Ted Deutch trabalhou 12 anos em Washington representando a Flórida como congressista do Partido Democrata e conviveu com figuras importantes da legenda como o ex-presidente Barack Obama e o atual presidente dos Estados Unidos, Joe Biden. Em 2022, Deutch se aposentou da política quando recebeu um convite para atuar como CEO do American Jewish Committee (AJC), uma organização global que atua em defesa de Israel e das comunidades judaicas ao redor do globo.
Dois anos depois de sair da vida política, Deutch conversou com a reportagem do Estadão em uma entrevista exclusiva em São Paulo sobre a relação entre Estados Unidos e Israel sob Biden e Donald Trump, o surgimento de uma ala progressista do Partido Democrata que é menos alinhada com Israel, os protestos pró-Palestina em diversas universidades americanas e a possibilidade de Israel avançar em acordos diplomáticos com países árabes sob a administração Trump.
Ele está na capital paulista a convite da Confederação Israelita do Brasil (CONIB) por conta da 55ª Convenção Nacional da entidade que representa a comunidade judaica no Brasil. O evento começa neste sábado, 23, e vai até domingo, 24, com painéis sobre as relações de Brasil e Estados Unidos, o aumento do antissemitismo e questões relativas à identidade sionista.
“Estamos animados com a possibilidade de novos acordos diplomáticos entre Israel e países árabes”, avalia Deutch. “Acredito que será uma prioridade no governo Trump”. O ex-congressista apontou que está esperançoso em relação a um possível acordo entre Israel e Arábia Saudita. Um tratado de paz entre os dois países estava próximo antes dos ataques terroristas do Hamas no dia 7 de outubro do ano passado, mas não foi concretizado.
“Em abril, quando os Estados Unidos construíram uma coalizão de aliados para defender Israel contra os ataques do Irã, Riad tomou a decisão de estar do lado de Washington. Minha esperança é que eles entendam que este é o caminho que faz mais sentido”, destaca o político.
Deutch também questionou as visões de uma ala progressista de seu próprio partido, que é mais alinhada com a causa palestina do que com Israel. “Existe uma parcela da esquerda que acredita que uma oposição ao direito de Israel de existir é central para sua visão de mundo. É importante que o Partido Democrata ressalte que aqueles que não acreditam que Israel deve existir ou que tentam justificar o que aconteceu no dia 7 de outubro do ano passado não representam o partido.
Confira trechos da entrevista:
O senhor ficou no Congresso americano por muitos anos e depois se aposentou para se dedicar ao seu atual trabalho. Como foi este processo?
Eu tive oportunidade de sair de um trabalho que eu amava como congressista para liderar uma organização global que foca nas questões que eu sou mais apaixonado: a comunidade judaica, Israel e a democracia. Esta foi uma oportunidade tão boa que eu tive que deixar o Congresso americano e foi a melhor decisão que eu já tomei.
O American Jewish Committee é uma organização global. Nós temos 25 escritórios pelos Estados Unidos e outros 15 ao redor do mundo. Nós também trabalhamos com comunidades judaicas da América Latina, na Argentina, Brasil, México e Colômbia.
A ideia é sempre conversar sobre os desafios que as comunidades enfrentam ao redor do globo e como podemos dialogar com os governos locais para uma melhora das relações com Israel.
O antissemitismo está aumentando no mundo todo. Nos EUA e também aqui no Brasil. O senhor avalia que esse aumento aconteceu por causa dos ataques terroristas de 7 de outubro e a guerra em Gaza ou foi antes disso?
Nós vemos um forte aumento do antissemitismo nos Estados Unidos nos últimos anos. Mas os ataques terroristas do Hamas no dia 7 de outubro do ano passado mudaram tudo.
Não estou falando de protestos que se iniciaram após o Exército de Israel começar a se defender, mas de protestos que começaram quase que imediatamente ao ataque do Hamas que mataram 1,2 mil pessoas e sequestraram 250.
Se tornou aceitável em muitos lugares nos Estados Unidos a realização de protestos favoráveis a terroristas. É isso que vimos em muitas universidades americanas e em ruas dos Estados Unidos e até em alguns políticos.
Por que o senhor acredita que os protestos foram tão grandes?
Eu trabalhei muitos anos na política. Existe uma parcela da esquerda que acredita que uma oposição ao direito de Israel de existir é central para sua visão de mundo. Isso está fora da realidade da política americana e da opinião pública nos Estados Unidos.
Muitas pessoas que estão protestando não sabem nada sobre Israel e sua história. Não sabem nada sobre os milhares de anos que forjaram a relação dos judeus com a terra de Israel. Essas pessoas não sabem todas as guerras de legítima defesa que Israel já lutou.
Os manifestantes até tentam mudar o que aconteceu no ano passado, no dia 7 de outubro, negando o que aconteceu naquele dia.
