Perseguidos por Putin, jornalistas russos tentam manter cobertura do exterior


Repressão da mídia na Rússia que se seguiu à invasão da Ucrânia dizimou uma comunidade jornalística já quase extinta por anos de opressão

Por Steve Hendrix

Serguei Smirnov estava sentado no chão de um Airbnb escuro e sujo, liderando uma reunião editorial da organização de notícias russa que continua trabalhando mesmo quando ele e sua equipe estão fugindo da repressão do Kremlin à imprensa livre.

Smirnov, editor-chefe do Mediazona, estava em um apartamento em cima de um restaurante de frango frito em Vilnius, na Lituânia, cercado por dois cachorros e meia dúzia de sacolas de compras cheias, que ele conseguiu jogar em seu carro em 4 de março. Este foi o dia em que o presidente russo, Vladimir Putin, aprovou penas de prisão draconianas para jornalistas que se desviam da propaganda do Kremlin. A esposa de Smirnov e dois filhos, incluindo um recém-nascido de 4 semanas, permanecem em Moscou.

Os 22 repórteres da Mediazona na ligação do Zoom estavam em Tbilisi, Praga, Istambul - qualquer cidade que pudessem alcançar depois que as sanções internacionais rarearam os voos de Moscou e tornaram cartões de crédito russos inúteis em postos de gasolina em toda a Europa. Onde conseguir vistos, apartamentos, financiamento, simpatia? - esses são os desafios que eles enfrentam em um êxodo sem precedentes de jornalistas de sua terra natal.

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Serguei Smirnov, editor-chefe do Mediazona, trabalha de apartamento alugado em Vilnius, na Lituânia. Foto: Foto: Arturas Morozovas/ The Washington Post

“Eu me pergunto se deveríamos fazer uma reportagem sobre a hostilidade que os russos estão sentindo em outros países”, disse um dos rostos cansados na tela de Smirnov. Outro repórter concordou, enquanto um terceiro hesitou.

Smirnov, que já foi preso por sua atuação como jornalista em Moscou, balançou a cabeça. “Estamos enfrentando dificuldades, mas não é nada comparado ao que eles estão passando na Ucrânia.”

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A repressão da mídia na Rússia que se seguiu à invasão da Ucrânia dizimou uma comunidade jornalística já quase extinta por anos de opressão. O Comitê para a Proteção dos Jornalistas, com sede em Nova York, disse que pelo menos 150 dos poucos repórteres e editores independentes da Rússia saíram desde que os tanques entraram na Ucrânia, mergulhando a Rússia no que o grupo chamou de “idade das trevas da informação”.

Agora - na Lituânia, Letônia, Geórgia e outros ex-Estados soviéticos onde o russo continua sendo uma língua comum - eles estão lutando para montar redações no exílio, determinados a continuar a perigosa missão de falar a verdade ao autoritarismo.

“Eles vão precisar reconstruir a infraestrutura fora da Rússia, e isso não será fácil”, disse Vytis Jurkonis, diretor lituano da Freedom House, órgão de vigilância pró-democracia com sede em Washington.

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A necessidade imediata, antes que quaisquer redações ou estúdios sejam construídos, é obter aos jornalistas e suas famílias autorizações de residência, moradia, escolas e formas para que continuem reportando.

“A logística é difícil”, disse Jurkonis. “Mas eles precisam fazer seu trabalho e não perder seu público. É isso que o Kremlin quer, separar esses jornalistas críticos de seu público.”

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Já, em quartos de hotel compartilhados ou em sofás de amigos, os repórteres estão explorando maneiras de manter contato com fontes na Rússia. Aqueles que chegaram mais cedo estão ensinando os recém-chegados sobre as vantagens de camuflagem das VPNs (redes privadas virtuais), aplicativos de texto criptografados e as funções de bate-papo dos videogames online.

No domingo, o Mediazona publicou várias matérias sobre ações policiais contra protestos antiguerra em São Petersburgo, a segunda maior cidade da Rússia.

Dmitri Semenov, que fugiu para a Lituânia depois de ser indiciado por sua escrita e ativismo há quatro anos, está ouvindo jornalistas em fuga todos os dias, querendo saber para onde devem ir e como fazer seu trabalho quando chegarem lá.

