós devemos mandá-las como pudermos. Mas uma ajuda econômica maior para Israel só deveria ser enviada se o país concordar em não construir mais nenhum assentamento colonial na Cisjordânia — zero, nada, coisa nenhuma, nenhum tijolo a mais, nenhum prego — fora dos blocos já assentados e do território de seu entorno imediato, onde a maioria dos colonos judeus se concentra atualmente e que Israel deverá reter em qualquer solução de dois Estados com os palestinos. (O pacto da coalizão de Netanyahu promete a anexação de toda a Cisjordânia.)

Ataque israelense causa destruição em campo de refugiados palestinos na Cisjordânia.  Foto: AP / Majdi Mohammed

Eu sou bem ciente de que o Hamas é comprometido com a eliminação do Estado judaico desde sua criação — e não porque Israel expandiu os assentamentos na Cisjordânia. Mas se Israel tem qualquer esperança de estimular uma liderança palestina capaz de substituir o Hamas em Gaza no longo prazo e ser uma parceira eficaz para uma solução de dois Estados, o projeto dos assentamentos tem de parar — e agora.

Já a Autoridade Palestina na Cisjordânia precisa, assim que possível, eleger ou nomear uma nova liderança — com competência para construir instituições palestinas decentes, livres de corrupção, que conquistem respeito das pessoas e legitimidade. A Autoridade Palestina, que está pronta para coexistir com o Estado judaico, precisa ser capaz de realmente vencer o Hamas em eleições livres e justas na Cisjordânia e em Gaza.

Sem esses dois conjuntos de condições atendidos, não haverá futuro para a moderação nesse canto do mundo, nenhuma chance de paz sustentável e nenhuma chance de normalização entre Israel e Arábia Saudita — mesmo se Israel eliminar todos os líderes, soldados e fabricantes de foguetes do Hamas, não importa o quão simpático alguém possa ser com a causa palestina.

O pilar dos 15 anos de Bibi Netanyahu como primeiro-ministro foi expandir os assentamentos coloniais estrategicamente para evitar a concretização de qualquer projeto de um Estado palestino contíguo a Israel.

Ao atuar dessa maneira, o líder israelense agiu sabidamente e flagrantemente contra os interesses dos EUA. Netanyahu esteve disposto a desestabilizar Jordânia e Egito, países aliados dos americanos, para erguer mais assentamentos. Esteve disposto a arriscar a maior realização diplomática dos EUA, os Acordos de Abraão, se o pacto implicasse na paralisação das construções de assentamentos. Netanyahu não mostrou nenhuma disposição até aqui para brecar os assentamentos e garantir um avanço histórico com a Arábia Saudita.

Pessoal, Israel é um país rico hoje, e dinheiro compra de tudo. Por tempo demais a ajuda econômica e militar dos EUA permitiu a Netanyahu ter o melhor de seus dois mundos: financiar o ensandecido projeto colonial e manter Forças Armadas avançadas sem ter de aumentar impostos sobre toda a população israelense para pagar por isso tudo. Enquanto com uma mão Israel pegava a ajuda americana, com a outra seu Ministério da Defesa bancava estradas para colonos. A carteira do Tio Sam foi indiretamente a financiadora oculta da política de Netanyahu.

Portanto não, nós não estamos dizendo a Netanyahu o que fazer em Gaza — Israel é um país soberano. Só vamos dizer para ele o que não vamos fazer mais — porque, afinal, nós também somos um país soberano.

Os EUA tem financiado indiretamente o suicídio em câmera lenta de Israel — e eu não estou falando apenas dos assentamentos. Vejam o que Netanyahu fez em junho. Para comprar o apoio dos partidos ultraortodoxos que precisa para compor sua coalizão e manter-se fora da cadeia pelos processos de corrupção a que responde, o governo de Netanyahu deu aos ultraortodoxos e aos colonos “um incremento sem precedentes em alocações de recursos (…) incluindo financiamento para escolas que não ensinam inglês, ciências e matemática”, explicou o macroeconomista Dan Ben-David, que estuda a interação entre a demografia de Israel e a educação no país, da Universidade de Tel-Aviv, onde ele dirige o Instituto Shoresh para Pesquisa Socioeconômica. “Esse incremento orçamentário, sozinho, é maior que o montante investido por Israel anualmente em educação superior — mais que 14 anos de financiamento completo do Technion, o MIT de Israel”, afirmou Ben-David. “É completamente insano.”

