SANTIAGO - Após três meses de debates, o Congresso do Chile chegou a um acordo nesta segunda-feira, 12, para começar o próximo processo constituinte, depois da derrota esmagadora de uma proposta de nova constituição em plebiscito realizado em setembro.
Depois de várias tentativas frustradas de acordo sobre o formato, os partidos políticos do Chile chegaram a um acordo para um novo processo constituinte, selado após uma longa reunião no antigo Congresso Nacional, em Santiago. Estima-se que todo o processo do plebiscito tenha custado aos cofres públicos chilenos R$ 420 milhões.
Semanas atrás as partes já tinham entrado em acordo sobre as 12 bases constitucionais, mas havia divergências sobre a forma como seria redigida uma nova Constituição. A resistência vinha principalmente da direita, que votou contra um projeto de Carta num plebiscito em setembro, recusado pela maioria da população.
A nova Carta será redigida por um órgão denominado Conselho Constitucional, que será formado por 50 pessoas escolhidas em uma eleição a ser realizada em abril do ano que vem. O órgão terá o apoio inicial de 24 especialistas indicados pelo Congresso. Haverá também um “Comitê Técnico de Admissibilidade”, de 14 juristas que funcionará como “árbitro” das bases constitucionais.
A elaboração da nova Constituição começa em 21 de maio, com conclusão prevista para 21 de outubro. O plebiscito que acatará ou rejeitará a nova Carta está previsto para 26 de novembro, também com comparecimento obrigatório dos eleitores.
O voto obrigatório é uma novidade no Chile, e deve mudar a composição da Constituinte. Na eleição da assembleia que redigiu a Carta recusada, o comparecimento foi só de 43%. A esquerda teve uma vitória esmagadora então, sem que a direita alcançasse um terço dos votos para vetar artigos. Por outro lado, a legitimidade do órgão perante muitos setores da população se viu enfraquecida, o que levou à rejeição da proposta de nova Constituição.
Para entender
Assim como a antiga Convenção Constitucional, a conformação do Conselho seguirá o princípio de paridade de gênero, e os assentos serão distribuídos de maneira igual entre homens e mulheres. Também haverá assentos para povos originários.
Processo para uma nova Constituição no Chile
“Discutir e redigir uma Constituição hoje é importante e essencial e exige um nível de profissionalismo, contar com especialistas; da mesma forma, deve ser feito por um órgão que não o Congresso, com dedicação exclusiva”, diz o acordo assinado pelas partes.
Na noite desta segunda-feira, os presidentes do Senado, Álvaro Elizalde, e da Câmara, Vlado Mirosevic, deram explicações à imprensa sobre como foi costurado o pacto multipartidário —que, segundo o senador, “fará com que se materialize brevemente o novo texto constitucional”.
O líder dos deputados, por sua vez, explicou que ele estabelece 12 bases constitucionais sobre as quais os partidos chilenos atingiram consensos. O texto, batizado de “Acordo pelo Chile”, parte da premissa da “convicção de que é indispensável habilitar um processo constituinte e ter uma nova Constituição” para o país.
Por ser uma norma que reforma a atual Constituição, o acordo terá que ser votado em forma de projeto de lei no Congresso e ratificado por 4/7 dos parlamentares. Nesta segunda-feira, foram excluídos da assinatura do acordo o ultradireitista Partido Republicano e o Partido da Gente, alinhado com a direita populista.
Os primeiros esboços de um acordo começaram a ser feitos no fim de de setembro, apontando um novo colegiado eleito, tendo o auxílio de um comitê de especialistas, incluindo constitucionalistas e advogados. O modelo vinha sendo defendido por líderes como o ex-presidente Ricardo Lagos.
O acordo para a redação foi negociado a pedido do presidente Gabriel Boric, depois da derrota esmagadora, em setembro, da proposta de nova Constituição. Boric tinha menos de seis meses no cargo e o resultado do plebiscito foi sua primeira derrota significativa no governo.
Na ocasião, a nova Carta proposta tinha sido defendida por uma ampla coalizão de esquerda e parte essencial de sua campanha presidencial. O resultado levou a uma reforma ministerial, com seis trocas que levaram o governo Boric mais à centro-esquerda, com nomes técnicos e que elevaram a idade média dos ministérios.
O processo constituinte chileno surgiu como uma resposta política à onda de protestos em massa que abalou o país no final de 2019, a maior desde o fim da ditadura de Augusto Pinochet (1973-1990). Os partidos abriram a passagem para uma Convenção Constituinte, que funcionou por um ano para mudar a lei fundamental herdada da ditadura e parcialmente reformada na democracia.
Em outubro de 2020, 80% dos chilenos decidiram num plebiscito aposentar a Constituição de 1981, promulgada na ditadura militar chilena. Dois anos depois, porém, não houve consenso para aprovar o novo texto, redigido por uma Assembleia Constituinte composta em sua maioria por legisladores independentes e de esquerda.
Boric e os principais partidos do país haviam acertado que o processo constitucional teria sequência mesmo com o cenário da rejeição, com o início da redação de uma nova Carta./AFP, EFE e AP