Populistas usarão denúncia contra Trump para tentar desacreditar instituições; leia análise


Sistemas de salvaguarda e responsabilização enfrentam dificuldades entre as grandes potências mundiais

Por Ishaan Tharoor

A narrativa está posta. Nenhuma revelação capaz de emergir após o ex-presidente Donald Trump ser indiciado nesta terça-feira, em um tribunal de Manhattan, deverá apaziguar seus partidários furiosos, ultrajados pelo fato dele ter sido acusado de um crime. Realmente, um caso potencialmente precário — construído sobre uma teoria jurídica algo inédita ligando violações em financiamento de campanha a um suposto pagamento de Trump em troca do silêncio de uma atriz pornô — deverá apenas atiçar mais ódio na direita americana. Com outras investigações em andamento, Trump encara a possibilidade de ser indiciado criminalmente outra vez este ano.

Para muitos americanos, isso é reflexo de seu histórico singular de comportamento e abordagem em relação à governança, assim como sinal de que o sistema americano é capaz de garantir que ninguém está acima da lei. Apesar de ser um fato sem precedentes nos Estados Unidos, a história é plena de exemplos de ex-líderes responsabilizados por abusos em outras democracias consagradas. Mas para os simpatizantes de Trump, tanto dentro quanto fora dos EUA o indiciamento inédito de um ex-presidente americano marca simplesmente uma verdadeira “caça às bruxas” — um evento que pode pressagiar violência política e mais um declínio das normas democráticas.

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Imagem do ex-presidente americano Donald Trump chegando ao tribunal criminal de Manhattan nesta terça-feira, 4 Foto: Eduardo Munoz/Reuters

“A posição implicada aqui é que o preço da paz social é a impunidade absoluta para Trump”, escreveram os colunistas Greg Sargent e Paul Waldman, do Washington Post, referindo-se aos republicanos linha-dura. “A insistência de que Trump tem de ser mantido acima da lei — sem importar qual seja seu delito — permeia todas essas respostas dos republicanos.”

Do exterior, o apoio a Trump chegou de rincões familiares. Na manhã da segunda-feira, o primeiro-ministro da Hungria, Viktor Orbán, tuitou uma foto sua apertando a mão do ex-presidente diante da Casa Branca — dois nacionalistas iliberais, camaradas em armas — com a mensagem: “Continue lutando, Sr. Presidente! Estamos do seu lado.”

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Orbán é muito admirado pela direita americana precisamente porque fez o sistema político de sua pequena nação se curvar ao seu favor — intimidando o Judiciário, cooptando a imprensa independente e enfraquecendo a sociedade civil. O governo de Orbán foi censurado pela União Europeia por minar o estado de direito, mas na visão dele isso é necessário para combater oponentes progressistas entrincheirados.

“Para vencer, não é suficiente saber por que você está lutando”, afirmou Orbán a uma multidão de adoradores direitistas no Texas, em agosto do ano passado. “Você tem de saber também como deve lutar. Minha resposta é: jogue segundo suas próprias regras.”

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Em muitas partes do mundo, o desejo de líderes políticos de jogar segundo suas próprias regras prospera. O presidente Joe Biden e alguns de seus homólogos no Ocidente gostam de definir o desafio maior diante da política global como um confronto entre democracia e autocracia na arena mundial, mas pode haver uma maneira mais precisa de entender essa disputa:

“O grande perigo não é apenas que a democracia está sob ataque, mas que o estado de direito e os sistemas de salvaguarda e responsabilização estão sendo erodidos em todas as áreas da vida”, escreveu o ex-político britânico David Miliband, presidente e diretor-executivo do Comitê Internacional de Resgate. Para cumprir esse objetivo, Miliband e sua equipe, juntamente com o Conselho de Assuntos Internacionais de Chicago e a consultoria Eurasia Group, publicaram em fevereiro um índice que registra como esses sistemas de salvaguarda e responsabilização enfrentam dificuldades.

Seu Atlas da Impunidade ranqueou 163 nações com base em dados que rastrearam o que os autores definiram como as cinco dimensões da impunidade — governança sem contrapesos, violações a direitos humanos, conflitos, exploração econômica e degradação do meio ambiente.

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O topo e a base do ranking fornecem uma visão familiar: Finlândia e seus vizinhos nórdicos pontuam pouco no índice de impunidade agregada, enquanto países assolados por conflitos, como Afeganistão, Síria, Iêmen e Mianmar pontuam mais. A Rússia, cuja invasão em andamento à Ucrânia e cujo catálogo de crimes de guerra constituem um dos exemplos mais flagrantes de impunidade pontua alto, assim como a China.

