Polarização e populistas ameaçam até democracias tidas como consolidadas


Falta de credibilidade nas instituições políticas tradicionais é fator que leva à eleição de ‘outsiders’ e mostra como a crise democrática em diversos países independe do antigo embate esquerda versus direita; mobilização popular é peça-chave para mudar cenário

Por Fernanda Simas

A falta de credibilidade das instituições políticas tradicionais e o aumento da polarização que levam ao surgimento de ‘outsiders’ nas estruturas de poder político ameaçam a democracia em todos os continentes e parecem ter cada vez mais apelo em sociedades que buscam soluções fáceis para resolver seus conflitos complexos.

Analistas afirmam que as crises democráticas têm impacto sobre a presença de empresas nos países e a mobilização popular consciente é um elemento-chave para mudar o cenário.

Invasão ao Congresso americano no dia em que o Senado ratificava Joe Biden como o novo presidente americano mostra como até o país considerado “a maior democracia do mundo” está em crise e tem seus sistemas políticos tradicionais questionados Foto: Katherine Frey/WP
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“Há muitas pessoas dispostas a tolerar a erosão das instituições democráticas se gostam das políticas, ideologias ou identidade do líder. Mas quando um número razoável de pessoas decide dizer ‘ele pode dizer o que eu quero, fazer o que concordo, mas está minando nossa capacidade futura de mudar governos, então vou me virar contra eles, porque são antidemocráticos’, essa é a única esperança”, afirma Adam Przeworski, autor do livro Crises da Democracia.

A invasão ao Congresso americano no dia em que o Senado ratificava Joe Biden como o novo presidente americano mostra como até o país considerado “a maior democracia do mundo” está em crise e tem seus sistemas políticos tradicionais questionados.

O ressurgimento de partidos extremistas na Europa, com o aumento do número de seguidores, desafia a unidade da União Europeia e ganha força em países como Polônia e Hungria. “Se você perguntar sobre a democracia na Polônia, ela está nas ruas agora. Não está no governo, nas instituições oficiais, mas na auto-organização da sociedade”, sustenta Malgorzata Fidelis, professora polonesa de estudos do Leste Europeu na Universidade de Illinois.

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“Jaroslaw Kaczynski (presidente do partido Lei e Justiça, majoritário no governo polonês) disse acreditar que a política polonesa, após a queda do comunismo em 1989, foi tomada pelo o que ele chama de uklad (establishment)”, explica Adam Traczyk, pesquisador especializado em Europa Central e Leste Europeu no Conselho Alemão de Relações Exteriores. “Esse uklad teria sido criado por elites liberais e ex-comunistas que negociaram uma transição pacífica e agora controlam os negócios, a mídia e o Judiciário. Basicamente, todo mundo que não apoia ele e seu partido é membro da uklad.”

A tradicional divisão entre esquerda e direita não é mais o centro das disputas políticas. É preciso levar em conta o novo embate político tradicionais versus outsiders e políticos democráticos versus políticos autoritários.

“Estamos tendo uma transição no processo democrático que ainda não sabemos se para melhor ou pior, mas percebemos uma certa fadiga do modelo tradicional atual. A busca por resultados rápidos tira da cena políticos tradicionais e traz outsiders, principalmente da ala empresarial”, explica o coordenador de relações internacionais da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESP-SP), Moisés Marques.  Segundo o analista de risco político Thomaz Favaro, diretor da Control Risks, a erosão da democracia tem impacto na vida empresarial nos países. 

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“Houve um aumento na demanda por análises de risco para os EUA nos últimos anos, desde empresas operando no país, até empresas estrangeiras, que usam matéria-prima por exemplo da China, e poderiam ser afetadas por alguma decisão política. Os EUA eram um bastião de estabilidade e de repente não são mais”, conta Favaro. No Brasil, diz ele, não ocorreu o mesmo por causa da eleição de Jair Bolsonaro, pois o país nunca foi considerado um “bastião de estabilidade”.

Até mesmo uma democracia consolidada como a de Israel, em uma região que abriga governos autoritários e fechados, a crise é explícita. O primeiro-ministro Binyamin Netanyahu enfrenta acusações de corrupção e, sem conseguir manter sua coalizão política, viu o Parlamento ser dissolvido de novo. Como resultado, Israel terá a quarta eleição em menos de dois anos. 

“Aqui você tem a direita moderada e a direita mais radical. Netanyahu ainda não tem certeza a qual ele pertence. A direita moderada está disposta a se comprometer se sentir que há uma chance real de paz (com os palestinos). A direita radical, que representa cerca de 25% do eleitorado, enxerga esse conflito como sendo um jogo em que ‘é tudo nosso e nada deles’. Mas 75% do eleitorado não é assim. E a questão é como se quebra a aliança entre a direita moderada e a radical”, explica Yossi Klein Halevi, analista israelense autor do livro Cartas Para Meu Vizinho Palestino.

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Américas

Democracias tidas como consolidadas nas Américas enfrentaram desafios inéditos. Nos EUA, o país considerado a maior democracia do mundo, as instituições políticas que garantiam os freios e contrapesos ao Poder Executivo foram colocadas em xeque por Donald Trump, e Joe Biden tem o desafio de reunificar o país.

No México, após duas décadas de construção de uma democracia com falhas, mas com pluralismo partidário, o líder de esquerda Andrés Manuel López Obrador tem abusado do populismo e, segundo analistas, usado sua popularidade para fazer referendos e atacar o Judiciário. Na Bolívia, onde a esquerda aliada a Evo Morales voltou ao poder com Luis Arce, e no Peru, onde o sistema político levou a renúncias e impeachments em sequência, a volatilidade política deve continuar. 

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Europa

Governos autoritários de Polônia e Hungria desafiam a unidade da União Europeia. Sob o comando de Viktor Orbán e do partido Fidesz, a Hungria deu uma guinada autoritária. Reduziu a independência do Judiciário, perseguiu a oposição política, a imprensa livre e minou os direitos civis, dificultando a atuação de ONGs e o combate à corrupção nos altos escalões.

