Paul Krugman: Por que a libra britânica está tomando uma surra?


Moeda desvalorizou após medidas econômicas anunciadas por Liz Truss; crises anteriores ajudam a entender o presente

Por Paul Krugman
Atualização:

Mercados financeiros normalmente concedem a nações ricas e politicamente estáveis bastante espaço fiscal. Em particular, um país como os Estados Unidos — assim como o Reino Unido — normalmente é capaz de administrar déficits bem altos sem criar corridas para os bancos. Isso ocorre porque investidores tipicamente acreditam que nações como as nossas irão, no fim, segurar a onda e pagar suas contas; eles também acreditam que bancos centrais como o Federal Reserve e o Banco da Inglaterra farão tudo o que for necessário para evitar que déficits orçamentários desencadeiem inflações galopantes.

De fato, déficits orçamentários em economias avançadas normalmente fazem com que o valor das moedas dos países em que ocorrem aumente em relação ao de moedas estrangeiras, porque a colisão entre estímulo fiscal e aperto monetário leva a aumentos nas taxas de juros, e essas taxas elevadas atraem injeção de capital vindo do exterior. Quando Ronald Reagan cortou impostos ao mesmo tempo que aumentou o gasto militar, no início da década de 80, o valor do dólar se elevou em relação ao de outras moedas importantes, como o marco alemão (isso ocorreu muito antes da criação do euro).

Mas uma coisa engraçada (não tanto se você for britânico) aconteceu ao longo da semana passada, quando Liz Truss, a nova primeira-ministra do Reino Unido, anunciou um “evento fiscal” neorreaganiano (ela não o qualificou como um orçamento em si, porque isso teria requerido a divulgação de projeções fiscais e econômicas, que provavelmente teriam sido embaraçosas).

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Primeira-ministra britânica Liz Truss caminhando na Downing Street, em Londres, em imagem do dia 23 deste mês. Escolhas econômicas da nova premiê britânica podem desvalorizar libra Foto: Clodagh Kilcoyne/Reuters

Já era evidente que o governo Truss teria de aumentar o gasto no curto prazo, para ajudar as famílias prejudicadas pelo aumento nas contas de energia provocados pelo embargo de facto de Vladimir Putin ao gás natural. Em vez de elevar impostos para ajudar a cobrir esse gasto, contudo, o chanceler do Tesouro de Truss — basicamente seu ministro da Economia — anunciou cortes de impostos, notavelmente uma grande redução em impostos sobre os mais ricos.

O paralelo com a política econômica reaganiana foi óbvio. As taxas de juros aumentaram em conformidade. Mas neste caso, em vez de ter seu valor elevado, a libra despencou.

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Esta não é a reação do mercado que alguém esperaria em uma economia avançada. Foi, em vez disso, similar ao que vemos com frequência em mercados emergentes, nos quais os investidores se preocupam com a possibilidade de governos cobrirem déficits crescentes imprimindo mais dinheiro, o que faz a inflação acelerar.

Mas coisas assim já aconteceram antes no Reino Unido. Em 1976, os britânicos experimentaram uma crise da libra durante a qual preocupações a respeito de déficits orçamentários fizeram a moeda despencar, colaborando para aumentar uma inflação já elevada. De maneira humilhante, o governo foi forçado a recorrer a um empréstimo do Fundo Monetário Internacional, que foi concedido sob a condição de que Londres fizesse cortes severos em gastos públicos.

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Naquele momento, contudo, o Banco da Inglaterra não era a instituição independente que veio a ser depois. Era, com efeito, apenas um braço do Tesouro de Sua Majestade, e acomodou o impacto inflacionário dos déficits em vez de agir para anulá-los. Atualmente, o banco é independente, e tem ainda a obrigação de manter a inflação baixa.

Então o que explica a súbita queda da libra? Uma resposta que me agradou veio do economista Dario Perkins, do centro financeiro de Londres, que declarou que o problema com o orçamento não é seu impulso inflacionário, mas sua “idiotice”, e que uma economia administrada por idiotas tem que pagar pelo risco-extra.

Mas ainda que a ideia do “risco-idiotice” me agrade, também deve haver uma preocupação mais concreta. Conversei com outros economistas da City, e eles expressaram dúvidas a respeito de o banco central estar ou não disposto a endurecer o suficiente para anular o impacto inflacionário da política econômica de Truss.

