Partidos de extrema direita estão subindo ao poder em toda a Europa. A Espanha será a próxima?


Conforme a Espanha se prepara para eleições, alguns políticos progressistas europeus temem que o partido Vox, de extrema direita, possa se tornar a primeira facção reacionária a compor o governo nacional desde os tempos do ditador Francisco Franco

Por Jason Horowitz
Atualização:

THE NEW YORK TIMES - No mês passado, após o Partido Popular (PP), conservador, e o partido de extrema direita Vox esmagarem a esquerda nas eleições regionais da Espanha, os vencedores em Elche, uma pequena cidade no sudeste do país, conhecida por suas esculturas ancestrais e exportações de sapatos, firmaram um pacto que surtirá consequências no futuro da Espanha — e de toda a Europa.

O candidato a prefeito do PP tinha chance de formar governo, mas precisou do Vox, que, em troca de seu apoio durante a eleição para a câmara municipal, recebeu a vice e um novo organismo administrativo para defender a família tradicional. Os políticos assinaram o acordo sob a cruz da igreja local.

“Este modelo de coalizão pode ser bom para toda a Espanha”, afirmou Pablo Ruz, o novo prefeito de Elche, referindo-se às eleições nacionais marcadas para 23 de julho, que, segundo aponta a maioria das pesquisas, poderá retirar da função o primeiro-ministro progressista Pedro Sánchez, do Partido Socialista Operário da Espanha (PSOE). A nova vice-prefeita de Elche, Aurora Rodil, do Vox, foi além: “Meu partido fará todo o necessário para fazer isso acontecer”.

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Se o desejo de Rodil virar realidade, com o Vox integrando um gabinete com os com conservadores mais moderados, o partido se tornará a primeira facção reacionária a compor o governo nacional espanhol desde o fim da ditadura de Francisco Franco.

A ascensão do Vox é parte de uma tendência crescente de aumento de popularidade entre partidos de extrema direita que, em alguns casos, chegam ao poder como aliados menores de coalizões de governo.

O líder do partido de extrema direita Vox, Santiago Abascal, pede silêncio antes de ouvir o hino nacional espanhol durante um evento de campanha eleitoral em Guadalajaram na Espanha Foto: Manu Fernandez / AP
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Esses partidos têm diferenças entre si, mas em geral temem as ramificações econômicas da globalização e afirmam que suas nações estão perdendo as identidades nacionais em razão da imigração oriunda de países com população majoritariamente não cristã e não branca, além de queixar-se de uma União Europeia que, segundo eles acreditam, só cuida de interesses de elites. Seus avanços constantes têm adicionado urgência a um debate que adquiriu premência entre os progressistas a respeito de como superar uma direita subitamente mais influente.

Alguns argumentam que a extrema direita deve ser marginalizada, como foi o caso durante mais de meio século após o fim da 2.ª Guerra. Outros temem que a extrema direita tenha crescido demais para ser ignorada e que a única alternativa seja trazer seus adeptos para o governo na esperança de normalizá-los.

O primeiro-ministro da Espanha e candidato a reeleição, Pedro Sánchez, chega a um canal de televisão em Madrid para participar de um debate entre os candidatos  Foto: Bernat Armangue / AP
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Extremos

Na Suécia, o governo agora depende dos votos parlamentares de um partido com raízes neonazistas, ao qual concedeu funções na formulação de políticas. Na Finlândia, onde a direita ascendeu à coalizão de governo, o partido nacionalista Finlandeses ameaçou desestabilizá-la, com um importante ministro da legenda de extrema direita renunciando no mês passado depois de ser revelado que ele faz piadas “Heil Hitler”.

Na sexta-feira, o governo dos Países Baixos, liderado pelo conservador Mark Rutte, primeiro-ministro holandês há mais tempo na função, caiu porque os partidos mais centristas de sua coalizão consideraram seus esforços para conter a imigração duros demais. Rutte tem tido de guarnecer seu flanco à direita contra populistas emergentes e um antigo partido de extrema direita.

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Na Itália, a extrema direita assumiu o poder por conta própria. Mas até aqui, a primeira-ministra Giorgia Meloni, originada politicamente em partidos nascidos das cinzas do fascismo e aliada próxima do Vox na Espanha, tem governado mais moderadamente do que muitos na Europa esperariam — fundamentando um argumento de analistas de que a realidade do governo pode agir como uma força moderadora.

A primeira-ministra da Itália, Giorgia Meloni, tem governado de forma mais moderada do que o esperado  Foto: Remo Casilli / Reuters

Em outros países, partidos de extrema direita irrompem onde recentemente pareciam contidos.

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Na França, o anteriormente periférico partido da líder de extrema direita Marine Le Pen estabeleceu-se como força política conforme descontentamentos arraigados contra o presidente Emmanuel Macron explodiram em relação a temas como as alterações nas aposentadorias e integração e policiamento das minorias que vivem no país. Macron não concorrerá à reeleição, e seu mandato ainda durará anos, mas progressistas de toda a Europa tiveram calafrios quando Le Pen figurou à frente dele em pesquisas recentes.

E na Alemanha, onde a direita é tabu há muito tempo, a incerteza econômica e um novo aumento na entrada de solicitantes de asilo têm colaborado com a ressureição do partido de extrema direita Alternativa para a Alemanha (AfD) — que atualmente, segundo pesquisas, é o preferido nos Estados da antiga Alemanha Oriental e ganha popularidade até no oeste mais progressista.

Propostas

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Ainda que os partidos de extrema direita em diferentes países não tenham propostas idênticas, em geral eles pretendem fechar as portas para imigrantes e cortar benefícios dos que entraram; pausar ou reverter avanços em direitos LGBT+; e produzir mais políticas comerciais protecionistas. Alguns suspeitam da Otan e mostram-se ambíguos em relação às mudanças climáticas e ao envio de armas para a Ucrânia.

Em um aparente reconhecimento de que a cara da política está mudando, a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, afirmou na Espanha que a União Europeia precisa entregar resultados tangíveis para se contrapor a forças “extremistas”.

Na Espanha, onde o conservador PP tem boa chance de terminar a próxima eleição nacional em primeiro, um dos principais representantes do partido, Esteban González, afirmou que levar ao governo legendas de extrema direita, como o Vox, é uma maneira de neutralizá-las. Mas ele reconhece que essa estratégia implica em riscos.

“Há o cenário ruim: nós podemos legitimar o Vox”, afirmou ele. “Então há uma segunda chance: nós podemos normalizar o Vox”, afirmou ele, acrescentando que, se sua coalizão governar bem, “o Vox será mais um partido, um partido conservador dentro do sistema”.

Por agora, a situação está fluida, e há sinais de que Sánchez e seus aliados de esquerda ganham apoio. O Vox também parece estar perdendo terreno conforme a campanha de Sánchez une progressistas e artistas famosos colocando foco na ameaça que significa os conservadores levarem o Vox ao governo.

A Espanha pareceu nos anos recentes um ponto positivo para os progressistas. Sob Sánchez, o governo espanhol manteve a inflação baixa, reduziu as tensões com os separatistas da Catalunha e aumentou o índice de crescimento, pensões e o salário mínimo. E também é, em geral, popular na União Europeia.

Mas a aliança entre Sánchez, separatistas profundamente polarizadores e forças da extrema esquerda alimenta ressentimentos entre muitos eleitores.

