Pode não ser uma Guerra Fria, mas parece; leia análise


Mesmo em seus piores momentos, americanos e soviéticos mantiveram o diálogo

Por Jane Perlez

THE NEW YORK TIMES - Em viagem à China, mais de uma década atrás, como vice-presidente, Joe Biden discursou celebrando os Estados Unidos como o país mais rico de todos os tempos. Os EUA, afirmou ele, eram duas vezes e meia mais ricos que a nação que o recebia.

Naquela tarde, quando Biden se encontrou com seu equivalente chinês, Xi Jinping, para uma conversa informal, o tema da segurança dominou a discussão. Xi reclamou que Washington estava acionando aeronaves de vigilância para espionar a China, e Biden respondeu que os voos continuariam, disse ele posteriormente a jornalistas americanos.

Naquela época, tais diferenças pareciam relativamente conciliáveis, principalmente em razão de reuniões regulares que ocorriam entre autoridades de ambos os países. Agora, a diferença econômica se estreitou, os desafios de segurança são mais arriscados e a comunicação é mínima.

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O atual presidente dos Estados Unidos, Joe Biden (E), e o presidente da China, Xi Jinping, em encontro em 2013, em Pequim; na ocasião, Biden era vice-presidente dos EUA Foto: Lintao Zhang/Reuters - 2013

Enquanto líderes de seus países, Biden e Xi se veem cada vez mais em uma rota de colisão que arrisca engendrar uma nova versão da Guerra Fria, afirmam diplomatas e analistas. Tensões militares, econômicas e ideológicas reverberam desenfreadamente entre as duas potências. Aliados dos americanos na região Ásia-Pacífico temem ser pressionados por Pequim, conforme a China aumenta seu arsenal nuclear e compete por semicondutores.

E a China, buscando criar uma aliança de autocracias, encontra cada vez mais objetivos em comum com a Rússia — Xi e seu homólogo russo, Vladimir Putin, se encontraram esta semana. Apesar dos reveses da Rússia em sua guerra contra a Ucrânia ao longo da semana passada, Pequim não deverá mudar sua abordagem para relação. Os chineses precisam de Moscou enquanto parceiro poderoso para reagir ao que veem como a hegemonia dos EUA.

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Enquanto isso, Pequim e Washington estão se afastando ainda mais. Depois que a presidente da Câmara dos Deputados dos EUA, Nancy Pelosi, visitou Taiwan em uma demonstração de apoio à democracia autogovernada que a China reivindica como sua, Pequim cancelou três rodadas de diálogos militares e adiou outras cinco a respeito de clima e criminalidade internacional.

As discussões militares, ainda que esporádicas e com frequência protocolares, ainda eram consideradas importantes em um ambiente cada vez mais arriscado, com embarcações americanas e chinesas com frequência navegando perigosamente próximas uma a outra em águas próximas do litoral da China.

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“Uma tempestade está se formando em torno de nós”, afirmou o primeiro-ministro de Cingapura, Lee Hsien Loong, durante discurso proferido no mês passado. “As relações EUA-China estão piorando, com assuntos intratáveis, profundas suspeitas e envolvimento limitado entre as partes. Isso não tende a melhorar proximamente.”

Lee disse estar preocupado com a possibilidade de “erros de cálculo e equívocos” poderem facilmente piorar as coisas. Nem tanto tempo atrás, o clima estava pelo menos moderadamente melhor.

Depois que Xi se tornou líder da China, ele foi prontamente recebido pelo então presidente Barack Obama na Califórnia. O líder chinês visitou quatro cidades americanas em 2015, e Obama foi à China. Seus vices se reuniam nas respectivas capitais, e grandes delegações de autoridades graduadas organizavam fóruns anuais.