De maneira reveladora, os Estados Unidos figuram no meio do ranking, mais próximo a países como Argentina e África do Sul do que de parceiros seus no Grupo dos 7 como Alemanha e Japão. Isso decorre em parte do que Miliband descreveu como “pontuações intermediárias em discriminação, desigualdade e acesso à democracia” combinadas ao seu legado de maior exportador mundial de armas. As digitais de Trump estão implícitas nessa análise.

Apesar da democracia liberal ser certamente importante para imputar as características necessárias para salvaguarda e responsabilização, ela ainda não é suficiente

Ivo Daalder, presidente do Conselho de Assuntos Internacionais de Chicago

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Seu movimento político polarizador, escarnecendo das normas democráticas e nutrindo-se de uma política ultranacionalista que parece dedicada a restringir direitos eleitorais, entre outras pautas que críticos qualificam como antidemocráticas, aumentou as apostas na mesa da política americana. Sua carreira empresarial maculada, assim como as controvérsias em torno de seu mandato na presidência, revelam-no uma figura que há muito se beneficia de uma certa cultura de impunidade entre as elites dos EUA.

O caso de Trump, além disso, mostra o aspecto em que a visão de mundo “democracia versus autocracia”, de Biden, pode revelar seus limites. Segundo a maioria dos índices, os EUA possuem uma democracia mais saudável do que muitos países, mas suas divisões e agitações políticas contam uma história diferente.

“Apesar da democracia liberal ser certamente importante para imputar as características necessárias para salvaguarda e responsabilização, ela ainda não é suficiente. Coesão social através de linhas étnicas, raciais religiosas e de classes também é importante”, afirmou o presidente do Conselho de Assuntos Internacionais de Chicago, Ivo Daalder. “E mesmo que prosperidade seja importante, garantir que os ganhos sejam distribuídos amplamente e equitativamente é ainda mais vital.”

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Uma das conclusões mais interessantes de sua análise é que nenhuma das grandes potências — seja EUA, China ou gigantes regionais como Índia e Brasil — se coloca muito bem. “Talvez não devesse surpreender que os países mais poderosos padecem de impunidade, dado que a impunidade que vemos hoje no mundo é produto de poder irrestrito”, nota o principal relatório do Atlas.

“Mas isso deveria fazer os observadores americanos que acreditam no papel positivo que seu país é capaz de desempenhar sustentando os sistemas com base em regras perceber que os EUA desempenham muito pior do que ‘deveriam’ segundo seu grupo homólogo. Essas constatações também sublinham o perigo de um mundo dominado por qualquer outra grande potência, como a China, que também tenha fracassado em criar sistemas internacionais de salvaguarda e responsabilização.” / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

A narrativa está posta. Nenhuma revelação capaz de emergir após o ex-presidente Donald Trump ser indiciado nesta terça-feira, em um tribunal de Manhattan, deverá apaziguar seus partidários furiosos, ultrajados pelo fato dele ter sido acusado de um crime. Realmente, um caso potencialmente precário — construído sobre uma teoria jurídica algo inédita ligando violações em financiamento de campanha a um suposto pagamento de Trump em troca do silêncio de uma atriz pornô — deverá apenas atiçar mais ódio na direita americana. Com outras investigações em andamento, Trump encara a possibilidade de ser indiciado criminalmente outra vez este ano.

Para muitos americanos, isso é reflexo de seu histórico singular de comportamento e abordagem em relação à governança, assim como sinal de que o sistema americano é capaz de garantir que ninguém está acima da lei. Apesar de ser um fato sem precedentes nos Estados Unidos, a história é plena de exemplos de ex-líderes responsabilizados por abusos em outras democracias consagradas. Mas para os simpatizantes de Trump, tanto dentro quanto fora dos EUA o indiciamento inédito de um ex-presidente americano marca simplesmente uma verdadeira “caça às bruxas” — um evento que pode pressagiar violência política e mais um declínio das normas democráticas.

Imagem do ex-presidente americano Donald Trump chegando ao tribunal criminal de Manhattan nesta terça-feira, 4 Foto: Eduardo Munoz/Reuters

“A posição implicada aqui é que o preço da paz social é a impunidade absoluta para Trump”, escreveram os colunistas Greg Sargent e Paul Waldman, do Washington Post, referindo-se aos republicanos linha-dura. “A insistência de que Trump tem de ser mantido acima da lei — sem importar qual seja seu delito — permeia todas essas respostas dos republicanos.”

