Partidos fortes e lições da ditadura explicam a polarização saudável do Uruguai, diz chanceler


Em entrevista ao Estadão, Omar Paganini elenca os segredos do país vizinho que celebra neste domingo as eleições presidenciais mais tranquilas da América Latina

Por Carolina Marins
Foto: Reprodução/Instagram/Cacillería de Uruguay
Entrevista comOmar PaganiniMinistro de Relações Exteriores do Uruguai

ENVIADA ESPECIAL AO RIO - O Uruguai celebra neste domingo, 24, o segundo turno de suas eleições presidenciais. De um lado o centro-esquerda Yamandú Orsi, apadrinhado político de José “Pepe” Mujica, e de outro a centro-direita de Álvaro Delgado, herdeiro do atual presidente Luis Lacalle Pou. Apesar das diferentes propostas de governo, as campanhas foram marcadas por uma rara tranquilidade, rara até mesmo para o Uruguai, em um contexto mundial em que polarização e as ameaças democráticas se tornaram a regra.

Para o ministro de Relações exteriores uruguaio, Omar Paganini, o segredo está em um forte sistema de partidos que não abre margem para o criação de outsiders. As lições da ditadura militar de 1973 e 1984 ainda seguem vivas na sociedade e na política uruguaia, fazendo com que a democracia ainda seja um pilar a se proteger.

“Há modelos diferentes entre os dois partidos, diferenças substanciais em relação às questões como a gestão da segurança ou até a questão fiscal, os impostos. Há muitos temas que podem ser discutidos, mas discute-se de uma maneira saudável”, observa o chanceler que esteve no Rio de Janeiro para a cúpula de líderes do G-20 como representante de Lacalle Pou.

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À esquerda, Álvaro Delgado, candidato pelo Partido Nacional; à direita, Yamandú Orsi, candidato pela Frente Ampla Foto: Santiago Mazzarovich/AFP

De seu hotel com vista privilegiada para a orla de Copacabana e o oceano atlântico, Paganini conversou com o Estadão sobre a possibilidade de exportação deste modelo de política, as crises democráticas na Venezuela e na Nicarágua e faz um balanço das relações bilaterais do Uruguai com o Brasil.

Confira trechos da entrevista, que foi condensada para melhor compreensão:

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O Uruguai vive neste domingo o segundo turno das suas eleições que, diferentemente de pleitos em outros países, não recaiu na polarização extrema. Por quê?

É um atributo muito positivo que o Uruguai tem, que possui um nível de diálogo político muito civilizado, como se pôde ver quando assumiu o presidente Lula, veio ao Brasil o presidente Lacalle Pou com dois presidentes anteriores, um deles Mujica, da Frente Ampla, e o outro Sanguinetti, do Partido Colorado, o que mostrou como o sistema político uruguaio é muito maduro e tem um nível de diálogo muito alto. Em campanha, claro, as discussões são mais fortes. Eu poderia dizer que há modelos diferentes entre os dois partidos, diferenças substanciais em relação às questões como a gestão da segurança ou até a questão fiscal, os impostos. Há muitos temas que podem ser discutidos, mas discute-se de uma maneira saudável. E qual seria o segredo? Eu acredito que o segredo são dois. Um, o sistema de partidos forte que o Uruguai tem, que permite processar o debate político através dos partidos, e não através de outsiders ou esquemas de fragmentação. Porque em outros países da América Latina o que vemos é que os partidos políticos têm se fragmentado muito, o que dificulta muito mais o diálogo político. Mesmo em países que têm sistemas partidários muito fortes, como pode ser o Chile, também aconteceu. Mas esse é um dos segredos. E acho que isso se explica, além disso, porque o Uruguai aprendeu com a ditadura militar entre 73 e 84, e todos no sistema de partidos uruguaio valorizam muito a institucionalidade democrática.

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Mas outros países da América Latina também passaram por períodos de ditadura. Hoje experimentam um aumento da polarização em meio a crises políticas, financeiras e de representação, algo que não vemos no Uruguai...