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Houve até sugestões que conversa demais estava produzindo ação de menos. Em 2015, no Diálogo Estratégico e Econômico, um evento anual organizado naquele ano em Pequim, o então secretário de Estado John Kerry passou uma tarde em uma exposição a respeito de tráfico de animais selvagens africanos. Isso ocorreu em um período em que a China construía ilhas artificiais no Mar do Sul da China, o que gerava pouca discussão.

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A marinha dos Estados Unidos deslocou quatro navios de guerra, incluindo um porta-aviões, para as águas a leste de Taiwan

Biden e Xi conversaram pelo telefone apenas cinco vezes desde o início de 2021. Essa escassez de contato torna as fricções mais perigosas, afirmam diplomatas e analistas.

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“A ausência de um diálogo privado consistente favorece o acúmulo de tensão”, afirmou Charles Kupchan, que integrou o Conselho de Segurança Nacional do governo Obama e leciona relações internacionais na Universidade Georgetown. “Discórdias supuram, e a desconfiança se acumula.”

Em um telefonema recente, ambos os líderes concordaram em marcar a data para um encontro cara a cara, que, tudo indica, deverá ocorrer em novembro, durante a cúpula dos líderes do G-20, na Indonésia. Ambos confirmaram presença, assim como Putin.

Se o encontro entre Biden e Xi ocorrer, será a primeira conversa presencial entre eles desde que o americano assumiu a Casa Branca. Xi encontrou-se com Putin anteriormente este ano em Pequim e reuniu-se com ele novamente esta semana no Usbequistão, como parte de uma viagem maior, a primeira visita do líder chinês a um país estrangeiro desde o início da pandemia de covid-19.

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Nova Guerra Fria

Pequim e Washington tentam esvaziar a metáfora de uma nova Guerra Fria. Mas, conforme cada lado se movimenta para ocupar posição de vantagem, suas ações com frequência passam a impressão oposta.

Em um artigo publicado este mês na revista Foreign Affairs, uma professora da Universidade Cornell, Jessica Chen Weiss, escreveu que ambos os lados “já estão envolvidos em uma luta global”.

Dada a profunda desconfiança, novas discussões são necessárias, mesmo que não ocorram necessariamente na mesma magnitude de contato vista durante o governo Obama, afirmou a professora Weiss por e-mail. “Dada a intensa desconfiança em ambos os lados, tais discussões não deveriam mirar na criação de algum novo ordenamento ou slogan que o outro lado possa considerar um cavalo de Troia”, afirmou ela.

O equilíbrio de poder era diferente durante a Guerra Fria. A União Soviética jamais foi competidora econômica dos EUA, e Washington conseguiu explorar a querela do Kremlin com a China.

Ex-secretário de Estado dos EUA Henry Kissinger discursa na frente de fotos do presidente dos EUA Richard Nixon (D) reunido com seu colega chinês Mao Tsé-tung durante cerimônia em Xangai  Foto: China Photo/Reuters - 15/4/2002

O ex-presidente Richard Nixon persuadiu Mao Tsé-tung a abandonar seus antigos aliados soviéticos e se alinhar com os EUA. Nixon e Henry Kissinger, seu conselheiro de segurança nacional, valeram-se do novo alinhamento para convencer os soviéticos a empreender conversações sobre controle de armas que continuaram durante governos americanos posteriores.

Essas negociações foram entrelaçadas em reuniões de cúpula que permitiram aos líderes se encontrarem com agendas substantivas em mãos e oferecer garantias. “Hoje, nossa agenda de controle de armas desapareceu, retrocedeu na prática”, afirmou Jon Huntsman, ex-embaixador americano na China e na Rússia.

As comunicações com a União Soviética nunca atingiram um nível tão baixo como o que ocorre em relação à China atualmente, afirmou Huntsman. “Os chineses simplesmente não se apresentam”, afirmou ele. “Apagaram as luzes. Nada.”