Membros do Partido Socialista dos Trabalhadores (PSOE) colam cartazes eleitorais do primeiro-ministro interino da Espanha e líder socialista Pedro Sánchez ao lado de um cartaz eleitoral do líder do partido Vox, de extrema direita, Santiago Abascal Foto: Jon Nazca/ Reuters

González, um dos principais interlocutores do PP, não considera descabidas as preocupações a respeito do Vox possivelmente juntar forças com os conservadores. “Nós somos pró-UE, e o Vox é contra”, afirmou ele, acrescentando que o partido de extrema direita “preferiria algo como um Brexit geral, para todos os países (do bloco) recuperarem suas próprias soberanias”. Segundo González, as posições do Vox em relação a direitos dos gays e violência contra as mulheres “são inadmissíveis para nós”.

Esses limites começaram a transparecer conforme os novos líderes de Elche sentaram-se nas poltronas de couro do gabinete municipal, na semana passada, buscando montar uma frente unida. O prefeito Ruz, do conservador PP, e sua vice, Rodil, do Vox, se revesaram nas críticas ao primeiro-ministro. Mas pressionado, o prefeito reconheceu que seu partido é favorável ao casamento gay e que tem mais repulsa a partidos de extrema direita, como o AfD, do que sua “parceira”. Ainda assim, afirmou ele, o PP e o Vox compartilham o mesmo eleitorado, mas estratégias diferentes de “implementação”.

“Permitam-me uma palavra sobre isso”, afirmou Rodil com um sorriso amarelo. “Nós temos uma posição que pode ser um pouco firme.” O Vox, disse ela, acredita na “soberania das nações” e quer dificultar os abortos, posições que, segundo ela, algumas pessoas no partido do prefeito “não defendem”. Ela afirmou que as posições “ambíguas” do líder do PP, Alberto Núñez Feijóo, são “preocupantes”.

Crescimento do Vox

Muitos, em vez disso, preocupam-se com o Vox. “Nós temos visto o populismo crescer em cidades pequenas com o apoio da centro-direita,”, afirmou Carlos González, o ex-prefeito socialista de Elche que perdeu a eleição. Segundo González, em vez de impor limites à extrema direita, os conservadores do mainstream lhe deram um “cordão umbilical” de legitimidade.

O líder do Vox, Santiago Abascal, saiu do PP em meio a um escândalo sobre fundos secretos, em 2013. A popularidade do Vox cresceu em 2018, num momento em que a Espanha era o país europeu que mais recebia imigrantes pelo mar. E o nacionalismo do nacionalista Vox funcionou bem para o partido explorar as reações ao movimento independentista da Catalunha.

Mas o Vox também encontrou apoio entre espanhóis insatisfeitos com a virada progressista de seu país em relação às mudanças climáticas e questões sociais, incluindo direitos dos gays e feminismo. Os outdoors de suas campanhas mostraram candidatos jogando no lixo símbolos LGBT+, feministas e de outras expressões sociopolíticas. No município de Nàquera, próximo a Elche, o prefeito recém-eleito, do Vox, ordenou a remoção de bandeiras do orgulho gay de prédios municipais.

O líder do partido Vox, Santiago Abascal, discursa em evento em Guadalajara, Espanha  Foto: Manu Fernandez / AP

Um morador da cidade, o caminhoneiro Maximo Ibañez, de 45 anos, afirmou que votou no Vox porque o partido se expressa claramente e também porque as novas leis na Espanha que protegem explicitamente os direitos das mulheres contra violência de gênero — complementadas por tribunais especiais e sentenças mais duras — discriminam os homens. “As mulheres que têm direito à presunção de inocência por aqui”, afirmou ele.

Um dos líderes regionais do Vox fez piada afirmando que certas mulheres são feias demais para sofrerem estupros coletivos, e outro disse que “mulheres são mais beligerantes porque não têm pênis”.

Rodil, a nova vice-prefeita de Elche pelo Vox, afirmou que seu partido não é contrário às mulheres, mas à noção de que a violência doméstica deve ser percebida e tratada através da ótica da ideologia de gênero — e de que um homem, “apenas por ser homem, seja mau porque tem algum gene que o torne violento”.

Rodil argumentou que o governo de Sánchez colocou as mulheres em perigo com uma legislação mal formulada que tem potencial de permitir que perpetradores de crimes sexuais deixem a cadeia. Sánchez desculpou-se pelos efeitos não pretendidos da chamada lei do “Só o sim é sim”, que pretendeu caracterizar como estupro todos os atos sexuais não consentidos e que, por meio de mudanças em requerimentos às sentenças, arrisca reduzir o tempo de cadeia previsto para crimes sexuais e determinar a libertação de centenas de criminosos condenados.

Conforme muitos na Europa afirmam que chegou a hora de começar a levar mais a sério os partidos de direita, alguns eleitores de Elche se arrependem por não ter levado o Vox suficientemente a sério. “Eu não achei que eles fossem compor o governo. O fato deles terem conseguido me surpreendeu”, afirmou Isabel Chinchilla, de 67 anos, numa praça vigiada por três estátuas da Virgem Maria. “Eu votarei nas eleições nacionais para que isso não aconteça novamente, porque eles são muito reacionários em sua visão da sociedade.” / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

THE NEW YORK TIMES - No mês passado, após o Partido Popular (PP), conservador, e o partido de extrema direita Vox esmagarem a esquerda nas eleições regionais da Espanha, os vencedores em Elche, uma pequena cidade no sudeste do país, conhecida por suas esculturas ancestrais e exportações de sapatos, firmaram um pacto que surtirá consequências no futuro da Espanha — e de toda a Europa.

O candidato a prefeito do PP tinha chance de formar governo, mas precisou do Vox, que, em troca de seu apoio durante a eleição para a câmara municipal, recebeu a vice e um novo organismo administrativo para defender a família tradicional. Os políticos assinaram o acordo sob a cruz da igreja local.

“Este modelo de coalizão pode ser bom para toda a Espanha”, afirmou Pablo Ruz, o novo prefeito de Elche, referindo-se às eleições nacionais marcadas para 23 de julho, que, segundo aponta a maioria das pesquisas, poderá retirar da função o primeiro-ministro progressista Pedro Sánchez, do Partido Socialista Operário da Espanha (PSOE). A nova vice-prefeita de Elche, Aurora Rodil, do Vox, foi além: “Meu partido fará todo o necessário para fazer isso acontecer”.

Se o desejo de Rodil virar realidade, com o Vox integrando um gabinete com os com conservadores mais moderados, o partido se tornará a primeira facção reacionária a compor o governo nacional espanhol desde o fim da ditadura de Francisco Franco.

A ascensão do Vox é parte de uma tendência crescente de aumento de popularidade entre partidos de extrema direita que, em alguns casos, chegam ao poder como aliados menores de coalizões de governo.

O líder do partido de extrema direita Vox, Santiago Abascal, pede silêncio antes de ouvir o hino nacional espanhol durante um evento de campanha eleitoral em Guadalajaram na Espanha Foto: Manu Fernandez / AP

Esses partidos têm diferenças entre si, mas em geral temem as ramificações econômicas da globalização e afirmam que suas nações estão perdendo as identidades nacionais em razão da imigração oriunda de países com população majoritariamente não cristã e não branca, além de queixar-se de uma União Europeia que, segundo eles acreditam, só cuida de interesses de elites. Seus avanços constantes têm adicionado urgência a um debate que adquiriu premência entre os progressistas a respeito de como superar uma direita subitamente mais influente.

Alguns argumentam que a extrema direita deve ser marginalizada, como foi o caso durante mais de meio século após o fim da 2.ª Guerra. Outros temem que a extrema direita tenha crescido demais para ser ignorada e que a única alternativa seja trazer seus adeptos para o governo na esperança de normalizá-los.

