Por que a aposta do Uruguai na China é importante para a América Latina?


Um futuro acordo de livre comércio poderia sacudir o protecionista bloco comercial sul-americano - e a China deve sair ganhando

Por Marcel Vaillant e America's Quarterly

 Sob uma coalizão de governo de centro, liderada pelo presidente Luis Lacalle Pou, alguém poderia esperar que o Uruguai mantivesse a China afastada. Mas em uma reviravolta com amplas consequências nas relações econômicas entre China e América Latina, está fazendo o oposto. O governo uruguaio está avançando nos esforços de costurar um acordo de livre comércio com a China, que já é a maior cliente de suas exportações. Um pacto com o pequeno país poderia ter enormes consequências no restante da região. De fato, em 8 de setembro, o ministro uruguaio da Casa Civil, Álvaro Delgado, expressou seu desejo de que o Uruguai se torne a "porta de entrada" da integração entre a China e os países do Mercosul - Argentina, Brasil, Uruguai e Paraguai.

A disposição do Uruguai pelo acordo recebeu algumas críticas dentro da região, particularmente da Argentina, sua parceira no Mercosul. Mas se o Uruguai for bem-sucedido em pressionar contra as restrições impostas pelo Mercosul sobre acordos bilaterais de comércio, isso poderia forçar um desmantelamento há muito desejado de políticas comerciais protecionistas na região. Economias de países da região, incluindo a Argentina, se beneficiariam da possibilidade de estabelecer seus próprios pactos comerciais. Evidentemente, esses acordos provavelmente ocasionariam laços econômicos e políticos mais próximos com a China, o que implica em riscos geopolíticos próprios - por exemplo, reações negativas dos EUA.

Como outros países do Mercosul, o Uruguai tem fortes vantagens comparativas em agricultura, especialmente em produção de alimentos e matérias-primas. O mercado global para esses itens é fortemente onerado por políticas protecionistas, que inibem o comércio com a China mesmo enquanto Nova Zelândia e Austrália, que competem com o Uruguai em exportações para o mercado chinês, desfrutam de um acesso preferencial. Exportadores uruguaios estão ávidos há mais de uma década por um acordo que lhes caranta acesso comparável ao mercado chinês para suas mercadorias - e o governo tomou nota.

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O presidente do Uruguai, Luis Lacalle Pou, fala durante abertura de fórum sobre negócios em Punta del Este. Foto: EFE/ Raúl Martínez

O acordo proposto não surgiu do nada. Visitas de Estado de alto nível e outros acordos nos anos recentes sinalizaram o fortalecimento dos laços entre Uruguai e China. Em 2011, Xi Jinping, então vice-presidente chinês, fez uma visita oficial ao Uruguai para se encontrar com o presidente José Mujica. O presidente uruguaio que se sucedeu, Tabaré Vázquez, retribuiu a visita em 2016, e a primeira grande cúpula comercial entre China, América Latina e Caribe foi organizada no ano seguinte no Uruguai, em Punta del Este. Em dezembro de 2020, Lacalle Pou contou com a ajuda do presidente Xi para conseguir vacinas da Sinovac. As doses começaram a chegar em março de 2021 e ajudaram o Uruguai a colocar em prática uma ágil campanha de vacinação, bem avaliada em relação a outros países.

Mas mesmo com a aproximação cada vez maior entre Uruguai e China, as regras do Mercosul apresentam um obstáculo para um acordo comercial bilateral com a segunda maior economia do mundo. Trinta anos depois de sua criação, o Mercosul funciona como uma imperfeita área de livre comércio, com uma significativa fatia dos negócios regida por acordos setoriais e bilaterais (por exemplo, no setor automotivo). Desvios das regras básicas são extensos o suficiente para fazer o Mercosul ser conhecido como um acordo mais flexível do que determinado pelos documentos de fundação do bloco. Contudo, duas regras relevantes continuam em prática, mesmo que debilmente: a tarifa externa comum (TEC) e restrições ao estabelecimento de pactos preferenciais com países de fora do bloco, como o que o Uruguai está tentando costurar com a China. Argentina e Brasil, as maiores economias do Mercosul, preferiram não diluir a tarifa garantida pelo pacto, permitindo que outros países façam seus próprios acordos. Isso, por sua vez, ajudou essas duas economias a poder aplicar políticas comerciais altamente protecionistas nas décadas recentes.