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A Polônia segue o mesmo roteiro desde que Jaroslaw Kazcynski, líder do partido de extrema direita polonês Lei e Justiça (PiS), chegou ao poder, em 2015. Um relatório da Comissão Europeia publicado em setembro de 2020 afirma que “as reformas do judiciário polonês desde 2015 são fonte de controvérsia, tanto domesticamente e em nível da UE, e levanta vários problemas, vários desses ainda persistem”. 

Leia mais.

Ásia

A pandemia de covid-19 acelerou tendências populistas e nacionalistas no mundo, mas a Ásia foi uma exceção. A China e a Coreia do Norte, é claro, continuam sendo Estados de um só partido, com pouco espaço para a liberdade de expressão, muito menos escolha política.

Mas as democracias da região resistiram ao lidar com a covid-19 com competência e manter suas economias à tona – e, no processo, reforçando a fé do público nos sistemas democráticos, casos de Japão, Coreia do Sul e Taiwan. No sul da Ásia, países como Índia e Paquistão, sofreram com o renascimento do discurso nacionalista. Na Ásia Central, a democracia nunca foi o forte, e países como Turcomenistão, Casaquistão e Usbequistão viram mais do mesmo: eleições fraudulentas ou dominadas por um autocrata.

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África

O ano de 2020 foi marcado por eleições importantes em todo o continente africano. No total, 13 países foram às urnas. A complexidade do cenário é prova de que não há um padrão de democracia no continente, o maior em número de países – 54 – que abriga 1,3 bilhão de habitantes. Desses, 10 são democracias com algum grau de liberdade.

Outros 28 são regimes híbridos: onde as instituições democráticas tem pouca capacidade de atuar, mas não são uma ditadura. E 16 são regimes autoritários – mas só quatro nações não realizam nenhuma forma de eleição. Por outro lado, muitas dessas democracias passam por estados de fragilidade, e o continente. Muitos países sofreram com governantes que usaram a pandemia de covid-19 para reprimir a oposição ou impor mais controle sobre as instituições.

Leia mais.

Oriente Médio

Há dez anos, o mundo assistia a um levante popular que provocou um terremoto no Oriente Médio, com jovens indo às ruas para protestar contra regimes repressores, pedindo liberdade e democracia. Depois da Tunísia, Egito, Líbia, Bahrein, Síria e Iêmen se viram presos em um redemoinho que mudou a face do Oriente Médio e Norte da África.

Já a Turquia, que no fim do século 20 era considerada um exemplo regional, aos poucos teve suas instituições democráticas minadas pelo poder de Recep Tayyip Erdogan. Em Israel, o baluarte da democracia no Oriente Médio, os quase 12 anos de Binyamin Netanyahu no poder levaram ao aumento da polarização no país. No Irã, onde lampejos de movimentos sociais são sufocados pelo regime teocrático, a consolidação da democracia permanece distante. 

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Oceania

Desde o início da pandemia do novo coronavírus, o número de mortes e casos da Oceania tem sido relativamente baixo: 943 mortes e 30.657 casos (até dezembro). A condução dada à crise pelo governo da Nova Zelândia chamou atenção e levou à reeleição da primeira-ministra Jacinda Ardern. O Partido Trabalhista, da primeira-ministra, venceu com ampla margem as eleições gerais de novembro, com quase 50% dos votos, um “resultado excepcional”, imediatamente reconhecido pela oposição. Os trabalhistas de centro-esquerda registraram 49% de apoio e seu aliado, o Partido Verde, somou 7,6%. O Partido Nacional, de Judith Collins, principal força de oposição, apareceu com 27%.

Leia mais.

/Colaboraram Paulo Beraldo, Levy Teles, Rodrigo Turrer, Renata Tranches e Thaís Ferraz

A falta de credibilidade das instituições políticas tradicionais e o aumento da polarização que levam ao surgimento de ‘outsiders’ nas estruturas de poder político ameaçam a democracia em todos os continentes e parecem ter cada vez mais apelo em sociedades que buscam soluções fáceis para resolver seus conflitos complexos.

Analistas afirmam que as crises democráticas têm impacto sobre a presença de empresas nos países e a mobilização popular consciente é um elemento-chave para mudar o cenário.

Invasão ao Congresso americano no dia em que o Senado ratificava Joe Biden como o novo presidente americano mostra como até o país considerado “a maior democracia do mundo” está em crise e tem seus sistemas políticos tradicionais questionados Foto: Katherine Frey/WP

“Há muitas pessoas dispostas a tolerar a erosão das instituições democráticas se gostam das políticas, ideologias ou identidade do líder. Mas quando um número razoável de pessoas decide dizer ‘ele pode dizer o que eu quero, fazer o que concordo, mas está minando nossa capacidade futura de mudar governos, então vou me virar contra eles, porque são antidemocráticos’, essa é a única esperança”, afirma Adam Przeworski, autor do livro Crises da Democracia.

A invasão ao Congresso americano no dia em que o Senado ratificava Joe Biden como o novo presidente americano mostra como até o país considerado “a maior democracia do mundo” está em crise e tem seus sistemas políticos tradicionais questionados.

O ressurgimento de partidos extremistas na Europa, com o aumento do número de seguidores, desafia a unidade da União Europeia e ganha força em países como Polônia e Hungria. “Se você perguntar sobre a democracia na Polônia, ela está nas ruas agora. Não está no governo, nas instituições oficiais, mas na auto-organização da sociedade”, sustenta Malgorzata Fidelis, professora polonesa de estudos do Leste Europeu na Universidade de Illinois.

