CARACAS - Era uma tarde de domingo comum no Avalon Club, um spa e bar gay na cidade venezuelana de Valência, duas horas a oeste de Caracas. O clube estava cheio de clientes, afirmou o recepcionista do local, Jesús Araujo: “Domingo é o nosso dia mais movimentado”.
Então a polícia chegou. Sem aviso nem mandado de busca, os agentes da Polícia Nacional da Venezuela entraram nas salas de massagem, vestiários e saunas do clube, afirmaram testemunhas, gritando “Fora!” e “Mãos ao alto!”.
Pouco depois de chegar ao estabelecimento, em 23 de julho, os policiais detiveram 33 homens, incluindo Araujo e o dono do local, sob acusações de ultraje ao pudor, poluição sonora e associação para o crime.
“Eu ainda não consigo entender”, afirmou o dono do Avalon, Guillermo Luis, de 34 anos. “Nós tínhamos todas as licenças, e mesmo assim eles nos prenderam. Nem casas de prostituição são alvo de ações desse tipo na Venezuela.”
Os homens foram retirados do local e insultados, o clube ficou semanas fechado e a comunidade LGBT+ da Venezuela passou a temer um novo impulso do governo em criminalizar a homossexualidade. O Estado socialista-totalitário venezuelano é um dos poucos na América do Sul que não reconhece o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Até este ano, militares gays eram punidos com prisão.
Tamara Adrián, que em 2015 se tornou a primeira mulher trans eleita para a Assembleia Nacional, afirmou que o governo do presidente Nicolás Maduro exibe um “claro padrão” contrário aos direitos LGBT+ e das mulheres. “Eu não consigo me recordar de um caso grande como este”, disse ela ao Washington Post.
“Esses homens estavam em um espaço privado”, afirmou Adrián. “Eu não tenho como provar esta afirmação, mas atos como este são realizados com autorização de cima e criam um padrão claro de medo entre muita gente.”
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No primeiro trimestre deste ano, o Observatório Venezuelano de Violências LGBTIQ+ registrou pelo menos 60 ataques contra a comunidade gay. Trinta por cento das ações, afirma a entidade, foram cometidas por uma agência do Estado.
“Nós temos alertado sobre uma campanha de criminalização da comunidade LGBTIQ, que não é diferente da campanha contra o aborto nem da criminalização de diferentes setores da política”, afirmou o coordenador do observatório, Yendri Velásquez. Ele notou que a operação no Avalon Club foi a quinta ação policial contra um estabelecimento gay nos últimos dois anos, mas a primeira que resultou na prisão de um grupo grande de cidadãos.
As autoridades venezuelanas não retornaram a pedidos de comentário.
Luis afirmou que abriu o Avalon Club em 2021, para que o estabelecimento funcionasse como um local seguro para homens gays se encontrarem e relaxarem. “Até hoje”, afirmou ele, “os vizinhos nunca reclamaram”.
A polícia colocou os homens sob custódia. Araujo afirmou que os policiais lhes tomaram os telefones, vasculharam suas informações pessoais nos aparelhos e os insultaram.
“Fotos, mensagens de WhatsApp, chamadas, contatos”, afirmou ele. “Daquele momento em diante começou o escárnio. Eles nos chamavam de (um xingamento antigay) e mostravam um para o outro nossas fotos e conversas, incluindo vídeos, que eles assistiram juntos.”
Os policiais enviaram fotos dos homens, assim como seus nomes e números de identidade, para repórteres que postaram as informações no Twitter.
A maioria dos homens ficou três dias na prisão. O procurador-geral Tarek Saab, em meio a protestos, anunciou eventualmente que as acusações contra eles seriam retiradas. Mas Luis e dois de seus funcionários ficaram presos uma semana; e seus indiciamentos ainda transcorrem.
Velásquez afirma que o governo está tentando fortalecer os laços com os cada vez mais ricos e poderosos grupos evangélicos.
Maduro anunciou em janeiro o programa “Minha Igreja Bem Equipada”, uma iniciativa financiada pelo Estado para bancar reformas de igrejas, “para que os congregados tenham espaços dignos onde possam desenvolver sua fé no encontro com Deus”.
“Nós vemos com preocupação que o governo tenha fortalecido a aliança com grupos religiosos que usam terminologias antidireitos”, afirmou Velásquez. “Esses grupos têm fundos e apoio institucional.”
O Avalon Club abriu na sexta-feira pela primeira vez desde a operação policial. Luis espera que seu indiciamento também seja desconsiderado. “É a primeira vez que algo assim acontece conosco enquanto empresa”, afirmou ele. “Eu não me sinto mais seguro. (…) É muito frustrante. Nada vai acontecer, nada vai mudar.” / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO
*Ana Vanessa Herrero é repórter que cobre a América do Sul e o Caribe, com foco em política, direitos humanos e jornalismo investigativo