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Mas a maré de protecionismo começou a mudar, pelo menos no Brasil. Isso graças à influência de seu ministro da Economia, Paulo Guedes, que vê necessidade de uma maior abertura no Brasil - o que significa reduzir a TEC. O atual governo brasileiro está receptivo em relação à proposta uruguaia de flexibilizar o processo de assinatura de acordos com países de fora do Mercosul, o que alteraria a velocidade de acordos comuns do bloco e daria liberdade para cada país que o integra assinar acordos de maneira independente. Isso removeria uma peça-chave do pacto protecionista que caracterizou a formação original do Mercosul, um dos mais fechados acordos multilaterais do planeta.

Há uma notável resistência na Argentina, que, com o apoio do Paraguai, continua a se opor a esse plano. À medida que problemas econômicos e políticos se acumulam, porém, a oposição do país provavelmente se mostrará insuficiente para bloquear a mudança em andamento.

A China, enquanto isso, está ávida para capitalizar sobre qualquer abertura ao comércio na região. Nos anos recentes, o país praticou uma agressiva política de assinar acordos de livre comércio, remetendo à política de “liberalização competitiva” praticada pelos EUA durante o governo de George W. Bush - mas com ajustes para atender aos interesses chineses. Acesso preferencial ao imenso mercado da China é oferecido em troca de relações políticas mais próximas.

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Um acordo China-Uruguai promete estimular não somente o comércio, mas também o investimento, já que acesso melhorado ao mercado encoraja empreendimentos a expandir a produção e aproveitar novas oportunidades. O possível acordo de livre comércio entre os dois países parece ser o primeiro movimento de uma mudança de era para o Cone Sul da América Latina. O Uruguai deverá se beneficiar porque fez a primeira jogada - e quem começa jogando, joga duas vezes./ TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

 Sob uma coalizão de governo de centro, liderada pelo presidente Luis Lacalle Pou, alguém poderia esperar que o Uruguai mantivesse a China afastada. Mas em uma reviravolta com amplas consequências nas relações econômicas entre China e América Latina, está fazendo o oposto. O governo uruguaio está avançando nos esforços de costurar um acordo de livre comércio com a China, que já é a maior cliente de suas exportações. Um pacto com o pequeno país poderia ter enormes consequências no restante da região. De fato, em 8 de setembro, o ministro uruguaio da Casa Civil, Álvaro Delgado, expressou seu desejo de que o Uruguai se torne a "porta de entrada" da integração entre a China e os países do Mercosul - Argentina, Brasil, Uruguai e Paraguai.

A disposição do Uruguai pelo acordo recebeu algumas críticas dentro da região, particularmente da Argentina, sua parceira no Mercosul. Mas se o Uruguai for bem-sucedido em pressionar contra as restrições impostas pelo Mercosul sobre acordos bilaterais de comércio, isso poderia forçar um desmantelamento há muito desejado de políticas comerciais protecionistas na região. Economias de países da região, incluindo a Argentina, se beneficiariam da possibilidade de estabelecer seus próprios pactos comerciais. Evidentemente, esses acordos provavelmente ocasionariam laços econômicos e políticos mais próximos com a China, o que implica em riscos geopolíticos próprios - por exemplo, reações negativas dos EUA.

Como outros países do Mercosul, o Uruguai tem fortes vantagens comparativas em agricultura, especialmente em produção de alimentos e matérias-primas. O mercado global para esses itens é fortemente onerado por políticas protecionistas, que inibem o comércio com a China mesmo enquanto Nova Zelândia e Austrália, que competem com o Uruguai em exportações para o mercado chinês, desfrutam de um acesso preferencial. Exportadores uruguaios estão ávidos há mais de uma década por um acordo que lhes caranta acesso comparável ao mercado chinês para suas mercadorias - e o governo tomou nota.

O presidente do Uruguai, Luis Lacalle Pou, fala durante abertura de fórum sobre negócios em Punta del Este. Foto: EFE/ Raúl Martínez

O acordo proposto não surgiu do nada. Visitas de Estado de alto nível e outros acordos nos anos recentes sinalizaram o fortalecimento dos laços entre Uruguai e China. Em 2011, Xi Jinping, então vice-presidente chinês, fez uma visita oficial ao Uruguai para se encontrar com o presidente José Mujica. O presidente uruguaio que se sucedeu, Tabaré Vázquez, retribuiu a visita em 2016, e a primeira grande cúpula comercial entre China, América Latina e Caribe foi organizada no ano seguinte no Uruguai, em Punta del Este. Em dezembro de 2020, Lacalle Pou contou com a ajuda do presidente Xi para conseguir vacinas da Sinovac. As doses começaram a chegar em março de 2021 e ajudaram o Uruguai a colocar em prática uma ágil campanha de vacinação, bem avaliada em relação a outros países.