Do exterior, o apoio a Trump chegou de rincões familiares. Na manhã da segunda-feira, o primeiro-ministro da Hungria, Viktor Orbán, tuitou uma foto sua apertando a mão do ex-presidente diante da Casa Branca — dois nacionalistas iliberais, camaradas em armas — com a mensagem: “Continue lutando, Sr. Presidente! Estamos do seu lado.”

Orbán é muito admirado pela direita americana precisamente porque fez o sistema político de sua pequena nação se curvar ao seu favor — intimidando o Judiciário, cooptando a imprensa independente e enfraquecendo a sociedade civil. O governo de Orbán foi censurado pela União Europeia por minar o estado de direito, mas na visão dele isso é necessário para combater oponentes progressistas entrincheirados.

“Para vencer, não é suficiente saber por que você está lutando”, afirmou Orbán a uma multidão de adoradores direitistas no Texas, em agosto do ano passado. “Você tem de saber também como deve lutar. Minha resposta é: jogue segundo suas próprias regras.”

Em muitas partes do mundo, o desejo de líderes políticos de jogar segundo suas próprias regras prospera. O presidente Joe Biden e alguns de seus homólogos no Ocidente gostam de definir o desafio maior diante da política global como um confronto entre democracia e autocracia na arena mundial, mas pode haver uma maneira mais precisa de entender essa disputa:

“O grande perigo não é apenas que a democracia está sob ataque, mas que o estado de direito e os sistemas de salvaguarda e responsabilização estão sendo erodidos em todas as áreas da vida”, escreveu o ex-político britânico David Miliband, presidente e diretor-executivo do Comitê Internacional de Resgate. Para cumprir esse objetivo, Miliband e sua equipe, juntamente com o Conselho de Assuntos Internacionais de Chicago e a consultoria Eurasia Group, publicaram em fevereiro um índice que registra como esses sistemas de salvaguarda e responsabilização enfrentam dificuldades.

Seu Atlas da Impunidade ranqueou 163 nações com base em dados que rastrearam o que os autores definiram como as cinco dimensões da impunidade — governança sem contrapesos, violações a direitos humanos, conflitos, exploração econômica e degradação do meio ambiente.

O topo e a base do ranking fornecem uma visão familiar: Finlândia e seus vizinhos nórdicos pontuam pouco no índice de impunidade agregada, enquanto países assolados por conflitos, como Afeganistão, Síria, Iêmen e Mianmar pontuam mais. A Rússia, cuja invasão em andamento à Ucrânia e cujo catálogo de crimes de guerra constituem um dos exemplos mais flagrantes de impunidade pontua alto, assim como a China.

De maneira reveladora, os Estados Unidos figuram no meio do ranking, mais próximo a países como Argentina e África do Sul do que de parceiros seus no Grupo dos 7 como Alemanha e Japão. Isso decorre em parte do que Miliband descreveu como “pontuações intermediárias em discriminação, desigualdade e acesso à democracia” combinadas ao seu legado de maior exportador mundial de armas. As digitais de Trump estão implícitas nessa análise.

Apesar da democracia liberal ser certamente importante para imputar as características necessárias para salvaguarda e responsabilização, ela ainda não é suficiente

Ivo Daalder, presidente do Conselho de Assuntos Internacionais de Chicago

Seu movimento político polarizador, escarnecendo das normas democráticas e nutrindo-se de uma política ultranacionalista que parece dedicada a restringir direitos eleitorais, entre outras pautas que críticos qualificam como antidemocráticas, aumentou as apostas na mesa da política americana. Sua carreira empresarial maculada, assim como as controvérsias em torno de seu mandato na presidência, revelam-no uma figura que há muito se beneficia de uma certa cultura de impunidade entre as elites dos EUA.

O caso de Trump, além disso, mostra o aspecto em que a visão de mundo “democracia versus autocracia”, de Biden, pode revelar seus limites. Segundo a maioria dos índices, os EUA possuem uma democracia mais saudável do que muitos países, mas suas divisões e agitações políticas contam uma história diferente.

“Apesar da democracia liberal ser certamente importante para imputar as características necessárias para salvaguarda e responsabilização, ela ainda não é suficiente. Coesão social através de linhas étnicas, raciais religiosas e de classes também é importante”, afirmou o presidente do Conselho de Assuntos Internacionais de Chicago, Ivo Daalder. “E mesmo que prosperidade seja importante, garantir que os ganhos sejam distribuídos amplamente e equitativamente é ainda mais vital.”