Nós tivemos uma crise financeira muito grande no ano de 2002, uma crise tremenda. Caíram quatro bancos, o Banco da República, esse é o banco do Estado, teve que reprogramar seus pagamentos, foi muito difícil para todos, e aí também se viu certa resiliência em questões políticas. Além de que houve discussão forte e nem todo mundo concordou com o que foi feito, também não se incendiou a padaria, digamos. E em outros países sim vemos como imediatamente aparecem saques. E isso atribuo à robustez dos partidos, porque no fundo a ninguém serve romper com o sistema, porque todos os partidos passaram pelo governo e todos têm a esperança de voltar, de modo que romper com algo que funciona a ninguém serve. Ou seja, agora estamos em uma eleição muito equilibrada, onde vemos que as duas grandes coalizões do Uruguai têm chance de ocupar o governo, de modo que o sistema funciona de maneira que é bom para todos que continue funcionando.

Há também um fator social por trás?

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A forma de ser do uruguaio é conhecida. Somos gente de diálogo geralmente. É uma sociedade mais pequena, todos nos conhecemos. Falamos dos graus de distância que se fala às vezes em informática. Toda a humanidade está conectada por seis graus de distância, embora no Uruguai sejam dois, provavelmente. E isso também facilita o diálogo, porque alguém tem uma discussão com alguém, mas conhece uma pessoa que pode usar de intermediário. E isso acho que também explica a robustez. Essa é uma receita que não é tão exportável, digamos.

Apoiadores da Coalizão Republicana, encabeçada pelo candidato do Partido Nacional, Álvaro Delgado, celebram os resultados do primeiro turno das eleições Foto: Eitan Abramovich/AFP

Ia justamente perguntar se há como ensinar isso aos outros países.

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Acho que é muito difícil a receita, transplantá-la para outro país. E além disso acho que seria um pouco insolente da nossa parte sair tentando dar aulas sobre realidades que são todas diferentes e todas são especiais. Sim, acredito que para todos os países da América Latina é muito importante poder consolidar a democracia, que vigorem os direitos humanos, que as pessoas tenham liberdades, que tenham garantias. E em geral nos países da América Latina vemos que isso é muito valorizado pela sociedade e o tem, apesar das dificuldades às vezes da polarização. Infelizmente vemos como algum país tem se deslizado em direção a uma ditadura que já são terríveis. E refiro-me à Venezuela e também me refiro à Nicarágua. E infelizmente isso me parece que é de interesse da região inteira que em todo o continente vigore a democracia. Isso nos dá estabilidade, nos dá paz, nos faz crescer. E naqueles países onde temos essas situações além disso se produz uma enorme instabilidade social. O que estamos vendo é além disso o fluxo de imigrantes que desestabiliza os países vizinhos. Então é muito importante que todos juntos pressionemos, façamos o que tenhamos que fazer para que a Venezuela volte ao caminho democrático.

Por juntos o senhor diz a região latino-americana?

Os países do mundo também, mas nós em particular podemos falar mais e o temos feito nesse tempo com muitos países da região sobre como a oportunidade da eleição de 28 de julho na Venezuela ia se frustrando e nós pressionávamos com outros países para que justamente se respeitassem as regras do jogo e houvesse uma eleição democrática, o mais democrática possível, sabendo que é uma saída de uma ditadura. E no entanto o regime que se havia comprometido com isso no acordo de Barbados começou proclamando María Corina Machado, depois não deixou que se inscrevessem Corina Machado e depois das eleições não reconheceu o resultado que evidentemente não o favorecia, cometeu uma fraude e saiu a perseguir opositores. Então tudo isso é muito sério e além disso nos vão fechando as portas. Nesse sentido estamos muito preocupados, acho que compartilhamos com quase toda a região ou com toda a região a preocupação de que o regime praticamente fechou todos os canais e todas as portas.

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O Brasil, a Colômbia e o México fizeram uma tentativa de diálogo com o regime de Maduro, que no fim não rendeu frutos. Como o Uruguai avalia esse plano dos três países que eram aliados do chavismo?

Houve estratégias diferentes de como manejar os episódios e falamos também com eles. Eles tinham, o Brasil em particular, a preocupação de manter um canal de diálogo e uma diplomacia mais discreta, mas evidentemente saiu muito mal porque o regime evidentemente não escuta a ninguém. Nós, talvez com menos influência, porque não somos vizinhos, não somos tão grandes quanto o Brasil, temos menos influência sobre a Venezuela, entendíamos que muitos países tínhamos que levantar a voz. Nos pagaram expulsando os diplomatas. A verdade é que é um regime que nos preocupa muito.