Mas mesmo com a aproximação cada vez maior entre Uruguai e China, as regras do Mercosul apresentam um obstáculo para um acordo comercial bilateral com a segunda maior economia do mundo. Trinta anos depois de sua criação, o Mercosul funciona como uma imperfeita área de livre comércio, com uma significativa fatia dos negócios regida por acordos setoriais e bilaterais (por exemplo, no setor automotivo). Desvios das regras básicas são extensos o suficiente para fazer o Mercosul ser conhecido como um acordo mais flexível do que determinado pelos documentos de fundação do bloco. Contudo, duas regras relevantes continuam em prática, mesmo que debilmente: a tarifa externa comum (TEC) e restrições ao estabelecimento de pactos preferenciais com países de fora do bloco, como o que o Uruguai está tentando costurar com a China. Argentina e Brasil, as maiores economias do Mercosul, preferiram não diluir a tarifa garantida pelo pacto, permitindo que outros países façam seus próprios acordos. Isso, por sua vez, ajudou essas duas economias a poder aplicar políticas comerciais altamente protecionistas nas décadas recentes.

Mas a maré de protecionismo começou a mudar, pelo menos no Brasil. Isso graças à influência de seu ministro da Economia, Paulo Guedes, que vê necessidade de uma maior abertura no Brasil - o que significa reduzir a TEC. O atual governo brasileiro está receptivo em relação à proposta uruguaia de flexibilizar o processo de assinatura de acordos com países de fora do Mercosul, o que alteraria a velocidade de acordos comuns do bloco e daria liberdade para cada país que o integra assinar acordos de maneira independente. Isso removeria uma peça-chave do pacto protecionista que caracterizou a formação original do Mercosul, um dos mais fechados acordos multilaterais do planeta.

Há uma notável resistência na Argentina, que, com o apoio do Paraguai, continua a se opor a esse plano. À medida que problemas econômicos e políticos se acumulam, porém, a oposição do país provavelmente se mostrará insuficiente para bloquear a mudança em andamento.

A China, enquanto isso, está ávida para capitalizar sobre qualquer abertura ao comércio na região. Nos anos recentes, o país praticou uma agressiva política de assinar acordos de livre comércio, remetendo à política de “liberalização competitiva” praticada pelos EUA durante o governo de George W. Bush - mas com ajustes para atender aos interesses chineses. Acesso preferencial ao imenso mercado da China é oferecido em troca de relações políticas mais próximas.

Um acordo China-Uruguai promete estimular não somente o comércio, mas também o investimento, já que acesso melhorado ao mercado encoraja empreendimentos a expandir a produção e aproveitar novas oportunidades. O possível acordo de livre comércio entre os dois países parece ser o primeiro movimento de uma mudança de era para o Cone Sul da América Latina. O Uruguai deverá se beneficiar porque fez a primeira jogada - e quem começa jogando, joga duas vezes./ TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

 Sob uma coalizão de governo de centro, liderada pelo presidente Luis Lacalle Pou, alguém poderia esperar que o Uruguai mantivesse a China afastada. Mas em uma reviravolta com amplas consequências nas relações econômicas entre China e América Latina, está fazendo o oposto. O governo uruguaio está avançando nos esforços de costurar um acordo de livre comércio com a China, que já é a maior cliente de suas exportações. Um pacto com o pequeno país poderia ter enormes consequências no restante da região. De fato, em 8 de setembro, o ministro uruguaio da Casa Civil, Álvaro Delgado, expressou seu desejo de que o Uruguai se torne a "porta de entrada" da integração entre a China e os países do Mercosul - Argentina, Brasil, Uruguai e Paraguai.

A disposição do Uruguai pelo acordo recebeu algumas críticas dentro da região, particularmente da Argentina, sua parceira no Mercosul. Mas se o Uruguai for bem-sucedido em pressionar contra as restrições impostas pelo Mercosul sobre acordos bilaterais de comércio, isso poderia forçar um desmantelamento há muito desejado de políticas comerciais protecionistas na região. Economias de países da região, incluindo a Argentina, se beneficiariam da possibilidade de estabelecer seus próprios pactos comerciais. Evidentemente, esses acordos provavelmente ocasionariam laços econômicos e políticos mais próximos com a China, o que implica em riscos geopolíticos próprios - por exemplo, reações negativas dos EUA.