O primeiro-ministro da Espanha e candidato a reeleição, Pedro Sánchez, chega a um canal de televisão em Madrid para participar de um debate entre os candidatos  Foto: Bernat Armangue / AP

Extremos

Na Suécia, o governo agora depende dos votos parlamentares de um partido com raízes neonazistas, ao qual concedeu funções na formulação de políticas. Na Finlândia, onde a direita ascendeu à coalizão de governo, o partido nacionalista Finlandeses ameaçou desestabilizá-la, com um importante ministro da legenda de extrema direita renunciando no mês passado depois de ser revelado que ele faz piadas “Heil Hitler”.

Na sexta-feira, o governo dos Países Baixos, liderado pelo conservador Mark Rutte, primeiro-ministro holandês há mais tempo na função, caiu porque os partidos mais centristas de sua coalizão consideraram seus esforços para conter a imigração duros demais. Rutte tem tido de guarnecer seu flanco à direita contra populistas emergentes e um antigo partido de extrema direita.

Na Itália, a extrema direita assumiu o poder por conta própria. Mas até aqui, a primeira-ministra Giorgia Meloni, originada politicamente em partidos nascidos das cinzas do fascismo e aliada próxima do Vox na Espanha, tem governado mais moderadamente do que muitos na Europa esperariam — fundamentando um argumento de analistas de que a realidade do governo pode agir como uma força moderadora.

A primeira-ministra da Itália, Giorgia Meloni, tem governado de forma mais moderada do que o esperado  Foto: Remo Casilli / Reuters

Em outros países, partidos de extrema direita irrompem onde recentemente pareciam contidos.

Na França, o anteriormente periférico partido da líder de extrema direita Marine Le Pen estabeleceu-se como força política conforme descontentamentos arraigados contra o presidente Emmanuel Macron explodiram em relação a temas como as alterações nas aposentadorias e integração e policiamento das minorias que vivem no país. Macron não concorrerá à reeleição, e seu mandato ainda durará anos, mas progressistas de toda a Europa tiveram calafrios quando Le Pen figurou à frente dele em pesquisas recentes.

E na Alemanha, onde a direita é tabu há muito tempo, a incerteza econômica e um novo aumento na entrada de solicitantes de asilo têm colaborado com a ressureição do partido de extrema direita Alternativa para a Alemanha (AfD) — que atualmente, segundo pesquisas, é o preferido nos Estados da antiga Alemanha Oriental e ganha popularidade até no oeste mais progressista.

Propostas

Ainda que os partidos de extrema direita em diferentes países não tenham propostas idênticas, em geral eles pretendem fechar as portas para imigrantes e cortar benefícios dos que entraram; pausar ou reverter avanços em direitos LGBT+; e produzir mais políticas comerciais protecionistas. Alguns suspeitam da Otan e mostram-se ambíguos em relação às mudanças climáticas e ao envio de armas para a Ucrânia.

Em um aparente reconhecimento de que a cara da política está mudando, a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, afirmou na Espanha que a União Europeia precisa entregar resultados tangíveis para se contrapor a forças “extremistas”.

Na Espanha, onde o conservador PP tem boa chance de terminar a próxima eleição nacional em primeiro, um dos principais representantes do partido, Esteban González, afirmou que levar ao governo legendas de extrema direita, como o Vox, é uma maneira de neutralizá-las. Mas ele reconhece que essa estratégia implica em riscos.

“Há o cenário ruim: nós podemos legitimar o Vox”, afirmou ele. “Então há uma segunda chance: nós podemos normalizar o Vox”, afirmou ele, acrescentando que, se sua coalizão governar bem, “o Vox será mais um partido, um partido conservador dentro do sistema”.

Por agora, a situação está fluida, e há sinais de que Sánchez e seus aliados de esquerda ganham apoio. O Vox também parece estar perdendo terreno conforme a campanha de Sánchez une progressistas e artistas famosos colocando foco na ameaça que significa os conservadores levarem o Vox ao governo.

A Espanha pareceu nos anos recentes um ponto positivo para os progressistas. Sob Sánchez, o governo espanhol manteve a inflação baixa, reduziu as tensões com os separatistas da Catalunha e aumentou o índice de crescimento, pensões e o salário mínimo. E também é, em geral, popular na União Europeia.

Mas a aliança entre Sánchez, separatistas profundamente polarizadores e forças da extrema esquerda alimenta ressentimentos entre muitos eleitores.

Membros do Partido Socialista dos Trabalhadores (PSOE) colam cartazes eleitorais do primeiro-ministro interino da Espanha e líder socialista Pedro Sánchez ao lado de um cartaz eleitoral do líder do partido Vox, de extrema direita, Santiago Abascal Foto: Jon Nazca/ Reuters

González, um dos principais interlocutores do PP, não considera descabidas as preocupações a respeito do Vox possivelmente juntar forças com os conservadores. “Nós somos pró-UE, e o Vox é contra”, afirmou ele, acrescentando que o partido de extrema direita “preferiria algo como um Brexit geral, para todos os países (do bloco) recuperarem suas próprias soberanias”. Segundo González, as posições do Vox em relação a direitos dos gays e violência contra as mulheres “são inadmissíveis para nós”.

Esses limites começaram a transparecer conforme os novos líderes de Elche sentaram-se nas poltronas de couro do gabinete municipal, na semana passada, buscando montar uma frente unida. O prefeito Ruz, do conservador PP, e sua vice, Rodil, do Vox, se revesaram nas críticas ao primeiro-ministro. Mas pressionado, o prefeito reconheceu que seu partido é favorável ao casamento gay e que tem mais repulsa a partidos de extrema direita, como o AfD, do que sua “parceira”. Ainda assim, afirmou ele, o PP e o Vox compartilham o mesmo eleitorado, mas estratégias diferentes de “implementação”.

“Permitam-me uma palavra sobre isso”, afirmou Rodil com um sorriso amarelo. “Nós temos uma posição que pode ser um pouco firme.” O Vox, disse ela, acredita na “soberania das nações” e quer dificultar os abortos, posições que, segundo ela, algumas pessoas no partido do prefeito “não defendem”. Ela afirmou que as posições “ambíguas” do líder do PP, Alberto Núñez Feijóo, são “preocupantes”.

Crescimento do Vox

Muitos, em vez disso, preocupam-se com o Vox. “Nós temos visto o populismo crescer em cidades pequenas com o apoio da centro-direita,”, afirmou Carlos González, o ex-prefeito socialista de Elche que perdeu a eleição. Segundo González, em vez de impor limites à extrema direita, os conservadores do mainstream lhe deram um “cordão umbilical” de legitimidade.

O líder do Vox, Santiago Abascal, saiu do PP em meio a um escândalo sobre fundos secretos, em 2013. A popularidade do Vox cresceu em 2018, num momento em que a Espanha era o país europeu que mais recebia imigrantes pelo mar. E o nacionalismo do nacionalista Vox funcionou bem para o partido explorar as reações ao movimento independentista da Catalunha.

Mas o Vox também encontrou apoio entre espanhóis insatisfeitos com a virada progressista de seu país em relação às mudanças climáticas e questões sociais, incluindo direitos dos gays e feminismo. Os outdoors de suas campanhas mostraram candidatos jogando no lixo símbolos LGBT+, feministas e de outras expressões sociopolíticas. No município de Nàquera, próximo a Elche, o prefeito recém-eleito, do Vox, ordenou a remoção de bandeiras do orgulho gay de prédios municipais.

O líder do partido Vox, Santiago Abascal, discursa em evento em Guadalajara, Espanha  Foto: Manu Fernandez / AP

Um morador da cidade, o caminhoneiro Maximo Ibañez, de 45 anos, afirmou que votou no Vox porque o partido se expressa claramente e também porque as novas leis na Espanha que protegem explicitamente os direitos das mulheres contra violência de gênero — complementadas por tribunais especiais e sentenças mais duras — discriminam os homens. “As mulheres que têm direito à presunção de inocência por aqui”, afirmou ele.

