Fazia um frio de 2 graus em Kiev quando o primeiro fogo veio do céu, na madrugada desta quinta-feira (hora local) - um míssil russo de precisão, provavelmente da classe Kalibr, com ogiva de meia tonelada de explosivos, caiu sobre o prédio do comando conjunto das forças armadas da Ucrânia, na periferia da capital, às 2h37. Era só o começo.
O show sinistro do clarão do bombardeio noturno estava acontecendo em muitos outros pontos do país sob ataque. O quadro de situação é ainda nebuloso, mas instalações da infraestrutura ucraniana foram atingidas em Donetsk, Luhansk, sedes das repúblicas reconhecidas dias antes por Vladimir Putin, e em ao menos dez outras cidades.
Tropas apoiadas por blindados de infantaria rodavam pela região leste com a cobertura de helicópteros artilhados. Nos polos marítimos de Odessa e Mariupol, fuzileiros teriam desembarcado com a missão de assumir o controle -- ou destruir -- as instalações portuárias.
Doze horas depois, as noticias da invasão da Ucrânia eram as piores possíveis. No período, tudo deu certo para a força expedicionária da Rússia, o que significava que os objetivos dos ataques -- a infraestrutura militar -- tinha sido atingida. Com ela, usinas de energia, sistemas viários de grande porte, alguns perto de Kiev, que fazem a ligação com o distrito industrial.
Nas primeiras horas da invasão à Ucrânia, a Rússia fez uma grande exibição de seu moderno e amplo poderio militar, no qual ela vem investindo pesadamente há alguns anos. Fotografado e registrado por satélites, o aparato mobilizado expôs também uma escancarada falha da inteligência da Otan, dos Estados Unidos e da Europa. Se sabiam de algo, não tomaram providência.
Para conseguir levar a cabo a operação que está se desdobrando na Ucrânia, a Rússia precisou de pelo menos dois anos para organizar tudo. Enquanto isso, os alarmes parecem ter começado a soar (pelo menos publicamente) apenas quando as tropas começaram a se acumular na fronteira entre os dois países.
Para que os quase 200 mil militares fossem mandadas para o terreno, ou seja, se instalassem às portas da Ucrânia e ficassem em prontidão, foi necessário preparar a área para eles. Foram redes de abastecimento, de retirada e suporte médico para feridos na frente de batalha e infraestrutura de transporte adequada para a mobilização das tropas.
Esse grande efetivo mobilizado foi dividido em linhas de atuação. Uma delas é a linha vermelha, de contato, que fica na fronteira da Rússia com a Ucrânia. Para essa linha vermelha, Moscou deslocou 120 mil combatentes que, sozinhos, já formam um exército gigantesco.
E eles não estavam sozinhos. O contingente foi reforçado com equipamentos como tanques, canhões, lança-mísseis, veículos de transporte de tropa, blindados de infantaria. Um destaque foram pesos-pesados tanques do tipo T-72C e T-90, que chegam a ter entre 40 e 45 toneladas, com canhões enormes de 125 mm e sistemas avançados. Em exercícios na neve, esses tanques chegaram a fazer 100 km/h.
Há também uma linha amarela, com mais 52 mil combatentes, de retaguarda. Há duas semanas, uma linha verde, outra de retaguarda, que precisa de 24 horas para ser mobilizada, foi formada pelo pessoal que atuou nos exercícios conjuntos na Belarus. Foram pelo menos dois anos para preparar totalmente essa estrutura.
O objetivo é claro, dito várias vezes, mas também vago: a desmilitarização da Ucrânia. Como ele será alcançado é que ninguém sabe exatamente. Entre o amanhecer e o entardecer na Ucrânia, a Rússia colocou em campo sua forte aviação composta por caças bombardeiros SU-24, grandes supersônicos especializados no ataque ao solo. Normalmente utilizados em apoio à infantaria, começaram a surgir em cena os helicópteros artilhados, conhecidos como tanques voadores pelos russos, que podem levar mísseis e foguetes.
Um diferencial na campanha tem sido o míssil terra-terra, de alta precisão, que tem como característica capacidade de cobrir distâncias de até 1,3 mil km e levar ogivas de até meia tonelada, além de serem muito precisos. Se somam ao armamento os mísseis da família Kalibr, de cruzeiro, que podem ser lançados de navios ou de lançadores em terra, e o míssil tático Iskander, usado contra pontos bem específicos.
Na cartela russa de opções bélicas, um dos mais recorrentes é o foguete BM-30 Tornado, de 300 mm, que pode cobrir distâncias de até 90 km. Cada rampa utilizada no lançamento pode disparar até 12 desses foguetes de uma vez, normalmente contra alvos grandes e concentração de tropas. Ele passou a ser visto desde a manhã desta quinta-feira, na região de Karkiv, centro industrial importante.
Se o investimento foi grande no equipamento, a força humana não ficou para trás. Há cerca de dez anos, o governo russo passou a investir em um programa de qualificação de suas forças armadas. Ele diminuiu a força de cerca de 1,3 milhão de combatentes, entre homens e mulheres, para cerca de 900 mil. Mas a qualidade aumentou.
O serviço militar obrigatório é de um ano, mas o alistado recebe uma proposta para permanecer mais dois, por contrato. Depois de passar por uma seleção rigorosa, a carreira é atraente e com bons soldos, equivalente aos de um soldado da Otan. Um salário inicial de um soldado russo fica entre R$ 13 mil e R$ 15 mil. A carreira passou a ser atrativa. À medida que se aperfeiçoa com cursos e especializações, o soldado aumenta também seu salário.
Para reforçar o poderio de combate dessas tropas, há um novo modelo de fuzil. Claro que eles têm o clássico AK-47, mas passaram também a adotar o AK-12, calibre 5.45mm, muito preciso com seus sistemas a laser para melhorar eficiência do tiro. Gradualmente, ele está substituindo o AK-47.
Olhando para o futuro, mas apoiado por uma doutrina do passado, no último fim de semana, Putin comandou exercícios com equipamentos militares, dentro da Tríade Nuclear, desenvolvida na Guerra Fria. São mísseis intercontinentais, de longuíssimo alcance, lançados a partir de silos subterrâneos, de submarinos submersos e de aviões. E tudo funcionou bem.
Mas um dos testes chamou a atenção. A bordo de um caça Mig-31 estava um míssil de hipervelocidade Zircon. Segundo o Ministério da Defesa russo, ele voa até 11 mil km/h. O Mig-31, por sua vez, pode voar até 3 mil km/h. A questão é que, voando a essa velocidade e disparando de águas internacionais a cerca 300 km de um país inimigo, por exemplo, não há nenhum recurso capaz de interceptar esse míssil, uma vez disparado. Nos testes com um disparo do Zircon ele funcionou muito bem.