Uma das conclusões mais interessantes de sua análise é que nenhuma das grandes potências — seja EUA, China ou gigantes regionais como Índia e Brasil — se coloca muito bem. “Talvez não devesse surpreender que os países mais poderosos padecem de impunidade, dado que a impunidade que vemos hoje no mundo é produto de poder irrestrito”, nota o principal relatório do Atlas.

“Mas isso deveria fazer os observadores americanos que acreditam no papel positivo que seu país é capaz de desempenhar sustentando os sistemas com base em regras perceber que os EUA desempenham muito pior do que ‘deveriam’ segundo seu grupo homólogo. Essas constatações também sublinham o perigo de um mundo dominado por qualquer outra grande potência, como a China, que também tenha fracassado em criar sistemas internacionais de salvaguarda e responsabilização.” / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

A narrativa está posta. Nenhuma revelação capaz de emergir após o ex-presidente Donald Trump ser indiciado nesta terça-feira, em um tribunal de Manhattan, deverá apaziguar seus partidários furiosos, ultrajados pelo fato dele ter sido acusado de um crime. Realmente, um caso potencialmente precário — construído sobre uma teoria jurídica algo inédita ligando violações em financiamento de campanha a um suposto pagamento de Trump em troca do silêncio de uma atriz pornô — deverá apenas atiçar mais ódio na direita americana. Com outras investigações em andamento, Trump encara a possibilidade de ser indiciado criminalmente outra vez este ano.

Para muitos americanos, isso é reflexo de seu histórico singular de comportamento e abordagem em relação à governança, assim como sinal de que o sistema americano é capaz de garantir que ninguém está acima da lei. Apesar de ser um fato sem precedentes nos Estados Unidos, a história é plena de exemplos de ex-líderes responsabilizados por abusos em outras democracias consagradas. Mas para os simpatizantes de Trump, tanto dentro quanto fora dos EUA o indiciamento inédito de um ex-presidente americano marca simplesmente uma verdadeira “caça às bruxas” — um evento que pode pressagiar violência política e mais um declínio das normas democráticas.

Imagem do ex-presidente americano Donald Trump chegando ao tribunal criminal de Manhattan nesta terça-feira, 4 Foto: Eduardo Munoz/Reuters

“A posição implicada aqui é que o preço da paz social é a impunidade absoluta para Trump”, escreveram os colunistas Greg Sargent e Paul Waldman, do Washington Post, referindo-se aos republicanos linha-dura. “A insistência de que Trump tem de ser mantido acima da lei — sem importar qual seja seu delito — permeia todas essas respostas dos republicanos.”

Do exterior, o apoio a Trump chegou de rincões familiares. Na manhã da segunda-feira, o primeiro-ministro da Hungria, Viktor Orbán, tuitou uma foto sua apertando a mão do ex-presidente diante da Casa Branca — dois nacionalistas iliberais, camaradas em armas — com a mensagem: “Continue lutando, Sr. Presidente! Estamos do seu lado.”

Orbán é muito admirado pela direita americana precisamente porque fez o sistema político de sua pequena nação se curvar ao seu favor — intimidando o Judiciário, cooptando a imprensa independente e enfraquecendo a sociedade civil. O governo de Orbán foi censurado pela União Europeia por minar o estado de direito, mas na visão dele isso é necessário para combater oponentes progressistas entrincheirados.

“Para vencer, não é suficiente saber por que você está lutando”, afirmou Orbán a uma multidão de adoradores direitistas no Texas, em agosto do ano passado. “Você tem de saber também como deve lutar. Minha resposta é: jogue segundo suas próprias regras.”

Em muitas partes do mundo, o desejo de líderes políticos de jogar segundo suas próprias regras prospera. O presidente Joe Biden e alguns de seus homólogos no Ocidente gostam de definir o desafio maior diante da política global como um confronto entre democracia e autocracia na arena mundial, mas pode haver uma maneira mais precisa de entender essa disputa:

“O grande perigo não é apenas que a democracia está sob ataque, mas que o estado de direito e os sistemas de salvaguarda e responsabilização estão sendo erodidos em todas as áreas da vida”, escreveu o ex-político britânico David Miliband, presidente e diretor-executivo do Comitê Internacional de Resgate. Para cumprir esse objetivo, Miliband e sua equipe, juntamente com o Conselho de Assuntos Internacionais de Chicago e a consultoria Eurasia Group, publicaram em fevereiro um índice que registra como esses sistemas de salvaguarda e responsabilização enfrentam dificuldades.