Arsenal

Os EUA preocupam-se com o que parece ser uma rápida ampliação da China em seu arsenal nuclear. Em julho do ano passado, especialistas atômicos da Federação dos Cientistas Americanos afirmaram haver evidências claras de que a China estava construindo mais de 100 silos em seu deserto ocidental para lançamento de mísseis nucleares.

Durante um telefonema em novembro, Biden sugeriu a Xi que eles iniciassem conversas a respeito de “estabilidade estratégica”. Essa terminologia pode abranger tanto estratégia nuclear quanto gerenciamento de crises, afirmou Lyle Goldstein, diretor para Ásia do grupo de pesquisa Defense Priorities, em Washington.

Indagado a respeito da oferta de Biden durante uma entrevista coletiva em meados de agosto, o embaixador chinês nos EUA, Qin Gang, afirmou que negociações desse tipo não serão possíveis até que os americanos resolvam “o fundamento político de nossas relações bilaterais”, referindo-se ao futuro de Taiwan.

O fim das discussões militares entre EUA e China talvez seja o desdobramento mais preocupante.

Essas reuniões eram com frequência pomposas, com autoridades chinesas lendo discursos redigidos previamente, afirmou Goldstein. Mas, certas vezes, as conversas eram úteis, incentivando ambos os lados no sentido de um melhor entendimento, mesmo sem produzir soluções específicas.

Taiwan

“Considerei nossas discussões respeitosas e educadas”, afirmou o almirante Scott Swift, ex-comandante da Frota do Pacífico, que se reuniu com homólogos chineses em 2016 e 2017, quando as relações eram mais cálidas. “Como resultado, fomos capazes de avançar para além de nossos desafios retóricos e colocar o foco em reduzir a probabilidade de incidentes não intencionais no mar que produziriam desafios que nossas respectivas lideranças considerariam contraproducentes.”

O almirante Swift afirmou ter enfatizado as diretrizes conhecidas como Código para Encontros Não Planejados no Mar, que estabelecem protocolos que embarcações chinesas e americanas podem seguir quando navegam próximas uma à outra.

No ambiente atual, as interações que permanecem entre ambos os países estão, na melhor das hipóteses, tensas. Num episódio clássico de teatro de Guerra Fria, no mês passado, o Ministério de Relações Exteriores chinês convocou o embaixador americano, R. Nicholas Burns, às suas instalações para apresentar-se no mesmo instante que Pelosi aterrissaria em Taiwan.

Burns esperou para ter certeza de que ela havia pousado. Depois, encaminhou-se para o ministério, chegando alguns minutos atrasado. “Tivemos uma reunião difícil e contenciosa”, afirmou Burns. “Eu defendi o direito da presidente da Câmara Pelosi visitar Taiwan e afirmei que Pequim estava reagindo exageradamente ao manufaturar uma crise desnecessária.” / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

*É JORNALISTA

THE NEW YORK TIMES - Em viagem à China, mais de uma década atrás, como vice-presidente, Joe Biden discursou celebrando os Estados Unidos como o país mais rico de todos os tempos. Os EUA, afirmou ele, eram duas vezes e meia mais ricos que a nação que o recebia.

Naquela tarde, quando Biden se encontrou com seu equivalente chinês, Xi Jinping, para uma conversa informal, o tema da segurança dominou a discussão. Xi reclamou que Washington estava acionando aeronaves de vigilância para espionar a China, e Biden respondeu que os voos continuariam, disse ele posteriormente a jornalistas americanos.

Naquela época, tais diferenças pareciam relativamente conciliáveis, principalmente em razão de reuniões regulares que ocorriam entre autoridades de ambos os países. Agora, a diferença econômica se estreitou, os desafios de segurança são mais arriscados e a comunicação é mínima.