O candidato presidencial pela Frente Ampla, Yamandú Orsi Foto: Natacha Pisarenko/AP

Já que citamos o Brasil, como tem sido o relacionamento do Uruguai com o atual governo brasileiro?

A verdade é que tem sido muito boa a relação entre os bilaterais, em todos os sentidos. Temos mantido um diálogo estreito com o chanceler Mauro Vieira, falamos muito. Os presidentes falaram entre si, o presidente Lula visitou Montevidéu pouco tempo depois de sua posse, propuseram-se projetos concretos que foram colocados sobre a mesa, os projetos concretos avançaram a um ritmo muito bom, em particular estamos falando do aeroporto de Rivera, onde a ANAC aceitou considerá-lo um aeroporto doméstico e isso transformou-o em uma oportunidade muito interessante para voos binacionais; estamos falando da segunda ponte sobre o rio Yaguarón, na fronteira entre o rio Branco e o Yaguarón, que já está começando a ser construída, após um processo legislativo onde o Brasil assumiu o processo. Mas disso tudo, notamos muita diligência por parte do Brasil, também em temas de acesso ao mercado agrícola. A relação com o Brasil eu diria que é muito fluida, no que diz respeito a temas bilaterais. O governo de Lula, acho que o presidente Lula e o presidente Lacalle Pou, além disso, criaram uma relação pessoal muito boa.

Apesar da divergência ideológica...

Sim, sim, além das diferenças, mas o que acontece é que diferenças ideológicas em política sempre existem, mas se as pessoas valorizam pessoalmente a oportunidade de dialogar, conseguem-se coisas concretas. No uruguai, sempre dizemos, e isso era falado por Luis Alberto Herrera, o bisavô do atual presidente, que os países têm interesses permanentes e não têm amizades permanentes. Então, deve-se guiar a política internacional pelos interesses dos países. E o que acontece é que vivemos uma época, nos últimos 10 anos, em que as afinidades ideológicas importavam muito e pensava-se em alinhar todo o continente numa onda de progressistas sobre a qual se falava. E nós dizemos que nossa política externa deve ser baseada em interesses e não em ideologias e que temos que ser pragmáticos em termos de buscar acordos comerciais ou acordos concretos em temas bilaterais ou multilaterais, de acordo com o que cada país precisa, seus interesses e suas necessidades, e não de acordo com a ideologia do outro lado. E isso mantemos. Parece-me muito importante porque isso nos dá uma política externa independente e estável, que não são essas variações que estamos vendo que houve em outros países. Isso não quer dizer que como segundo pilar está o pragmatismo, mas também está a defesa da democracia. O que não entendemos como um problema ideológico. Esta estrutura da democracia acredito que seja o interesse da humanidade. Haverá países que não o terão em sua cultura ainda, mas a América Latina está e é muito importante defendê-la.

ENVIADA ESPECIAL AO RIO - O Uruguai celebra neste domingo, 24, o segundo turno de suas eleições presidenciais. De um lado o centro-esquerda Yamandú Orsi, apadrinhado político de José “Pepe” Mujica, e de outro a centro-direita de Álvaro Delgado, herdeiro do atual presidente Luis Lacalle Pou. Apesar das diferentes propostas de governo, as campanhas foram marcadas por uma rara tranquilidade, rara até mesmo para o Uruguai, em um contexto mundial em que polarização e as ameaças democráticas se tornaram a regra.

Para o ministro de Relações exteriores uruguaio, Omar Paganini, o segredo está em um forte sistema de partidos que não abre margem para o criação de outsiders. As lições da ditadura militar de 1973 e 1984 ainda seguem vivas na sociedade e na política uruguaia, fazendo com que a democracia ainda seja um pilar a se proteger.

“Há modelos diferentes entre os dois partidos, diferenças substanciais em relação às questões como a gestão da segurança ou até a questão fiscal, os impostos. Há muitos temas que podem ser discutidos, mas discute-se de uma maneira saudável”, observa o chanceler que esteve no Rio de Janeiro para a cúpula de líderes do G-20 como representante de Lacalle Pou.