“Jaroslaw Kaczynski (presidente do partido Lei e Justiça, majoritário no governo polonês) disse acreditar que a política polonesa, após a queda do comunismo em 1989, foi tomada pelo o que ele chama de uklad (establishment)”, explica Adam Traczyk, pesquisador especializado em Europa Central e Leste Europeu no Conselho Alemão de Relações Exteriores. “Esse uklad teria sido criado por elites liberais e ex-comunistas que negociaram uma transição pacífica e agora controlam os negócios, a mídia e o Judiciário. Basicamente, todo mundo que não apoia ele e seu partido é membro da uklad.”

A tradicional divisão entre esquerda e direita não é mais o centro das disputas políticas. É preciso levar em conta o novo embate político tradicionais versus outsiders e políticos democráticos versus políticos autoritários.

“Estamos tendo uma transição no processo democrático que ainda não sabemos se para melhor ou pior, mas percebemos uma certa fadiga do modelo tradicional atual. A busca por resultados rápidos tira da cena políticos tradicionais e traz outsiders, principalmente da ala empresarial”, explica o coordenador de relações internacionais da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESP-SP), Moisés Marques.  Segundo o analista de risco político Thomaz Favaro, diretor da Control Risks, a erosão da democracia tem impacto na vida empresarial nos países. 

“Houve um aumento na demanda por análises de risco para os EUA nos últimos anos, desde empresas operando no país, até empresas estrangeiras, que usam matéria-prima por exemplo da China, e poderiam ser afetadas por alguma decisão política. Os EUA eram um bastião de estabilidade e de repente não são mais”, conta Favaro. No Brasil, diz ele, não ocorreu o mesmo por causa da eleição de Jair Bolsonaro, pois o país nunca foi considerado um “bastião de estabilidade”.

Até mesmo uma democracia consolidada como a de Israel, em uma região que abriga governos autoritários e fechados, a crise é explícita. O primeiro-ministro Binyamin Netanyahu enfrenta acusações de corrupção e, sem conseguir manter sua coalizão política, viu o Parlamento ser dissolvido de novo. Como resultado, Israel terá a quarta eleição em menos de dois anos. 

“Aqui você tem a direita moderada e a direita mais radical. Netanyahu ainda não tem certeza a qual ele pertence. A direita moderada está disposta a se comprometer se sentir que há uma chance real de paz (com os palestinos). A direita radical, que representa cerca de 25% do eleitorado, enxerga esse conflito como sendo um jogo em que ‘é tudo nosso e nada deles’. Mas 75% do eleitorado não é assim. E a questão é como se quebra a aliança entre a direita moderada e a radical”, explica Yossi Klein Halevi, analista israelense autor do livro Cartas Para Meu Vizinho Palestino.

Américas

Democracias tidas como consolidadas nas Américas enfrentaram desafios inéditos. Nos EUA, o país considerado a maior democracia do mundo, as instituições políticas que garantiam os freios e contrapesos ao Poder Executivo foram colocadas em xeque por Donald Trump, e Joe Biden tem o desafio de reunificar o país.

No México, após duas décadas de construção de uma democracia com falhas, mas com pluralismo partidário, o líder de esquerda Andrés Manuel López Obrador tem abusado do populismo e, segundo analistas, usado sua popularidade para fazer referendos e atacar o Judiciário. Na Bolívia, onde a esquerda aliada a Evo Morales voltou ao poder com Luis Arce, e no Peru, onde o sistema político levou a renúncias e impeachments em sequência, a volatilidade política deve continuar. 

Leia mais.

Europa

Governos autoritários de Polônia e Hungria desafiam a unidade da União Europeia. Sob o comando de Viktor Orbán e do partido Fidesz, a Hungria deu uma guinada autoritária. Reduziu a independência do Judiciário, perseguiu a oposição política, a imprensa livre e minou os direitos civis, dificultando a atuação de ONGs e o combate à corrupção nos altos escalões.

A Polônia segue o mesmo roteiro desde que Jaroslaw Kazcynski, líder do partido de extrema direita polonês Lei e Justiça (PiS), chegou ao poder, em 2015. Um relatório da Comissão Europeia publicado em setembro de 2020 afirma que “as reformas do judiciário polonês desde 2015 são fonte de controvérsia, tanto domesticamente e em nível da UE, e levanta vários problemas, vários desses ainda persistem”. 

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Ásia

A pandemia de covid-19 acelerou tendências populistas e nacionalistas no mundo, mas a Ásia foi uma exceção. A China e a Coreia do Norte, é claro, continuam sendo Estados de um só partido, com pouco espaço para a liberdade de expressão, muito menos escolha política.

Mas as democracias da região resistiram ao lidar com a covid-19 com competência e manter suas economias à tona – e, no processo, reforçando a fé do público nos sistemas democráticos, casos de Japão, Coreia do Sul e Taiwan. No sul da Ásia, países como Índia e Paquistão, sofreram com o renascimento do discurso nacionalista. Na Ásia Central, a democracia nunca foi o forte, e países como Turcomenistão, Casaquistão e Usbequistão viram mais do mesmo: eleições fraudulentas ou dominadas por um autocrata.

Leia mais.

África

O ano de 2020 foi marcado por eleições importantes em todo o continente africano. No total, 13 países foram às urnas. A complexidade do cenário é prova de que não há um padrão de democracia no continente, o maior em número de países – 54 – que abriga 1,3 bilhão de habitantes. Desses, 10 são democracias com algum grau de liberdade.

Outros 28 são regimes híbridos: onde as instituições democráticas tem pouca capacidade de atuar, mas não são uma ditadura. E 16 são regimes autoritários – mas só quatro nações não realizam nenhuma forma de eleição. Por outro lado, muitas dessas democracias passam por estados de fragilidade, e o continente. Muitos países sofreram com governantes que usaram a pandemia de covid-19 para reprimir a oposição ou impor mais controle sobre as instituições.

Leia mais.

Oriente Médio

Há dez anos, o mundo assistia a um levante popular que provocou um terremoto no Oriente Médio, com jovens indo às ruas para protestar contra regimes repressores, pedindo liberdade e democracia. Depois da Tunísia, Egito, Líbia, Bahrein, Síria e Iêmen se viram presos em um redemoinho que mudou a face do Oriente Médio e Norte da África.