Seu Atlas da Impunidade ranqueou 163 nações com base em dados que rastrearam o que os autores definiram como as cinco dimensões da impunidade — governança sem contrapesos, violações a direitos humanos, conflitos, exploração econômica e degradação do meio ambiente.

O topo e a base do ranking fornecem uma visão familiar: Finlândia e seus vizinhos nórdicos pontuam pouco no índice de impunidade agregada, enquanto países assolados por conflitos, como Afeganistão, Síria, Iêmen e Mianmar pontuam mais. A Rússia, cuja invasão em andamento à Ucrânia e cujo catálogo de crimes de guerra constituem um dos exemplos mais flagrantes de impunidade pontua alto, assim como a China.

De maneira reveladora, os Estados Unidos figuram no meio do ranking, mais próximo a países como Argentina e África do Sul do que de parceiros seus no Grupo dos 7 como Alemanha e Japão. Isso decorre em parte do que Miliband descreveu como “pontuações intermediárias em discriminação, desigualdade e acesso à democracia” combinadas ao seu legado de maior exportador mundial de armas. As digitais de Trump estão implícitas nessa análise.

Apesar da democracia liberal ser certamente importante para imputar as características necessárias para salvaguarda e responsabilização, ela ainda não é suficiente

Ivo Daalder, presidente do Conselho de Assuntos Internacionais de Chicago

Seu movimento político polarizador, escarnecendo das normas democráticas e nutrindo-se de uma política ultranacionalista que parece dedicada a restringir direitos eleitorais, entre outras pautas que críticos qualificam como antidemocráticas, aumentou as apostas na mesa da política americana. Sua carreira empresarial maculada, assim como as controvérsias em torno de seu mandato na presidência, revelam-no uma figura que há muito se beneficia de uma certa cultura de impunidade entre as elites dos EUA.

O caso de Trump, além disso, mostra o aspecto em que a visão de mundo “democracia versus autocracia”, de Biden, pode revelar seus limites. Segundo a maioria dos índices, os EUA possuem uma democracia mais saudável do que muitos países, mas suas divisões e agitações políticas contam uma história diferente.

“Apesar da democracia liberal ser certamente importante para imputar as características necessárias para salvaguarda e responsabilização, ela ainda não é suficiente. Coesão social através de linhas étnicas, raciais religiosas e de classes também é importante”, afirmou o presidente do Conselho de Assuntos Internacionais de Chicago, Ivo Daalder. “E mesmo que prosperidade seja importante, garantir que os ganhos sejam distribuídos amplamente e equitativamente é ainda mais vital.”

Uma das conclusões mais interessantes de sua análise é que nenhuma das grandes potências — seja EUA, China ou gigantes regionais como Índia e Brasil — se coloca muito bem. “Talvez não devesse surpreender que os países mais poderosos padecem de impunidade, dado que a impunidade que vemos hoje no mundo é produto de poder irrestrito”, nota o principal relatório do Atlas.

“Mas isso deveria fazer os observadores americanos que acreditam no papel positivo que seu país é capaz de desempenhar sustentando os sistemas com base em regras perceber que os EUA desempenham muito pior do que ‘deveriam’ segundo seu grupo homólogo. Essas constatações também sublinham o perigo de um mundo dominado por qualquer outra grande potência, como a China, que também tenha fracassado em criar sistemas internacionais de salvaguarda e responsabilização.” / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

A narrativa está posta. Nenhuma revelação capaz de emergir após o ex-presidente Donald Trump ser indiciado nesta terça-feira, em um tribunal de Manhattan, deverá apaziguar seus partidários furiosos, ultrajados pelo fato dele ter sido acusado de um crime. Realmente, um caso potencialmente precário — construído sobre uma teoria jurídica algo inédita ligando violações em financiamento de campanha a um suposto pagamento de Trump em troca do silêncio de uma atriz pornô — deverá apenas atiçar mais ódio na direita americana. Com outras investigações em andamento, Trump encara a possibilidade de ser indiciado criminalmente outra vez este ano.