À esquerda, Álvaro Delgado, candidato pelo Partido Nacional; à direita, Yamandú Orsi, candidato pela Frente Ampla Foto: Santiago Mazzarovich/AFP

De seu hotel com vista privilegiada para a orla de Copacabana e o oceano atlântico, Paganini conversou com o Estadão sobre a possibilidade de exportação deste modelo de política, as crises democráticas na Venezuela e na Nicarágua e faz um balanço das relações bilaterais do Uruguai com o Brasil.

Confira trechos da entrevista, que foi condensada para melhor compreensão:

O Uruguai vive neste domingo o segundo turno das suas eleições que, diferentemente de pleitos em outros países, não recaiu na polarização extrema. Por quê?

É um atributo muito positivo que o Uruguai tem, que possui um nível de diálogo político muito civilizado, como se pôde ver quando assumiu o presidente Lula, veio ao Brasil o presidente Lacalle Pou com dois presidentes anteriores, um deles Mujica, da Frente Ampla, e o outro Sanguinetti, do Partido Colorado, o que mostrou como o sistema político uruguaio é muito maduro e tem um nível de diálogo muito alto. Em campanha, claro, as discussões são mais fortes. Eu poderia dizer que há modelos diferentes entre os dois partidos, diferenças substanciais em relação às questões como a gestão da segurança ou até a questão fiscal, os impostos. Há muitos temas que podem ser discutidos, mas discute-se de uma maneira saudável. E qual seria o segredo? Eu acredito que o segredo são dois. Um, o sistema de partidos forte que o Uruguai tem, que permite processar o debate político através dos partidos, e não através de outsiders ou esquemas de fragmentação. Porque em outros países da América Latina o que vemos é que os partidos políticos têm se fragmentado muito, o que dificulta muito mais o diálogo político. Mesmo em países que têm sistemas partidários muito fortes, como pode ser o Chile, também aconteceu. Mas esse é um dos segredos. E acho que isso se explica, além disso, porque o Uruguai aprendeu com a ditadura militar entre 73 e 84, e todos no sistema de partidos uruguaio valorizam muito a institucionalidade democrática.

Mas outros países da América Latina também passaram por períodos de ditadura. Hoje experimentam um aumento da polarização em meio a crises políticas, financeiras e de representação, algo que não vemos no Uruguai...

Nós tivemos uma crise financeira muito grande no ano de 2002, uma crise tremenda. Caíram quatro bancos, o Banco da República, esse é o banco do Estado, teve que reprogramar seus pagamentos, foi muito difícil para todos, e aí também se viu certa resiliência em questões políticas. Além de que houve discussão forte e nem todo mundo concordou com o que foi feito, também não se incendiou a padaria, digamos. E em outros países sim vemos como imediatamente aparecem saques. E isso atribuo à robustez dos partidos, porque no fundo a ninguém serve romper com o sistema, porque todos os partidos passaram pelo governo e todos têm a esperança de voltar, de modo que romper com algo que funciona a ninguém serve. Ou seja, agora estamos em uma eleição muito equilibrada, onde vemos que as duas grandes coalizões do Uruguai têm chance de ocupar o governo, de modo que o sistema funciona de maneira que é bom para todos que continue funcionando.

Há também um fator social por trás?

A forma de ser do uruguaio é conhecida. Somos gente de diálogo geralmente. É uma sociedade mais pequena, todos nos conhecemos. Falamos dos graus de distância que se fala às vezes em informática. Toda a humanidade está conectada por seis graus de distância, embora no Uruguai sejam dois, provavelmente. E isso também facilita o diálogo, porque alguém tem uma discussão com alguém, mas conhece uma pessoa que pode usar de intermediário. E isso acho que também explica a robustez. Essa é uma receita que não é tão exportável, digamos.

Apoiadores da Coalizão Republicana, encabeçada pelo candidato do Partido Nacional, Álvaro Delgado, celebram os resultados do primeiro turno das eleições Foto: Eitan Abramovich/AFP

Ia justamente perguntar se há como ensinar isso aos outros países.