Um dos líderes regionais do Vox fez piada afirmando que certas mulheres são feias demais para sofrerem estupros coletivos, e outro disse que “mulheres são mais beligerantes porque não têm pênis”.

Rodil, a nova vice-prefeita de Elche pelo Vox, afirmou que seu partido não é contrário às mulheres, mas à noção de que a violência doméstica deve ser percebida e tratada através da ótica da ideologia de gênero — e de que um homem, “apenas por ser homem, seja mau porque tem algum gene que o torne violento”.

Rodil argumentou que o governo de Sánchez colocou as mulheres em perigo com uma legislação mal formulada que tem potencial de permitir que perpetradores de crimes sexuais deixem a cadeia. Sánchez desculpou-se pelos efeitos não pretendidos da chamada lei do “Só o sim é sim”, que pretendeu caracterizar como estupro todos os atos sexuais não consentidos e que, por meio de mudanças em requerimentos às sentenças, arrisca reduzir o tempo de cadeia previsto para crimes sexuais e determinar a libertação de centenas de criminosos condenados.

Conforme muitos na Europa afirmam que chegou a hora de começar a levar mais a sério os partidos de direita, alguns eleitores de Elche se arrependem por não ter levado o Vox suficientemente a sério. “Eu não achei que eles fossem compor o governo. O fato deles terem conseguido me surpreendeu”, afirmou Isabel Chinchilla, de 67 anos, numa praça vigiada por três estátuas da Virgem Maria. “Eu votarei nas eleições nacionais para que isso não aconteça novamente, porque eles são muito reacionários em sua visão da sociedade.” / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

THE NEW YORK TIMES - No mês passado, após o Partido Popular (PP), conservador, e o partido de extrema direita Vox esmagarem a esquerda nas eleições regionais da Espanha, os vencedores em Elche, uma pequena cidade no sudeste do país, conhecida por suas esculturas ancestrais e exportações de sapatos, firmaram um pacto que surtirá consequências no futuro da Espanha — e de toda a Europa.

O candidato a prefeito do PP tinha chance de formar governo, mas precisou do Vox, que, em troca de seu apoio durante a eleição para a câmara municipal, recebeu a vice e um novo organismo administrativo para defender a família tradicional. Os políticos assinaram o acordo sob a cruz da igreja local.

“Este modelo de coalizão pode ser bom para toda a Espanha”, afirmou Pablo Ruz, o novo prefeito de Elche, referindo-se às eleições nacionais marcadas para 23 de julho, que, segundo aponta a maioria das pesquisas, poderá retirar da função o primeiro-ministro progressista Pedro Sánchez, do Partido Socialista Operário da Espanha (PSOE). A nova vice-prefeita de Elche, Aurora Rodil, do Vox, foi além: “Meu partido fará todo o necessário para fazer isso acontecer”.

Se o desejo de Rodil virar realidade, com o Vox integrando um gabinete com os com conservadores mais moderados, o partido se tornará a primeira facção reacionária a compor o governo nacional espanhol desde o fim da ditadura de Francisco Franco.

A ascensão do Vox é parte de uma tendência crescente de aumento de popularidade entre partidos de extrema direita que, em alguns casos, chegam ao poder como aliados menores de coalizões de governo.

O líder do partido de extrema direita Vox, Santiago Abascal, pede silêncio antes de ouvir o hino nacional espanhol durante um evento de campanha eleitoral em Guadalajaram na Espanha Foto: Manu Fernandez / AP

Esses partidos têm diferenças entre si, mas em geral temem as ramificações econômicas da globalização e afirmam que suas nações estão perdendo as identidades nacionais em razão da imigração oriunda de países com população majoritariamente não cristã e não branca, além de queixar-se de uma União Europeia que, segundo eles acreditam, só cuida de interesses de elites. Seus avanços constantes têm adicionado urgência a um debate que adquiriu premência entre os progressistas a respeito de como superar uma direita subitamente mais influente.

Alguns argumentam que a extrema direita deve ser marginalizada, como foi o caso durante mais de meio século após o fim da 2.ª Guerra. Outros temem que a extrema direita tenha crescido demais para ser ignorada e que a única alternativa seja trazer seus adeptos para o governo na esperança de normalizá-los.

O primeiro-ministro da Espanha e candidato a reeleição, Pedro Sánchez, chega a um canal de televisão em Madrid para participar de um debate entre os candidatos  Foto: Bernat Armangue / AP

Extremos

Na Suécia, o governo agora depende dos votos parlamentares de um partido com raízes neonazistas, ao qual concedeu funções na formulação de políticas. Na Finlândia, onde a direita ascendeu à coalizão de governo, o partido nacionalista Finlandeses ameaçou desestabilizá-la, com um importante ministro da legenda de extrema direita renunciando no mês passado depois de ser revelado que ele faz piadas “Heil Hitler”.

Na sexta-feira, o governo dos Países Baixos, liderado pelo conservador Mark Rutte, primeiro-ministro holandês há mais tempo na função, caiu porque os partidos mais centristas de sua coalizão consideraram seus esforços para conter a imigração duros demais. Rutte tem tido de guarnecer seu flanco à direita contra populistas emergentes e um antigo partido de extrema direita.

Na Itália, a extrema direita assumiu o poder por conta própria. Mas até aqui, a primeira-ministra Giorgia Meloni, originada politicamente em partidos nascidos das cinzas do fascismo e aliada próxima do Vox na Espanha, tem governado mais moderadamente do que muitos na Europa esperariam — fundamentando um argumento de analistas de que a realidade do governo pode agir como uma força moderadora.

A primeira-ministra da Itália, Giorgia Meloni, tem governado de forma mais moderada do que o esperado  Foto: Remo Casilli / Reuters

Em outros países, partidos de extrema direita irrompem onde recentemente pareciam contidos.

Na França, o anteriormente periférico partido da líder de extrema direita Marine Le Pen estabeleceu-se como força política conforme descontentamentos arraigados contra o presidente Emmanuel Macron explodiram em relação a temas como as alterações nas aposentadorias e integração e policiamento das minorias que vivem no país. Macron não concorrerá à reeleição, e seu mandato ainda durará anos, mas progressistas de toda a Europa tiveram calafrios quando Le Pen figurou à frente dele em pesquisas recentes.

E na Alemanha, onde a direita é tabu há muito tempo, a incerteza econômica e um novo aumento na entrada de solicitantes de asilo têm colaborado com a ressureição do partido de extrema direita Alternativa para a Alemanha (AfD) — que atualmente, segundo pesquisas, é o preferido nos Estados da antiga Alemanha Oriental e ganha popularidade até no oeste mais progressista.

Propostas

Ainda que os partidos de extrema direita em diferentes países não tenham propostas idênticas, em geral eles pretendem fechar as portas para imigrantes e cortar benefícios dos que entraram; pausar ou reverter avanços em direitos LGBT+; e produzir mais políticas comerciais protecionistas. Alguns suspeitam da Otan e mostram-se ambíguos em relação às mudanças climáticas e ao envio de armas para a Ucrânia.

Em um aparente reconhecimento de que a cara da política está mudando, a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, afirmou na Espanha que a União Europeia precisa entregar resultados tangíveis para se contrapor a forças “extremistas”.

Na Espanha, onde o conservador PP tem boa chance de terminar a próxima eleição nacional em primeiro, um dos principais representantes do partido, Esteban González, afirmou que levar ao governo legendas de extrema direita, como o Vox, é uma maneira de neutralizá-las. Mas ele reconhece que essa estratégia implica em riscos.