Para muitos americanos, isso é reflexo de seu histórico singular de comportamento e abordagem em relação à governança, assim como sinal de que o sistema americano é capaz de garantir que ninguém está acima da lei. Apesar de ser um fato sem precedentes nos Estados Unidos, a história é plena de exemplos de ex-líderes responsabilizados por abusos em outras democracias consagradas. Mas para os simpatizantes de Trump, tanto dentro quanto fora dos EUA o indiciamento inédito de um ex-presidente americano marca simplesmente uma verdadeira “caça às bruxas” — um evento que pode pressagiar violência política e mais um declínio das normas democráticas.

Imagem do ex-presidente americano Donald Trump chegando ao tribunal criminal de Manhattan nesta terça-feira, 4 Foto: Eduardo Munoz/Reuters

“A posição implicada aqui é que o preço da paz social é a impunidade absoluta para Trump”, escreveram os colunistas Greg Sargent e Paul Waldman, do Washington Post, referindo-se aos republicanos linha-dura. “A insistência de que Trump tem de ser mantido acima da lei — sem importar qual seja seu delito — permeia todas essas respostas dos republicanos.”

Do exterior, o apoio a Trump chegou de rincões familiares. Na manhã da segunda-feira, o primeiro-ministro da Hungria, Viktor Orbán, tuitou uma foto sua apertando a mão do ex-presidente diante da Casa Branca — dois nacionalistas iliberais, camaradas em armas — com a mensagem: “Continue lutando, Sr. Presidente! Estamos do seu lado.”

Orbán é muito admirado pela direita americana precisamente porque fez o sistema político de sua pequena nação se curvar ao seu favor — intimidando o Judiciário, cooptando a imprensa independente e enfraquecendo a sociedade civil. O governo de Orbán foi censurado pela União Europeia por minar o estado de direito, mas na visão dele isso é necessário para combater oponentes progressistas entrincheirados.

“Para vencer, não é suficiente saber por que você está lutando”, afirmou Orbán a uma multidão de adoradores direitistas no Texas, em agosto do ano passado. “Você tem de saber também como deve lutar. Minha resposta é: jogue segundo suas próprias regras.”

Em muitas partes do mundo, o desejo de líderes políticos de jogar segundo suas próprias regras prospera. O presidente Joe Biden e alguns de seus homólogos no Ocidente gostam de definir o desafio maior diante da política global como um confronto entre democracia e autocracia na arena mundial, mas pode haver uma maneira mais precisa de entender essa disputa:

“O grande perigo não é apenas que a democracia está sob ataque, mas que o estado de direito e os sistemas de salvaguarda e responsabilização estão sendo erodidos em todas as áreas da vida”, escreveu o ex-político britânico David Miliband, presidente e diretor-executivo do Comitê Internacional de Resgate. Para cumprir esse objetivo, Miliband e sua equipe, juntamente com o Conselho de Assuntos Internacionais de Chicago e a consultoria Eurasia Group, publicaram em fevereiro um índice que registra como esses sistemas de salvaguarda e responsabilização enfrentam dificuldades.

Seu Atlas da Impunidade ranqueou 163 nações com base em dados que rastrearam o que os autores definiram como as cinco dimensões da impunidade — governança sem contrapesos, violações a direitos humanos, conflitos, exploração econômica e degradação do meio ambiente.

O topo e a base do ranking fornecem uma visão familiar: Finlândia e seus vizinhos nórdicos pontuam pouco no índice de impunidade agregada, enquanto países assolados por conflitos, como Afeganistão, Síria, Iêmen e Mianmar pontuam mais. A Rússia, cuja invasão em andamento à Ucrânia e cujo catálogo de crimes de guerra constituem um dos exemplos mais flagrantes de impunidade pontua alto, assim como a China.

De maneira reveladora, os Estados Unidos figuram no meio do ranking, mais próximo a países como Argentina e África do Sul do que de parceiros seus no Grupo dos 7 como Alemanha e Japão. Isso decorre em parte do que Miliband descreveu como “pontuações intermediárias em discriminação, desigualdade e acesso à democracia” combinadas ao seu legado de maior exportador mundial de armas. As digitais de Trump estão implícitas nessa análise.

Apesar da democracia liberal ser certamente importante para imputar as características necessárias para salvaguarda e responsabilização, ela ainda não é suficiente

Ivo Daalder, presidente do Conselho de Assuntos Internacionais de Chicago

Seu movimento político polarizador, escarnecendo das normas democráticas e nutrindo-se de uma política ultranacionalista que parece dedicada a restringir direitos eleitorais, entre outras pautas que críticos qualificam como antidemocráticas, aumentou as apostas na mesa da política americana. Sua carreira empresarial maculada, assim como as controvérsias em torno de seu mandato na presidência, revelam-no uma figura que há muito se beneficia de uma certa cultura de impunidade entre as elites dos EUA.