O atual presidente dos Estados Unidos, Joe Biden (E), e o presidente da China, Xi Jinping, em encontro em 2013, em Pequim; na ocasião, Biden era vice-presidente dos EUA Foto: Lintao Zhang/Reuters - 2013

Enquanto líderes de seus países, Biden e Xi se veem cada vez mais em uma rota de colisão que arrisca engendrar uma nova versão da Guerra Fria, afirmam diplomatas e analistas. Tensões militares, econômicas e ideológicas reverberam desenfreadamente entre as duas potências. Aliados dos americanos na região Ásia-Pacífico temem ser pressionados por Pequim, conforme a China aumenta seu arsenal nuclear e compete por semicondutores.

E a China, buscando criar uma aliança de autocracias, encontra cada vez mais objetivos em comum com a Rússia — Xi e seu homólogo russo, Vladimir Putin, se encontraram esta semana. Apesar dos reveses da Rússia em sua guerra contra a Ucrânia ao longo da semana passada, Pequim não deverá mudar sua abordagem para relação. Os chineses precisam de Moscou enquanto parceiro poderoso para reagir ao que veem como a hegemonia dos EUA.

Enquanto isso, Pequim e Washington estão se afastando ainda mais. Depois que a presidente da Câmara dos Deputados dos EUA, Nancy Pelosi, visitou Taiwan em uma demonstração de apoio à democracia autogovernada que a China reivindica como sua, Pequim cancelou três rodadas de diálogos militares e adiou outras cinco a respeito de clima e criminalidade internacional.

As discussões militares, ainda que esporádicas e com frequência protocolares, ainda eram consideradas importantes em um ambiente cada vez mais arriscado, com embarcações americanas e chinesas com frequência navegando perigosamente próximas uma a outra em águas próximas do litoral da China.

“Uma tempestade está se formando em torno de nós”, afirmou o primeiro-ministro de Cingapura, Lee Hsien Loong, durante discurso proferido no mês passado. “As relações EUA-China estão piorando, com assuntos intratáveis, profundas suspeitas e envolvimento limitado entre as partes. Isso não tende a melhorar proximamente.”

Lee disse estar preocupado com a possibilidade de “erros de cálculo e equívocos” poderem facilmente piorar as coisas. Nem tanto tempo atrás, o clima estava pelo menos moderadamente melhor.

Depois que Xi se tornou líder da China, ele foi prontamente recebido pelo então presidente Barack Obama na Califórnia. O líder chinês visitou quatro cidades americanas em 2015, e Obama foi à China. Seus vices se reuniam nas respectivas capitais, e grandes delegações de autoridades graduadas organizavam fóruns anuais.

Houve até sugestões que conversa demais estava produzindo ação de menos. Em 2015, no Diálogo Estratégico e Econômico, um evento anual organizado naquele ano em Pequim, o então secretário de Estado John Kerry passou uma tarde em uma exposição a respeito de tráfico de animais selvagens africanos. Isso ocorreu em um período em que a China construía ilhas artificiais no Mar do Sul da China, o que gerava pouca discussão.

Seu navegador não suporta esse video.

A marinha dos Estados Unidos deslocou quatro navios de guerra, incluindo um porta-aviões, para as águas a leste de Taiwan

Biden e Xi conversaram pelo telefone apenas cinco vezes desde o início de 2021. Essa escassez de contato torna as fricções mais perigosas, afirmam diplomatas e analistas.

“A ausência de um diálogo privado consistente favorece o acúmulo de tensão”, afirmou Charles Kupchan, que integrou o Conselho de Segurança Nacional do governo Obama e leciona relações internacionais na Universidade Georgetown. “Discórdias supuram, e a desconfiança se acumula.”

Em um telefonema recente, ambos os líderes concordaram em marcar a data para um encontro cara a cara, que, tudo indica, deverá ocorrer em novembro, durante a cúpula dos líderes do G-20, na Indonésia. Ambos confirmaram presença, assim como Putin.

Se o encontro entre Biden e Xi ocorrer, será a primeira conversa presencial entre eles desde que o americano assumiu a Casa Branca. Xi encontrou-se com Putin anteriormente este ano em Pequim e reuniu-se com ele novamente esta semana no Usbequistão, como parte de uma viagem maior, a primeira visita do líder chinês a um país estrangeiro desde o início da pandemia de covid-19.