“Há o cenário ruim: nós podemos legitimar o Vox”, afirmou ele. “Então há uma segunda chance: nós podemos normalizar o Vox”, afirmou ele, acrescentando que, se sua coalizão governar bem, “o Vox será mais um partido, um partido conservador dentro do sistema”.

Por agora, a situação está fluida, e há sinais de que Sánchez e seus aliados de esquerda ganham apoio. O Vox também parece estar perdendo terreno conforme a campanha de Sánchez une progressistas e artistas famosos colocando foco na ameaça que significa os conservadores levarem o Vox ao governo.

A Espanha pareceu nos anos recentes um ponto positivo para os progressistas. Sob Sánchez, o governo espanhol manteve a inflação baixa, reduziu as tensões com os separatistas da Catalunha e aumentou o índice de crescimento, pensões e o salário mínimo. E também é, em geral, popular na União Europeia.

Mas a aliança entre Sánchez, separatistas profundamente polarizadores e forças da extrema esquerda alimenta ressentimentos entre muitos eleitores.

Membros do Partido Socialista dos Trabalhadores (PSOE) colam cartazes eleitorais do primeiro-ministro interino da Espanha e líder socialista Pedro Sánchez ao lado de um cartaz eleitoral do líder do partido Vox, de extrema direita, Santiago Abascal Foto: Jon Nazca/ Reuters

González, um dos principais interlocutores do PP, não considera descabidas as preocupações a respeito do Vox possivelmente juntar forças com os conservadores. “Nós somos pró-UE, e o Vox é contra”, afirmou ele, acrescentando que o partido de extrema direita “preferiria algo como um Brexit geral, para todos os países (do bloco) recuperarem suas próprias soberanias”. Segundo González, as posições do Vox em relação a direitos dos gays e violência contra as mulheres “são inadmissíveis para nós”.

Esses limites começaram a transparecer conforme os novos líderes de Elche sentaram-se nas poltronas de couro do gabinete municipal, na semana passada, buscando montar uma frente unida. O prefeito Ruz, do conservador PP, e sua vice, Rodil, do Vox, se revesaram nas críticas ao primeiro-ministro. Mas pressionado, o prefeito reconheceu que seu partido é favorável ao casamento gay e que tem mais repulsa a partidos de extrema direita, como o AfD, do que sua “parceira”. Ainda assim, afirmou ele, o PP e o Vox compartilham o mesmo eleitorado, mas estratégias diferentes de “implementação”.

“Permitam-me uma palavra sobre isso”, afirmou Rodil com um sorriso amarelo. “Nós temos uma posição que pode ser um pouco firme.” O Vox, disse ela, acredita na “soberania das nações” e quer dificultar os abortos, posições que, segundo ela, algumas pessoas no partido do prefeito “não defendem”. Ela afirmou que as posições “ambíguas” do líder do PP, Alberto Núñez Feijóo, são “preocupantes”.

Crescimento do Vox

Muitos, em vez disso, preocupam-se com o Vox. “Nós temos visto o populismo crescer em cidades pequenas com o apoio da centro-direita,”, afirmou Carlos González, o ex-prefeito socialista de Elche que perdeu a eleição. Segundo González, em vez de impor limites à extrema direita, os conservadores do mainstream lhe deram um “cordão umbilical” de legitimidade.

O líder do Vox, Santiago Abascal, saiu do PP em meio a um escândalo sobre fundos secretos, em 2013. A popularidade do Vox cresceu em 2018, num momento em que a Espanha era o país europeu que mais recebia imigrantes pelo mar. E o nacionalismo do nacionalista Vox funcionou bem para o partido explorar as reações ao movimento independentista da Catalunha.

Mas o Vox também encontrou apoio entre espanhóis insatisfeitos com a virada progressista de seu país em relação às mudanças climáticas e questões sociais, incluindo direitos dos gays e feminismo. Os outdoors de suas campanhas mostraram candidatos jogando no lixo símbolos LGBT+, feministas e de outras expressões sociopolíticas. No município de Nàquera, próximo a Elche, o prefeito recém-eleito, do Vox, ordenou a remoção de bandeiras do orgulho gay de prédios municipais.

O líder do partido Vox, Santiago Abascal, discursa em evento em Guadalajara, Espanha  Foto: Manu Fernandez / AP

Um morador da cidade, o caminhoneiro Maximo Ibañez, de 45 anos, afirmou que votou no Vox porque o partido se expressa claramente e também porque as novas leis na Espanha que protegem explicitamente os direitos das mulheres contra violência de gênero — complementadas por tribunais especiais e sentenças mais duras — discriminam os homens. “As mulheres que têm direito à presunção de inocência por aqui”, afirmou ele.

Um dos líderes regionais do Vox fez piada afirmando que certas mulheres são feias demais para sofrerem estupros coletivos, e outro disse que “mulheres são mais beligerantes porque não têm pênis”.

Rodil, a nova vice-prefeita de Elche pelo Vox, afirmou que seu partido não é contrário às mulheres, mas à noção de que a violência doméstica deve ser percebida e tratada através da ótica da ideologia de gênero — e de que um homem, “apenas por ser homem, seja mau porque tem algum gene que o torne violento”.

Rodil argumentou que o governo de Sánchez colocou as mulheres em perigo com uma legislação mal formulada que tem potencial de permitir que perpetradores de crimes sexuais deixem a cadeia. Sánchez desculpou-se pelos efeitos não pretendidos da chamada lei do “Só o sim é sim”, que pretendeu caracterizar como estupro todos os atos sexuais não consentidos e que, por meio de mudanças em requerimentos às sentenças, arrisca reduzir o tempo de cadeia previsto para crimes sexuais e determinar a libertação de centenas de criminosos condenados.

Conforme muitos na Europa afirmam que chegou a hora de começar a levar mais a sério os partidos de direita, alguns eleitores de Elche se arrependem por não ter levado o Vox suficientemente a sério. “Eu não achei que eles fossem compor o governo. O fato deles terem conseguido me surpreendeu”, afirmou Isabel Chinchilla, de 67 anos, numa praça vigiada por três estátuas da Virgem Maria. “Eu votarei nas eleições nacionais para que isso não aconteça novamente, porque eles são muito reacionários em sua visão da sociedade.” / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

THE NEW YORK TIMES - No mês passado, após o Partido Popular (PP), conservador, e o partido de extrema direita Vox esmagarem a esquerda nas eleições regionais da Espanha, os vencedores em Elche, uma pequena cidade no sudeste do país, conhecida por suas esculturas ancestrais e exportações de sapatos, firmaram um pacto que surtirá consequências no futuro da Espanha — e de toda a Europa.

O candidato a prefeito do PP tinha chance de formar governo, mas precisou do Vox, que, em troca de seu apoio durante a eleição para a câmara municipal, recebeu a vice e um novo organismo administrativo para defender a família tradicional. Os políticos assinaram o acordo sob a cruz da igreja local.

“Este modelo de coalizão pode ser bom para toda a Espanha”, afirmou Pablo Ruz, o novo prefeito de Elche, referindo-se às eleições nacionais marcadas para 23 de julho, que, segundo aponta a maioria das pesquisas, poderá retirar da função o primeiro-ministro progressista Pedro Sánchez, do Partido Socialista Operário da Espanha (PSOE). A nova vice-prefeita de Elche, Aurora Rodil, do Vox, foi além: “Meu partido fará todo o necessário para fazer isso acontecer”.

Se o desejo de Rodil virar realidade, com o Vox integrando um gabinete com os com conservadores mais moderados, o partido se tornará a primeira facção reacionária a compor o governo nacional espanhol desde o fim da ditadura de Francisco Franco.

