Por que a ascensão da extrema direita ameaça a estabilidade política da Europa?


As eleições europeias podem significar um impasse em Bruxelas e além

Por The Economist
Atualização:

Os eleitores nos Estados Unidos são frequentemente questionados pelos políticos se estão em melhor situação agora do que há quatro anos. Enquanto aguardam com expectativa as eleições europeias de 6 a 9 de junho, seus equivalentes transatlânticos provavelmente prefeririam não se aprofundar muito nos cinco anos desde a última vez que compareceram às urnas. A União Europeia teve uma meia década que seria melhor esquecer.

Oito meses após a votação, em maio de 2019, o bloco perdeu um membro pela primeira vez nas suas seis décadas de história, quando o Reino Unido saiu. Semanas depois, a covid-19 chegou. O continente emergiu do confinamento para enfrentar a guerra à sua porta e uma crise energética que estagnou sua economia e impulsionou o destino dos partidos xenófobos.

Quem acha que as coisas só podem melhorar pode ter pela frente uma correção nos cálculos. Sim, o Brexit foi resolvido, os preços da energia estão mais baixos e a pandemia é uma memória cada vez mais turva. Mas a guerra na Ucrânia perdura, e a extrema-direita de Marine Le Pen na França ou de Viktor Orban na Hungria ganha cada vez mais terreno. Pior ainda, o resultado provável das eleições será um período de descontrole político.

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Na melhor das hipóteses, os 27 líderes nacionais e as instituições centrais da UE passarão meses concentrados em maquinações internas, como quem conseguirá qual cargo em Bruxelas. Na pior das hipóteses, as discussões a respeito da futura direção da UE poderão durar para além do final do ano – deixando aí um vazio político, mesmo quando um possível governo Trump se prepara para assumir o cargo.

A líder do partido Reagrupamento Nacional, a eurocética Marine Le Pen discursa em um evento em Madri, organizado pelo partido de extrema direita espanhol Vox  Foto: Manu Fernandez/AP

Por mais distante que a UE possa parecer ao eleitor médio, o que acontece em Bruxelas é importante: a abordagem do bloco à política industrial, à defesa, ao meio ambiente e a muitas outras coisas é elaborada ali. E se a união não tiver uma liderança clara, seus 450 milhões de cidadãos não serão os únicos a sentir o impacto.

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A Ucrânia ainda depende dos seus aliados europeus para obter dinheiro e armas: ninguém ficaria mais feliz em ver a UE paralisada pela política do que Vladimir Putin, da Rússia. E independentemente de quem vencer a corrida pela Casa Branca em novembro, a Europa é agora o único bloco global que ainda apoia regras de livre comércio em um momento em que China e Estados Unidos praticamente as abandonaram. Se a UE desistisse das suas ambições de redução das emissões de carbono, como geralmente exigem os populistas europeus, um sinal terrível seria enviado ao resto do mundo.

A ironia é que tantas coisas tenham passado a depender de eleições com as quais os próprios europeus pouco se preocupam. A participação nas votações para o Parlamento Europeu é nitidamente inferior à das votações nacionais; poucos acompanharão o trabalho dos 720 membros eleitos que tomarão posse em julho.

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Mas a eleição terá, no entanto, duas consequências políticas graves. Uma delas será determinar se Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia, o poderoso braço executivo do bloco, conseguirá outro mandato de cinco anos. A outra diz respeito aos políticos nacionais, alguns dos quais acabarão feridos nas urnas no dia 10 de junho, quando seus partidos forem derrotados. Ambos os desenvolvimentos têm o potencial de paralisar a política europeia.

O foco imediato está no que acontece em Bruxelas. Oito dias após as eleições, os líderes da UE realizarão uma cúpula para decidir quem vai liderar as instituições do bloco, nomeadamente a Comissão. Von der Leyen ajudou a moldar algumas das principais políticas do continente. Seu apoio firme à Ucrânia revelou-se vital.

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Foi a Comissão que pressionou a Europa a buscar a meta de alcançar o zero em emissões líquidas de carbono até 2050. Ela deu o tom para a relação do continente com a China: “diminuindo a exposição ao risco” das cadeias de fornecimento das suas importações, mas não “separando-se” delas. como os EUA às vezes parecem inclinados a fazer.