Estrada entre assentamentos israelenses e vilas palestinas em Ramallah, na Cisjordânia.  Foto: AHMAD GHARABLI / AFP

A conclusão: Netanyahu tem uma estratégia completamente incoerente neste momento — eliminar o Hamas em Gaza e ao mesmo tempo construir mais assentamentos na Cisjordânia, que minam a única alternativa palestina ao Hamas decente a longo prazo, a Autoridade Palestina, de que Israel precisa para sair de Gaza com segurança.

Se esta é a temporada da guerra, também tem de ser a temporada das respostas sobre o que acontecerá na manhã seguinte. E eu dificilmente seria o único a querer escutá-las. Conforme escreveu no Haaretz o historiador israelense Yuval Noah Harari sobre o governo Netanyahu: se ele “realmente sonha em explorar a vitória para anexar territórios, redesenhar fronteiras pela força, expulsar populações, ignorar direitos, concretizar fantasias messiânicas ou transformar Israel em uma ditadura teocrática — nós precisamos saber agora”. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

Eu tenho grande admiração pela maneira que o presidente Joe Biden usou sua empatia e presença física para convencer os israelenses de que eles não estão sozinhos em sua guerra contra o monstruoso Hamas ao mesmo tempo que tentou enviar um sinal para os palestinos moderados. Biden, eu sei, se esforçou muito não apenas para fazer a liderança israelense parar para pensar em meio à sua fúria e calcular três passos adiante — não apenas sobre como entrar em Gaza para derrubar o Hamas, mas também sobre como sair — e como fazer isso ocasionando o mínimo possível de baixas civis.

Ainda que o presidente tenha expressado profundo entendimento a respeito do dilema moral e estratégico de Israel, ele insistiu aos comandantes militares e líderes políticos israelenses que aprendam com o impulso à guerra dos Estados Unidos após o 11 de Setembro, que levou nossos soldados a becos sem saída e vielas escuras de cidades e vilarejos desconhecidos no Iraque e no Afeganistão.

No entanto, as autoridades americanas deixaram Jerusalém com a sensação de que, ainda que o primeiro-ministro israelense, Binyamin Netanyahu, entenda que um exagero em Gaza poderia incendiar toda a vizinhança — e provavelmente ele é o líder mais cauteloso de Israel hoje — os parceiros de sua coalizão de direita estão ávidos para atiçar chamas na Cisjordânia. Colonos assentados no território mataram pelo menos sete palestinos na semana passada em atos de vingança, e os militares israelenses são ainda mais beligerantes do que o primeiro-ministro agora e estão determinados a castigar o Hamas de uma maneira que a região jamais esquecerá. Enquanto isso, o direitista ministro das Finanças israelense está se recusando a transferir o dinheiro dos impostos devidos à Autoridade Palestina, prejudicando sua capacidade de manter a Cisjordânia sob controle, o que o organismo tem feito até aqui.

Presidente dos EUA, Joe Biden, conversa com promeiro-ministro de Israel, Binyamin Netanyahu.  Foto: Kenny Holston/The New York Times

Imaginem-me muito preocupado. Não, imaginem-me extremamente preocupado.

Porque na primeira semana desta guerra o líder supremo do Irã e o líder da milícia Hezbollah no Líbano, Hassan Nasrallah, pareceram estar mantendo controle muito firme sobre seus milicianos tanto na fronteira de Israel quanto no Iraque, na Síria e no Iêmen. Mas conforme a segunda semana transcorreu, autoridades americanas detectaram cada vez mais sinais de que ambos os líderes estão considerando permitir que suas forças ataquem mais agressivamente alvos israelenses — e talvez alvos americanos, se os EUA intervierem.

Não tenham nenhuma dúvida: a possibilidade de uma guerra regional capaz de atrair os EUA é muito maior hoje do que cinco dias atrás, disseram-me autoridades americanas. Conforme escrevo este texto, na noite da quinta-feira, o Times noticia que um navio de guerra da Marinha dos EUA no norte do Mar Vermelho interceptou três mísseis de cruzeiro e vários drones lançados do Iêmen, e o Pentágono afirma que o alvo pode ter sido Israel. Mais mísseis — provavelmente de milícias pró-Irã — foram disparados contra forças americanas no Iraque e na Síria e contra Israel a partir do Líbano.

Israel não deverá permitir que o Irã use seus agentes indiretos para atingir seu território sem eventualmente disparar algum míssil diretamente contra Teerã. E se isso acontecer, qualquer coisa pode acontecer. Acredita-se que Israel tem submarinos no Golfo Pérsico.