Então isso é algo que nós vemos em algumas partes da esquerda e nós estamos focados em iniciativas para reagir contra esse movimento e queremos apoiar vozes na política que apoiem fortemente Israel.
Como o senhor avalia a relação entre o governo de Joe Biden e Israel? Ele apoiou Israel, mas também teve momentos difíceis com o primeiro-ministro Binyamin Netanyahu
A resposta do governo Biden e do presidente nos dias e semanas após os ataques do 7 de outubro foi muito importante para Israel em um momento de muita vulnerabilidade para o país.
O presidente Biden viajou a Israel durante a guerra, o único presidente a fazer isso, e segue apoiando Israel militarmente. Além disso, nós vimos o papel do governo Biden durante o primeiro ataque iraniano contra Israel em abril.
Biden organizou uma coalizão de aliados para defender Israel.
Esses momentos foram muito importantes para a relação entre os Estados Unidos e Israel e a segurança de Israel.
Republicanos apontam que Biden não fez o suficiente por Israel e a ala mais progressista do Partido Democrata acredita que ele fez mais do que deveria. Na sua avaliação, a guerra em Gaza prejudicou as chances de vitória de Kamala Harris?
Não foi isso que fez os democratas perderem a eleição. Vários candidatos pró-Israel ao redor dos Estados Unidos foram eleitos. Na eleição presidencial outros fatores fizeram a diferença.
A comunidade judaica americana tem uma identificação maior com o Partido Democrata. Muitos governadores democratas, como Josh Shapiro, da Pensilvânia, e Jared Polis, do Colorado, são judeus. Por que os judeus se identificam mais com os democratas do que com o Partido Republicano?
Historicamente os judeus nos Estados Unidos têm estado na vanguarda de muitos esforços na luta pela justiça para todos e, por meio desses esforços, muitos deles escolheram se tornar ativos no Partido Democrata.
Nos últimos anos nós temos visto mais judeus republicanos se envolvendo na política.
No momento atual, os ataques terroristas do Hamas no dia 7 de outubro fizeram a diferença em tornar a comunidade judaica mais vigilante em relação a ataques antissemitas e questionamentos sobre a existência de Israel. Agora a questão para os judeus é sobre quem vai fazer mais pela comunidade judaica, que se sente tão vulnerável.
O senhor esteve no Congresso americano por um longo tempo como um democrata pró-Israel. O senhor acredita que políticos democratas com estes valores estão se tornando uma minoria no Partido Democrata?
O Partido Democrata, assim como o Partido Republicano, segue sendo pró-Israel. Neste momento, o que é importante é termos políticos que defendam Israel e que apoiem o país.
É muito importante que o Partido Democrata deixe claro que aqueles que não acreditam que Israel deve existir ou que tentam justificar o que aconteceu no dia 7 de outubro do ano passado não representam o partido.
Na sua avaliação o Partido Democrata tem perdido os votos de judeus americanos?
Acredito que os judeus americanos entenderam depois dos ataques do 7 de outubro que eles precisam pensar no que é melhor para a comunidade e para Israel.
E é assim que vão abordar cada eleição com candidatos de ambos os lados.
Muitos membros do Partido Republicano já ressaltaram que são contra o envio de ajuda econômica e militar para a Ucrânia. Com Israel isso não acontece e o envio de ajuda é apoiado pelos dois partidos. Por que apoiar Israel tem mais apoio do que apoiar a Ucrânia?
Na nossa organização nós apoiamos a Ucrânia, um país que se defende de uma invasão ilegal da Rússia.
Esta é uma questão que as pessoas precisam entender. A guerra de autodefesa que Israel está envolvido, está sendo conduzida pelos iranianos e por grupos apoiados por Teerã.
O Irã, país que fornece grupos que atacam Israel e que também já atacou o país diretamente, também fornece drones assassinos para os russos, que usam estes drones para matar ucranianos.
Existe uma ligação entre os dois. É preciso apoiar o direito de Israel se defender e também apoiar a legítima defesa da Ucrânia.
O que o senhor espera neste segundo mandato de Donald Trump? No primeiro mandato o republicano foi bem favorável a Israel com a mudança da embaixada dos EUA para Jerusalém e os acordos de Abraão
As coisas que você destacou são realmente importantes quando pensamos no que vem a seguir. Eu passei anos no Congresso fazendo o meu melhor para que os Estados Unidos de fato reconhecessem Jerusalém como a capital de Israel e isso só aconteceu com Donald Trump, foi uma medida muito importante.
Nossa organização tem um escritório em Abu Dhabi e está em contato com autoridades em diversos países do Golfo. Nós queremos mais acordos de normalização das relações diplomáticas com outros países do Oriente Médio.
