Paul Krugman: Pax Americana está em estranho declínio, e a culpa é do inimigo interno dos EUA


A Câmara dos EUA está paralisada porque os republicanos extremistas, que se recusam a reconhecer a legitimidade de Biden e promovem caos em vez de participar da governança, transformaram essas táticas em seu próprio partido

Por Paul Krugman

Quando o Hamas atacou Israel, os republicanos souberam quem culpar: o presidente Joe Biden. Donald Trump garantiu que o ataque não teria ocorrido se ele ainda ocupasse a Casa Branca; Mike Pence, ao mesmo tempo que condenou Trump por elogiar o Hezbollah e o Hamas, afirmou que Biden estava de alguma maneira colocando em risco os interesses dos Estados Unidos por “projetar fraqueza”.

Como muito do que a direita americana fala hoje em dia, essas difamações foram tanto vis quanto infantis. Não, o presidente americano não é como o Lanterna Verde, capaz de moldar os eventos mundiais pela mera força de sua vontade. E Biden de fato adotou posições notavelmente duras em assuntos internacionais, muito mais que seu antecessor.

Mais genericamente, é marcante como tanto a extrema esquerda, que não possui influência significativa no Partido Democrata, quanto a extrema direita, que controla quase completamente o Partido Republicano, são solipsismos americanos. Ambas culpam os líderes dos EUA por tudo de ruim que acontece no mundo, negando qualquer influência estrangeira.

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O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, durante uma reunião bilateral com o primeiro-ministro de Israel, Binyamin Netanyahu  Foto: Susan Walsh / AP

Dito isto, até estudantes sérios de relações internacionais notam que o planeta parece estar se tornando um lugar mais perigoso, com várias guerras frias locais esquentando e sugerindo que nós podemos estar testemunhando o fim da Pax Americana, a longa era em que o domínio econômico e militar dos EUA limitou o potencial de guerras de conquista.

Mas por que a Pax Americana está em declínio?

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Nós podemos ficar tentados a mergulhar em determinismos econômicos, afirmando que os EUA perderam influência porque não dominam a economia mundial como no passado. Mas ainda que tenha havido um grande declínio na fatia americana do PIB mundial entre 1960 e 1980, desde então essa participação não tem mostrado uma tendência clara de diminuição, apesar de ter flutuado com o valor de câmbio externo do dólar.

Recuperação

Na realidade, nossa forte recuperação da recessão da covid — combinada com os tropeços de alguns rivais geopolíticos — faz o domínio econômico dos EUA parecer mais durável do que pareceu por muito tempo. Notavelmente, muitos observadores estão sugerindo agora que o PIB da China, medido em dólares, poderá nunca superar o americano. (A economia chinesa já é maior em termos de poder de compra doméstico, mas é menos relevante em termos de influência global.)

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Ah, e apesar de todo o frenesi sobre desdolarização, o dólar americano parece na verdade mais central do que nunca para a economia mundial.

Além disso, mudanças na economia global deram aos EUA, pode-se argumentar, novas maneiras de exercer poder econômico. Os especialistas em relações internacionais Henry Farrell e Abraham Newman publicaram recentemente “Underground Empire: How America Weaponized the World Economy” (Império clandestino: como os EUA transformaram a economia mundial em arma), um livro revelador que descreve como a globalização moderna — que cria formas muito mais complexas de interdependência do que o comércio internacional tradicional — colocou os EUA no centro “de uma rede internacional de vigilância e controle”.

O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, discursa sobre o seu plano econômico em uma fábrica em Milwaukee, Estados Unidos  Foto: Pete Marovich/ NYT
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E o governo Biden não foi de nenhuma maneira tímido sobre usar o poder americano. A ajuda à Ucrânia, ainda que bastante diminuta em relação ao orçamento dos EUA, tem sido um dos principais elementos frustrando a agressão russa; Washington também acionou agressivamente seus poderes financeiros e tecnológicos para aplicar sanções contra o regime de Vladimir Putin. Na crise mais recente, os israelenses, incluindo Binyamin Netanyahu, elogiaram Biden por seu apoio imediato, o que provavelmente explica por que Trump partiu para cima de um ex-aliado político.

Além disso, Biden adotou uma posição marcadamente dura em relação à tecnologia chinesa. Enquanto Trump bufou e vociferou ineficazmente contra os superávits comerciais da China (que nunca foram o problema), Biden impôs sanções que o Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais classifica como uma “política de estrangular ativamente grandes segmentos da indústria chinesa de tecnologia — um estrangulamento com intenção de matar”.

Se isso é “projetar fraqueza”, como seria projetar força?

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Mas parece seguro dizer que o mundo não confia mais nas promessas dos EUA e talvez não tema mais as ameaças americanas como no passado. O problema, contudo, não é Biden, é o partido que o ataca reflexivamente por qualquer coisa que vá mal.

Neste momento os EUA são uma superpotência sem um governo plenamente funcional. Especificamente, a Câmara dos Deputados não tem presidente e portanto não pode aprovar legislações, incluindo para financiamento do governo e fornecimento de ajuda para aliados dos EUA. A Câmara está paralisada porque os republicanos extremistas, que se recusam a reconhecer a legitimidade de Biden e promovem caos em vez de participar da governança, transformaram essas táticas em seu próprio partido. Neste momento é difícil imaginar qualquer presidente da Câmara sem votos democratas — mas mesmo os republicanos menos extremistas se recusam a conversar com o outro lado.

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E mesmo que os republicanos consigam de alguma maneira eleger um presidente da Câmara, parece certo que a pessoa que assumir a função terá de prometer à extrema direita que trairá a Ucrânia.

Dada esta realidade política, quanta confiança qualquer país pode ter nas garantias de apoio dos EUA? Como nós podemos esperar que os inimigos estrangeiros da democracia temam os EUA quando eles sabem que existem forças poderosas aqui que compartilham de seu desdém?

Sim, a Pax Americana está em declínio. Mas o problema não é falta de firmeza no topo, é o inimigo interno. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

Quando o Hamas atacou Israel, os republicanos souberam quem culpar: o presidente Joe Biden. Donald Trump garantiu que o ataque não teria ocorrido se ele ainda ocupasse a Casa Branca; Mike Pence, ao mesmo tempo que condenou Trump por elogiar o Hezbollah e o Hamas, afirmou que Biden estava de alguma maneira colocando em risco os interesses dos Estados Unidos por “projetar fraqueza”.

Como muito do que a direita americana fala hoje em dia, essas difamações foram tanto vis quanto infantis. Não, o presidente americano não é como o Lanterna Verde, capaz de moldar os eventos mundiais pela mera força de sua vontade. E Biden de fato adotou posições notavelmente duras em assuntos internacionais, muito mais que seu antecessor.

Mais genericamente, é marcante como tanto a extrema esquerda, que não possui influência significativa no Partido Democrata, quanto a extrema direita, que controla quase completamente o Partido Republicano, são solipsismos americanos. Ambas culpam os líderes dos EUA por tudo de ruim que acontece no mundo, negando qualquer influência estrangeira.

O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, durante uma reunião bilateral com o primeiro-ministro de Israel, Binyamin Netanyahu  Foto: Susan Walsh / AP

Dito isto, até estudantes sérios de relações internacionais notam que o planeta parece estar se tornando um lugar mais perigoso, com várias guerras frias locais esquentando e sugerindo que nós podemos estar testemunhando o fim da Pax Americana, a longa era em que o domínio econômico e militar dos EUA limitou o potencial de guerras de conquista.

Mas por que a Pax Americana está em declínio?

Nós podemos ficar tentados a mergulhar em determinismos econômicos, afirmando que os EUA perderam influência porque não dominam a economia mundial como no passado. Mas ainda que tenha havido um grande declínio na fatia americana do PIB mundial entre 1960 e 1980, desde então essa participação não tem mostrado uma tendência clara de diminuição, apesar de ter flutuado com o valor de câmbio externo do dólar.

Recuperação

Na realidade, nossa forte recuperação da recessão da covid — combinada com os tropeços de alguns rivais geopolíticos — faz o domínio econômico dos EUA parecer mais durável do que pareceu por muito tempo. Notavelmente, muitos observadores estão sugerindo agora que o PIB da China, medido em dólares, poderá nunca superar o americano. (A economia chinesa já é maior em termos de poder de compra doméstico, mas é menos relevante em termos de influência global.)

Ah, e apesar de todo o frenesi sobre desdolarização, o dólar americano parece na verdade mais central do que nunca para a economia mundial.

Além disso, mudanças na economia global deram aos EUA, pode-se argumentar, novas maneiras de exercer poder econômico. Os especialistas em relações internacionais Henry Farrell e Abraham Newman publicaram recentemente “Underground Empire: How America Weaponized the World Economy” (Império clandestino: como os EUA transformaram a economia mundial em arma), um livro revelador que descreve como a globalização moderna — que cria formas muito mais complexas de interdependência do que o comércio internacional tradicional — colocou os EUA no centro “de uma rede internacional de vigilância e controle”.

O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, discursa sobre o seu plano econômico em uma fábrica em Milwaukee, Estados Unidos  Foto: Pete Marovich/ NYT

E o governo Biden não foi de nenhuma maneira tímido sobre usar o poder americano. A ajuda à Ucrânia, ainda que bastante diminuta em relação ao orçamento dos EUA, tem sido um dos principais elementos frustrando a agressão russa; Washington também acionou agressivamente seus poderes financeiros e tecnológicos para aplicar sanções contra o regime de Vladimir Putin. Na crise mais recente, os israelenses, incluindo Binyamin Netanyahu, elogiaram Biden por seu apoio imediato, o que provavelmente explica por que Trump partiu para cima de um ex-aliado político.

Além disso, Biden adotou uma posição marcadamente dura em relação à tecnologia chinesa. Enquanto Trump bufou e vociferou ineficazmente contra os superávits comerciais da China (que nunca foram o problema), Biden impôs sanções que o Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais classifica como uma “política de estrangular ativamente grandes segmentos da indústria chinesa de tecnologia — um estrangulamento com intenção de matar”.

Se isso é “projetar fraqueza”, como seria projetar força?

Mas parece seguro dizer que o mundo não confia mais nas promessas dos EUA e talvez não tema mais as ameaças americanas como no passado. O problema, contudo, não é Biden, é o partido que o ataca reflexivamente por qualquer coisa que vá mal.

Neste momento os EUA são uma superpotência sem um governo plenamente funcional. Especificamente, a Câmara dos Deputados não tem presidente e portanto não pode aprovar legislações, incluindo para financiamento do governo e fornecimento de ajuda para aliados dos EUA. A Câmara está paralisada porque os republicanos extremistas, que se recusam a reconhecer a legitimidade de Biden e promovem caos em vez de participar da governança, transformaram essas táticas em seu próprio partido. Neste momento é difícil imaginar qualquer presidente da Câmara sem votos democratas — mas mesmo os republicanos menos extremistas se recusam a conversar com o outro lado.

E mesmo que os republicanos consigam de alguma maneira eleger um presidente da Câmara, parece certo que a pessoa que assumir a função terá de prometer à extrema direita que trairá a Ucrânia.

Dada esta realidade política, quanta confiança qualquer país pode ter nas garantias de apoio dos EUA? Como nós podemos esperar que os inimigos estrangeiros da democracia temam os EUA quando eles sabem que existem forças poderosas aqui que compartilham de seu desdém?

Sim, a Pax Americana está em declínio. Mas o problema não é falta de firmeza no topo, é o inimigo interno. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

Quando o Hamas atacou Israel, os republicanos souberam quem culpar: o presidente Joe Biden. Donald Trump garantiu que o ataque não teria ocorrido se ele ainda ocupasse a Casa Branca; Mike Pence, ao mesmo tempo que condenou Trump por elogiar o Hezbollah e o Hamas, afirmou que Biden estava de alguma maneira colocando em risco os interesses dos Estados Unidos por “projetar fraqueza”.

Como muito do que a direita americana fala hoje em dia, essas difamações foram tanto vis quanto infantis. Não, o presidente americano não é como o Lanterna Verde, capaz de moldar os eventos mundiais pela mera força de sua vontade. E Biden de fato adotou posições notavelmente duras em assuntos internacionais, muito mais que seu antecessor.

Mais genericamente, é marcante como tanto a extrema esquerda, que não possui influência significativa no Partido Democrata, quanto a extrema direita, que controla quase completamente o Partido Republicano, são solipsismos americanos. Ambas culpam os líderes dos EUA por tudo de ruim que acontece no mundo, negando qualquer influência estrangeira.

O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, durante uma reunião bilateral com o primeiro-ministro de Israel, Binyamin Netanyahu  Foto: Susan Walsh / AP

Dito isto, até estudantes sérios de relações internacionais notam que o planeta parece estar se tornando um lugar mais perigoso, com várias guerras frias locais esquentando e sugerindo que nós podemos estar testemunhando o fim da Pax Americana, a longa era em que o domínio econômico e militar dos EUA limitou o potencial de guerras de conquista.

Mas por que a Pax Americana está em declínio?

Nós podemos ficar tentados a mergulhar em determinismos econômicos, afirmando que os EUA perderam influência porque não dominam a economia mundial como no passado. Mas ainda que tenha havido um grande declínio na fatia americana do PIB mundial entre 1960 e 1980, desde então essa participação não tem mostrado uma tendência clara de diminuição, apesar de ter flutuado com o valor de câmbio externo do dólar.

Recuperação

Na realidade, nossa forte recuperação da recessão da covid — combinada com os tropeços de alguns rivais geopolíticos — faz o domínio econômico dos EUA parecer mais durável do que pareceu por muito tempo. Notavelmente, muitos observadores estão sugerindo agora que o PIB da China, medido em dólares, poderá nunca superar o americano. (A economia chinesa já é maior em termos de poder de compra doméstico, mas é menos relevante em termos de influência global.)

Ah, e apesar de todo o frenesi sobre desdolarização, o dólar americano parece na verdade mais central do que nunca para a economia mundial.

Além disso, mudanças na economia global deram aos EUA, pode-se argumentar, novas maneiras de exercer poder econômico. Os especialistas em relações internacionais Henry Farrell e Abraham Newman publicaram recentemente “Underground Empire: How America Weaponized the World Economy” (Império clandestino: como os EUA transformaram a economia mundial em arma), um livro revelador que descreve como a globalização moderna — que cria formas muito mais complexas de interdependência do que o comércio internacional tradicional — colocou os EUA no centro “de uma rede internacional de vigilância e controle”.

O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, discursa sobre o seu plano econômico em uma fábrica em Milwaukee, Estados Unidos  Foto: Pete Marovich/ NYT

E o governo Biden não foi de nenhuma maneira tímido sobre usar o poder americano. A ajuda à Ucrânia, ainda que bastante diminuta em relação ao orçamento dos EUA, tem sido um dos principais elementos frustrando a agressão russa; Washington também acionou agressivamente seus poderes financeiros e tecnológicos para aplicar sanções contra o regime de Vladimir Putin. Na crise mais recente, os israelenses, incluindo Binyamin Netanyahu, elogiaram Biden por seu apoio imediato, o que provavelmente explica por que Trump partiu para cima de um ex-aliado político.

Além disso, Biden adotou uma posição marcadamente dura em relação à tecnologia chinesa. Enquanto Trump bufou e vociferou ineficazmente contra os superávits comerciais da China (que nunca foram o problema), Biden impôs sanções que o Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais classifica como uma “política de estrangular ativamente grandes segmentos da indústria chinesa de tecnologia — um estrangulamento com intenção de matar”.

Se isso é “projetar fraqueza”, como seria projetar força?

Mas parece seguro dizer que o mundo não confia mais nas promessas dos EUA e talvez não tema mais as ameaças americanas como no passado. O problema, contudo, não é Biden, é o partido que o ataca reflexivamente por qualquer coisa que vá mal.

Neste momento os EUA são uma superpotência sem um governo plenamente funcional. Especificamente, a Câmara dos Deputados não tem presidente e portanto não pode aprovar legislações, incluindo para financiamento do governo e fornecimento de ajuda para aliados dos EUA. A Câmara está paralisada porque os republicanos extremistas, que se recusam a reconhecer a legitimidade de Biden e promovem caos em vez de participar da governança, transformaram essas táticas em seu próprio partido. Neste momento é difícil imaginar qualquer presidente da Câmara sem votos democratas — mas mesmo os republicanos menos extremistas se recusam a conversar com o outro lado.

E mesmo que os republicanos consigam de alguma maneira eleger um presidente da Câmara, parece certo que a pessoa que assumir a função terá de prometer à extrema direita que trairá a Ucrânia.

Dada esta realidade política, quanta confiança qualquer país pode ter nas garantias de apoio dos EUA? Como nós podemos esperar que os inimigos estrangeiros da democracia temam os EUA quando eles sabem que existem forças poderosas aqui que compartilham de seu desdém?

Sim, a Pax Americana está em declínio. Mas o problema não é falta de firmeza no topo, é o inimigo interno. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

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