Já a Turquia, que no fim do século 20 era considerada um exemplo regional, aos poucos teve suas instituições democráticas minadas pelo poder de Recep Tayyip Erdogan. Em Israel, o baluarte da democracia no Oriente Médio, os quase 12 anos de Binyamin Netanyahu no poder levaram ao aumento da polarização no país. No Irã, onde lampejos de movimentos sociais são sufocados pelo regime teocrático, a consolidação da democracia permanece distante. 

Leia mais.

Oceania

Desde o início da pandemia do novo coronavírus, o número de mortes e casos da Oceania tem sido relativamente baixo: 943 mortes e 30.657 casos (até dezembro). A condução dada à crise pelo governo da Nova Zelândia chamou atenção e levou à reeleição da primeira-ministra Jacinda Ardern. O Partido Trabalhista, da primeira-ministra, venceu com ampla margem as eleições gerais de novembro, com quase 50% dos votos, um “resultado excepcional”, imediatamente reconhecido pela oposição. Os trabalhistas de centro-esquerda registraram 49% de apoio e seu aliado, o Partido Verde, somou 7,6%. O Partido Nacional, de Judith Collins, principal força de oposição, apareceu com 27%.

Leia mais.

/Colaboraram Paulo Beraldo, Levy Teles, Rodrigo Turrer, Renata Tranches e Thaís Ferraz

A falta de credibilidade das instituições políticas tradicionais e o aumento da polarização que levam ao surgimento de ‘outsiders’ nas estruturas de poder político ameaçam a democracia em todos os continentes e parecem ter cada vez mais apelo em sociedades que buscam soluções fáceis para resolver seus conflitos complexos.

Analistas afirmam que as crises democráticas têm impacto sobre a presença de empresas nos países e a mobilização popular consciente é um elemento-chave para mudar o cenário.

Invasão ao Congresso americano no dia em que o Senado ratificava Joe Biden como o novo presidente americano mostra como até o país considerado “a maior democracia do mundo” está em crise e tem seus sistemas políticos tradicionais questionados Foto: Katherine Frey/WP

“Há muitas pessoas dispostas a tolerar a erosão das instituições democráticas se gostam das políticas, ideologias ou identidade do líder. Mas quando um número razoável de pessoas decide dizer ‘ele pode dizer o que eu quero, fazer o que concordo, mas está minando nossa capacidade futura de mudar governos, então vou me virar contra eles, porque são antidemocráticos’, essa é a única esperança”, afirma Adam Przeworski, autor do livro Crises da Democracia.

A invasão ao Congresso americano no dia em que o Senado ratificava Joe Biden como o novo presidente americano mostra como até o país considerado “a maior democracia do mundo” está em crise e tem seus sistemas políticos tradicionais questionados.

O ressurgimento de partidos extremistas na Europa, com o aumento do número de seguidores, desafia a unidade da União Europeia e ganha força em países como Polônia e Hungria. “Se você perguntar sobre a democracia na Polônia, ela está nas ruas agora. Não está no governo, nas instituições oficiais, mas na auto-organização da sociedade”, sustenta Malgorzata Fidelis, professora polonesa de estudos do Leste Europeu na Universidade de Illinois.

“Jaroslaw Kaczynski (presidente do partido Lei e Justiça, majoritário no governo polonês) disse acreditar que a política polonesa, após a queda do comunismo em 1989, foi tomada pelo o que ele chama de uklad (establishment)”, explica Adam Traczyk, pesquisador especializado em Europa Central e Leste Europeu no Conselho Alemão de Relações Exteriores. “Esse uklad teria sido criado por elites liberais e ex-comunistas que negociaram uma transição pacífica e agora controlam os negócios, a mídia e o Judiciário. Basicamente, todo mundo que não apoia ele e seu partido é membro da uklad.”

A tradicional divisão entre esquerda e direita não é mais o centro das disputas políticas. É preciso levar em conta o novo embate político tradicionais versus outsiders e políticos democráticos versus políticos autoritários.

“Estamos tendo uma transição no processo democrático que ainda não sabemos se para melhor ou pior, mas percebemos uma certa fadiga do modelo tradicional atual. A busca por resultados rápidos tira da cena políticos tradicionais e traz outsiders, principalmente da ala empresarial”, explica o coordenador de relações internacionais da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESP-SP), Moisés Marques.  Segundo o analista de risco político Thomaz Favaro, diretor da Control Risks, a erosão da democracia tem impacto na vida empresarial nos países. 

“Houve um aumento na demanda por análises de risco para os EUA nos últimos anos, desde empresas operando no país, até empresas estrangeiras, que usam matéria-prima por exemplo da China, e poderiam ser afetadas por alguma decisão política. Os EUA eram um bastião de estabilidade e de repente não são mais”, conta Favaro. No Brasil, diz ele, não ocorreu o mesmo por causa da eleição de Jair Bolsonaro, pois o país nunca foi considerado um “bastião de estabilidade”.

Até mesmo uma democracia consolidada como a de Israel, em uma região que abriga governos autoritários e fechados, a crise é explícita. O primeiro-ministro Binyamin Netanyahu enfrenta acusações de corrupção e, sem conseguir manter sua coalizão política, viu o Parlamento ser dissolvido de novo. Como resultado, Israel terá a quarta eleição em menos de dois anos. 

“Aqui você tem a direita moderada e a direita mais radical. Netanyahu ainda não tem certeza a qual ele pertence. A direita moderada está disposta a se comprometer se sentir que há uma chance real de paz (com os palestinos). A direita radical, que representa cerca de 25% do eleitorado, enxerga esse conflito como sendo um jogo em que ‘é tudo nosso e nada deles’. Mas 75% do eleitorado não é assim. E a questão é como se quebra a aliança entre a direita moderada e a radical”, explica Yossi Klein Halevi, analista israelense autor do livro Cartas Para Meu Vizinho Palestino.

Américas

Democracias tidas como consolidadas nas Américas enfrentaram desafios inéditos. Nos EUA, o país considerado a maior democracia do mundo, as instituições políticas que garantiam os freios e contrapesos ao Poder Executivo foram colocadas em xeque por Donald Trump, e Joe Biden tem o desafio de reunificar o país.

No México, após duas décadas de construção de uma democracia com falhas, mas com pluralismo partidário, o líder de esquerda Andrés Manuel López Obrador tem abusado do populismo e, segundo analistas, usado sua popularidade para fazer referendos e atacar o Judiciário. Na Bolívia, onde a esquerda aliada a Evo Morales voltou ao poder com Luis Arce, e no Peru, onde o sistema político levou a renúncias e impeachments em sequência, a volatilidade política deve continuar. 

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Europa

Governos autoritários de Polônia e Hungria desafiam a unidade da União Europeia. Sob o comando de Viktor Orbán e do partido Fidesz, a Hungria deu uma guinada autoritária. Reduziu a independência do Judiciário, perseguiu a oposição política, a imprensa livre e minou os direitos civis, dificultando a atuação de ONGs e o combate à corrupção nos altos escalões.

A Polônia segue o mesmo roteiro desde que Jaroslaw Kazcynski, líder do partido de extrema direita polonês Lei e Justiça (PiS), chegou ao poder, em 2015. Um relatório da Comissão Europeia publicado em setembro de 2020 afirma que “as reformas do judiciário polonês desde 2015 são fonte de controvérsia, tanto domesticamente e em nível da UE, e levanta vários problemas, vários desses ainda persistem”. 

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Ásia

A pandemia de covid-19 acelerou tendências populistas e nacionalistas no mundo, mas a Ásia foi uma exceção. A China e a Coreia do Norte, é claro, continuam sendo Estados de um só partido, com pouco espaço para a liberdade de expressão, muito menos escolha política.

Mas as democracias da região resistiram ao lidar com a covid-19 com competência e manter suas economias à tona – e, no processo, reforçando a fé do público nos sistemas democráticos, casos de Japão, Coreia do Sul e Taiwan. No sul da Ásia, países como Índia e Paquistão, sofreram com o renascimento do discurso nacionalista. Na Ásia Central, a democracia nunca foi o forte, e países como Turcomenistão, Casaquistão e Usbequistão viram mais do mesmo: eleições fraudulentas ou dominadas por um autocrata.

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África

O ano de 2020 foi marcado por eleições importantes em todo o continente africano. No total, 13 países foram às urnas. A complexidade do cenário é prova de que não há um padrão de democracia no continente, o maior em número de países – 54 – que abriga 1,3 bilhão de habitantes. Desses, 10 são democracias com algum grau de liberdade.

Outros 28 são regimes híbridos: onde as instituições democráticas tem pouca capacidade de atuar, mas não são uma ditadura. E 16 são regimes autoritários – mas só quatro nações não realizam nenhuma forma de eleição. Por outro lado, muitas dessas democracias passam por estados de fragilidade, e o continente. Muitos países sofreram com governantes que usaram a pandemia de covid-19 para reprimir a oposição ou impor mais controle sobre as instituições.

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Oriente Médio

Há dez anos, o mundo assistia a um levante popular que provocou um terremoto no Oriente Médio, com jovens indo às ruas para protestar contra regimes repressores, pedindo liberdade e democracia. Depois da Tunísia, Egito, Líbia, Bahrein, Síria e Iêmen se viram presos em um redemoinho que mudou a face do Oriente Médio e Norte da África.

Já a Turquia, que no fim do século 20 era considerada um exemplo regional, aos poucos teve suas instituições democráticas minadas pelo poder de Recep Tayyip Erdogan. Em Israel, o baluarte da democracia no Oriente Médio, os quase 12 anos de Binyamin Netanyahu no poder levaram ao aumento da polarização no país. No Irã, onde lampejos de movimentos sociais são sufocados pelo regime teocrático, a consolidação da democracia permanece distante. 

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Oceania

Desde o início da pandemia do novo coronavírus, o número de mortes e casos da Oceania tem sido relativamente baixo: 943 mortes e 30.657 casos (até dezembro). A condução dada à crise pelo governo da Nova Zelândia chamou atenção e levou à reeleição da primeira-ministra Jacinda Ardern. O Partido Trabalhista, da primeira-ministra, venceu com ampla margem as eleições gerais de novembro, com quase 50% dos votos, um “resultado excepcional”, imediatamente reconhecido pela oposição. Os trabalhistas de centro-esquerda registraram 49% de apoio e seu aliado, o Partido Verde, somou 7,6%. O Partido Nacional, de Judith Collins, principal força de oposição, apareceu com 27%.

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/Colaboraram Paulo Beraldo, Levy Teles, Rodrigo Turrer, Renata Tranches e Thaís Ferraz

A falta de credibilidade das instituições políticas tradicionais e o aumento da polarização que levam ao surgimento de ‘outsiders’ nas estruturas de poder político ameaçam a democracia em todos os continentes e parecem ter cada vez mais apelo em sociedades que buscam soluções fáceis para resolver seus conflitos complexos.

Analistas afirmam que as crises democráticas têm impacto sobre a presença de empresas nos países e a mobilização popular consciente é um elemento-chave para mudar o cenário.

Invasão ao Congresso americano no dia em que o Senado ratificava Joe Biden como o novo presidente americano mostra como até o país considerado “a maior democracia do mundo” está em crise e tem seus sistemas políticos tradicionais questionados Foto: Katherine Frey/WP

“Há muitas pessoas dispostas a tolerar a erosão das instituições democráticas se gostam das políticas, ideologias ou identidade do líder. Mas quando um número razoável de pessoas decide dizer ‘ele pode dizer o que eu quero, fazer o que concordo, mas está minando nossa capacidade futura de mudar governos, então vou me virar contra eles, porque são antidemocráticos’, essa é a única esperança”, afirma Adam Przeworski, autor do livro Crises da Democracia.