Nova Guerra Fria

Pequim e Washington tentam esvaziar a metáfora de uma nova Guerra Fria. Mas, conforme cada lado se movimenta para ocupar posição de vantagem, suas ações com frequência passam a impressão oposta.

Em um artigo publicado este mês na revista Foreign Affairs, uma professora da Universidade Cornell, Jessica Chen Weiss, escreveu que ambos os lados “já estão envolvidos em uma luta global”.

Dada a profunda desconfiança, novas discussões são necessárias, mesmo que não ocorram necessariamente na mesma magnitude de contato vista durante o governo Obama, afirmou a professora Weiss por e-mail. “Dada a intensa desconfiança em ambos os lados, tais discussões não deveriam mirar na criação de algum novo ordenamento ou slogan que o outro lado possa considerar um cavalo de Troia”, afirmou ela.

O equilíbrio de poder era diferente durante a Guerra Fria. A União Soviética jamais foi competidora econômica dos EUA, e Washington conseguiu explorar a querela do Kremlin com a China.

Ex-secretário de Estado dos EUA Henry Kissinger discursa na frente de fotos do presidente dos EUA Richard Nixon (D) reunido com seu colega chinês Mao Tsé-tung durante cerimônia em Xangai  Foto: China Photo/Reuters - 15/4/2002

O ex-presidente Richard Nixon persuadiu Mao Tsé-tung a abandonar seus antigos aliados soviéticos e se alinhar com os EUA. Nixon e Henry Kissinger, seu conselheiro de segurança nacional, valeram-se do novo alinhamento para convencer os soviéticos a empreender conversações sobre controle de armas que continuaram durante governos americanos posteriores.

Essas negociações foram entrelaçadas em reuniões de cúpula que permitiram aos líderes se encontrarem com agendas substantivas em mãos e oferecer garantias. “Hoje, nossa agenda de controle de armas desapareceu, retrocedeu na prática”, afirmou Jon Huntsman, ex-embaixador americano na China e na Rússia.

As comunicações com a União Soviética nunca atingiram um nível tão baixo como o que ocorre em relação à China atualmente, afirmou Huntsman. “Os chineses simplesmente não se apresentam”, afirmou ele. “Apagaram as luzes. Nada.”

Arsenal

Os EUA preocupam-se com o que parece ser uma rápida ampliação da China em seu arsenal nuclear. Em julho do ano passado, especialistas atômicos da Federação dos Cientistas Americanos afirmaram haver evidências claras de que a China estava construindo mais de 100 silos em seu deserto ocidental para lançamento de mísseis nucleares.

Durante um telefonema em novembro, Biden sugeriu a Xi que eles iniciassem conversas a respeito de “estabilidade estratégica”. Essa terminologia pode abranger tanto estratégia nuclear quanto gerenciamento de crises, afirmou Lyle Goldstein, diretor para Ásia do grupo de pesquisa Defense Priorities, em Washington.

Indagado a respeito da oferta de Biden durante uma entrevista coletiva em meados de agosto, o embaixador chinês nos EUA, Qin Gang, afirmou que negociações desse tipo não serão possíveis até que os americanos resolvam “o fundamento político de nossas relações bilaterais”, referindo-se ao futuro de Taiwan.

O fim das discussões militares entre EUA e China talvez seja o desdobramento mais preocupante.

Essas reuniões eram com frequência pomposas, com autoridades chinesas lendo discursos redigidos previamente, afirmou Goldstein. Mas, certas vezes, as conversas eram úteis, incentivando ambos os lados no sentido de um melhor entendimento, mesmo sem produzir soluções específicas.