Acho que é muito difícil a receita, transplantá-la para outro país. E além disso acho que seria um pouco insolente da nossa parte sair tentando dar aulas sobre realidades que são todas diferentes e todas são especiais. Sim, acredito que para todos os países da América Latina é muito importante poder consolidar a democracia, que vigorem os direitos humanos, que as pessoas tenham liberdades, que tenham garantias. E em geral nos países da América Latina vemos que isso é muito valorizado pela sociedade e o tem, apesar das dificuldades às vezes da polarização. Infelizmente vemos como algum país tem se deslizado em direção a uma ditadura que já são terríveis. E refiro-me à Venezuela e também me refiro à Nicarágua. E infelizmente isso me parece que é de interesse da região inteira que em todo o continente vigore a democracia. Isso nos dá estabilidade, nos dá paz, nos faz crescer. E naqueles países onde temos essas situações além disso se produz uma enorme instabilidade social. O que estamos vendo é além disso o fluxo de imigrantes que desestabiliza os países vizinhos. Então é muito importante que todos juntos pressionemos, façamos o que tenhamos que fazer para que a Venezuela volte ao caminho democrático.

Por juntos o senhor diz a região latino-americana?

Os países do mundo também, mas nós em particular podemos falar mais e o temos feito nesse tempo com muitos países da região sobre como a oportunidade da eleição de 28 de julho na Venezuela ia se frustrando e nós pressionávamos com outros países para que justamente se respeitassem as regras do jogo e houvesse uma eleição democrática, o mais democrática possível, sabendo que é uma saída de uma ditadura. E no entanto o regime que se havia comprometido com isso no acordo de Barbados começou proclamando María Corina Machado, depois não deixou que se inscrevessem Corina Machado e depois das eleições não reconheceu o resultado que evidentemente não o favorecia, cometeu uma fraude e saiu a perseguir opositores. Então tudo isso é muito sério e além disso nos vão fechando as portas. Nesse sentido estamos muito preocupados, acho que compartilhamos com quase toda a região ou com toda a região a preocupação de que o regime praticamente fechou todos os canais e todas as portas.

O Brasil, a Colômbia e o México fizeram uma tentativa de diálogo com o regime de Maduro, que no fim não rendeu frutos. Como o Uruguai avalia esse plano dos três países que eram aliados do chavismo?

Houve estratégias diferentes de como manejar os episódios e falamos também com eles. Eles tinham, o Brasil em particular, a preocupação de manter um canal de diálogo e uma diplomacia mais discreta, mas evidentemente saiu muito mal porque o regime evidentemente não escuta a ninguém. Nós, talvez com menos influência, porque não somos vizinhos, não somos tão grandes quanto o Brasil, temos menos influência sobre a Venezuela, entendíamos que muitos países tínhamos que levantar a voz. Nos pagaram expulsando os diplomatas. A verdade é que é um regime que nos preocupa muito.

O candidato presidencial pela Frente Ampla, Yamandú Orsi Foto: Natacha Pisarenko/AP

Já que citamos o Brasil, como tem sido o relacionamento do Uruguai com o atual governo brasileiro?

A verdade é que tem sido muito boa a relação entre os bilaterais, em todos os sentidos. Temos mantido um diálogo estreito com o chanceler Mauro Vieira, falamos muito. Os presidentes falaram entre si, o presidente Lula visitou Montevidéu pouco tempo depois de sua posse, propuseram-se projetos concretos que foram colocados sobre a mesa, os projetos concretos avançaram a um ritmo muito bom, em particular estamos falando do aeroporto de Rivera, onde a ANAC aceitou considerá-lo um aeroporto doméstico e isso transformou-o em uma oportunidade muito interessante para voos binacionais; estamos falando da segunda ponte sobre o rio Yaguarón, na fronteira entre o rio Branco e o Yaguarón, que já está começando a ser construída, após um processo legislativo onde o Brasil assumiu o processo. Mas disso tudo, notamos muita diligência por parte do Brasil, também em temas de acesso ao mercado agrícola. A relação com o Brasil eu diria que é muito fluida, no que diz respeito a temas bilaterais. O governo de Lula, acho que o presidente Lula e o presidente Lacalle Pou, além disso, criaram uma relação pessoal muito boa.

Apesar da divergência ideológica...