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Essas dúvidas foram reforçadas na segunda-feira, quando o banco decepcionou investidores que esperavam por uma elevação na taxa de juros para estabilizar a libra, limitando-se, em vez disso, a um comunicado meio vago, afirmando que “não hesitaria” em elevar taxas de juros se necessário para conter a inflação.

Visão geral da fachada do Banco da Inglaterra em Londres, em imagem do dia 4 de agosto deste ano Foto: Maja Smiejkowska/Reuters

Ainda assim, não vejo nenhuma razão para acreditar que o banco central britânico tenha perdido sua independência política ou que permitirá ser intimidado a evitar altas de juros por um governo que aparentemente acredita na ideia zumbi de que cortes de impostos pagarão por si mesmos.

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Pode haver, contudo, uma razão especificamente britânica para uma hesitação do Banco da Inglaterra antes de elevar as taxas suficientemente para conter a inflação.

Quanto mais vejo os atuais eventos no Reino Unido, mais volto no tempo, mas não para 1976; em vez disso, para a outra crise da libra, de 1992. Naquela época, quando o euro ainda não existia, muitas nações europeias, entre elas o Reino Unido, formavam um sistema destinado a manter estável o valor relativo entre as suas moedas, o chamado mecanismo cambial. Em 1992-3, contudo, o mecanismo cambial europeu foi pressionado seriamente por especuladores — o mais famoso deles era George Soros — que começaram a apostar que muitas economias europeias desistiriam de suas metas cambiais e permitiriam que suas moedas desvalorizassem em relação ao marco alemão.

Defender-se contra essa ofensiva especulativa teria requerido aumentar acentuadamente taxas de juros por um período extenso. E no fim, vários países, entre eles o Reino Unido, não se mostraram dispostos a fazê-lo. Por quê?

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Parte da resposta foi que o Reino Unido padecia de alto desemprego na época e temia que aumentos nos juros aprofundariam sua recessão. Mas havia outra preocupação, talvez mais pungente. Por várias razões, britânicos proprietários de imóveis, ao contrário dos americanos, tendem a ter ou taxas de juros de hipotecas flutuantes, cujos índices variam em função do mercado, ou hipotecas vencendo que precisam ser refinanciadas por mais alguns anos.

Em 1992, isso significou que defender a libra com taxas de juros mais elevadas rapidamente se traduziria em dor financeira direta para milhões de pessoas. E depois de algumas semanas de retórica desafiadora, os formuladores de políticas cederam à pressão e permitiram a desvalorização da libra.

Não constatei nenhuma evidência direta de que considerações similares estejam influenciando o Banco da Inglaterra neste momento. Mas parece provável.

Ainda é cedo demais para considerar o Reino Unido um caso perdido. O país é rico e possui muita liberdade de manobra. Por outro lado, se a política monetária estiver realmente restringida desta maneira, apostar tudo numa política fiscal zumbi é ainda mais irresponsável do que buscar outra saída. E temos de imaginar quanto tempo Truss durará no cargo, dado este enorme erro espontâneo de política. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

Mercados financeiros normalmente concedem a nações ricas e politicamente estáveis bastante espaço fiscal. Em particular, um país como os Estados Unidos — assim como o Reino Unido — normalmente é capaz de administrar déficits bem altos sem criar corridas para os bancos. Isso ocorre porque investidores tipicamente acreditam que nações como as nossas irão, no fim, segurar a onda e pagar suas contas; eles também acreditam que bancos centrais como o Federal Reserve e o Banco da Inglaterra farão tudo o que for necessário para evitar que déficits orçamentários desencadeiem inflações galopantes.

De fato, déficits orçamentários em economias avançadas normalmente fazem com que o valor das moedas dos países em que ocorrem aumente em relação ao de moedas estrangeiras, porque a colisão entre estímulo fiscal e aperto monetário leva a aumentos nas taxas de juros, e essas taxas elevadas atraem injeção de capital vindo do exterior. Quando Ronald Reagan cortou impostos ao mesmo tempo que aumentou o gasto militar, no início da década de 80, o valor do dólar se elevou em relação ao de outras moedas importantes, como o marco alemão (isso ocorreu muito antes da criação do euro).