A invasão ao Congresso americano no dia em que o Senado ratificava Joe Biden como o novo presidente americano mostra como até o país considerado “a maior democracia do mundo” está em crise e tem seus sistemas políticos tradicionais questionados.

O ressurgimento de partidos extremistas na Europa, com o aumento do número de seguidores, desafia a unidade da União Europeia e ganha força em países como Polônia e Hungria. “Se você perguntar sobre a democracia na Polônia, ela está nas ruas agora. Não está no governo, nas instituições oficiais, mas na auto-organização da sociedade”, sustenta Malgorzata Fidelis, professora polonesa de estudos do Leste Europeu na Universidade de Illinois.

“Jaroslaw Kaczynski (presidente do partido Lei e Justiça, majoritário no governo polonês) disse acreditar que a política polonesa, após a queda do comunismo em 1989, foi tomada pelo o que ele chama de uklad (establishment)”, explica Adam Traczyk, pesquisador especializado em Europa Central e Leste Europeu no Conselho Alemão de Relações Exteriores. “Esse uklad teria sido criado por elites liberais e ex-comunistas que negociaram uma transição pacífica e agora controlam os negócios, a mídia e o Judiciário. Basicamente, todo mundo que não apoia ele e seu partido é membro da uklad.”

A tradicional divisão entre esquerda e direita não é mais o centro das disputas políticas. É preciso levar em conta o novo embate político tradicionais versus outsiders e políticos democráticos versus políticos autoritários.

“Estamos tendo uma transição no processo democrático que ainda não sabemos se para melhor ou pior, mas percebemos uma certa fadiga do modelo tradicional atual. A busca por resultados rápidos tira da cena políticos tradicionais e traz outsiders, principalmente da ala empresarial”, explica o coordenador de relações internacionais da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESP-SP), Moisés Marques.  Segundo o analista de risco político Thomaz Favaro, diretor da Control Risks, a erosão da democracia tem impacto na vida empresarial nos países. 

“Houve um aumento na demanda por análises de risco para os EUA nos últimos anos, desde empresas operando no país, até empresas estrangeiras, que usam matéria-prima por exemplo da China, e poderiam ser afetadas por alguma decisão política. Os EUA eram um bastião de estabilidade e de repente não são mais”, conta Favaro. No Brasil, diz ele, não ocorreu o mesmo por causa da eleição de Jair Bolsonaro, pois o país nunca foi considerado um “bastião de estabilidade”.

Até mesmo uma democracia consolidada como a de Israel, em uma região que abriga governos autoritários e fechados, a crise é explícita. O primeiro-ministro Binyamin Netanyahu enfrenta acusações de corrupção e, sem conseguir manter sua coalizão política, viu o Parlamento ser dissolvido de novo. Como resultado, Israel terá a quarta eleição em menos de dois anos. 

“Aqui você tem a direita moderada e a direita mais radical. Netanyahu ainda não tem certeza a qual ele pertence. A direita moderada está disposta a se comprometer se sentir que há uma chance real de paz (com os palestinos). A direita radical, que representa cerca de 25% do eleitorado, enxerga esse conflito como sendo um jogo em que ‘é tudo nosso e nada deles’. Mas 75% do eleitorado não é assim. E a questão é como se quebra a aliança entre a direita moderada e a radical”, explica Yossi Klein Halevi, analista israelense autor do livro Cartas Para Meu Vizinho Palestino.

Américas

Democracias tidas como consolidadas nas Américas enfrentaram desafios inéditos. Nos EUA, o país considerado a maior democracia do mundo, as instituições políticas que garantiam os freios e contrapesos ao Poder Executivo foram colocadas em xeque por Donald Trump, e Joe Biden tem o desafio de reunificar o país.

No México, após duas décadas de construção de uma democracia com falhas, mas com pluralismo partidário, o líder de esquerda Andrés Manuel López Obrador tem abusado do populismo e, segundo analistas, usado sua popularidade para fazer referendos e atacar o Judiciário. Na Bolívia, onde a esquerda aliada a Evo Morales voltou ao poder com Luis Arce, e no Peru, onde o sistema político levou a renúncias e impeachments em sequência, a volatilidade política deve continuar. 

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Europa

Governos autoritários de Polônia e Hungria desafiam a unidade da União Europeia. Sob o comando de Viktor Orbán e do partido Fidesz, a Hungria deu uma guinada autoritária. Reduziu a independência do Judiciário, perseguiu a oposição política, a imprensa livre e minou os direitos civis, dificultando a atuação de ONGs e o combate à corrupção nos altos escalões.

A Polônia segue o mesmo roteiro desde que Jaroslaw Kazcynski, líder do partido de extrema direita polonês Lei e Justiça (PiS), chegou ao poder, em 2015. Um relatório da Comissão Europeia publicado em setembro de 2020 afirma que “as reformas do judiciário polonês desde 2015 são fonte de controvérsia, tanto domesticamente e em nível da UE, e levanta vários problemas, vários desses ainda persistem”. 

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Ásia

A pandemia de covid-19 acelerou tendências populistas e nacionalistas no mundo, mas a Ásia foi uma exceção. A China e a Coreia do Norte, é claro, continuam sendo Estados de um só partido, com pouco espaço para a liberdade de expressão, muito menos escolha política.

Mas as democracias da região resistiram ao lidar com a covid-19 com competência e manter suas economias à tona – e, no processo, reforçando a fé do público nos sistemas democráticos, casos de Japão, Coreia do Sul e Taiwan. No sul da Ásia, países como Índia e Paquistão, sofreram com o renascimento do discurso nacionalista. Na Ásia Central, a democracia nunca foi o forte, e países como Turcomenistão, Casaquistão e Usbequistão viram mais do mesmo: eleições fraudulentas ou dominadas por um autocrata.

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África

O ano de 2020 foi marcado por eleições importantes em todo o continente africano. No total, 13 países foram às urnas. A complexidade do cenário é prova de que não há um padrão de democracia no continente, o maior em número de países – 54 – que abriga 1,3 bilhão de habitantes. Desses, 10 são democracias com algum grau de liberdade.

Outros 28 são regimes híbridos: onde as instituições democráticas tem pouca capacidade de atuar, mas não são uma ditadura. E 16 são regimes autoritários – mas só quatro nações não realizam nenhuma forma de eleição. Por outro lado, muitas dessas democracias passam por estados de fragilidade, e o continente. Muitos países sofreram com governantes que usaram a pandemia de covid-19 para reprimir a oposição ou impor mais controle sobre as instituições.

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Oriente Médio

Há dez anos, o mundo assistia a um levante popular que provocou um terremoto no Oriente Médio, com jovens indo às ruas para protestar contra regimes repressores, pedindo liberdade e democracia. Depois da Tunísia, Egito, Líbia, Bahrein, Síria e Iêmen se viram presos em um redemoinho que mudou a face do Oriente Médio e Norte da África.

Já a Turquia, que no fim do século 20 era considerada um exemplo regional, aos poucos teve suas instituições democráticas minadas pelo poder de Recep Tayyip Erdogan. Em Israel, o baluarte da democracia no Oriente Médio, os quase 12 anos de Binyamin Netanyahu no poder levaram ao aumento da polarização no país. No Irã, onde lampejos de movimentos sociais são sufocados pelo regime teocrático, a consolidação da democracia permanece distante. 

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Oceania

Desde o início da pandemia do novo coronavírus, o número de mortes e casos da Oceania tem sido relativamente baixo: 943 mortes e 30.657 casos (até dezembro). A condução dada à crise pelo governo da Nova Zelândia chamou atenção e levou à reeleição da primeira-ministra Jacinda Ardern. O Partido Trabalhista, da primeira-ministra, venceu com ampla margem as eleições gerais de novembro, com quase 50% dos votos, um “resultado excepcional”, imediatamente reconhecido pela oposição. Os trabalhistas de centro-esquerda registraram 49% de apoio e seu aliado, o Partido Verde, somou 7,6%. O Partido Nacional, de Judith Collins, principal força de oposição, apareceu com 27%.

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/Colaboraram Paulo Beraldo, Levy Teles, Rodrigo Turrer, Renata Tranches e Thaís Ferraz

A falta de credibilidade das instituições políticas tradicionais e o aumento da polarização que levam ao surgimento de ‘outsiders’ nas estruturas de poder político ameaçam a democracia em todos os continentes e parecem ter cada vez mais apelo em sociedades que buscam soluções fáceis para resolver seus conflitos complexos.

Analistas afirmam que as crises democráticas têm impacto sobre a presença de empresas nos países e a mobilização popular consciente é um elemento-chave para mudar o cenário.

Invasão ao Congresso americano no dia em que o Senado ratificava Joe Biden como o novo presidente americano mostra como até o país considerado “a maior democracia do mundo” está em crise e tem seus sistemas políticos tradicionais questionados Foto: Katherine Frey/WP

“Há muitas pessoas dispostas a tolerar a erosão das instituições democráticas se gostam das políticas, ideologias ou identidade do líder. Mas quando um número razoável de pessoas decide dizer ‘ele pode dizer o que eu quero, fazer o que concordo, mas está minando nossa capacidade futura de mudar governos, então vou me virar contra eles, porque são antidemocráticos’, essa é a única esperança”, afirma Adam Przeworski, autor do livro Crises da Democracia.

A invasão ao Congresso americano no dia em que o Senado ratificava Joe Biden como o novo presidente americano mostra como até o país considerado “a maior democracia do mundo” está em crise e tem seus sistemas políticos tradicionais questionados.

O ressurgimento de partidos extremistas na Europa, com o aumento do número de seguidores, desafia a unidade da União Europeia e ganha força em países como Polônia e Hungria. “Se você perguntar sobre a democracia na Polônia, ela está nas ruas agora. Não está no governo, nas instituições oficiais, mas na auto-organização da sociedade”, sustenta Malgorzata Fidelis, professora polonesa de estudos do Leste Europeu na Universidade de Illinois.

“Jaroslaw Kaczynski (presidente do partido Lei e Justiça, majoritário no governo polonês) disse acreditar que a política polonesa, após a queda do comunismo em 1989, foi tomada pelo o que ele chama de uklad (establishment)”, explica Adam Traczyk, pesquisador especializado em Europa Central e Leste Europeu no Conselho Alemão de Relações Exteriores. “Esse uklad teria sido criado por elites liberais e ex-comunistas que negociaram uma transição pacífica e agora controlam os negócios, a mídia e o Judiciário. Basicamente, todo mundo que não apoia ele e seu partido é membro da uklad.”

A tradicional divisão entre esquerda e direita não é mais o centro das disputas políticas. É preciso levar em conta o novo embate político tradicionais versus outsiders e políticos democráticos versus políticos autoritários.

“Estamos tendo uma transição no processo democrático que ainda não sabemos se para melhor ou pior, mas percebemos uma certa fadiga do modelo tradicional atual. A busca por resultados rápidos tira da cena políticos tradicionais e traz outsiders, principalmente da ala empresarial”, explica o coordenador de relações internacionais da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESP-SP), Moisés Marques.  Segundo o analista de risco político Thomaz Favaro, diretor da Control Risks, a erosão da democracia tem impacto na vida empresarial nos países. 

“Houve um aumento na demanda por análises de risco para os EUA nos últimos anos, desde empresas operando no país, até empresas estrangeiras, que usam matéria-prima por exemplo da China, e poderiam ser afetadas por alguma decisão política. Os EUA eram um bastião de estabilidade e de repente não são mais”, conta Favaro. No Brasil, diz ele, não ocorreu o mesmo por causa da eleição de Jair Bolsonaro, pois o país nunca foi considerado um “bastião de estabilidade”.

Até mesmo uma democracia consolidada como a de Israel, em uma região que abriga governos autoritários e fechados, a crise é explícita. O primeiro-ministro Binyamin Netanyahu enfrenta acusações de corrupção e, sem conseguir manter sua coalizão política, viu o Parlamento ser dissolvido de novo. Como resultado, Israel terá a quarta eleição em menos de dois anos. 

“Aqui você tem a direita moderada e a direita mais radical. Netanyahu ainda não tem certeza a qual ele pertence. A direita moderada está disposta a se comprometer se sentir que há uma chance real de paz (com os palestinos). A direita radical, que representa cerca de 25% do eleitorado, enxerga esse conflito como sendo um jogo em que ‘é tudo nosso e nada deles’. Mas 75% do eleitorado não é assim. E a questão é como se quebra a aliança entre a direita moderada e a radical”, explica Yossi Klein Halevi, analista israelense autor do livro Cartas Para Meu Vizinho Palestino.

Américas

Democracias tidas como consolidadas nas Américas enfrentaram desafios inéditos. Nos EUA, o país considerado a maior democracia do mundo, as instituições políticas que garantiam os freios e contrapesos ao Poder Executivo foram colocadas em xeque por Donald Trump, e Joe Biden tem o desafio de reunificar o país.

No México, após duas décadas de construção de uma democracia com falhas, mas com pluralismo partidário, o líder de esquerda Andrés Manuel López Obrador tem abusado do populismo e, segundo analistas, usado sua popularidade para fazer referendos e atacar o Judiciário. Na Bolívia, onde a esquerda aliada a Evo Morales voltou ao poder com Luis Arce, e no Peru, onde o sistema político levou a renúncias e impeachments em sequência, a volatilidade política deve continuar. 

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Europa

Governos autoritários de Polônia e Hungria desafiam a unidade da União Europeia. Sob o comando de Viktor Orbán e do partido Fidesz, a Hungria deu uma guinada autoritária. Reduziu a independência do Judiciário, perseguiu a oposição política, a imprensa livre e minou os direitos civis, dificultando a atuação de ONGs e o combate à corrupção nos altos escalões.

A Polônia segue o mesmo roteiro desde que Jaroslaw Kazcynski, líder do partido de extrema direita polonês Lei e Justiça (PiS), chegou ao poder, em 2015. Um relatório da Comissão Europeia publicado em setembro de 2020 afirma que “as reformas do judiciário polonês desde 2015 são fonte de controvérsia, tanto domesticamente e em nível da UE, e levanta vários problemas, vários desses ainda persistem”. 

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Ásia

A pandemia de covid-19 acelerou tendências populistas e nacionalistas no mundo, mas a Ásia foi uma exceção. A China e a Coreia do Norte, é claro, continuam sendo Estados de um só partido, com pouco espaço para a liberdade de expressão, muito menos escolha política.

Mas as democracias da região resistiram ao lidar com a covid-19 com competência e manter suas economias à tona – e, no processo, reforçando a fé do público nos sistemas democráticos, casos de Japão, Coreia do Sul e Taiwan. No sul da Ásia, países como Índia e Paquistão, sofreram com o renascimento do discurso nacionalista. Na Ásia Central, a democracia nunca foi o forte, e países como Turcomenistão, Casaquistão e Usbequistão viram mais do mesmo: eleições fraudulentas ou dominadas por um autocrata.

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África

O ano de 2020 foi marcado por eleições importantes em todo o continente africano. No total, 13 países foram às urnas. A complexidade do cenário é prova de que não há um padrão de democracia no continente, o maior em número de países – 54 – que abriga 1,3 bilhão de habitantes. Desses, 10 são democracias com algum grau de liberdade.

Outros 28 são regimes híbridos: onde as instituições democráticas tem pouca capacidade de atuar, mas não são uma ditadura. E 16 são regimes autoritários – mas só quatro nações não realizam nenhuma forma de eleição. Por outro lado, muitas dessas democracias passam por estados de fragilidade, e o continente. Muitos países sofreram com governantes que usaram a pandemia de covid-19 para reprimir a oposição ou impor mais controle sobre as instituições.

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Oriente Médio

Há dez anos, o mundo assistia a um levante popular que provocou um terremoto no Oriente Médio, com jovens indo às ruas para protestar contra regimes repressores, pedindo liberdade e democracia. Depois da Tunísia, Egito, Líbia, Bahrein, Síria e Iêmen se viram presos em um redemoinho que mudou a face do Oriente Médio e Norte da África.

Já a Turquia, que no fim do século 20 era considerada um exemplo regional, aos poucos teve suas instituições democráticas minadas pelo poder de Recep Tayyip Erdogan. Em Israel, o baluarte da democracia no Oriente Médio, os quase 12 anos de Binyamin Netanyahu no poder levaram ao aumento da polarização no país. No Irã, onde lampejos de movimentos sociais são sufocados pelo regime teocrático, a consolidação da democracia permanece distante. 

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Oceania

Desde o início da pandemia do novo coronavírus, o número de mortes e casos da Oceania tem sido relativamente baixo: 943 mortes e 30.657 casos (até dezembro). A condução dada à crise pelo governo da Nova Zelândia chamou atenção e levou à reeleição da primeira-ministra Jacinda Ardern. O Partido Trabalhista, da primeira-ministra, venceu com ampla margem as eleições gerais de novembro, com quase 50% dos votos, um “resultado excepcional”, imediatamente reconhecido pela oposição. Os trabalhistas de centro-esquerda registraram 49% de apoio e seu aliado, o Partido Verde, somou 7,6%. O Partido Nacional, de Judith Collins, principal força de oposição, apareceu com 27%.

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/Colaboraram Paulo Beraldo, Levy Teles, Rodrigo Turrer, Renata Tranches e Thaís Ferraz

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