Durante o seu discurso na Assembleia-Geral da ONU nesta quarta-feira, 25, o presidente da Ucrânia, Volodmir Zelenski, apontou que a Rússia está tentando ressuscitar um passado colonial e países como Brasil e China deveriam reconhecer isso ao invés de “tentar aumentar a sua própria influência global às custas da Ucrânia”. As declarações do líder ucraniano faziam referência a um plano para acabar com a guerra, divulgado por Brasília e Pequim em maio, que já foi rejeitado em outros momentos por Kiev.
“Este tipo de proposta ignora o sofrimento da Ucrânia, ignora a realidade e dá a Vladimir Putin o espaço político para continuar com a guerra”, apontou Zelenski, que afirmou que “acordos frágeis” dão a Vladimir Putin espaço de atuação política para seguir com a guerra na Ucrânia.
Em reação às declarações do ucraniano, Lula, que defendeu em seu discurso na terça-feira o plano em questão, afirmou que Zelenski fez a sua “obrigação” ao falar que defende a soberania de seu país e disse que se o ucraniano “fosse esperto”, ele diria que a solução para a guerra entre seu país e a Rússia “tem solução diplomática em vez de militar”.
O centro das rusgas entre os dois mandatários é um documento divulgado no dia 23 de maio, com nome “Entendimentos Comuns entre o Brasil e a China sobre uma Resolução Política para a Crise na Ucrânia”. A proposta foi apresentada após uma visita do assessor para Assuntos Internacionais de Lula, Celso Amorim, a Pequim. Amorim assinou o documento, junto de Wang Yi, chanceler chinês.
O plano que pretende levar à paz entre Kiev e Moscou é baseada em seis pontos (veja abaixo cada um deles), que afirmam que Moscou e Kiev precisam “desescalar” o conflito, sem expandir as atividades no campo de batalha e criar condições para um cessar-fogo. O texto ainda cita, entre outros pontos, esforços para aumentar a assistência humanitária, rejeição a uso de armas nucleares e a ataques a usinas nucleares. Embora cite a “desescalada”, a proposta não menciona diretamente que a Rússia recue.
De acordo com a agência Reuters, Amorim buscará apoio ao plano de representantes de 20 países em Nova York na sexta-feira, 27, disseram diplomatas brasileiros. Entre os convidados estão Colômbia, Egito, Indonésia, México, Arábia Saudita, África do Sul e Emirados Árabes Unidos.
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O plano Brasil-China
1. As duas partes apelam a todos os atores relevantes a observarem três princípios para a desescalada da situação, a saber: não expansão do campo de batalha, não escalada dos combates e não inflamação da situação por qualquer parte.
2. As duas partes acreditam que o diálogo e a negociação são a única solução viável para a crise na Ucrânia. Todos os atores relevantes devem criar condições para a retomada do diálogo direto e promover a desescalada da situação até que se alcance um cessar-fogo abrangente. O Brasil e China apoiam uma conferência internacional de paz realizada em um momento apropriado, que seja reconhecida tanto pela Rússia quanto pela Ucrânia, com participação igualitária de todas as partes relevantes, além de uma discussão justa de todos os planos de paz.
3. São necessários esforços para aumentar a assistência humanitária em áreas relevantes e prevenir uma crise humanitária de maior escala. Ataques a civis ou instalações civis devem ser evitados, e a população civil, incluindo mulheres, crianças e prisioneiros de guerra, deve ser protegida. As duas partes apoiam a troca de prisioneiros de guerra entre os países envolvidos no conflito.
4. O uso de armas de destruição em massa, em particular armas nucleares, químicas e biológicas, deve ser rejeitado. Todos os esforços possíveis devem ser feitos para prevenir a proliferação nuclear e evitar uma crise nuclear.
5. Ataques contra usinas nucleares ou outras instalações nucleares pacíficas devem ser rejeitados. Todas as partes devem cumprir o direito internacional, incluindo a Convenção de Segurança Nuclear, e prevenir com determinação acidentes nucleares causados pelo homem.
6. A divisão do mundo em grupos políticos ou econômicos isolados deveria ser evitada. As duas partes pedem novos esforços para reforçar a cooperação internacional em energia, moeda, finanças, comércio, segurança alimentar e segurança de infraestrutura crítica, incluindo oleodutos e gasodutos, cabos óticos submarinos, instalações elétricas e de energia, bem como redes de fibra ótica, a fim de proteger a estabilidade das cadeias industriais e de suprimentos globais.
O que a Ucrânia diz sobre o texto
“Talvez alguém queira incluir um Nobel em sua biografia por um acordo de cessar-fogo em vez de uma paz efetiva. Mas os únicos prêmios que Putin lhe dará em troca é mais sofrimento”, disse Zelenski em seu discurso na ONU nesta quarta-feira.
Essa não foi a primeira vez que o ucraniano criticou a proposta. Na terça-feira, 24, no Conselho de Segurança da ONU, ele deu a entender que a proposta não seguia os pressupostos de manutenção da paz que estão na fundação do organismo multilateral.
Além disso, na sexta-feira, declarou: “Não acredito que este seja um plano concreto, pois não vejo ações ou etapas específicas, mas apenas uma certa generalização de procedimentos”, acrescentando que “uma generalização sempre esconde alguma coisa”.
O que a Rússia diz sobre o texto
Na semana passada, a proposta de paz do Brasil e da China foi assunto na ligação de Putin para Lula. O Planalto não revelou detalhes sobre o teor da conversa, mas uma semana antes, o russo havia agradecido o ministro de Relações Exteriores chinês Wang Yi, em uma visita a São Petersburgo, pelo plano.
No início deste mês, Putin ainda disse que mantém uma relação de confiança com Brasil, China e Índia, e sugeriu que esses países poderiam mediar eventuais negociações de paz com a Ucrânia.
“Respeitamos nossos amigos e parceiros que, acredito, estão sinceramente interessados em resolver todas as questões relacionadas a esse conflito, principalmente a República Popular da China, o Brasil e a Índia”, disse no Fórum Econômico Oriental em Vladivostok, na Rússia. “Se a Ucrânia tiver interesse em continuar com as negociações, eu posso fazer isso”, acrescentou.