O que torna a situação triplamente perigosa é que, mesmo se Israel agir com um comedimento hercúleo para evitar mortes de civis em Gaza, isso não vai importar. Pensem no que ocorreu no Hospital Ahli Arab, na Cidade de Gaza, na terça-feira.

Corpos de vítimas da explosão do hospital Ahli Arab, na cidade de Gaza. Foto: AP Photo/Abed Khaled

Conforme o colunista israelense Nahum Barnea apontou-me, a Jihad Islâmica na Palestina (JIP) conquistou mais nesta semana com um foguete que aparentemente funcionou mal “do que todos os seus lançamentos de mísseis bem-sucedidos”.

Por quê? Após aquele foguete falhar e cair sobre o hospital palestino em Gaza, matando centenas de pessoas, o Hamas e a JIP apressaram-se para afirmar — sem evidências — que Israel tinha bombardeado o hospital deliberadamente, incendiando as ruas de todo o mundo árabe. Quando Israel e os EUA ofereceram evidências convincentes, poucas horas depois, de que a JIP atingiu o hospital de Gaza acidentalmente com seu próprio foguete, já era tarde demais. As ruas árabes estavam em chamas, e uma reunião entre líderes árabes e Biden foi cancelada.

Imaginem o que acontecerá quando a primeira grande invasão israelense a Gaza começar no nosso mundo conectado, interligado por redes sociais e poluído com desinformações amplificadas por inteligência artificial. Não surpreende que líderes árabes pró-EUA estejam suplicando a Biden que suplique aos israelenses para que eles ajam de maneira que deixe algum espaço para a continuidade do trabalho com Israel.

É por isso que eu acredito que Israel ficaria em posição muito melhor se definisse qualquer ação em Gaza como “Operação de Salvamento dos Reféns Israelenses” — em vez de “Operação para Pôr Fim ao Hamas de Uma Vez por Todas” — e a realizasse com ataques cirúrgicos e forças especiais, que ainda são capazes de pegar os líderes do Hamas, e também traçasse a linha mais clara possível entre civis de Gaza e a ditadura do Hamas.

O Hamas não fez reféns apenas os israelenses que sequestrou, fez reféns também os civis de Gaza — que não votaram pelo sequestro selvagem perpetrado pelo Hamas de avós e bebês israelenses. Tirem um tempo para assistir à série de animação da ONG Center for Peace Communications e do jornal Times of Israel, “Whispered in Gaza” (Sussurrado em Gaza), produzida sobre entrevistas com moradores do enclave a respeito do que eles realmente pensam da liderança corrupta e despótica do Hamas. Israel tem que respeitar as visões dessas pessoas e construir sobre essas posições se espera fazer surgir desta guerra qualquer coisa positiva sustentável em Gaza.

Mas Israel está hoje em um modo de sobrevivência básica. Nós, americanos, podemos dar conselhos, mas Israel vai fazer o que achar que tiver de fazer.

Onde eu tenho voto — só um — é nos EUA. O presidente, em seu discurso no horário nobre na noite da quinta-feira, prometeu pedir ao Congresso US$ 14 bilhões em ajuda adicional para Israel travar esta guerra, juntamente com uma injeção imediata de US$ 100 milhões em um novo financiamento para assistência humanitária aos palestinos em Gaza e na Cisjordânia ocupada.

Eu sou totalmente favorável à ajuda a civis israelenses e palestinos neste momento — mas não sem algumas contrapartidas visíveis amarradas.

Se Israel precisa de armas para se proteger do Hamas e do Hezbollah, nós devemos mandá-las como pudermos. Mas uma ajuda econômica maior para Israel só deveria ser enviada se o país concordar em não construir mais nenhum assentamento colonial na Cisjordânia — zero, nada, coisa nenhuma, nenhum tijolo a mais, nenhum prego — fora dos blocos já assentados e do território de seu entorno imediato, onde a maioria dos colonos judeus se concentra atualmente e que Israel deverá reter em qualquer solução de dois Estados com os palestinos. (O pacto da coalizão de Netanyahu promete a anexação de toda a Cisjordânia.)

Ataque israelense causa destruição em campo de refugiados palestinos na Cisjordânia.  Foto: AP / Majdi Mohammed

Eu sou bem ciente de que o Hamas é comprometido com a eliminação do Estado judaico desde sua criação — e não porque Israel expandiu os assentamentos na Cisjordânia. Mas se Israel tem qualquer esperança de estimular uma liderança palestina capaz de substituir o Hamas em Gaza no longo prazo e ser uma parceira eficaz para uma solução de dois Estados, o projeto dos assentamentos tem de parar — e agora.