Sim, sim, além das diferenças, mas o que acontece é que diferenças ideológicas em política sempre existem, mas se as pessoas valorizam pessoalmente a oportunidade de dialogar, conseguem-se coisas concretas. No uruguai, sempre dizemos, e isso era falado por Luis Alberto Herrera, o bisavô do atual presidente, que os países têm interesses permanentes e não têm amizades permanentes. Então, deve-se guiar a política internacional pelos interesses dos países. E o que acontece é que vivemos uma época, nos últimos 10 anos, em que as afinidades ideológicas importavam muito e pensava-se em alinhar todo o continente numa onda de progressistas sobre a qual se falava. E nós dizemos que nossa política externa deve ser baseada em interesses e não em ideologias e que temos que ser pragmáticos em termos de buscar acordos comerciais ou acordos concretos em temas bilaterais ou multilaterais, de acordo com o que cada país precisa, seus interesses e suas necessidades, e não de acordo com a ideologia do outro lado. E isso mantemos. Parece-me muito importante porque isso nos dá uma política externa independente e estável, que não são essas variações que estamos vendo que houve em outros países. Isso não quer dizer que como segundo pilar está o pragmatismo, mas também está a defesa da democracia. O que não entendemos como um problema ideológico. Esta estrutura da democracia acredito que seja o interesse da humanidade. Haverá países que não o terão em sua cultura ainda, mas a América Latina está e é muito importante defendê-la.

ENVIADA ESPECIAL AO RIO - O Uruguai celebra neste domingo, 24, o segundo turno de suas eleições presidenciais. De um lado o centro-esquerda Yamandú Orsi, apadrinhado político de José “Pepe” Mujica, e de outro a centro-direita de Álvaro Delgado, herdeiro do atual presidente Luis Lacalle Pou. Apesar das diferentes propostas de governo, as campanhas foram marcadas por uma rara tranquilidade, rara até mesmo para o Uruguai, em um contexto mundial em que polarização e as ameaças democráticas se tornaram a regra.

Para o ministro de Relações exteriores uruguaio, Omar Paganini, o segredo está em um forte sistema de partidos que não abre margem para o criação de outsiders. As lições da ditadura militar de 1973 e 1984 ainda seguem vivas na sociedade e na política uruguaia, fazendo com que a democracia ainda seja um pilar a se proteger.

“Há modelos diferentes entre os dois partidos, diferenças substanciais em relação às questões como a gestão da segurança ou até a questão fiscal, os impostos. Há muitos temas que podem ser discutidos, mas discute-se de uma maneira saudável”, observa o chanceler que esteve no Rio de Janeiro para a cúpula de líderes do G-20 como representante de Lacalle Pou.

À esquerda, Álvaro Delgado, candidato pelo Partido Nacional; à direita, Yamandú Orsi, candidato pela Frente Ampla Foto: Santiago Mazzarovich/AFP

De seu hotel com vista privilegiada para a orla de Copacabana e o oceano atlântico, Paganini conversou com o Estadão sobre a possibilidade de exportação deste modelo de política, as crises democráticas na Venezuela e na Nicarágua e faz um balanço das relações bilaterais do Uruguai com o Brasil.

Confira trechos da entrevista, que foi condensada para melhor compreensão:

O Uruguai vive neste domingo o segundo turno das suas eleições que, diferentemente de pleitos em outros países, não recaiu na polarização extrema. Por quê?

É um atributo muito positivo que o Uruguai tem, que possui um nível de diálogo político muito civilizado, como se pôde ver quando assumiu o presidente Lula, veio ao Brasil o presidente Lacalle Pou com dois presidentes anteriores, um deles Mujica, da Frente Ampla, e o outro Sanguinetti, do Partido Colorado, o que mostrou como o sistema político uruguaio é muito maduro e tem um nível de diálogo muito alto. Em campanha, claro, as discussões são mais fortes. Eu poderia dizer que há modelos diferentes entre os dois partidos, diferenças substanciais em relação às questões como a gestão da segurança ou até a questão fiscal, os impostos. Há muitos temas que podem ser discutidos, mas discute-se de uma maneira saudável. E qual seria o segredo? Eu acredito que o segredo são dois. Um, o sistema de partidos forte que o Uruguai tem, que permite processar o debate político através dos partidos, e não através de outsiders ou esquemas de fragmentação. Porque em outros países da América Latina o que vemos é que os partidos políticos têm se fragmentado muito, o que dificulta muito mais o diálogo político. Mesmo em países que têm sistemas partidários muito fortes, como pode ser o Chile, também aconteceu. Mas esse é um dos segredos. E acho que isso se explica, além disso, porque o Uruguai aprendeu com a ditadura militar entre 73 e 84, e todos no sistema de partidos uruguaio valorizam muito a institucionalidade democrática.