O caso de Trump, além disso, mostra o aspecto em que a visão de mundo “democracia versus autocracia”, de Biden, pode revelar seus limites. Segundo a maioria dos índices, os EUA possuem uma democracia mais saudável do que muitos países, mas suas divisões e agitações políticas contam uma história diferente.

“Apesar da democracia liberal ser certamente importante para imputar as características necessárias para salvaguarda e responsabilização, ela ainda não é suficiente. Coesão social através de linhas étnicas, raciais religiosas e de classes também é importante”, afirmou o presidente do Conselho de Assuntos Internacionais de Chicago, Ivo Daalder. “E mesmo que prosperidade seja importante, garantir que os ganhos sejam distribuídos amplamente e equitativamente é ainda mais vital.”

Uma das conclusões mais interessantes de sua análise é que nenhuma das grandes potências — seja EUA, China ou gigantes regionais como Índia e Brasil — se coloca muito bem. “Talvez não devesse surpreender que os países mais poderosos padecem de impunidade, dado que a impunidade que vemos hoje no mundo é produto de poder irrestrito”, nota o principal relatório do Atlas.

“Mas isso deveria fazer os observadores americanos que acreditam no papel positivo que seu país é capaz de desempenhar sustentando os sistemas com base em regras perceber que os EUA desempenham muito pior do que ‘deveriam’ segundo seu grupo homólogo. Essas constatações também sublinham o perigo de um mundo dominado por qualquer outra grande potência, como a China, que também tenha fracassado em criar sistemas internacionais de salvaguarda e responsabilização.” / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

A narrativa está posta. Nenhuma revelação capaz de emergir após o ex-presidente Donald Trump ser indiciado nesta terça-feira, em um tribunal de Manhattan, deverá apaziguar seus partidários furiosos, ultrajados pelo fato dele ter sido acusado de um crime. Realmente, um caso potencialmente precário — construído sobre uma teoria jurídica algo inédita ligando violações em financiamento de campanha a um suposto pagamento de Trump em troca do silêncio de uma atriz pornô — deverá apenas atiçar mais ódio na direita americana. Com outras investigações em andamento, Trump encara a possibilidade de ser indiciado criminalmente outra vez este ano.

Para muitos americanos, isso é reflexo de seu histórico singular de comportamento e abordagem em relação à governança, assim como sinal de que o sistema americano é capaz de garantir que ninguém está acima da lei. Apesar de ser um fato sem precedentes nos Estados Unidos, a história é plena de exemplos de ex-líderes responsabilizados por abusos em outras democracias consagradas. Mas para os simpatizantes de Trump, tanto dentro quanto fora dos EUA o indiciamento inédito de um ex-presidente americano marca simplesmente uma verdadeira “caça às bruxas” — um evento que pode pressagiar violência política e mais um declínio das normas democráticas.

Imagem do ex-presidente americano Donald Trump chegando ao tribunal criminal de Manhattan nesta terça-feira, 4 Foto: Eduardo Munoz/Reuters

“A posição implicada aqui é que o preço da paz social é a impunidade absoluta para Trump”, escreveram os colunistas Greg Sargent e Paul Waldman, do Washington Post, referindo-se aos republicanos linha-dura. “A insistência de que Trump tem de ser mantido acima da lei — sem importar qual seja seu delito — permeia todas essas respostas dos republicanos.”

Do exterior, o apoio a Trump chegou de rincões familiares. Na manhã da segunda-feira, o primeiro-ministro da Hungria, Viktor Orbán, tuitou uma foto sua apertando a mão do ex-presidente diante da Casa Branca — dois nacionalistas iliberais, camaradas em armas — com a mensagem: “Continue lutando, Sr. Presidente! Estamos do seu lado.”

Orbán é muito admirado pela direita americana precisamente porque fez o sistema político de sua pequena nação se curvar ao seu favor — intimidando o Judiciário, cooptando a imprensa independente e enfraquecendo a sociedade civil. O governo de Orbán foi censurado pela União Europeia por minar o estado de direito, mas na visão dele isso é necessário para combater oponentes progressistas entrincheirados.