Taiwan

“Considerei nossas discussões respeitosas e educadas”, afirmou o almirante Scott Swift, ex-comandante da Frota do Pacífico, que se reuniu com homólogos chineses em 2016 e 2017, quando as relações eram mais cálidas. “Como resultado, fomos capazes de avançar para além de nossos desafios retóricos e colocar o foco em reduzir a probabilidade de incidentes não intencionais no mar que produziriam desafios que nossas respectivas lideranças considerariam contraproducentes.”

O almirante Swift afirmou ter enfatizado as diretrizes conhecidas como Código para Encontros Não Planejados no Mar, que estabelecem protocolos que embarcações chinesas e americanas podem seguir quando navegam próximas uma à outra.

No ambiente atual, as interações que permanecem entre ambos os países estão, na melhor das hipóteses, tensas. Num episódio clássico de teatro de Guerra Fria, no mês passado, o Ministério de Relações Exteriores chinês convocou o embaixador americano, R. Nicholas Burns, às suas instalações para apresentar-se no mesmo instante que Pelosi aterrissaria em Taiwan.

Burns esperou para ter certeza de que ela havia pousado. Depois, encaminhou-se para o ministério, chegando alguns minutos atrasado. “Tivemos uma reunião difícil e contenciosa”, afirmou Burns. “Eu defendi o direito da presidente da Câmara Pelosi visitar Taiwan e afirmei que Pequim estava reagindo exageradamente ao manufaturar uma crise desnecessária.” / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

*É JORNALISTA

THE NEW YORK TIMES - Em viagem à China, mais de uma década atrás, como vice-presidente, Joe Biden discursou celebrando os Estados Unidos como o país mais rico de todos os tempos. Os EUA, afirmou ele, eram duas vezes e meia mais ricos que a nação que o recebia.

Naquela tarde, quando Biden se encontrou com seu equivalente chinês, Xi Jinping, para uma conversa informal, o tema da segurança dominou a discussão. Xi reclamou que Washington estava acionando aeronaves de vigilância para espionar a China, e Biden respondeu que os voos continuariam, disse ele posteriormente a jornalistas americanos.

Naquela época, tais diferenças pareciam relativamente conciliáveis, principalmente em razão de reuniões regulares que ocorriam entre autoridades de ambos os países. Agora, a diferença econômica se estreitou, os desafios de segurança são mais arriscados e a comunicação é mínima.

O atual presidente dos Estados Unidos, Joe Biden (E), e o presidente da China, Xi Jinping, em encontro em 2013, em Pequim; na ocasião, Biden era vice-presidente dos EUA Foto: Lintao Zhang/Reuters - 2013

Enquanto líderes de seus países, Biden e Xi se veem cada vez mais em uma rota de colisão que arrisca engendrar uma nova versão da Guerra Fria, afirmam diplomatas e analistas. Tensões militares, econômicas e ideológicas reverberam desenfreadamente entre as duas potências. Aliados dos americanos na região Ásia-Pacífico temem ser pressionados por Pequim, conforme a China aumenta seu arsenal nuclear e compete por semicondutores.

E a China, buscando criar uma aliança de autocracias, encontra cada vez mais objetivos em comum com a Rússia — Xi e seu homólogo russo, Vladimir Putin, se encontraram esta semana. Apesar dos reveses da Rússia em sua guerra contra a Ucrânia ao longo da semana passada, Pequim não deverá mudar sua abordagem para relação. Os chineses precisam de Moscou enquanto parceiro poderoso para reagir ao que veem como a hegemonia dos EUA.

Enquanto isso, Pequim e Washington estão se afastando ainda mais. Depois que a presidente da Câmara dos Deputados dos EUA, Nancy Pelosi, visitou Taiwan em uma demonstração de apoio à democracia autogovernada que a China reivindica como sua, Pequim cancelou três rodadas de diálogos militares e adiou outras cinco a respeito de clima e criminalidade internacional.