No entanto, o futuro dela não está garantido. Para obter um segundo mandato, von der Leyen terá de ser nomeada pelos líderes da UE e depois aprovada pela maioria dos novos membros do parlamento europeu. Como “candidata principal” do Partido Popular Europeu (EPP), de centro-direita, que está à frente nas pesquisas, ela é a favorita. No entanto, os tratados do bloco estipulam apenas que os líderes devem ter em conta os resultados das eleições ao nomearem um chefe da comissão. Ser favorito para um cargo de destaque na Europa significou pouco no passado.

Preso na lama com a UE

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A maioria dos líderes nacionais da UE, como von der Leyen, uma antiga ministra da defesa alemã cuja austeridade inclui ter instalado os seus alojamentos em um armário reformado na sede da comissão em Bruxelas. Mas cada presidente, chanceler ou primeiro-ministro tem prioridades que podem entrar em conflito com as dos seus vizinhos. Todos os países querem uma grande pasta na Comissão, seja para supervisionar as regras comerciais, a expansão ou a economia.

As maquinações dos líderes europeus raramente são previsíveis, mas é provável que a titular seja indicada para um segundo mandato, em uma das duas cúpulas planejadas para junho (além de um novo chefe da comissão, também serão necessários um novo chefe de política externa e um novo presidente do Conselho Europeu para presidir as reuniões dos líderes da UE).

A presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, discursa em um debate de candidatos para o Parlamento Europeu ao lado de Nicolas Schmit, dos Socialistas Europeus, em Bruxelas, Bélgica  Foto: Geert Vanden Wijngaert/AP
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Poucos esperam uma jornada tão tranquila no Parlamento Europeu, onde pelo menos metade dos membros precisa apoiar o candidato nomeado pelos líderes da UE. Para assegurar o seu primeiro mandato há cinco anos, bastou uma coligação de liberais, socialistas e o próprio EPP dela. Mas esta facção centrista perdeu terreno desde então para os populistas, que estão divididos em dois grupos principais, Identidade e Democracia (ID), e os mais moderados Conservadores e Reformistas Europeus (ECR).

Outrora uma força de oposição, a extrema-direita inclui agora líderes nacionais como Giorgia Meloni na Itália. Em vários outros grandes países, incluindo a França, a Polônia e talvez a Alemanha, as pesquisas indicam que os partidos populistas ficarão em primeiro ou segundo lugar na votação da UE. Formar coligações sem eles está se tornando mais difícil.

Os cerca de 400 assentos que o trio de partidos centristas deve conquistar podem não ser suficientes para garantir os 361 votos de que von der Leyen necessita para obter a maioria. Isto porque a votação, que pode acontecer em julho ou setembro, é secreta e os membros do parlamento europeus já abandonaram seus grupos em votações de confirmação anteriores. Conforme a Europa se desloca para a direita, parece improvável uma coligação que inclua partidos de tendência mais esquerdista (como os Verdes).

Foi este enigma que levou von der Leyen a discutir uma aliança com o partido de Meloni – parte do grupo ECR, mais brando, dentro da constelação da extrema direita. Mas tanto os liberais como os socialistas se dizem reticentes em aderir a tal aliança. As tensões no grupo mais linha-dura do ID, que no dia 23 de maio expulsou o partido Alternativa para a Alemanha (AfD) depois de um escândalo interno, significam que uma remodelação das alianças no nível da UE está nos planos.

O contorcionismo político necessário para se chegar a uma maioria só ficará claro quando os votos forem contados. Tal como acontece quando formam coligações nacionais, tanto os líderes da UE como os membros do parlamento tentarão garantir que sua pauta seja respeitada. Se isso acontecer, podem se passar mais alguns meses até que as políticas sejam concretizadas de forma satisfatória para todos.