Mas outros países da América Latina também passaram por períodos de ditadura. Hoje experimentam um aumento da polarização em meio a crises políticas, financeiras e de representação, algo que não vemos no Uruguai...

Nós tivemos uma crise financeira muito grande no ano de 2002, uma crise tremenda. Caíram quatro bancos, o Banco da República, esse é o banco do Estado, teve que reprogramar seus pagamentos, foi muito difícil para todos, e aí também se viu certa resiliência em questões políticas. Além de que houve discussão forte e nem todo mundo concordou com o que foi feito, também não se incendiou a padaria, digamos. E em outros países sim vemos como imediatamente aparecem saques. E isso atribuo à robustez dos partidos, porque no fundo a ninguém serve romper com o sistema, porque todos os partidos passaram pelo governo e todos têm a esperança de voltar, de modo que romper com algo que funciona a ninguém serve. Ou seja, agora estamos em uma eleição muito equilibrada, onde vemos que as duas grandes coalizões do Uruguai têm chance de ocupar o governo, de modo que o sistema funciona de maneira que é bom para todos que continue funcionando.

Há também um fator social por trás?

A forma de ser do uruguaio é conhecida. Somos gente de diálogo geralmente. É uma sociedade mais pequena, todos nos conhecemos. Falamos dos graus de distância que se fala às vezes em informática. Toda a humanidade está conectada por seis graus de distância, embora no Uruguai sejam dois, provavelmente. E isso também facilita o diálogo, porque alguém tem uma discussão com alguém, mas conhece uma pessoa que pode usar de intermediário. E isso acho que também explica a robustez. Essa é uma receita que não é tão exportável, digamos.

Apoiadores da Coalizão Republicana, encabeçada pelo candidato do Partido Nacional, Álvaro Delgado, celebram os resultados do primeiro turno das eleições Foto: Eitan Abramovich/AFP

Ia justamente perguntar se há como ensinar isso aos outros países.

Acho que é muito difícil a receita, transplantá-la para outro país. E além disso acho que seria um pouco insolente da nossa parte sair tentando dar aulas sobre realidades que são todas diferentes e todas são especiais. Sim, acredito que para todos os países da América Latina é muito importante poder consolidar a democracia, que vigorem os direitos humanos, que as pessoas tenham liberdades, que tenham garantias. E em geral nos países da América Latina vemos que isso é muito valorizado pela sociedade e o tem, apesar das dificuldades às vezes da polarização. Infelizmente vemos como algum país tem se deslizado em direção a uma ditadura que já são terríveis. E refiro-me à Venezuela e também me refiro à Nicarágua. E infelizmente isso me parece que é de interesse da região inteira que em todo o continente vigore a democracia. Isso nos dá estabilidade, nos dá paz, nos faz crescer. E naqueles países onde temos essas situações além disso se produz uma enorme instabilidade social. O que estamos vendo é além disso o fluxo de imigrantes que desestabiliza os países vizinhos. Então é muito importante que todos juntos pressionemos, façamos o que tenhamos que fazer para que a Venezuela volte ao caminho democrático.

Por juntos o senhor diz a região latino-americana?

Os países do mundo também, mas nós em particular podemos falar mais e o temos feito nesse tempo com muitos países da região sobre como a oportunidade da eleição de 28 de julho na Venezuela ia se frustrando e nós pressionávamos com outros países para que justamente se respeitassem as regras do jogo e houvesse uma eleição democrática, o mais democrática possível, sabendo que é uma saída de uma ditadura. E no entanto o regime que se havia comprometido com isso no acordo de Barbados começou proclamando María Corina Machado, depois não deixou que se inscrevessem Corina Machado e depois das eleições não reconheceu o resultado que evidentemente não o favorecia, cometeu uma fraude e saiu a perseguir opositores. Então tudo isso é muito sério e além disso nos vão fechando as portas. Nesse sentido estamos muito preocupados, acho que compartilhamos com quase toda a região ou com toda a região a preocupação de que o regime praticamente fechou todos os canais e todas as portas.