“Para vencer, não é suficiente saber por que você está lutando”, afirmou Orbán a uma multidão de adoradores direitistas no Texas, em agosto do ano passado. “Você tem de saber também como deve lutar. Minha resposta é: jogue segundo suas próprias regras.”

Em muitas partes do mundo, o desejo de líderes políticos de jogar segundo suas próprias regras prospera. O presidente Joe Biden e alguns de seus homólogos no Ocidente gostam de definir o desafio maior diante da política global como um confronto entre democracia e autocracia na arena mundial, mas pode haver uma maneira mais precisa de entender essa disputa:

“O grande perigo não é apenas que a democracia está sob ataque, mas que o estado de direito e os sistemas de salvaguarda e responsabilização estão sendo erodidos em todas as áreas da vida”, escreveu o ex-político britânico David Miliband, presidente e diretor-executivo do Comitê Internacional de Resgate. Para cumprir esse objetivo, Miliband e sua equipe, juntamente com o Conselho de Assuntos Internacionais de Chicago e a consultoria Eurasia Group, publicaram em fevereiro um índice que registra como esses sistemas de salvaguarda e responsabilização enfrentam dificuldades.

Seu Atlas da Impunidade ranqueou 163 nações com base em dados que rastrearam o que os autores definiram como as cinco dimensões da impunidade — governança sem contrapesos, violações a direitos humanos, conflitos, exploração econômica e degradação do meio ambiente.

O topo e a base do ranking fornecem uma visão familiar: Finlândia e seus vizinhos nórdicos pontuam pouco no índice de impunidade agregada, enquanto países assolados por conflitos, como Afeganistão, Síria, Iêmen e Mianmar pontuam mais. A Rússia, cuja invasão em andamento à Ucrânia e cujo catálogo de crimes de guerra constituem um dos exemplos mais flagrantes de impunidade pontua alto, assim como a China.

De maneira reveladora, os Estados Unidos figuram no meio do ranking, mais próximo a países como Argentina e África do Sul do que de parceiros seus no Grupo dos 7 como Alemanha e Japão. Isso decorre em parte do que Miliband descreveu como “pontuações intermediárias em discriminação, desigualdade e acesso à democracia” combinadas ao seu legado de maior exportador mundial de armas. As digitais de Trump estão implícitas nessa análise.

Apesar da democracia liberal ser certamente importante para imputar as características necessárias para salvaguarda e responsabilização, ela ainda não é suficiente

Ivo Daalder, presidente do Conselho de Assuntos Internacionais de Chicago

Seu movimento político polarizador, escarnecendo das normas democráticas e nutrindo-se de uma política ultranacionalista que parece dedicada a restringir direitos eleitorais, entre outras pautas que críticos qualificam como antidemocráticas, aumentou as apostas na mesa da política americana. Sua carreira empresarial maculada, assim como as controvérsias em torno de seu mandato na presidência, revelam-no uma figura que há muito se beneficia de uma certa cultura de impunidade entre as elites dos EUA.

O caso de Trump, além disso, mostra o aspecto em que a visão de mundo “democracia versus autocracia”, de Biden, pode revelar seus limites. Segundo a maioria dos índices, os EUA possuem uma democracia mais saudável do que muitos países, mas suas divisões e agitações políticas contam uma história diferente.

“Apesar da democracia liberal ser certamente importante para imputar as características necessárias para salvaguarda e responsabilização, ela ainda não é suficiente. Coesão social através de linhas étnicas, raciais religiosas e de classes também é importante”, afirmou o presidente do Conselho de Assuntos Internacionais de Chicago, Ivo Daalder. “E mesmo que prosperidade seja importante, garantir que os ganhos sejam distribuídos amplamente e equitativamente é ainda mais vital.”

Uma das conclusões mais interessantes de sua análise é que nenhuma das grandes potências — seja EUA, China ou gigantes regionais como Índia e Brasil — se coloca muito bem. “Talvez não devesse surpreender que os países mais poderosos padecem de impunidade, dado que a impunidade que vemos hoje no mundo é produto de poder irrestrito”, nota o principal relatório do Atlas.

“Mas isso deveria fazer os observadores americanos que acreditam no papel positivo que seu país é capaz de desempenhar sustentando os sistemas com base em regras perceber que os EUA desempenham muito pior do que ‘deveriam’ segundo seu grupo homólogo. Essas constatações também sublinham o perigo de um mundo dominado por qualquer outra grande potência, como a China, que também tenha fracassado em criar sistemas internacionais de salvaguarda e responsabilização.” / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

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