Os holandeses realizaram eleições em novembro e só esta semana conseguiram um novo primeiro-ministro. O receio em Bruxelas é que possa ocorrer um atraso semelhante. Se todos os partidos políticos mantiverem seus limites, isso poderá significar que nenhuma coligação estará disponível para apoiar qualquer candidato ao cargo executivo máximo da UE. E então? Diferentemente do que ocorre no nível nacional, não é possível convocar novas eleições para quebrar um impasse.

Se isso acontecer, a atual equipe de comissários europeus permaneceria no cargo, mas não teria legitimidade política para fazer qualquer coisa. Se estes fossem tempos tranquilos, deixar a Europa entregue a uma rodada política cutucando o próprio umbigo não seria um problema grave. Mas estes tempos não são tranquilos.

A presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, participa de uma coletiva de imprensa com a primeira-ministra da Itália, Giorgia Meloni  Foto: Cecilia Fabiano/AP

Com a guerra ainda em curso na Ucrânia, a economia da Europa ficando para atrás em relação aos seus rivais globais e a necessidade de financiar a transição verde, muitos países, incluindo a França, estão interessados em reformular o orçamento da UE. A Polônia e a Grécia sugeriram um escudo de defesa antimísseis caro para a Europa que poderia ser financiado por dinheiro emprestado conjuntamente através da união, como aconteceu com o fundo de recuperação da pandemia. A Alemanha e os Países Baixos, cuja coligação governante futura inclui a extrema-direita, estão menos interessados. Outras rixas crescentes incluem a necessidade de reformar as regras da UE para permitir a entrada de novos membros, incluindo a Ucrânia, e uma disputa comercial crescente com a China envolvendo carros elétricos.

Tais disputas são suficientemente difíceis de mediar entre os europeus por meio de uma comissão totalmente funcional em Bruxelas. Sem isso, elas podem ser esmagadoras. Pior ainda, o descontrole em Bruxelas seria agravado pela mesma situação em vários países membros.

Na França, o partido de Emmanuel Macron pode terminar em um distante segundo lugar, perdendo para o Reagrupamento Nacional, ou mesmo cair para o terceiro lugar. Isso reforçaria a oposição no parlamento francês, onde o governo minoritário conseguiu, por vezes, vencer votações importantes. Figura importante para a integração na UE, Macron ficará enfraquecido em casa e, portanto, na Europa.

O mesmo acontecerá na Alemanha. Por enquanto, a AfD pode ficar aquém das expectativas outrora altíssimas, mas ainda poderá jogar os sociais-democratas de Olaf Scholz, o chanceler, para o terceiro lugar. O esperado fraco desempenho dos liberais Democratas Livres poderá perturbar o frágil equilíbrio que agora reina na política alemã. Em breve, todos os olhares se voltarão para as eleições nacionais em 2025, tornando ainda mais difícil para os políticos em Berlim concordarem com grandes iniciativas da UE do tipo que Macron costuma defender.

Macron e Scholz deram uma demonstração de unidade europeia esta semana, quando o presidente francês veio à Alemanha para uma visita de Estado. Embora a vital relação franco-alemã permaneça fria, a dupla fez um grande esforço para destacar onde concordavam. Seu tempo é limitado para realizar muita coisa. E vários meses serão gastos na definição de quem deve governar a Europa, e como. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

Os eleitores nos Estados Unidos são frequentemente questionados pelos políticos se estão em melhor situação agora do que há quatro anos. Enquanto aguardam com expectativa as eleições europeias de 6 a 9 de junho, seus equivalentes transatlânticos provavelmente prefeririam não se aprofundar muito nos cinco anos desde a última vez que compareceram às urnas. A União Europeia teve uma meia década que seria melhor esquecer.

Oito meses após a votação, em maio de 2019, o bloco perdeu um membro pela primeira vez nas suas seis décadas de história, quando o Reino Unido saiu. Semanas depois, a covid-19 chegou. O continente emergiu do confinamento para enfrentar a guerra à sua porta e uma crise energética que estagnou sua economia e impulsionou o destino dos partidos xenófobos.

Quem acha que as coisas só podem melhorar pode ter pela frente uma correção nos cálculos. Sim, o Brexit foi resolvido, os preços da energia estão mais baixos e a pandemia é uma memória cada vez mais turva. Mas a guerra na Ucrânia perdura, e a extrema-direita de Marine Le Pen na França ou de Viktor Orban na Hungria ganha cada vez mais terreno. Pior ainda, o resultado provável das eleições será um período de descontrole político.

Na melhor das hipóteses, os 27 líderes nacionais e as instituições centrais da UE passarão meses concentrados em maquinações internas, como quem conseguirá qual cargo em Bruxelas. Na pior das hipóteses, as discussões a respeito da futura direção da UE poderão durar para além do final do ano – deixando aí um vazio político, mesmo quando um possível governo Trump se prepara para assumir o cargo.

A líder do partido Reagrupamento Nacional, a eurocética Marine Le Pen discursa em um evento em Madri, organizado pelo partido de extrema direita espanhol Vox  Foto: Manu Fernandez/AP

Por mais distante que a UE possa parecer ao eleitor médio, o que acontece em Bruxelas é importante: a abordagem do bloco à política industrial, à defesa, ao meio ambiente e a muitas outras coisas é elaborada ali. E se a união não tiver uma liderança clara, seus 450 milhões de cidadãos não serão os únicos a sentir o impacto.

A Ucrânia ainda depende dos seus aliados europeus para obter dinheiro e armas: ninguém ficaria mais feliz em ver a UE paralisada pela política do que Vladimir Putin, da Rússia. E independentemente de quem vencer a corrida pela Casa Branca em novembro, a Europa é agora o único bloco global que ainda apoia regras de livre comércio em um momento em que China e Estados Unidos praticamente as abandonaram. Se a UE desistisse das suas ambições de redução das emissões de carbono, como geralmente exigem os populistas europeus, um sinal terrível seria enviado ao resto do mundo.

A ironia é que tantas coisas tenham passado a depender de eleições com as quais os próprios europeus pouco se preocupam. A participação nas votações para o Parlamento Europeu é nitidamente inferior à das votações nacionais; poucos acompanharão o trabalho dos 720 membros eleitos que tomarão posse em julho.

Mas a eleição terá, no entanto, duas consequências políticas graves. Uma delas será determinar se Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia, o poderoso braço executivo do bloco, conseguirá outro mandato de cinco anos. A outra diz respeito aos políticos nacionais, alguns dos quais acabarão feridos nas urnas no dia 10 de junho, quando seus partidos forem derrotados. Ambos os desenvolvimentos têm o potencial de paralisar a política europeia.

O foco imediato está no que acontece em Bruxelas. Oito dias após as eleições, os líderes da UE realizarão uma cúpula para decidir quem vai liderar as instituições do bloco, nomeadamente a Comissão. Von der Leyen ajudou a moldar algumas das principais políticas do continente. Seu apoio firme à Ucrânia revelou-se vital.

Foi a Comissão que pressionou a Europa a buscar a meta de alcançar o zero em emissões líquidas de carbono até 2050. Ela deu o tom para a relação do continente com a China: “diminuindo a exposição ao risco” das cadeias de fornecimento das suas importações, mas não “separando-se” delas. como os EUA às vezes parecem inclinados a fazer.

No entanto, o futuro dela não está garantido. Para obter um segundo mandato, von der Leyen terá de ser nomeada pelos líderes da UE e depois aprovada pela maioria dos novos membros do parlamento europeu. Como “candidata principal” do Partido Popular Europeu (EPP), de centro-direita, que está à frente nas pesquisas, ela é a favorita. No entanto, os tratados do bloco estipulam apenas que os líderes devem ter em conta os resultados das eleições ao nomearem um chefe da comissão. Ser favorito para um cargo de destaque na Europa significou pouco no passado.

Preso na lama com a UE

A maioria dos líderes nacionais da UE, como von der Leyen, uma antiga ministra da defesa alemã cuja austeridade inclui ter instalado os seus alojamentos em um armário reformado na sede da comissão em Bruxelas. Mas cada presidente, chanceler ou primeiro-ministro tem prioridades que podem entrar em conflito com as dos seus vizinhos. Todos os países querem uma grande pasta na Comissão, seja para supervisionar as regras comerciais, a expansão ou a economia.