O Brasil, a Colômbia e o México fizeram uma tentativa de diálogo com o regime de Maduro, que no fim não rendeu frutos. Como o Uruguai avalia esse plano dos três países que eram aliados do chavismo?

Houve estratégias diferentes de como manejar os episódios e falamos também com eles. Eles tinham, o Brasil em particular, a preocupação de manter um canal de diálogo e uma diplomacia mais discreta, mas evidentemente saiu muito mal porque o regime evidentemente não escuta a ninguém. Nós, talvez com menos influência, porque não somos vizinhos, não somos tão grandes quanto o Brasil, temos menos influência sobre a Venezuela, entendíamos que muitos países tínhamos que levantar a voz. Nos pagaram expulsando os diplomatas. A verdade é que é um regime que nos preocupa muito.

O candidato presidencial pela Frente Ampla, Yamandú Orsi Foto: Natacha Pisarenko/AP

Já que citamos o Brasil, como tem sido o relacionamento do Uruguai com o atual governo brasileiro?

A verdade é que tem sido muito boa a relação entre os bilaterais, em todos os sentidos. Temos mantido um diálogo estreito com o chanceler Mauro Vieira, falamos muito. Os presidentes falaram entre si, o presidente Lula visitou Montevidéu pouco tempo depois de sua posse, propuseram-se projetos concretos que foram colocados sobre a mesa, os projetos concretos avançaram a um ritmo muito bom, em particular estamos falando do aeroporto de Rivera, onde a ANAC aceitou considerá-lo um aeroporto doméstico e isso transformou-o em uma oportunidade muito interessante para voos binacionais; estamos falando da segunda ponte sobre o rio Yaguarón, na fronteira entre o rio Branco e o Yaguarón, que já está começando a ser construída, após um processo legislativo onde o Brasil assumiu o processo. Mas disso tudo, notamos muita diligência por parte do Brasil, também em temas de acesso ao mercado agrícola. A relação com o Brasil eu diria que é muito fluida, no que diz respeito a temas bilaterais. O governo de Lula, acho que o presidente Lula e o presidente Lacalle Pou, além disso, criaram uma relação pessoal muito boa.

Apesar da divergência ideológica...

Sim, sim, além das diferenças, mas o que acontece é que diferenças ideológicas em política sempre existem, mas se as pessoas valorizam pessoalmente a oportunidade de dialogar, conseguem-se coisas concretas. No uruguai, sempre dizemos, e isso era falado por Luis Alberto Herrera, o bisavô do atual presidente, que os países têm interesses permanentes e não têm amizades permanentes. Então, deve-se guiar a política internacional pelos interesses dos países. E o que acontece é que vivemos uma época, nos últimos 10 anos, em que as afinidades ideológicas importavam muito e pensava-se em alinhar todo o continente numa onda de progressistas sobre a qual se falava. E nós dizemos que nossa política externa deve ser baseada em interesses e não em ideologias e que temos que ser pragmáticos em termos de buscar acordos comerciais ou acordos concretos em temas bilaterais ou multilaterais, de acordo com o que cada país precisa, seus interesses e suas necessidades, e não de acordo com a ideologia do outro lado. E isso mantemos. Parece-me muito importante porque isso nos dá uma política externa independente e estável, que não são essas variações que estamos vendo que houve em outros países. Isso não quer dizer que como segundo pilar está o pragmatismo, mas também está a defesa da democracia. O que não entendemos como um problema ideológico. Esta estrutura da democracia acredito que seja o interesse da humanidade. Haverá países que não o terão em sua cultura ainda, mas a América Latina está e é muito importante defendê-la.

Entrevista por Carolina Marins

Jornalista formada pela ECA-USP. Repórter da editoria de Internacional, com interesse em América Latina. Já fiz coberturas in loco na Argentina, em Israel e na Ucrânia

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