As discussões militares, ainda que esporádicas e com frequência protocolares, ainda eram consideradas importantes em um ambiente cada vez mais arriscado, com embarcações americanas e chinesas com frequência navegando perigosamente próximas uma a outra em águas próximas do litoral da China.

“Uma tempestade está se formando em torno de nós”, afirmou o primeiro-ministro de Cingapura, Lee Hsien Loong, durante discurso proferido no mês passado. “As relações EUA-China estão piorando, com assuntos intratáveis, profundas suspeitas e envolvimento limitado entre as partes. Isso não tende a melhorar proximamente.”

Lee disse estar preocupado com a possibilidade de “erros de cálculo e equívocos” poderem facilmente piorar as coisas. Nem tanto tempo atrás, o clima estava pelo menos moderadamente melhor.

Depois que Xi se tornou líder da China, ele foi prontamente recebido pelo então presidente Barack Obama na Califórnia. O líder chinês visitou quatro cidades americanas em 2015, e Obama foi à China. Seus vices se reuniam nas respectivas capitais, e grandes delegações de autoridades graduadas organizavam fóruns anuais.

Houve até sugestões que conversa demais estava produzindo ação de menos. Em 2015, no Diálogo Estratégico e Econômico, um evento anual organizado naquele ano em Pequim, o então secretário de Estado John Kerry passou uma tarde em uma exposição a respeito de tráfico de animais selvagens africanos. Isso ocorreu em um período em que a China construía ilhas artificiais no Mar do Sul da China, o que gerava pouca discussão.

Seu navegador não suporta esse video.

A marinha dos Estados Unidos deslocou quatro navios de guerra, incluindo um porta-aviões, para as águas a leste de Taiwan

Biden e Xi conversaram pelo telefone apenas cinco vezes desde o início de 2021. Essa escassez de contato torna as fricções mais perigosas, afirmam diplomatas e analistas.

“A ausência de um diálogo privado consistente favorece o acúmulo de tensão”, afirmou Charles Kupchan, que integrou o Conselho de Segurança Nacional do governo Obama e leciona relações internacionais na Universidade Georgetown. “Discórdias supuram, e a desconfiança se acumula.”

Em um telefonema recente, ambos os líderes concordaram em marcar a data para um encontro cara a cara, que, tudo indica, deverá ocorrer em novembro, durante a cúpula dos líderes do G-20, na Indonésia. Ambos confirmaram presença, assim como Putin.

Se o encontro entre Biden e Xi ocorrer, será a primeira conversa presencial entre eles desde que o americano assumiu a Casa Branca. Xi encontrou-se com Putin anteriormente este ano em Pequim e reuniu-se com ele novamente esta semana no Usbequistão, como parte de uma viagem maior, a primeira visita do líder chinês a um país estrangeiro desde o início da pandemia de covid-19.

Nova Guerra Fria

Pequim e Washington tentam esvaziar a metáfora de uma nova Guerra Fria. Mas, conforme cada lado se movimenta para ocupar posição de vantagem, suas ações com frequência passam a impressão oposta.

Em um artigo publicado este mês na revista Foreign Affairs, uma professora da Universidade Cornell, Jessica Chen Weiss, escreveu que ambos os lados “já estão envolvidos em uma luta global”.

Dada a profunda desconfiança, novas discussões são necessárias, mesmo que não ocorram necessariamente na mesma magnitude de contato vista durante o governo Obama, afirmou a professora Weiss por e-mail. “Dada a intensa desconfiança em ambos os lados, tais discussões não deveriam mirar na criação de algum novo ordenamento ou slogan que o outro lado possa considerar um cavalo de Troia”, afirmou ela.

O equilíbrio de poder era diferente durante a Guerra Fria. A União Soviética jamais foi competidora econômica dos EUA, e Washington conseguiu explorar a querela do Kremlin com a China.