Mas uma coisa engraçada (não tanto se você for britânico) aconteceu ao longo da semana passada, quando Liz Truss, a nova primeira-ministra do Reino Unido, anunciou um “evento fiscal” neorreaganiano (ela não o qualificou como um orçamento em si, porque isso teria requerido a divulgação de projeções fiscais e econômicas, que provavelmente teriam sido embaraçosas).

Primeira-ministra britânica Liz Truss caminhando na Downing Street, em Londres, em imagem do dia 23 deste mês. Escolhas econômicas da nova premiê britânica podem desvalorizar libra Foto: Clodagh Kilcoyne/Reuters

Já era evidente que o governo Truss teria de aumentar o gasto no curto prazo, para ajudar as famílias prejudicadas pelo aumento nas contas de energia provocados pelo embargo de facto de Vladimir Putin ao gás natural. Em vez de elevar impostos para ajudar a cobrir esse gasto, contudo, o chanceler do Tesouro de Truss — basicamente seu ministro da Economia — anunciou cortes de impostos, notavelmente uma grande redução em impostos sobre os mais ricos.

O paralelo com a política econômica reaganiana foi óbvio. As taxas de juros aumentaram em conformidade. Mas neste caso, em vez de ter seu valor elevado, a libra despencou.

Esta não é a reação do mercado que alguém esperaria em uma economia avançada. Foi, em vez disso, similar ao que vemos com frequência em mercados emergentes, nos quais os investidores se preocupam com a possibilidade de governos cobrirem déficits crescentes imprimindo mais dinheiro, o que faz a inflação acelerar.

Mas coisas assim já aconteceram antes no Reino Unido. Em 1976, os britânicos experimentaram uma crise da libra durante a qual preocupações a respeito de déficits orçamentários fizeram a moeda despencar, colaborando para aumentar uma inflação já elevada. De maneira humilhante, o governo foi forçado a recorrer a um empréstimo do Fundo Monetário Internacional, que foi concedido sob a condição de que Londres fizesse cortes severos em gastos públicos.

Naquele momento, contudo, o Banco da Inglaterra não era a instituição independente que veio a ser depois. Era, com efeito, apenas um braço do Tesouro de Sua Majestade, e acomodou o impacto inflacionário dos déficits em vez de agir para anulá-los. Atualmente, o banco é independente, e tem ainda a obrigação de manter a inflação baixa.

Então o que explica a súbita queda da libra? Uma resposta que me agradou veio do economista Dario Perkins, do centro financeiro de Londres, que declarou que o problema com o orçamento não é seu impulso inflacionário, mas sua “idiotice”, e que uma economia administrada por idiotas tem que pagar pelo risco-extra.

Mas ainda que a ideia do “risco-idiotice” me agrade, também deve haver uma preocupação mais concreta. Conversei com outros economistas da City, e eles expressaram dúvidas a respeito de o banco central estar ou não disposto a endurecer o suficiente para anular o impacto inflacionário da política econômica de Truss.

Essas dúvidas foram reforçadas na segunda-feira, quando o banco decepcionou investidores que esperavam por uma elevação na taxa de juros para estabilizar a libra, limitando-se, em vez disso, a um comunicado meio vago, afirmando que “não hesitaria” em elevar taxas de juros se necessário para conter a inflação.

Visão geral da fachada do Banco da Inglaterra em Londres, em imagem do dia 4 de agosto deste ano Foto: Maja Smiejkowska/Reuters

Ainda assim, não vejo nenhuma razão para acreditar que o banco central britânico tenha perdido sua independência política ou que permitirá ser intimidado a evitar altas de juros por um governo que aparentemente acredita na ideia zumbi de que cortes de impostos pagarão por si mesmos.

Pode haver, contudo, uma razão especificamente britânica para uma hesitação do Banco da Inglaterra antes de elevar as taxas suficientemente para conter a inflação.

Quanto mais vejo os atuais eventos no Reino Unido, mais volto no tempo, mas não para 1976; em vez disso, para a outra crise da libra, de 1992. Naquela época, quando o euro ainda não existia, muitas nações europeias, entre elas o Reino Unido, formavam um sistema destinado a manter estável o valor relativo entre as suas moedas, o chamado mecanismo cambial. Em 1992-3, contudo, o mecanismo cambial europeu foi pressionado seriamente por especuladores — o mais famoso deles era George Soros — que começaram a apostar que muitas economias europeias desistiriam de suas metas cambiais e permitiriam que suas moedas desvalorizassem em relação ao marco alemão.

Defender-se contra essa ofensiva especulativa teria requerido aumentar acentuadamente taxas de juros por um período extenso. E no fim, vários países, entre eles o Reino Unido, não se mostraram dispostos a fazê-lo. Por quê?

Parte da resposta foi que o Reino Unido padecia de alto desemprego na época e temia que aumentos nos juros aprofundariam sua recessão. Mas havia outra preocupação, talvez mais pungente. Por várias razões, britânicos proprietários de imóveis, ao contrário dos americanos, tendem a ter ou taxas de juros de hipotecas flutuantes, cujos índices variam em função do mercado, ou hipotecas vencendo que precisam ser refinanciadas por mais alguns anos.

Em 1992, isso significou que defender a libra com taxas de juros mais elevadas rapidamente se traduziria em dor financeira direta para milhões de pessoas. E depois de algumas semanas de retórica desafiadora, os formuladores de políticas cederam à pressão e permitiram a desvalorização da libra.

Não constatei nenhuma evidência direta de que considerações similares estejam influenciando o Banco da Inglaterra neste momento. Mas parece provável.

Ainda é cedo demais para considerar o Reino Unido um caso perdido. O país é rico e possui muita liberdade de manobra. Por outro lado, se a política monetária estiver realmente restringida desta maneira, apostar tudo numa política fiscal zumbi é ainda mais irresponsável do que buscar outra saída. E temos de imaginar quanto tempo Truss durará no cargo, dado este enorme erro espontâneo de política. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

Mercados financeiros normalmente concedem a nações ricas e politicamente estáveis bastante espaço fiscal. Em particular, um país como os Estados Unidos — assim como o Reino Unido — normalmente é capaz de administrar déficits bem altos sem criar corridas para os bancos. Isso ocorre porque investidores tipicamente acreditam que nações como as nossas irão, no fim, segurar a onda e pagar suas contas; eles também acreditam que bancos centrais como o Federal Reserve e o Banco da Inglaterra farão tudo o que for necessário para evitar que déficits orçamentários desencadeiem inflações galopantes.

De fato, déficits orçamentários em economias avançadas normalmente fazem com que o valor das moedas dos países em que ocorrem aumente em relação ao de moedas estrangeiras, porque a colisão entre estímulo fiscal e aperto monetário leva a aumentos nas taxas de juros, e essas taxas elevadas atraem injeção de capital vindo do exterior. Quando Ronald Reagan cortou impostos ao mesmo tempo que aumentou o gasto militar, no início da década de 80, o valor do dólar se elevou em relação ao de outras moedas importantes, como o marco alemão (isso ocorreu muito antes da criação do euro).

Mas uma coisa engraçada (não tanto se você for britânico) aconteceu ao longo da semana passada, quando Liz Truss, a nova primeira-ministra do Reino Unido, anunciou um “evento fiscal” neorreaganiano (ela não o qualificou como um orçamento em si, porque isso teria requerido a divulgação de projeções fiscais e econômicas, que provavelmente teriam sido embaraçosas).

Primeira-ministra britânica Liz Truss caminhando na Downing Street, em Londres, em imagem do dia 23 deste mês. Escolhas econômicas da nova premiê britânica podem desvalorizar libra Foto: Clodagh Kilcoyne/Reuters

Já era evidente que o governo Truss teria de aumentar o gasto no curto prazo, para ajudar as famílias prejudicadas pelo aumento nas contas de energia provocados pelo embargo de facto de Vladimir Putin ao gás natural. Em vez de elevar impostos para ajudar a cobrir esse gasto, contudo, o chanceler do Tesouro de Truss — basicamente seu ministro da Economia — anunciou cortes de impostos, notavelmente uma grande redução em impostos sobre os mais ricos.

O paralelo com a política econômica reaganiana foi óbvio. As taxas de juros aumentaram em conformidade. Mas neste caso, em vez de ter seu valor elevado, a libra despencou.

Esta não é a reação do mercado que alguém esperaria em uma economia avançada. Foi, em vez disso, similar ao que vemos com frequência em mercados emergentes, nos quais os investidores se preocupam com a possibilidade de governos cobrirem déficits crescentes imprimindo mais dinheiro, o que faz a inflação acelerar.