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“Neste momento, qualquer fuga da Rússia é boa; qualquer cidade que você vá é melhor do que ficar dentro do país”, disse Semenov, que agora reporta para a televisão lituana e fala todos os dias com jornalistas em fuga - incluindo da Radio Free Europe e Rain, a principal rede de TV independente da Rússia - sobre a mudança para Lituânia.

Muitos já chegaram ao pequeno mas hospitaleiro posto avançado de Vilnius, uma cidade de ruas medievais e meio milhão de habitantes com um histórico de proteção a ativistas de direitos humanos. Vilnius emergiu como um centro de dissidentes e políticos perseguidos que escapam do alcance de Putin, incluindo uma equipe que apoia o líder da oposição russa preso Alexei Navalni. A candidata presidencial exilada de Belarus, Svetlana Tikhanovskaya, também fugiu para Vilnius em 2020.

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Vladimir Putin disse que a Rússia 'vai superar' as sanções ocidentais impostas após a ofensiva militar e alertou sobre a disparada da inflação em todo o mundo

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Jornalistas russos dizem que se sentem bem-vindos, mas a cidade não deixa de ter intrigas. Em 2021, agentes de segurança conseguiram sequestrar o blogueiro belarrusso Roman Protasevich, que morava na Lituânia, ao ter seu voo para Vilnius desviado para Minsk após uma falsa ameaça de bomba.

Na semana passada, o serviço de segurança estatal da Lituânia alertou as crescentes fileiras de exilados na cidade que os agentes russos e belarrussos estavam se tornando mais agressivos. Em uma postagem no Facebook, alertou os jornalistas para ficarem atentos a tentativas de hackear seus dispositivos e se infiltrar em seus círculos sociais.

“Não acho que os jornalistas devam se concentrar em nenhum país”, disse Jurkonis. “Isso os tornará alvos fáceis para agentes russos.”

Por enquanto, os repórteres ainda estão se recuperando de sua saída conturbada da Rússia. Apenas alguns dias atrás, Olesia Ostapchuk estava escrevendo sobre mães russas que perderam seus filhos na Ucrânia para o jornal independente Holod. Depois que uma nova lei ameaçou jornalistas com 15 anos de prisão por descrever a guerra da Rússia na Ucrânia como uma “guerra”, ela foi para o aeroporto.

Foram necessários dois dias de voos cancelados antes que ela finalmente aterrissasse na cidade russa ocidental de Kaliningrado, permitindo que ela puxasse sua mala rosa de 36 quilos pela ponte para a Lituânia.

“Deixei a maioria das minhas roupas, meus livros, tudo”, disse Ostapchuk, de 24 anos. “Também meu namorado e minha família”.

Ela só disse à avó, uma apoiadora de Putin que não estava totalmente ciente de sua atividade como jornalista, que estava viajando a negócios. Ela não sabe se a verá novamente. Ela também tem parentes na Ucrânia para se preocupar.

Para Smirnov, a necessidade de fugir não era inesperada. Um dos jornalistas independentes mais conceituados da Rússia, ele dirige o Mediazona desde que foi fundado em 2014 por um dos membros da Pussy Riot, a banda punk dissidente. A organização se concentra no sistema de justiça criminal da Rússia e é conhecida por transmitirem ao vivo os julgamentos contra ativistas e políticos -- muitas vezes descritos como espetáculos armados.

“Mesmo antes de agora, eles enfrentaram um perigo político que a maioria de nós nem pode imaginar”, disse Carroll Bogert, presidente do Marshall Project, com sede em Nova York, no qual o Mediazona foi modelado.

No ano passado, as autoridades russas forçaram a Mediazona e Smirnov a se registrarem sob a lei restritiva de “Agentes Estrangeiros”, considerando que o dinheiro gerado pelos anúncios do Google em seu site equivalia a financiamento internacional. Smirnov também foi preso por 25 dias por retuitar uma piada que ofendeu o Kremlin.

Ele experimentou reportagens da Geórgia por alguns meses em 2021, mas retornou a Moscou depois de achar Tbilisi “relaxante demais”.

“Não é normal, mas você se acostuma a acordar à noite toda vez que ouve a porta do elevador se abrir”, disse ele. “Você sente a tensão para entender a tensão.”

Ainda assim, ele mantinha uma mala pronta, dinheiro em mãos, passaportes prontos e documentos veterinários preparados para seu dachshund com problema cardíaco. Quando as novas penas de prisão foram anunciadas, ele carregou seu Kia Soul verde para a viagem de 27 horas sem dormir até Vilnius, incluindo uma espera de 13 horas na fronteira.

Alguns dias depois, o Mediazona e vários outros sites independentes foram bloqueados pelo governo russo por violar as novas restrições.

“Estou pronto para ir para a prisão por dois anos, mas 15? Não”, disse ele.

O filho de Smirnov, nascido em fevereiro, ainda não tem documentos de viagem. Ele espera que sua família se junte a ele em Vilnius em alguns meses, esperançosamente em acomodações melhores do que o apartamento úmido com a banheira de hidromassagem enorme que foi tudo o que ele conseguiu encontrar.

“Os apartamentos ficaram indisponíveis e eu não sou um inquilino desejável, um russo com dois cachorros”, disse ele.

A Mediazona estava recebendo cerca de US$ 50.000 ( cerca de R$ 252 mil) por mês por meio de doações on-line, a maioria de dentro da Rússia. Esses fundos se foram agora, junto com a maior parte do dinheiro da empresa que estava em bancos russos. Os objetivos imediatos de Smirnov são tirar o resto de seus colegas da Rússia - ele está pagando pelo transporte e um mês de aluguel onde quer que estejam - e manter o jornalismo funcionando.

“Ainda não podemos planejar nosso futuro”, disse Smirnov enquanto carregava seu animal de estimação doente até o elevador para uma pausa no banheiro do lado de fora. “Ainda é muito louco.”

Serguei Smirnov estava sentado no chão de um Airbnb escuro e sujo, liderando uma reunião editorial da organização de notícias russa que continua trabalhando mesmo quando ele e sua equipe estão fugindo da repressão do Kremlin à imprensa livre.

Smirnov, editor-chefe do Mediazona, estava em um apartamento em cima de um restaurante de frango frito em Vilnius, na Lituânia, cercado por dois cachorros e meia dúzia de sacolas de compras cheias, que ele conseguiu jogar em seu carro em 4 de março. Este foi o dia em que o presidente russo, Vladimir Putin, aprovou penas de prisão draconianas para jornalistas que se desviam da propaganda do Kremlin. A esposa de Smirnov e dois filhos, incluindo um recém-nascido de 4 semanas, permanecem em Moscou.

Os 22 repórteres da Mediazona na ligação do Zoom estavam em Tbilisi, Praga, Istambul - qualquer cidade que pudessem alcançar depois que as sanções internacionais rarearam os voos de Moscou e tornaram cartões de crédito russos inúteis em postos de gasolina em toda a Europa. Onde conseguir vistos, apartamentos, financiamento, simpatia? - esses são os desafios que eles enfrentam em um êxodo sem precedentes de jornalistas de sua terra natal.

Serguei Smirnov, editor-chefe do Mediazona, trabalha de apartamento alugado em Vilnius, na Lituânia. Foto: Foto: Arturas Morozovas/ The Washington Post

“Eu me pergunto se deveríamos fazer uma reportagem sobre a hostilidade que os russos estão sentindo em outros países”, disse um dos rostos cansados na tela de Smirnov. Outro repórter concordou, enquanto um terceiro hesitou.

Smirnov, que já foi preso por sua atuação como jornalista em Moscou, balançou a cabeça. “Estamos enfrentando dificuldades, mas não é nada comparado ao que eles estão passando na Ucrânia.”

A repressão da mídia na Rússia que se seguiu à invasão da Ucrânia dizimou uma comunidade jornalística já quase extinta por anos de opressão. O Comitê para a Proteção dos Jornalistas, com sede em Nova York, disse que pelo menos 150 dos poucos repórteres e editores independentes da Rússia saíram desde que os tanques entraram na Ucrânia, mergulhando a Rússia no que o grupo chamou de “idade das trevas da informação”.

Agora - na Lituânia, Letônia, Geórgia e outros ex-Estados soviéticos onde o russo continua sendo uma língua comum - eles estão lutando para montar redações no exílio, determinados a continuar a perigosa missão de falar a verdade ao autoritarismo.

“Eles vão precisar reconstruir a infraestrutura fora da Rússia, e isso não será fácil”, disse Vytis Jurkonis, diretor lituano da Freedom House, órgão de vigilância pró-democracia com sede em Washington.

A necessidade imediata, antes que quaisquer redações ou estúdios sejam construídos, é obter aos jornalistas e suas famílias autorizações de residência, moradia, escolas e formas para que continuem reportando.

“A logística é difícil”, disse Jurkonis. “Mas eles precisam fazer seu trabalho e não perder seu público. É isso que o Kremlin quer, separar esses jornalistas críticos de seu público.”

Já, em quartos de hotel compartilhados ou em sofás de amigos, os repórteres estão explorando maneiras de manter contato com fontes na Rússia. Aqueles que chegaram mais cedo estão ensinando os recém-chegados sobre as vantagens de camuflagem das VPNs (redes privadas virtuais), aplicativos de texto criptografados e as funções de bate-papo dos videogames online.

No domingo, o Mediazona publicou várias matérias sobre ações policiais contra protestos antiguerra em São Petersburgo, a segunda maior cidade da Rússia.

Dmitri Semenov, que fugiu para a Lituânia depois de ser indiciado por sua escrita e ativismo há quatro anos, está ouvindo jornalistas em fuga todos os dias, querendo saber para onde devem ir e como fazer seu trabalho quando chegarem lá.

“Neste momento, qualquer fuga da Rússia é boa; qualquer cidade que você vá é melhor do que ficar dentro do país”, disse Semenov, que agora reporta para a televisão lituana e fala todos os dias com jornalistas em fuga - incluindo da Radio Free Europe e Rain, a principal rede de TV independente da Rússia - sobre a mudança para Lituânia.

Muitos já chegaram ao pequeno mas hospitaleiro posto avançado de Vilnius, uma cidade de ruas medievais e meio milhão de habitantes com um histórico de proteção a ativistas de direitos humanos. Vilnius emergiu como um centro de dissidentes e políticos perseguidos que escapam do alcance de Putin, incluindo uma equipe que apoia o líder da oposição russa preso Alexei Navalni. A candidata presidencial exilada de Belarus, Svetlana Tikhanovskaya, também fugiu para Vilnius em 2020.

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Vladimir Putin disse que a Rússia 'vai superar' as sanções ocidentais impostas após a ofensiva militar e alertou sobre a disparada da inflação em todo o mundo

Jornalistas russos dizem que se sentem bem-vindos, mas a cidade não deixa de ter intrigas. Em 2021, agentes de segurança conseguiram sequestrar o blogueiro belarrusso Roman Protasevich, que morava na Lituânia, ao ter seu voo para Vilnius desviado para Minsk após uma falsa ameaça de bomba.

Na semana passada, o serviço de segurança estatal da Lituânia alertou as crescentes fileiras de exilados na cidade que os agentes russos e belarrussos estavam se tornando mais agressivos. Em uma postagem no Facebook, alertou os jornalistas para ficarem atentos a tentativas de hackear seus dispositivos e se infiltrar em seus círculos sociais.

“Não acho que os jornalistas devam se concentrar em nenhum país”, disse Jurkonis. “Isso os tornará alvos fáceis para agentes russos.”

Por enquanto, os repórteres ainda estão se recuperando de sua saída conturbada da Rússia. Apenas alguns dias atrás, Olesia Ostapchuk estava escrevendo sobre mães russas que perderam seus filhos na Ucrânia para o jornal independente Holod. Depois que uma nova lei ameaçou jornalistas com 15 anos de prisão por descrever a guerra da Rússia na Ucrânia como uma “guerra”, ela foi para o aeroporto.

Foram necessários dois dias de voos cancelados antes que ela finalmente aterrissasse na cidade russa ocidental de Kaliningrado, permitindo que ela puxasse sua mala rosa de 36 quilos pela ponte para a Lituânia.

“Deixei a maioria das minhas roupas, meus livros, tudo”, disse Ostapchuk, de 24 anos. “Também meu namorado e minha família”.

Ela só disse à avó, uma apoiadora de Putin que não estava totalmente ciente de sua atividade como jornalista, que estava viajando a negócios. Ela não sabe se a verá novamente. Ela também tem parentes na Ucrânia para se preocupar.