Já a Autoridade Palestina na Cisjordânia precisa, assim que possível, eleger ou nomear uma nova liderança — com competência para construir instituições palestinas decentes, livres de corrupção, que conquistem respeito das pessoas e legitimidade. A Autoridade Palestina, que está pronta para coexistir com o Estado judaico, precisa ser capaz de realmente vencer o Hamas em eleições livres e justas na Cisjordânia e em Gaza.

Sem esses dois conjuntos de condições atendidos, não haverá futuro para a moderação nesse canto do mundo, nenhuma chance de paz sustentável e nenhuma chance de normalização entre Israel e Arábia Saudita — mesmo se Israel eliminar todos os líderes, soldados e fabricantes de foguetes do Hamas, não importa o quão simpático alguém possa ser com a causa palestina.

O pilar dos 15 anos de Bibi Netanyahu como primeiro-ministro foi expandir os assentamentos coloniais estrategicamente para evitar a concretização de qualquer projeto de um Estado palestino contíguo a Israel.

Ao atuar dessa maneira, o líder israelense agiu sabidamente e flagrantemente contra os interesses dos EUA. Netanyahu esteve disposto a desestabilizar Jordânia e Egito, países aliados dos americanos, para erguer mais assentamentos. Esteve disposto a arriscar a maior realização diplomática dos EUA, os Acordos de Abraão, se o pacto implicasse na paralisação das construções de assentamentos. Netanyahu não mostrou nenhuma disposição até aqui para brecar os assentamentos e garantir um avanço histórico com a Arábia Saudita.

Pessoal, Israel é um país rico hoje, e dinheiro compra de tudo. Por tempo demais a ajuda econômica e militar dos EUA permitiu a Netanyahu ter o melhor de seus dois mundos: financiar o ensandecido projeto colonial e manter Forças Armadas avançadas sem ter de aumentar impostos sobre toda a população israelense para pagar por isso tudo. Enquanto com uma mão Israel pegava a ajuda americana, com a outra seu Ministério da Defesa bancava estradas para colonos. A carteira do Tio Sam foi indiretamente a financiadora oculta da política de Netanyahu.

Portanto não, nós não estamos dizendo a Netanyahu o que fazer em Gaza — Israel é um país soberano. Só vamos dizer para ele o que não vamos fazer mais — porque, afinal, nós também somos um país soberano.

Os EUA tem financiado indiretamente o suicídio em câmera lenta de Israel — e eu não estou falando apenas dos assentamentos. Vejam o que Netanyahu fez em junho. Para comprar o apoio dos partidos ultraortodoxos que precisa para compor sua coalizão e manter-se fora da cadeia pelos processos de corrupção a que responde, o governo de Netanyahu deu aos ultraortodoxos e aos colonos “um incremento sem precedentes em alocações de recursos (…) incluindo financiamento para escolas que não ensinam inglês, ciências e matemática”, explicou o macroeconomista Dan Ben-David, que estuda a interação entre a demografia de Israel e a educação no país, da Universidade de Tel-Aviv, onde ele dirige o Instituto Shoresh para Pesquisa Socioeconômica. “Esse incremento orçamentário, sozinho, é maior que o montante investido por Israel anualmente em educação superior — mais que 14 anos de financiamento completo do Technion, o MIT de Israel”, afirmou Ben-David. “É completamente insano.”

Estrada entre assentamentos israelenses e vilas palestinas em Ramallah, na Cisjordânia.  Foto: AHMAD GHARABLI / AFP

A conclusão: Netanyahu tem uma estratégia completamente incoerente neste momento — eliminar o Hamas em Gaza e ao mesmo tempo construir mais assentamentos na Cisjordânia, que minam a única alternativa palestina ao Hamas decente a longo prazo, a Autoridade Palestina, de que Israel precisa para sair de Gaza com segurança.

Se esta é a temporada da guerra, também tem de ser a temporada das respostas sobre o que acontecerá na manhã seguinte. E eu dificilmente seria o único a querer escutá-las. Conforme escreveu no Haaretz o historiador israelense Yuval Noah Harari sobre o governo Netanyahu: se ele “realmente sonha em explorar a vitória para anexar territórios, redesenhar fronteiras pela força, expulsar populações, ignorar direitos, concretizar fantasias messiânicas ou transformar Israel em uma ditadura teocrática — nós precisamos saber agora”. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

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