Numa tarde de setembro, numa fábrica de 6,5 mil metros quadrados em Nova Jersey, as abas de milhares de bonés com estampa de camuflagem eram passados no vapor e dobrados para serem colocados em caixas e enviados para todo o país.
Uma grande tela que normalmente registra quantos bonés são produzidos ao longo do dia tinha sido desligada, porque esses chapéus — material oficial da campanha Harris-Walz — tinham percorrido as linhas de fabricação rapidamente demais para a contagem.
“Eu nunca tinha visto tamanha escala”, afirmou o diretor-presidente da empresa, Mitch Cahn, enquanto caminhava pelo espaço labiríntico, onde modelos e estampas de diferentes bolsas e bonés ficam empilhados até o teto.
Cahn estava surpreso com a popularidade dos bonés: após a vice-presidente Kamala Harris anunciar o governador de Minnesota, Tim Walz, como seu colega de chapa, em agosto, sua campanha vendeu mais de 50 mil unidades em poucos dias. Mas ele não foi pego totalmente de surpresa.
Ao longo de mais de três décadas, a Unionwear tem sido responsável pela fabricação de bonés para as campanhas dos dois principais partidos dos Estados Unidos — incluindo para as campanhas tanto de John McCain quanto de Barack Obama em 2008 e para a campanha de Donald Trump em 2016, quando o ex-presidente apresentou o boné MAGA original. Cahn ainda atende pedidos encomendados por grupos terceirizados do inconfundível chapéu. (Considerado atualmente um artigo raro, um boné MAGA produzido pela Unionwear em torno de 2015 está anunciado por US$ 2 mil no eBay.)
A Unionwear começou a fabricar bonés políticos durante a campanha de Bill Clinton de 1996, mas Cahn afirmou que foi a campanha de Al Gore, em 2000, que começou a circular os produtos — e, consequentemente, o nome de sua fábrica — no centro das disputas.
Empresa cobiçada
Parte do que as campanhas compram é a etiqueta “Made in USA” (Fabricado nos EUA), que tem sido cada vez mais cobiçada por consumidores e marcas nas décadas recentes. É por esse motivo que empresas como Ford e Budweiser, assim como o Exército e a Guarda Costeira dos EUA, produzem seus artigos nessa fábrica de Nova Jersey. (Entre os clientes anteriores figuram também Ralph Lauren, Izod e Supreme.)
Nos bonés Harris-Walz, uma bandeira americana é bordada proeminentemente na fita de regulagem de trás dos chapéus, e a loja online da campanha — onde os produtos estão atualmente em falta — os descreve como “Fabricados nos EUA”.
Ainda que nenhuma lei proíba a fabricação de material de campanha no exterior, afirmou Cahn, “sempre que um candidato compra produtos que não são ‘Made in USA’ a imprensa noticia”.
A trajetória de Cahn, nascido em Nova Jersey, até a fabricação de bonés foi sinuosa. Depois de se preparar para uma carreira no mundo das finanças na Wharton School, ele durou apenas dois anos em Wall Street até sentir que tinha de buscar outra carreira. Quando escutou que uma fábrica sindicalizada em Jersey City tinha falido e estava vendendo suas máquinas, ele disse que se arrepiou com o desejo de manter o comércio sindicalizado — e não teve dúvida.
“Nós integramos o sindicato desde o primeiro dia, e isso é intencional”, afirmou Cahn, de 57 anos. “Eu não sabia nada a respeito de fabricação de bonés. Os trabalhadores sabiam. Ainda dá para perceber isso circulando por aqui, a fábrica não precisa de direção. Simplesmente temos muito know-how.”
Crescimento
Desde que Cahn comprou a fábrica, em 1992, seu quadro de funcionários cresceu de 6 para 165 e a empresa mudou suas instalações para um edifício industrial em Newark, incrustado entre prédios residenciais e um campo de beisebol.
Ao preparar-se para temporadas eleitorais, Cahn faz questão que todos os 165 trabalhadores se familiarizem com a produção dos bonés e as mudanças em relação a outras encomendas para atender a elevações na fabricação do material de campanha. Inicialmente, eles não viram muitas encomendas na campanha de 2024.