Para Smirnov, a necessidade de fugir não era inesperada. Um dos jornalistas independentes mais conceituados da Rússia, ele dirige o Mediazona desde que foi fundado em 2014 por um dos membros da Pussy Riot, a banda punk dissidente. A organização se concentra no sistema de justiça criminal da Rússia e é conhecida por transmitirem ao vivo os julgamentos contra ativistas e políticos -- muitas vezes descritos como espetáculos armados.

“Mesmo antes de agora, eles enfrentaram um perigo político que a maioria de nós nem pode imaginar”, disse Carroll Bogert, presidente do Marshall Project, com sede em Nova York, no qual o Mediazona foi modelado.

No ano passado, as autoridades russas forçaram a Mediazona e Smirnov a se registrarem sob a lei restritiva de “Agentes Estrangeiros”, considerando que o dinheiro gerado pelos anúncios do Google em seu site equivalia a financiamento internacional. Smirnov também foi preso por 25 dias por retuitar uma piada que ofendeu o Kremlin.

Ele experimentou reportagens da Geórgia por alguns meses em 2021, mas retornou a Moscou depois de achar Tbilisi “relaxante demais”.

“Não é normal, mas você se acostuma a acordar à noite toda vez que ouve a porta do elevador se abrir”, disse ele. “Você sente a tensão para entender a tensão.”

Ainda assim, ele mantinha uma mala pronta, dinheiro em mãos, passaportes prontos e documentos veterinários preparados para seu dachshund com problema cardíaco. Quando as novas penas de prisão foram anunciadas, ele carregou seu Kia Soul verde para a viagem de 27 horas sem dormir até Vilnius, incluindo uma espera de 13 horas na fronteira.

Alguns dias depois, o Mediazona e vários outros sites independentes foram bloqueados pelo governo russo por violar as novas restrições.

“Estou pronto para ir para a prisão por dois anos, mas 15? Não”, disse ele.

O filho de Smirnov, nascido em fevereiro, ainda não tem documentos de viagem. Ele espera que sua família se junte a ele em Vilnius em alguns meses, esperançosamente em acomodações melhores do que o apartamento úmido com a banheira de hidromassagem enorme que foi tudo o que ele conseguiu encontrar.

“Os apartamentos ficaram indisponíveis e eu não sou um inquilino desejável, um russo com dois cachorros”, disse ele.

A Mediazona estava recebendo cerca de US$ 50.000 ( cerca de R$ 252 mil) por mês por meio de doações on-line, a maioria de dentro da Rússia. Esses fundos se foram agora, junto com a maior parte do dinheiro da empresa que estava em bancos russos. Os objetivos imediatos de Smirnov são tirar o resto de seus colegas da Rússia - ele está pagando pelo transporte e um mês de aluguel onde quer que estejam - e manter o jornalismo funcionando.

“Ainda não podemos planejar nosso futuro”, disse Smirnov enquanto carregava seu animal de estimação doente até o elevador para uma pausa no banheiro do lado de fora. “Ainda é muito louco.”

Serguei Smirnov estava sentado no chão de um Airbnb escuro e sujo, liderando uma reunião editorial da organização de notícias russa que continua trabalhando mesmo quando ele e sua equipe estão fugindo da repressão do Kremlin à imprensa livre.

Smirnov, editor-chefe do Mediazona, estava em um apartamento em cima de um restaurante de frango frito em Vilnius, na Lituânia, cercado por dois cachorros e meia dúzia de sacolas de compras cheias, que ele conseguiu jogar em seu carro em 4 de março. Este foi o dia em que o presidente russo, Vladimir Putin, aprovou penas de prisão draconianas para jornalistas que se desviam da propaganda do Kremlin. A esposa de Smirnov e dois filhos, incluindo um recém-nascido de 4 semanas, permanecem em Moscou.

Os 22 repórteres da Mediazona na ligação do Zoom estavam em Tbilisi, Praga, Istambul - qualquer cidade que pudessem alcançar depois que as sanções internacionais rarearam os voos de Moscou e tornaram cartões de crédito russos inúteis em postos de gasolina em toda a Europa. Onde conseguir vistos, apartamentos, financiamento, simpatia? - esses são os desafios que eles enfrentam em um êxodo sem precedentes de jornalistas de sua terra natal.

Serguei Smirnov, editor-chefe do Mediazona, trabalha de apartamento alugado em Vilnius, na Lituânia. Foto: Foto: Arturas Morozovas/ The Washington Post

“Eu me pergunto se deveríamos fazer uma reportagem sobre a hostilidade que os russos estão sentindo em outros países”, disse um dos rostos cansados na tela de Smirnov. Outro repórter concordou, enquanto um terceiro hesitou.

Smirnov, que já foi preso por sua atuação como jornalista em Moscou, balançou a cabeça. “Estamos enfrentando dificuldades, mas não é nada comparado ao que eles estão passando na Ucrânia.”

A repressão da mídia na Rússia que se seguiu à invasão da Ucrânia dizimou uma comunidade jornalística já quase extinta por anos de opressão. O Comitê para a Proteção dos Jornalistas, com sede em Nova York, disse que pelo menos 150 dos poucos repórteres e editores independentes da Rússia saíram desde que os tanques entraram na Ucrânia, mergulhando a Rússia no que o grupo chamou de “idade das trevas da informação”.

Agora - na Lituânia, Letônia, Geórgia e outros ex-Estados soviéticos onde o russo continua sendo uma língua comum - eles estão lutando para montar redações no exílio, determinados a continuar a perigosa missão de falar a verdade ao autoritarismo.

“Eles vão precisar reconstruir a infraestrutura fora da Rússia, e isso não será fácil”, disse Vytis Jurkonis, diretor lituano da Freedom House, órgão de vigilância pró-democracia com sede em Washington.

A necessidade imediata, antes que quaisquer redações ou estúdios sejam construídos, é obter aos jornalistas e suas famílias autorizações de residência, moradia, escolas e formas para que continuem reportando.

“A logística é difícil”, disse Jurkonis. “Mas eles precisam fazer seu trabalho e não perder seu público. É isso que o Kremlin quer, separar esses jornalistas críticos de seu público.”

Já, em quartos de hotel compartilhados ou em sofás de amigos, os repórteres estão explorando maneiras de manter contato com fontes na Rússia. Aqueles que chegaram mais cedo estão ensinando os recém-chegados sobre as vantagens de camuflagem das VPNs (redes privadas virtuais), aplicativos de texto criptografados e as funções de bate-papo dos videogames online.

No domingo, o Mediazona publicou várias matérias sobre ações policiais contra protestos antiguerra em São Petersburgo, a segunda maior cidade da Rússia.

Dmitri Semenov, que fugiu para a Lituânia depois de ser indiciado por sua escrita e ativismo há quatro anos, está ouvindo jornalistas em fuga todos os dias, querendo saber para onde devem ir e como fazer seu trabalho quando chegarem lá.

“Neste momento, qualquer fuga da Rússia é boa; qualquer cidade que você vá é melhor do que ficar dentro do país”, disse Semenov, que agora reporta para a televisão lituana e fala todos os dias com jornalistas em fuga - incluindo da Radio Free Europe e Rain, a principal rede de TV independente da Rússia - sobre a mudança para Lituânia.

Muitos já chegaram ao pequeno mas hospitaleiro posto avançado de Vilnius, uma cidade de ruas medievais e meio milhão de habitantes com um histórico de proteção a ativistas de direitos humanos. Vilnius emergiu como um centro de dissidentes e políticos perseguidos que escapam do alcance de Putin, incluindo uma equipe que apoia o líder da oposição russa preso Alexei Navalni. A candidata presidencial exilada de Belarus, Svetlana Tikhanovskaya, também fugiu para Vilnius em 2020.

Seu navegador não suporta esse video.

Vladimir Putin disse que a Rússia 'vai superar' as sanções ocidentais impostas após a ofensiva militar e alertou sobre a disparada da inflação em todo o mundo

Jornalistas russos dizem que se sentem bem-vindos, mas a cidade não deixa de ter intrigas. Em 2021, agentes de segurança conseguiram sequestrar o blogueiro belarrusso Roman Protasevich, que morava na Lituânia, ao ter seu voo para Vilnius desviado para Minsk após uma falsa ameaça de bomba.

Na semana passada, o serviço de segurança estatal da Lituânia alertou as crescentes fileiras de exilados na cidade que os agentes russos e belarrussos estavam se tornando mais agressivos. Em uma postagem no Facebook, alertou os jornalistas para ficarem atentos a tentativas de hackear seus dispositivos e se infiltrar em seus círculos sociais.

“Não acho que os jornalistas devam se concentrar em nenhum país”, disse Jurkonis. “Isso os tornará alvos fáceis para agentes russos.”

Por enquanto, os repórteres ainda estão se recuperando de sua saída conturbada da Rússia. Apenas alguns dias atrás, Olesia Ostapchuk estava escrevendo sobre mães russas que perderam seus filhos na Ucrânia para o jornal independente Holod. Depois que uma nova lei ameaçou jornalistas com 15 anos de prisão por descrever a guerra da Rússia na Ucrânia como uma “guerra”, ela foi para o aeroporto.

Foram necessários dois dias de voos cancelados antes que ela finalmente aterrissasse na cidade russa ocidental de Kaliningrado, permitindo que ela puxasse sua mala rosa de 36 quilos pela ponte para a Lituânia.

“Deixei a maioria das minhas roupas, meus livros, tudo”, disse Ostapchuk, de 24 anos. “Também meu namorado e minha família”.

Ela só disse à avó, uma apoiadora de Putin que não estava totalmente ciente de sua atividade como jornalista, que estava viajando a negócios. Ela não sabe se a verá novamente. Ela também tem parentes na Ucrânia para se preocupar.

Para Smirnov, a necessidade de fugir não era inesperada. Um dos jornalistas independentes mais conceituados da Rússia, ele dirige o Mediazona desde que foi fundado em 2014 por um dos membros da Pussy Riot, a banda punk dissidente. A organização se concentra no sistema de justiça criminal da Rússia e é conhecida por transmitirem ao vivo os julgamentos contra ativistas e políticos -- muitas vezes descritos como espetáculos armados.

“Mesmo antes de agora, eles enfrentaram um perigo político que a maioria de nós nem pode imaginar”, disse Carroll Bogert, presidente do Marshall Project, com sede em Nova York, no qual o Mediazona foi modelado.

No ano passado, as autoridades russas forçaram a Mediazona e Smirnov a se registrarem sob a lei restritiva de “Agentes Estrangeiros”, considerando que o dinheiro gerado pelos anúncios do Google em seu site equivalia a financiamento internacional. Smirnov também foi preso por 25 dias por retuitar uma piada que ofendeu o Kremlin.

Ele experimentou reportagens da Geórgia por alguns meses em 2021, mas retornou a Moscou depois de achar Tbilisi “relaxante demais”.

“Não é normal, mas você se acostuma a acordar à noite toda vez que ouve a porta do elevador se abrir”, disse ele. “Você sente a tensão para entender a tensão.”

Ainda assim, ele mantinha uma mala pronta, dinheiro em mãos, passaportes prontos e documentos veterinários preparados para seu dachshund com problema cardíaco. Quando as novas penas de prisão foram anunciadas, ele carregou seu Kia Soul verde para a viagem de 27 horas sem dormir até Vilnius, incluindo uma espera de 13 horas na fronteira.

Alguns dias depois, o Mediazona e vários outros sites independentes foram bloqueados pelo governo russo por violar as novas restrições.

“Estou pronto para ir para a prisão por dois anos, mas 15? Não”, disse ele.

O filho de Smirnov, nascido em fevereiro, ainda não tem documentos de viagem. Ele espera que sua família se junte a ele em Vilnius em alguns meses, esperançosamente em acomodações melhores do que o apartamento úmido com a banheira de hidromassagem enorme que foi tudo o que ele conseguiu encontrar.

“Os apartamentos ficaram indisponíveis e eu não sou um inquilino desejável, um russo com dois cachorros”, disse ele.

A Mediazona estava recebendo cerca de US$ 50.000 ( cerca de R$ 252 mil) por mês por meio de doações on-line, a maioria de dentro da Rússia. Esses fundos se foram agora, junto com a maior parte do dinheiro da empresa que estava em bancos russos. Os objetivos imediatos de Smirnov são tirar o resto de seus colegas da Rússia - ele está pagando pelo transporte e um mês de aluguel onde quer que estejam - e manter o jornalismo funcionando.

“Ainda não podemos planejar nosso futuro”, disse Smirnov enquanto carregava seu animal de estimação doente até o elevador para uma pausa no banheiro do lado de fora. “Ainda é muito louco.”

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