Pelo que eu estou acompanhando da transição do governo Trump, nós estamos muito animados com a possibilidade de novos acordos com Israel. Acredito que esta será uma prioridade no governo Trump.
101 reféns ainda estão em Gaza. Espero que eles voltem para casa, nós oramos para que eles voltem para casa amanhã. A pessoa que Donald Trump escolheu para ser seu conselheiro de Segurança Nacional é alguém com quem trabalhei em estreita colaboração no Congresso, especialmente no tema reféns. Mike Waltz entende a urgência deste tema e eu estou esperançoso porque sei que eles vão se esforçar muito para que os sequestrados voltem para casa.
O senhor ainda acredita em um acordo de paz entre Israel e Arábia Saudita? Este acordo estava próximo antes dos ataques de 7 de outubro
Acredito que está mais próximo de acontecer agora, já que Israel diminuiu a capacidade do Hezbollah que era realmente a linha de frente do Irã contra Israel.
Israel também dizimou o Hamas. O Irã esperava que os ataques do dia 7 de outubro estimulassem uma guerra total no Oriente Médio de uma forma que prejudicaria a capacidade de Israel de se defender e de existir.
Eu espero que os sauditas percebam tudo isso e que a nova administração Trump consiga negociar esta paz entre Arábia Saudita e Israel.
A Arábia Saudita tem se aproximado mais do Irã nos últimos meses e chamou a guerra em Gaza de ‘genocídio’. Como é possível pensar em uma normalização nestes moldes?
Em abril, quando os Estados Unidos construíram uma coalizão de aliados para defender Israel contra os ataques do Irã, Riad tomou a decisão de estar do lado de Washington, dos países que assinaram os acordos de Abraão e de Israel.
Minha esperança é que eles entendam que este é o caminho que faz mais sentido. Uma normalização é bem melhor para o futuro do Oriente Médio.
O senhor acredita na possibilidade de uma solução de dois Estados?
Neste momento é impossível. A ideia de premiar o terrorismo dos atentados de 7 de Outubro com um Estado não faz sentido para ninguém.
No longo prazo, se tivermos lideranças palestinas prontas para viver em paz e se a população estiver desradicalizada, nós podemos pensar em iniciar este processo.
Neste momento Israel quer vencer a guerra e trazer os reféns de volta. Nós temos dois povos vivendo lá. Os palestinos precisam reconhecer que Israel tem o direito de existir e estará lá para sempre. Sem este passo, é difícil imaginar o que pode acontecer.
Como o senhor enxerga a Faixa de Gaza em um futuro sem o Hamas governando o enclave?
Israel precisa ter garantias de segurança. Mas em termos práticos, é necessário apoio internacional para a reconstrução de Gaza. Os países do Golfo devem ajudar neste processo e muitas conversas neste sentido já estão acontecendo.
Ao mesmo tempo, é necessário pensar no papel de Israel na região e expandir os acordos de Abraão. Existem outros países da região que podem normalizar relações com Israel.
Mas é difícil pensar nisso enquanto o Hamas continua em Gaza e segue com reféns no enclave.
Eu gostaria de perguntar sobre o Brasil. O presidente Lula críticou diversas vezes a maneira que Israel tem conduzido a guerra contra o Hamas e o Hezbollah, incluindo uma comparação entre o Exército de Israel e os soldados da Alemanha nazista. Como o senhor responde a isso?
Os judeus não podem deixar de falar sobre a comunidade. O judeu precisa continuar se orgulhando de sua identidade. Esta comparação do presidente Lula é horrível e não deveria ser horrível apenas para a comunidade judaica, mas sim para todos os brasileiros.
Um presidente não pode comparar uma democracia com os nazistas e a maioria dos brasileiros apoia Israel e a comunidade judaica.
Eu me preocupo muito com as visões do presidente brasileiro, principalmente em relação ao Irã, um país que não respeita os direitos humanos, que prejudica as minorias religiosas e que financia grupos terroristas que querem destruir Israel.
Saiba mais
Como o senhor avalia os mandados de prisão emitidos pelo Tribunal Penal Internacional (TPI) contra o primeiro-ministro de Israel, Binyamin Netanyahu, e o ex-ministro da Defesa Yoav Gallant
Acredito que fica ainda mais difícil levar o Tribunal a sério depois disso. Israel é uma democracia, com um sistema judiciário forte. Este mandado de prisão é um absurdo, ainda mais por eles equalizarem o mandado de prisão contra políticos israelenses com o mandado de prisão contra Mohammed Deif, um ex-líder do Hamas que já morreu.
O Hamas é uma organização que existe com o único propósito de matar judeus. Esta medida do TPI diminui a legitimidade do tribunal. O dia que estes mandados foram emitidos foi um dia muito triste para o direito internacional.