“Não vendemos virtualmente nada de Biden o ano inteiro”, afirmou ele.
Mas quando Kamala aceitou a nomeação democrata e Walz entrou na chapa, o entusiasmo por sua campanha — e pelo estilo de boné que passou a ser associado a ela — ocasionou um enorme aumento na produção da Unionwear.
A fábrica produz normalmente 2,5 mil bonés ao dia, com capacidade de elevar a produção para cerca de 4 mil. Ultimamente, afirmou Cahn, cerca de 5 mil bonés Harris-Walz têm sido fabricados ao dia.
Isso pode ocorrer em parte porque os bonés de beisebol, ainda que atemporais, parecem estar especialmente na moda hoje em dia. Harling Ross Anton, que escreve a seção Gumshoe no site Substack, afirma que esse fenômeno é resultado da “contínua trendificação do produto”.
O boné de beisebol simples tem figurado próximo do centro de várias tendências de moda ultimamente, incluindo a “quiet luxury” (luxo discreto), e modelos nas fashion weeks usam bonés rasgados massivamente. Ross Anton também destacou desfiles recentes, como a coleção primavera 2024 da Bally, cujos modelos usaram bonés “dad hat” combinados com saias, blusas de seda, calças slack e sobretudos.
“É raro qualquer produto ser bom”, disse Ross Anton. O que importa, acrescentou ela, é “se ele é capaz de se manter sozinho de uma perspectiva de design, independentemente de sua afiliação às marcas”.
Popularidade
Nesse campo, a estampa de camuflagem do boné Harris-Walz também pode ter ajudado a impulsionar sua enorme popularidade. Camuflagens fotorrealistas têm se tornado cada vez mais populares entre os jovens das regiões mais descoladas das cidades americanas ao mesmo tempo que continuam na moda nas áreas mais rurais do país.
Lançado antes do modelo Harris-Walz, o boné camuflado com a expressão “Midwest Princess”, vendido pela cantora Chappell Roan, talvez seja o melhor exemplo dessa gravitação intercultural.
“Ele dialoga com vários grupos”, afirmou o escritor Jason Diamond, que vive no Brooklyn e tem uma coleção com mais de 200 bonés de beisebol. “Não sei se os caçadores do Michigan se dão conta de que eles são fabricados para os hipsters de Bushwick, mas realmente isso é até meio engraçado.”
Parte do que torna os bonés tão populares desde sempre é sua versatilidade. Eles podem sinalizar status, gostos, afiliações políticas, solidariedade, lealdade a marcas ou simplesmente o time que a gente torce — normalmente operando ao mesmo tempo em diversos níveis. São itens de vestuário simples, baratos e capazes de comunicar ao mundo nossas posições.
Por volta das 13h, alguns funcionários da Unionwear saíam da sala de descanso e retomavam as atividades nas máquinas de costura, bordados e ilhós, entre outras, que fabricam os 23 elementos diferentes que compõem os bonés de beisebol.
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Tudo começa na sala de cortes, onde os rolos de tecido são dispostos em pilhas altas antes de serem cortados por uma máquina computadorizada. Os gomos da coroa são então costurados um ao outro. Em vez de comprar bonés de beisebol lisos e somente bordá-los, a Unionwear borda cada parte do boné antes de costurá-las umas às outras em grandes máquinas que costuram mais de uma dúzia de gomos simultaneamente.
Enquanto as máquinas zumbiam, Cahn refletiu sobre uma correlação — ainda que dificilmente científica — que ele notou ao longo dos anos entre as campanhas presidenciais e os bonés que elas produzem.
Desde 2008, disse Cahn, a quantidade de bonés encomendados por uma campanha tem previsto os vencedores de cada eleição. Em 2016, disse Cahn, a campanha de Hillary Clinton não circulou tantos bonés de beisebol. “Isso nos impressionou, porque ela quase não vendeu bonés”, disse Cahn. “Nós ficamos tentando conciliar isso com o prognóstico de que ela venceria.” / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO