BELGOROD, RÚSSIA - Pelo segundo dia consecutivo, milícias contrárias ao presidente Vladimir Putin realizaram um ataque em território russo. O grupo, denominado Legião da Liberdade da Rússia, reivindicou uma explosão em uma fábrica militar e troca de tiros na passagem da fronteira entre Rússia e Ucrânia. O governo russo pediu a retirada de civis da região e autoridades da província de Belgorod disseram que os ataques deixaram um morto e 11 feridos.
Segundo o ministério da Defesa da Rússia, os paramilitares foram expulsos do território russo. A Rússia também informou que 70 militantes foram mortos em contra-ataques das forças do Kremlin, mas a informação não pôde ser verificada de forma independente.
“Os remanescentes dos nacionalistas foram repelidos e voltaram ao território da Ucrânia, onde continuaram sendo atingidos pelo fogo até serem completamente eliminados”, disse o porta-voz do Ministério da Defesa russo, Igor Konashenkov, sem fornecer provas.
A Legião da Rússia Livre, grupo russo que pegou em armas pela causa ucraniana, reivindicou a responsabilidade pela incursão. Um representante do grupo disse que o ataque foi uma tentativa de forçar os militares russos a desviar suas tropas que lutam na Ucrânia. Ele acrescentou que oficiais ucranianos estavam cientes da operação, mas não a haviam conduzido.
Segundo o portal de notícias russo RBK, a cidade de Graivoron sofreu um forte bombardeio que durou cerca de cinco horas na segunda-feira. Depois disso, tanques dispararam contra o posto de fronteira de Graivoron, enquanto o vilarejo vizinho de Kozinka foi atacado por morteiros e foguetes.
Em virtude dos ataques, as autoridades russas disseram ter retirado os civis de nove localidades próximas à fronteira. Moradores de Graivoron, Novostroevka, Gorkovski, Bezimeno, Mokraia Orlovka, Glotovo, Gora Podol, Zamostie e Spodariusheno foram deslocados de suas cidades de origem.
Soldados e veículos blindados, incluindo alguns com logos ucranianos, foram vistos em vídeos postados online de Belgorod na segunda-feira e verificados pelo The New York Times. Na madrugada de segunda para terça mais vídeos surgiram alegando mostrar um ataque aos prédios do Serviço de Segurança Federal, ou FSB, antiga KGB, segundo reportou o The Washington Post.d
A região de Belgorod é um centro militar russo que contém depósitos de combustível e munição. Após incidentes anteriores, incluindo ataques com drones e uma incursão armada na região de Briansk, o presidente russo, Vladimir Putin, ordenou que as autoridades reforçassem a segurança em Belgorod e outras regiões adjacentes à Ucrânia, mas o novo ataque demonstrou falhas na proteção russo a sua zona de fronteira. Falhas de segurança anteriores atraíram duras críticas de radicais russos pró-Putin.
Moscou acusa Kiev
Kiev e Moscou trocaram acusações sobre o ataque na fronteira. Oficiais russos culparam os militares ucranianos pela incursão, e o porta-voz do Kremlin, Dmitri Peskov, disse que mesmo que os agressores fossem russos étnicos, eles são “militantes ucranianos”.
Peskov ainda afirmou que o ataque era uma tentativa da Ucrânia de desviar a atenção da tomada russa de Bakhmut, a cidade há muito disputada no leste da Ucrânia que a Rússia alegou ter finalmente capturado nesta semana. “Isso mais uma vez confirma que os militantes ucranianos continuam suas atividades contra nosso país”, disse Peskov a repórteres. “Isso requer um grande esforço de nossa parte, e esses esforços continuam”.
A Ucrânia classificou os ataques na fronteira como um sinal de divisão interna na Rússia. A vice-ministra da Defesa ucraniana, Hanna Maliar, descreveu os militantes como “patriotas russos” que “se rebelaram contra o regime de Putin”. “Essas são tendências internas da Rússia ditadas pelo desejo dos cidadãos de mudar o sistema político do país e acabar com a guerra sangrenta que o Kremlin desencadeou”, disse Maliar na televisão ucraniana.
Mikhailo Podoliak, assessor do presidente Volodmir Zelenski, negou qualquer envolvimento direto de Kiev e disse que os grupos armados estavam agindo por conta própria. Podoliak disse no Twitter que a Ucrânia está observando os eventos “com interesse e estudando a situação” – uma resposta comum do governo aos ataques ao território russo.
Grupo anti-Putin
As milícias anti-Putin são compostas por combatentes de etnia russa, incluindo cidadãos russos, que se opõem ao líder russo e dizem que estão trabalhando para “libertar” sua pátria. Alguns membros dos grupos são conhecidos por serem neonazistas russos ou por abrigar outras visões extremistas.
A Legião da Rússia Livre opera sob a égide da Legião Internacional da Ucrânia, uma força de combate supervisionada por oficiais ucranianos. Os comandantes ucranianos da Legião Internacional sabiam da operação, mas não a haviam dirigido, disse Ilia Ponomarev, um ex-membro do Parlamento russo que se descreveu como representante político da Legião da Rússia Livre, em entrevista por telefone ao NYT.
O grupo capturou cerca de uma dúzia de guardas de fronteira russos, disse ele, uma afirmação que não pôde ser verificada. Ele descreveu a incursão como um esforço para “libertar uma certa parte do território russo”, para forçar os militares russos a desviar tropas e desestabilizar o governo de Vladimir Putin, mostrando sua incapacidade de defender a extensa fronteira compartilhada dos países. “Achamos que agora eles precisam reconsiderar e enviar mais forças ao longo de toda a fronteira ucraniana”, disse Ponomarev.
Aleksei Baranovski, porta-voz da ala política da Legião da Rússia Livre, disse que o grupo capturou duas aldeias, Gorkovski e Shchetinovka, nesta terça e controla cerca de 20 km² na Rússia. Os combates continuaram na cidade de Graivoron, a cerca de dez quilômetros da fronteira com a Rússia, disse ele.
Um alto funcionário ucraniano, que falou sob condição de anonimato para revelar detalhes sobre a missão dentro da Rússia, disse que os militares ucranianos estão atuando principalmente em um papel de apoio, protegendo a fronteira ucraniana na área em caso de um contra-ataque russo. Porém, ele negou que algum algum combatente ucraniano tenha entrado em território russo./AFP, AP, NYT e W.POST