A ascensão do Vox é parte de uma tendência crescente de aumento de popularidade entre partidos de extrema direita que, em alguns casos, chegam ao poder como aliados menores de coalizões de governo.

O líder do partido de extrema direita Vox, Santiago Abascal, pede silêncio antes de ouvir o hino nacional espanhol durante um evento de campanha eleitoral em Guadalajaram na Espanha Foto: Manu Fernandez / AP

Esses partidos têm diferenças entre si, mas em geral temem as ramificações econômicas da globalização e afirmam que suas nações estão perdendo as identidades nacionais em razão da imigração oriunda de países com população majoritariamente não cristã e não branca, além de queixar-se de uma União Europeia que, segundo eles acreditam, só cuida de interesses de elites. Seus avanços constantes têm adicionado urgência a um debate que adquiriu premência entre os progressistas a respeito de como superar uma direita subitamente mais influente.

Alguns argumentam que a extrema direita deve ser marginalizada, como foi o caso durante mais de meio século após o fim da 2.ª Guerra. Outros temem que a extrema direita tenha crescido demais para ser ignorada e que a única alternativa seja trazer seus adeptos para o governo na esperança de normalizá-los.

O primeiro-ministro da Espanha e candidato a reeleição, Pedro Sánchez, chega a um canal de televisão em Madrid para participar de um debate entre os candidatos  Foto: Bernat Armangue / AP

Extremos

Na Suécia, o governo agora depende dos votos parlamentares de um partido com raízes neonazistas, ao qual concedeu funções na formulação de políticas. Na Finlândia, onde a direita ascendeu à coalizão de governo, o partido nacionalista Finlandeses ameaçou desestabilizá-la, com um importante ministro da legenda de extrema direita renunciando no mês passado depois de ser revelado que ele faz piadas “Heil Hitler”.

Na sexta-feira, o governo dos Países Baixos, liderado pelo conservador Mark Rutte, primeiro-ministro holandês há mais tempo na função, caiu porque os partidos mais centristas de sua coalizão consideraram seus esforços para conter a imigração duros demais. Rutte tem tido de guarnecer seu flanco à direita contra populistas emergentes e um antigo partido de extrema direita.

Na Itália, a extrema direita assumiu o poder por conta própria. Mas até aqui, a primeira-ministra Giorgia Meloni, originada politicamente em partidos nascidos das cinzas do fascismo e aliada próxima do Vox na Espanha, tem governado mais moderadamente do que muitos na Europa esperariam — fundamentando um argumento de analistas de que a realidade do governo pode agir como uma força moderadora.

A primeira-ministra da Itália, Giorgia Meloni, tem governado de forma mais moderada do que o esperado  Foto: Remo Casilli / Reuters

Em outros países, partidos de extrema direita irrompem onde recentemente pareciam contidos.

Na França, o anteriormente periférico partido da líder de extrema direita Marine Le Pen estabeleceu-se como força política conforme descontentamentos arraigados contra o presidente Emmanuel Macron explodiram em relação a temas como as alterações nas aposentadorias e integração e policiamento das minorias que vivem no país. Macron não concorrerá à reeleição, e seu mandato ainda durará anos, mas progressistas de toda a Europa tiveram calafrios quando Le Pen figurou à frente dele em pesquisas recentes.

E na Alemanha, onde a direita é tabu há muito tempo, a incerteza econômica e um novo aumento na entrada de solicitantes de asilo têm colaborado com a ressureição do partido de extrema direita Alternativa para a Alemanha (AfD) — que atualmente, segundo pesquisas, é o preferido nos Estados da antiga Alemanha Oriental e ganha popularidade até no oeste mais progressista.

Propostas

Ainda que os partidos de extrema direita em diferentes países não tenham propostas idênticas, em geral eles pretendem fechar as portas para imigrantes e cortar benefícios dos que entraram; pausar ou reverter avanços em direitos LGBT+; e produzir mais políticas comerciais protecionistas. Alguns suspeitam da Otan e mostram-se ambíguos em relação às mudanças climáticas e ao envio de armas para a Ucrânia.

Em um aparente reconhecimento de que a cara da política está mudando, a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, afirmou na Espanha que a União Europeia precisa entregar resultados tangíveis para se contrapor a forças “extremistas”.

Na Espanha, onde o conservador PP tem boa chance de terminar a próxima eleição nacional em primeiro, um dos principais representantes do partido, Esteban González, afirmou que levar ao governo legendas de extrema direita, como o Vox, é uma maneira de neutralizá-las. Mas ele reconhece que essa estratégia implica em riscos.

“Há o cenário ruim: nós podemos legitimar o Vox”, afirmou ele. “Então há uma segunda chance: nós podemos normalizar o Vox”, afirmou ele, acrescentando que, se sua coalizão governar bem, “o Vox será mais um partido, um partido conservador dentro do sistema”.

Por agora, a situação está fluida, e há sinais de que Sánchez e seus aliados de esquerda ganham apoio. O Vox também parece estar perdendo terreno conforme a campanha de Sánchez une progressistas e artistas famosos colocando foco na ameaça que significa os conservadores levarem o Vox ao governo.

A Espanha pareceu nos anos recentes um ponto positivo para os progressistas. Sob Sánchez, o governo espanhol manteve a inflação baixa, reduziu as tensões com os separatistas da Catalunha e aumentou o índice de crescimento, pensões e o salário mínimo. E também é, em geral, popular na União Europeia.

Mas a aliança entre Sánchez, separatistas profundamente polarizadores e forças da extrema esquerda alimenta ressentimentos entre muitos eleitores.

Membros do Partido Socialista dos Trabalhadores (PSOE) colam cartazes eleitorais do primeiro-ministro interino da Espanha e líder socialista Pedro Sánchez ao lado de um cartaz eleitoral do líder do partido Vox, de extrema direita, Santiago Abascal Foto: Jon Nazca/ Reuters

González, um dos principais interlocutores do PP, não considera descabidas as preocupações a respeito do Vox possivelmente juntar forças com os conservadores. “Nós somos pró-UE, e o Vox é contra”, afirmou ele, acrescentando que o partido de extrema direita “preferiria algo como um Brexit geral, para todos os países (do bloco) recuperarem suas próprias soberanias”. Segundo González, as posições do Vox em relação a direitos dos gays e violência contra as mulheres “são inadmissíveis para nós”.

Esses limites começaram a transparecer conforme os novos líderes de Elche sentaram-se nas poltronas de couro do gabinete municipal, na semana passada, buscando montar uma frente unida. O prefeito Ruz, do conservador PP, e sua vice, Rodil, do Vox, se revesaram nas críticas ao primeiro-ministro. Mas pressionado, o prefeito reconheceu que seu partido é favorável ao casamento gay e que tem mais repulsa a partidos de extrema direita, como o AfD, do que sua “parceira”. Ainda assim, afirmou ele, o PP e o Vox compartilham o mesmo eleitorado, mas estratégias diferentes de “implementação”.

“Permitam-me uma palavra sobre isso”, afirmou Rodil com um sorriso amarelo. “Nós temos uma posição que pode ser um pouco firme.” O Vox, disse ela, acredita na “soberania das nações” e quer dificultar os abortos, posições que, segundo ela, algumas pessoas no partido do prefeito “não defendem”. Ela afirmou que as posições “ambíguas” do líder do PP, Alberto Núñez Feijóo, são “preocupantes”.

Crescimento do Vox

Muitos, em vez disso, preocupam-se com o Vox. “Nós temos visto o populismo crescer em cidades pequenas com o apoio da centro-direita,”, afirmou Carlos González, o ex-prefeito socialista de Elche que perdeu a eleição. Segundo González, em vez de impor limites à extrema direita, os conservadores do mainstream lhe deram um “cordão umbilical” de legitimidade.