Como outros países do Mercosul, o Uruguai tem fortes vantagens comparativas em agricultura, especialmente em produção de alimentos e matérias-primas. O mercado global para esses itens é fortemente onerado por políticas protecionistas, que inibem o comércio com a China mesmo enquanto Nova Zelândia e Austrália, que competem com o Uruguai em exportações para o mercado chinês, desfrutam de um acesso preferencial. Exportadores uruguaios estão ávidos há mais de uma década por um acordo que lhes caranta acesso comparável ao mercado chinês para suas mercadorias - e o governo tomou nota.

O presidente do Uruguai, Luis Lacalle Pou, fala durante abertura de fórum sobre negócios em Punta del Este. Foto: EFE/ Raúl Martínez

O acordo proposto não surgiu do nada. Visitas de Estado de alto nível e outros acordos nos anos recentes sinalizaram o fortalecimento dos laços entre Uruguai e China. Em 2011, Xi Jinping, então vice-presidente chinês, fez uma visita oficial ao Uruguai para se encontrar com o presidente José Mujica. O presidente uruguaio que se sucedeu, Tabaré Vázquez, retribuiu a visita em 2016, e a primeira grande cúpula comercial entre China, América Latina e Caribe foi organizada no ano seguinte no Uruguai, em Punta del Este. Em dezembro de 2020, Lacalle Pou contou com a ajuda do presidente Xi para conseguir vacinas da Sinovac. As doses começaram a chegar em março de 2021 e ajudaram o Uruguai a colocar em prática uma ágil campanha de vacinação, bem avaliada em relação a outros países.

Mas mesmo com a aproximação cada vez maior entre Uruguai e China, as regras do Mercosul apresentam um obstáculo para um acordo comercial bilateral com a segunda maior economia do mundo. Trinta anos depois de sua criação, o Mercosul funciona como uma imperfeita área de livre comércio, com uma significativa fatia dos negócios regida por acordos setoriais e bilaterais (por exemplo, no setor automotivo). Desvios das regras básicas são extensos o suficiente para fazer o Mercosul ser conhecido como um acordo mais flexível do que determinado pelos documentos de fundação do bloco. Contudo, duas regras relevantes continuam em prática, mesmo que debilmente: a tarifa externa comum (TEC) e restrições ao estabelecimento de pactos preferenciais com países de fora do bloco, como o que o Uruguai está tentando costurar com a China. Argentina e Brasil, as maiores economias do Mercosul, preferiram não diluir a tarifa garantida pelo pacto, permitindo que outros países façam seus próprios acordos. Isso, por sua vez, ajudou essas duas economias a poder aplicar políticas comerciais altamente protecionistas nas décadas recentes.

Mas a maré de protecionismo começou a mudar, pelo menos no Brasil. Isso graças à influência de seu ministro da Economia, Paulo Guedes, que vê necessidade de uma maior abertura no Brasil - o que significa reduzir a TEC. O atual governo brasileiro está receptivo em relação à proposta uruguaia de flexibilizar o processo de assinatura de acordos com países de fora do Mercosul, o que alteraria a velocidade de acordos comuns do bloco e daria liberdade para cada país que o integra assinar acordos de maneira independente. Isso removeria uma peça-chave do pacto protecionista que caracterizou a formação original do Mercosul, um dos mais fechados acordos multilaterais do planeta.

Há uma notável resistência na Argentina, que, com o apoio do Paraguai, continua a se opor a esse plano. À medida que problemas econômicos e políticos se acumulam, porém, a oposição do país provavelmente se mostrará insuficiente para bloquear a mudança em andamento.

A China, enquanto isso, está ávida para capitalizar sobre qualquer abertura ao comércio na região. Nos anos recentes, o país praticou uma agressiva política de assinar acordos de livre comércio, remetendo à política de “liberalização competitiva” praticada pelos EUA durante o governo de George W. Bush - mas com ajustes para atender aos interesses chineses. Acesso preferencial ao imenso mercado da China é oferecido em troca de relações políticas mais próximas.

Um acordo China-Uruguai promete estimular não somente o comércio, mas também o investimento, já que acesso melhorado ao mercado encoraja empreendimentos a expandir a produção e aproveitar novas oportunidades. O possível acordo de livre comércio entre os dois países parece ser o primeiro movimento de uma mudança de era para o Cone Sul da América Latina. O Uruguai deverá se beneficiar porque fez a primeira jogada - e quem começa jogando, joga duas vezes./ TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

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