Mas coisas assim já aconteceram antes no Reino Unido. Em 1976, os britânicos experimentaram uma crise da libra durante a qual preocupações a respeito de déficits orçamentários fizeram a moeda despencar, colaborando para aumentar uma inflação já elevada. De maneira humilhante, o governo foi forçado a recorrer a um empréstimo do Fundo Monetário Internacional, que foi concedido sob a condição de que Londres fizesse cortes severos em gastos públicos.

Naquele momento, contudo, o Banco da Inglaterra não era a instituição independente que veio a ser depois. Era, com efeito, apenas um braço do Tesouro de Sua Majestade, e acomodou o impacto inflacionário dos déficits em vez de agir para anulá-los. Atualmente, o banco é independente, e tem ainda a obrigação de manter a inflação baixa.

Então o que explica a súbita queda da libra? Uma resposta que me agradou veio do economista Dario Perkins, do centro financeiro de Londres, que declarou que o problema com o orçamento não é seu impulso inflacionário, mas sua “idiotice”, e que uma economia administrada por idiotas tem que pagar pelo risco-extra.

Mas ainda que a ideia do “risco-idiotice” me agrade, também deve haver uma preocupação mais concreta. Conversei com outros economistas da City, e eles expressaram dúvidas a respeito de o banco central estar ou não disposto a endurecer o suficiente para anular o impacto inflacionário da política econômica de Truss.

Essas dúvidas foram reforçadas na segunda-feira, quando o banco decepcionou investidores que esperavam por uma elevação na taxa de juros para estabilizar a libra, limitando-se, em vez disso, a um comunicado meio vago, afirmando que “não hesitaria” em elevar taxas de juros se necessário para conter a inflação.

Visão geral da fachada do Banco da Inglaterra em Londres, em imagem do dia 4 de agosto deste ano Foto: Maja Smiejkowska/Reuters

Ainda assim, não vejo nenhuma razão para acreditar que o banco central britânico tenha perdido sua independência política ou que permitirá ser intimidado a evitar altas de juros por um governo que aparentemente acredita na ideia zumbi de que cortes de impostos pagarão por si mesmos.

Pode haver, contudo, uma razão especificamente britânica para uma hesitação do Banco da Inglaterra antes de elevar as taxas suficientemente para conter a inflação.

Quanto mais vejo os atuais eventos no Reino Unido, mais volto no tempo, mas não para 1976; em vez disso, para a outra crise da libra, de 1992. Naquela época, quando o euro ainda não existia, muitas nações europeias, entre elas o Reino Unido, formavam um sistema destinado a manter estável o valor relativo entre as suas moedas, o chamado mecanismo cambial. Em 1992-3, contudo, o mecanismo cambial europeu foi pressionado seriamente por especuladores — o mais famoso deles era George Soros — que começaram a apostar que muitas economias europeias desistiriam de suas metas cambiais e permitiriam que suas moedas desvalorizassem em relação ao marco alemão.

Defender-se contra essa ofensiva especulativa teria requerido aumentar acentuadamente taxas de juros por um período extenso. E no fim, vários países, entre eles o Reino Unido, não se mostraram dispostos a fazê-lo. Por quê?

Parte da resposta foi que o Reino Unido padecia de alto desemprego na época e temia que aumentos nos juros aprofundariam sua recessão. Mas havia outra preocupação, talvez mais pungente. Por várias razões, britânicos proprietários de imóveis, ao contrário dos americanos, tendem a ter ou taxas de juros de hipotecas flutuantes, cujos índices variam em função do mercado, ou hipotecas vencendo que precisam ser refinanciadas por mais alguns anos.

Em 1992, isso significou que defender a libra com taxas de juros mais elevadas rapidamente se traduziria em dor financeira direta para milhões de pessoas. E depois de algumas semanas de retórica desafiadora, os formuladores de políticas cederam à pressão e permitiram a desvalorização da libra.

Não constatei nenhuma evidência direta de que considerações similares estejam influenciando o Banco da Inglaterra neste momento. Mas parece provável.

Ainda é cedo demais para considerar o Reino Unido um caso perdido. O país é rico e possui muita liberdade de manobra. Por outro lado, se a política monetária estiver realmente restringida desta maneira, apostar tudo numa política fiscal zumbi é ainda mais irresponsável do que buscar outra saída. E temos de imaginar quanto tempo Truss durará no cargo, dado este enorme erro espontâneo de política. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

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