O líder do Vox, Santiago Abascal, saiu do PP em meio a um escândalo sobre fundos secretos, em 2013. A popularidade do Vox cresceu em 2018, num momento em que a Espanha era o país europeu que mais recebia imigrantes pelo mar. E o nacionalismo do nacionalista Vox funcionou bem para o partido explorar as reações ao movimento independentista da Catalunha.

Mas o Vox também encontrou apoio entre espanhóis insatisfeitos com a virada progressista de seu país em relação às mudanças climáticas e questões sociais, incluindo direitos dos gays e feminismo. Os outdoors de suas campanhas mostraram candidatos jogando no lixo símbolos LGBT+, feministas e de outras expressões sociopolíticas. No município de Nàquera, próximo a Elche, o prefeito recém-eleito, do Vox, ordenou a remoção de bandeiras do orgulho gay de prédios municipais.

O líder do partido Vox, Santiago Abascal, discursa em evento em Guadalajara, Espanha  Foto: Manu Fernandez / AP

Um morador da cidade, o caminhoneiro Maximo Ibañez, de 45 anos, afirmou que votou no Vox porque o partido se expressa claramente e também porque as novas leis na Espanha que protegem explicitamente os direitos das mulheres contra violência de gênero — complementadas por tribunais especiais e sentenças mais duras — discriminam os homens. “As mulheres que têm direito à presunção de inocência por aqui”, afirmou ele.

Um dos líderes regionais do Vox fez piada afirmando que certas mulheres são feias demais para sofrerem estupros coletivos, e outro disse que “mulheres são mais beligerantes porque não têm pênis”.

Rodil, a nova vice-prefeita de Elche pelo Vox, afirmou que seu partido não é contrário às mulheres, mas à noção de que a violência doméstica deve ser percebida e tratada através da ótica da ideologia de gênero — e de que um homem, “apenas por ser homem, seja mau porque tem algum gene que o torne violento”.

Rodil argumentou que o governo de Sánchez colocou as mulheres em perigo com uma legislação mal formulada que tem potencial de permitir que perpetradores de crimes sexuais deixem a cadeia. Sánchez desculpou-se pelos efeitos não pretendidos da chamada lei do “Só o sim é sim”, que pretendeu caracterizar como estupro todos os atos sexuais não consentidos e que, por meio de mudanças em requerimentos às sentenças, arrisca reduzir o tempo de cadeia previsto para crimes sexuais e determinar a libertação de centenas de criminosos condenados.

Conforme muitos na Europa afirmam que chegou a hora de começar a levar mais a sério os partidos de direita, alguns eleitores de Elche se arrependem por não ter levado o Vox suficientemente a sério. “Eu não achei que eles fossem compor o governo. O fato deles terem conseguido me surpreendeu”, afirmou Isabel Chinchilla, de 67 anos, numa praça vigiada por três estátuas da Virgem Maria. “Eu votarei nas eleições nacionais para que isso não aconteça novamente, porque eles são muito reacionários em sua visão da sociedade.” / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

THE NEW YORK TIMES - No mês passado, após o Partido Popular (PP), conservador, e o partido de extrema direita Vox esmagarem a esquerda nas eleições regionais da Espanha, os vencedores em Elche, uma pequena cidade no sudeste do país, conhecida por suas esculturas ancestrais e exportações de sapatos, firmaram um pacto que surtirá consequências no futuro da Espanha — e de toda a Europa.

O candidato a prefeito do PP tinha chance de formar governo, mas precisou do Vox, que, em troca de seu apoio durante a eleição para a câmara municipal, recebeu a vice e um novo organismo administrativo para defender a família tradicional. Os políticos assinaram o acordo sob a cruz da igreja local.

“Este modelo de coalizão pode ser bom para toda a Espanha”, afirmou Pablo Ruz, o novo prefeito de Elche, referindo-se às eleições nacionais marcadas para 23 de julho, que, segundo aponta a maioria das pesquisas, poderá retirar da função o primeiro-ministro progressista Pedro Sánchez, do Partido Socialista Operário da Espanha (PSOE). A nova vice-prefeita de Elche, Aurora Rodil, do Vox, foi além: “Meu partido fará todo o necessário para fazer isso acontecer”.

Se o desejo de Rodil virar realidade, com o Vox integrando um gabinete com os com conservadores mais moderados, o partido se tornará a primeira facção reacionária a compor o governo nacional espanhol desde o fim da ditadura de Francisco Franco.

A ascensão do Vox é parte de uma tendência crescente de aumento de popularidade entre partidos de extrema direita que, em alguns casos, chegam ao poder como aliados menores de coalizões de governo.

O líder do partido de extrema direita Vox, Santiago Abascal, pede silêncio antes de ouvir o hino nacional espanhol durante um evento de campanha eleitoral em Guadalajaram na Espanha Foto: Manu Fernandez / AP

Esses partidos têm diferenças entre si, mas em geral temem as ramificações econômicas da globalização e afirmam que suas nações estão perdendo as identidades nacionais em razão da imigração oriunda de países com população majoritariamente não cristã e não branca, além de queixar-se de uma União Europeia que, segundo eles acreditam, só cuida de interesses de elites. Seus avanços constantes têm adicionado urgência a um debate que adquiriu premência entre os progressistas a respeito de como superar uma direita subitamente mais influente.

Alguns argumentam que a extrema direita deve ser marginalizada, como foi o caso durante mais de meio século após o fim da 2.ª Guerra. Outros temem que a extrema direita tenha crescido demais para ser ignorada e que a única alternativa seja trazer seus adeptos para o governo na esperança de normalizá-los.

O primeiro-ministro da Espanha e candidato a reeleição, Pedro Sánchez, chega a um canal de televisão em Madrid para participar de um debate entre os candidatos  Foto: Bernat Armangue / AP

Extremos

Na Suécia, o governo agora depende dos votos parlamentares de um partido com raízes neonazistas, ao qual concedeu funções na formulação de políticas. Na Finlândia, onde a direita ascendeu à coalizão de governo, o partido nacionalista Finlandeses ameaçou desestabilizá-la, com um importante ministro da legenda de extrema direita renunciando no mês passado depois de ser revelado que ele faz piadas “Heil Hitler”.

Na sexta-feira, o governo dos Países Baixos, liderado pelo conservador Mark Rutte, primeiro-ministro holandês há mais tempo na função, caiu porque os partidos mais centristas de sua coalizão consideraram seus esforços para conter a imigração duros demais. Rutte tem tido de guarnecer seu flanco à direita contra populistas emergentes e um antigo partido de extrema direita.

Na Itália, a extrema direita assumiu o poder por conta própria. Mas até aqui, a primeira-ministra Giorgia Meloni, originada politicamente em partidos nascidos das cinzas do fascismo e aliada próxima do Vox na Espanha, tem governado mais moderadamente do que muitos na Europa esperariam — fundamentando um argumento de analistas de que a realidade do governo pode agir como uma força moderadora.

A primeira-ministra da Itália, Giorgia Meloni, tem governado de forma mais moderada do que o esperado  Foto: Remo Casilli / Reuters

Em outros países, partidos de extrema direita irrompem onde recentemente pareciam contidos.

Na França, o anteriormente periférico partido da líder de extrema direita Marine Le Pen estabeleceu-se como força política conforme descontentamentos arraigados contra o presidente Emmanuel Macron explodiram em relação a temas como as alterações nas aposentadorias e integração e policiamento das minorias que vivem no país. Macron não concorrerá à reeleição, e seu mandato ainda durará anos, mas progressistas de toda a Europa tiveram calafrios quando Le Pen figurou à frente dele em pesquisas recentes.

