Durante as últimas nove semanas os enormes protestos contra o governo abalaram Hong Kong. Em 5 de agosto, manifestantes pró-democracia organizaram a primeira greve geral no território em meio século. Foram desativadas partes do sistema de transporte. Bancos e muitas outras companhias também fecharam.
O número absoluto de manifestantes nas ruas caiu, mas as táticas da vanguarda vestida de preto, que cada vez mais recorre à violência, desafiaram os recursos de uma força policial determinada a reprimir os protestos. Como os métodos dos manifestantes mudaram, o mesmo ocorreu com o seu alvo: o que começou como oposição a um projeto de lei que teria permitido extradições para a China se tornou uma revolta popular contra o governo local e contra o próprio domínio chinês.
As autoridades chinesas supõem a existência de “mãos negras” ocidentais por trás dos protestos. A retórica do continente tem crescido acentuadamente desde 21 de julho, quando os manifestantes desfiguraram a insígnia nacional do escritório central de ligação, representante do governo central no território.
No fim de julho, o major-general Chen Daoxiang enviou a mensagem de que o Exército Popular de Libertação em Hong Kong não hesitaria em restaurar a ordem se o presidente Xi Jinping exigisse. Isso levou a ansiosas especulações em Hong Kong e em todo o mundo, de que as forças de segurança chinesas poderiam estar se preparando para intervir em um território no qual, pela sua fórmula “um país, dois sistemas”, prometera “um elevado grau de autonomia”.
A China já não depende diretamente de Hong Kong para seu bem-estar econômico como antes. No momento da devolução em 1997, a economia do território era equivalente a quase um quinto da China. Hoje a cifra é de 3% e seu porto não é mais importante no envio de mercadorias do continente.
A estrutura da economia de Hong Kong mudou pouco em duas décadas. Em termos da sua contribuição para a economia, o comércio e a logística, juntamente com as finanças, são notavelmente semelhantes (22% e 19%, respectivamente). Mas Hong Kong continua a ser mais importante para o continente do que poderia parecer à primeira vista.
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O Exército da China divulgou um vídeo de alerta para os manifestantes de Hong Kong. Nas imagens é possível ver tanque, cassetetes, gases e jatos d’água, no que seria uma ameaça aos que participam de protestos na ex-colônia britânica.
O paradoxo é que quanto mais autocrático o continente se torna, mais ele precisa de Hong Kong comercialmente. Se a China tivesse reformado seu sistema financeiro e legal, o território seria irrelevante para seus negócios globais. Em vez disso, ocorreu o contrário: a China cresceu rapidamente e se globalizou, mas não se abriu.
Como resultado, a economia de Hong Kong é útil para a China. Tem um status dentro de um corpo de leis e regras internacionais que lhe dá acesso perfeito aos mercados ocidentais. O status é multifacetado. Inclui uma classificação de crédito mais elevada; menores ponderações de risco para exposições bancárias e de contrapartes; a capacidade de liberar dólares facilmente; filiação independente à OMC; status de “equivalência” para a sua bolsa de valores com os dos EUA, Europa e Japão; reconhecimento como uma bolsa de valores “desenvolvida” por empresas de índices e acordos de cooperação com outros reguladores de valores mobiliários.
O mercado acionário de Hong Kong é agora o quarto maior do mundo, atrás de Tóquio, mas à frente de Londres. Cerca de 70% do capital captado por ele é para as empresas chinesas. A maior parte do investimento direto estrangeiro chinês passa por Hong Kong. As ações com domicílio no território praticamente dobraram na última década, para US$ 2 trilhões. A participação de Hong Kong no total de entrada de investimento direto estrangeiro (IDE) na China continental permaneceu relativamente constante, em 60%. Embora a quantidade de dinheiro multinacional que entra e sai da China tenha aumentado, a maioria das empresas ainda prefere ter o selo legal de Hong Kong.
Isso tudo significa que a forma como a turbulência em Hong Kong é resolvida importa mais que apenas para o próprio povo. A China não tomará uma decisão sobre Hong Kong sem levá-la a sério: ela sabe o quanto está em jogo economicamente e o quanto suas maiores empresas dependem do território, independentemente do risco de reputação. Mas também vê a situação se transformar em uma ameaça ao Partido Comunista – que os EUA, acredita, estão tentando explorar. / TRADUÇÃO DE CLAUDIA BOZZO
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