Ex-secretário de Estado dos EUA Henry Kissinger discursa na frente de fotos do presidente dos EUA Richard Nixon (D) reunido com seu colega chinês Mao Tsé-tung durante cerimônia em Xangai  Foto: China Photo/Reuters - 15/4/2002

O ex-presidente Richard Nixon persuadiu Mao Tsé-tung a abandonar seus antigos aliados soviéticos e se alinhar com os EUA. Nixon e Henry Kissinger, seu conselheiro de segurança nacional, valeram-se do novo alinhamento para convencer os soviéticos a empreender conversações sobre controle de armas que continuaram durante governos americanos posteriores.

Essas negociações foram entrelaçadas em reuniões de cúpula que permitiram aos líderes se encontrarem com agendas substantivas em mãos e oferecer garantias. “Hoje, nossa agenda de controle de armas desapareceu, retrocedeu na prática”, afirmou Jon Huntsman, ex-embaixador americano na China e na Rússia.

As comunicações com a União Soviética nunca atingiram um nível tão baixo como o que ocorre em relação à China atualmente, afirmou Huntsman. “Os chineses simplesmente não se apresentam”, afirmou ele. “Apagaram as luzes. Nada.”

Arsenal

Os EUA preocupam-se com o que parece ser uma rápida ampliação da China em seu arsenal nuclear. Em julho do ano passado, especialistas atômicos da Federação dos Cientistas Americanos afirmaram haver evidências claras de que a China estava construindo mais de 100 silos em seu deserto ocidental para lançamento de mísseis nucleares.

Durante um telefonema em novembro, Biden sugeriu a Xi que eles iniciassem conversas a respeito de “estabilidade estratégica”. Essa terminologia pode abranger tanto estratégia nuclear quanto gerenciamento de crises, afirmou Lyle Goldstein, diretor para Ásia do grupo de pesquisa Defense Priorities, em Washington.

Indagado a respeito da oferta de Biden durante uma entrevista coletiva em meados de agosto, o embaixador chinês nos EUA, Qin Gang, afirmou que negociações desse tipo não serão possíveis até que os americanos resolvam “o fundamento político de nossas relações bilaterais”, referindo-se ao futuro de Taiwan.

O fim das discussões militares entre EUA e China talvez seja o desdobramento mais preocupante.

Essas reuniões eram com frequência pomposas, com autoridades chinesas lendo discursos redigidos previamente, afirmou Goldstein. Mas, certas vezes, as conversas eram úteis, incentivando ambos os lados no sentido de um melhor entendimento, mesmo sem produzir soluções específicas.

Taiwan

“Considerei nossas discussões respeitosas e educadas”, afirmou o almirante Scott Swift, ex-comandante da Frota do Pacífico, que se reuniu com homólogos chineses em 2016 e 2017, quando as relações eram mais cálidas. “Como resultado, fomos capazes de avançar para além de nossos desafios retóricos e colocar o foco em reduzir a probabilidade de incidentes não intencionais no mar que produziriam desafios que nossas respectivas lideranças considerariam contraproducentes.”

O almirante Swift afirmou ter enfatizado as diretrizes conhecidas como Código para Encontros Não Planejados no Mar, que estabelecem protocolos que embarcações chinesas e americanas podem seguir quando navegam próximas uma à outra.

No ambiente atual, as interações que permanecem entre ambos os países estão, na melhor das hipóteses, tensas. Num episódio clássico de teatro de Guerra Fria, no mês passado, o Ministério de Relações Exteriores chinês convocou o embaixador americano, R. Nicholas Burns, às suas instalações para apresentar-se no mesmo instante que Pelosi aterrissaria em Taiwan.

Burns esperou para ter certeza de que ela havia pousado. Depois, encaminhou-se para o ministério, chegando alguns minutos atrasado. “Tivemos uma reunião difícil e contenciosa”, afirmou Burns. “Eu defendi o direito da presidente da Câmara Pelosi visitar Taiwan e afirmei que Pequim estava reagindo exageradamente ao manufaturar uma crise desnecessária.” / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

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