E na Alemanha, onde a direita é tabu há muito tempo, a incerteza econômica e um novo aumento na entrada de solicitantes de asilo têm colaborado com a ressureição do partido de extrema direita Alternativa para a Alemanha (AfD) — que atualmente, segundo pesquisas, é o preferido nos Estados da antiga Alemanha Oriental e ganha popularidade até no oeste mais progressista.

Propostas

Ainda que os partidos de extrema direita em diferentes países não tenham propostas idênticas, em geral eles pretendem fechar as portas para imigrantes e cortar benefícios dos que entraram; pausar ou reverter avanços em direitos LGBT+; e produzir mais políticas comerciais protecionistas. Alguns suspeitam da Otan e mostram-se ambíguos em relação às mudanças climáticas e ao envio de armas para a Ucrânia.

Em um aparente reconhecimento de que a cara da política está mudando, a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, afirmou na Espanha que a União Europeia precisa entregar resultados tangíveis para se contrapor a forças “extremistas”.

Na Espanha, onde o conservador PP tem boa chance de terminar a próxima eleição nacional em primeiro, um dos principais representantes do partido, Esteban González, afirmou que levar ao governo legendas de extrema direita, como o Vox, é uma maneira de neutralizá-las. Mas ele reconhece que essa estratégia implica em riscos.

“Há o cenário ruim: nós podemos legitimar o Vox”, afirmou ele. “Então há uma segunda chance: nós podemos normalizar o Vox”, afirmou ele, acrescentando que, se sua coalizão governar bem, “o Vox será mais um partido, um partido conservador dentro do sistema”.

Por agora, a situação está fluida, e há sinais de que Sánchez e seus aliados de esquerda ganham apoio. O Vox também parece estar perdendo terreno conforme a campanha de Sánchez une progressistas e artistas famosos colocando foco na ameaça que significa os conservadores levarem o Vox ao governo.

A Espanha pareceu nos anos recentes um ponto positivo para os progressistas. Sob Sánchez, o governo espanhol manteve a inflação baixa, reduziu as tensões com os separatistas da Catalunha e aumentou o índice de crescimento, pensões e o salário mínimo. E também é, em geral, popular na União Europeia.

Mas a aliança entre Sánchez, separatistas profundamente polarizadores e forças da extrema esquerda alimenta ressentimentos entre muitos eleitores.

Membros do Partido Socialista dos Trabalhadores (PSOE) colam cartazes eleitorais do primeiro-ministro interino da Espanha e líder socialista Pedro Sánchez ao lado de um cartaz eleitoral do líder do partido Vox, de extrema direita, Santiago Abascal Foto: Jon Nazca/ Reuters

González, um dos principais interlocutores do PP, não considera descabidas as preocupações a respeito do Vox possivelmente juntar forças com os conservadores. “Nós somos pró-UE, e o Vox é contra”, afirmou ele, acrescentando que o partido de extrema direita “preferiria algo como um Brexit geral, para todos os países (do bloco) recuperarem suas próprias soberanias”. Segundo González, as posições do Vox em relação a direitos dos gays e violência contra as mulheres “são inadmissíveis para nós”.

Esses limites começaram a transparecer conforme os novos líderes de Elche sentaram-se nas poltronas de couro do gabinete municipal, na semana passada, buscando montar uma frente unida. O prefeito Ruz, do conservador PP, e sua vice, Rodil, do Vox, se revesaram nas críticas ao primeiro-ministro. Mas pressionado, o prefeito reconheceu que seu partido é favorável ao casamento gay e que tem mais repulsa a partidos de extrema direita, como o AfD, do que sua “parceira”. Ainda assim, afirmou ele, o PP e o Vox compartilham o mesmo eleitorado, mas estratégias diferentes de “implementação”.

“Permitam-me uma palavra sobre isso”, afirmou Rodil com um sorriso amarelo. “Nós temos uma posição que pode ser um pouco firme.” O Vox, disse ela, acredita na “soberania das nações” e quer dificultar os abortos, posições que, segundo ela, algumas pessoas no partido do prefeito “não defendem”. Ela afirmou que as posições “ambíguas” do líder do PP, Alberto Núñez Feijóo, são “preocupantes”.

Crescimento do Vox

Muitos, em vez disso, preocupam-se com o Vox. “Nós temos visto o populismo crescer em cidades pequenas com o apoio da centro-direita,”, afirmou Carlos González, o ex-prefeito socialista de Elche que perdeu a eleição. Segundo González, em vez de impor limites à extrema direita, os conservadores do mainstream lhe deram um “cordão umbilical” de legitimidade.

O líder do Vox, Santiago Abascal, saiu do PP em meio a um escândalo sobre fundos secretos, em 2013. A popularidade do Vox cresceu em 2018, num momento em que a Espanha era o país europeu que mais recebia imigrantes pelo mar. E o nacionalismo do nacionalista Vox funcionou bem para o partido explorar as reações ao movimento independentista da Catalunha.

Mas o Vox também encontrou apoio entre espanhóis insatisfeitos com a virada progressista de seu país em relação às mudanças climáticas e questões sociais, incluindo direitos dos gays e feminismo. Os outdoors de suas campanhas mostraram candidatos jogando no lixo símbolos LGBT+, feministas e de outras expressões sociopolíticas. No município de Nàquera, próximo a Elche, o prefeito recém-eleito, do Vox, ordenou a remoção de bandeiras do orgulho gay de prédios municipais.

O líder do partido Vox, Santiago Abascal, discursa em evento em Guadalajara, Espanha  Foto: Manu Fernandez / AP

Um morador da cidade, o caminhoneiro Maximo Ibañez, de 45 anos, afirmou que votou no Vox porque o partido se expressa claramente e também porque as novas leis na Espanha que protegem explicitamente os direitos das mulheres contra violência de gênero — complementadas por tribunais especiais e sentenças mais duras — discriminam os homens. “As mulheres que têm direito à presunção de inocência por aqui”, afirmou ele.

Um dos líderes regionais do Vox fez piada afirmando que certas mulheres são feias demais para sofrerem estupros coletivos, e outro disse que “mulheres são mais beligerantes porque não têm pênis”.

Rodil, a nova vice-prefeita de Elche pelo Vox, afirmou que seu partido não é contrário às mulheres, mas à noção de que a violência doméstica deve ser percebida e tratada através da ótica da ideologia de gênero — e de que um homem, “apenas por ser homem, seja mau porque tem algum gene que o torne violento”.

Rodil argumentou que o governo de Sánchez colocou as mulheres em perigo com uma legislação mal formulada que tem potencial de permitir que perpetradores de crimes sexuais deixem a cadeia. Sánchez desculpou-se pelos efeitos não pretendidos da chamada lei do “Só o sim é sim”, que pretendeu caracterizar como estupro todos os atos sexuais não consentidos e que, por meio de mudanças em requerimentos às sentenças, arrisca reduzir o tempo de cadeia previsto para crimes sexuais e determinar a libertação de centenas de criminosos condenados.

Conforme muitos na Europa afirmam que chegou a hora de começar a levar mais a sério os partidos de direita, alguns eleitores de Elche se arrependem por não ter levado o Vox suficientemente a sério. “Eu não achei que eles fossem compor o governo. O fato deles terem conseguido me surpreendeu”, afirmou Isabel Chinchilla, de 67 anos, numa praça vigiada por três estátuas da Virgem Maria. “Eu votarei nas eleições nacionais para que isso não aconteça novamente, porque eles são muito reacionários em sua visão da sociedade.” / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

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