As maquinações dos líderes europeus raramente são previsíveis, mas é provável que a titular seja indicada para um segundo mandato, em uma das duas cúpulas planejadas para junho (além de um novo chefe da comissão, também serão necessários um novo chefe de política externa e um novo presidente do Conselho Europeu para presidir as reuniões dos líderes da UE).

A presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, discursa em um debate de candidatos para o Parlamento Europeu ao lado de Nicolas Schmit, dos Socialistas Europeus, em Bruxelas, Bélgica  Foto: Geert Vanden Wijngaert/AP

Poucos esperam uma jornada tão tranquila no Parlamento Europeu, onde pelo menos metade dos membros precisa apoiar o candidato nomeado pelos líderes da UE. Para assegurar o seu primeiro mandato há cinco anos, bastou uma coligação de liberais, socialistas e o próprio EPP dela. Mas esta facção centrista perdeu terreno desde então para os populistas, que estão divididos em dois grupos principais, Identidade e Democracia (ID), e os mais moderados Conservadores e Reformistas Europeus (ECR).

Outrora uma força de oposição, a extrema-direita inclui agora líderes nacionais como Giorgia Meloni na Itália. Em vários outros grandes países, incluindo a França, a Polônia e talvez a Alemanha, as pesquisas indicam que os partidos populistas ficarão em primeiro ou segundo lugar na votação da UE. Formar coligações sem eles está se tornando mais difícil.

Os cerca de 400 assentos que o trio de partidos centristas deve conquistar podem não ser suficientes para garantir os 361 votos de que von der Leyen necessita para obter a maioria. Isto porque a votação, que pode acontecer em julho ou setembro, é secreta e os membros do parlamento europeus já abandonaram seus grupos em votações de confirmação anteriores. Conforme a Europa se desloca para a direita, parece improvável uma coligação que inclua partidos de tendência mais esquerdista (como os Verdes).

Foi este enigma que levou von der Leyen a discutir uma aliança com o partido de Meloni – parte do grupo ECR, mais brando, dentro da constelação da extrema direita. Mas tanto os liberais como os socialistas se dizem reticentes em aderir a tal aliança. As tensões no grupo mais linha-dura do ID, que no dia 23 de maio expulsou o partido Alternativa para a Alemanha (AfD) depois de um escândalo interno, significam que uma remodelação das alianças no nível da UE está nos planos.

O contorcionismo político necessário para se chegar a uma maioria só ficará claro quando os votos forem contados. Tal como acontece quando formam coligações nacionais, tanto os líderes da UE como os membros do parlamento tentarão garantir que sua pauta seja respeitada. Se isso acontecer, podem se passar mais alguns meses até que as políticas sejam concretizadas de forma satisfatória para todos.

Os holandeses realizaram eleições em novembro e só esta semana conseguiram um novo primeiro-ministro. O receio em Bruxelas é que possa ocorrer um atraso semelhante. Se todos os partidos políticos mantiverem seus limites, isso poderá significar que nenhuma coligação estará disponível para apoiar qualquer candidato ao cargo executivo máximo da UE. E então? Diferentemente do que ocorre no nível nacional, não é possível convocar novas eleições para quebrar um impasse.

Se isso acontecer, a atual equipe de comissários europeus permaneceria no cargo, mas não teria legitimidade política para fazer qualquer coisa. Se estes fossem tempos tranquilos, deixar a Europa entregue a uma rodada política cutucando o próprio umbigo não seria um problema grave. Mas estes tempos não são tranquilos.

A presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, participa de uma coletiva de imprensa com a primeira-ministra da Itália, Giorgia Meloni  Foto: Cecilia Fabiano/AP

Com a guerra ainda em curso na Ucrânia, a economia da Europa ficando para atrás em relação aos seus rivais globais e a necessidade de financiar a transição verde, muitos países, incluindo a França, estão interessados em reformular o orçamento da UE. A Polônia e a Grécia sugeriram um escudo de defesa antimísseis caro para a Europa que poderia ser financiado por dinheiro emprestado conjuntamente através da união, como aconteceu com o fundo de recuperação da pandemia. A Alemanha e os Países Baixos, cuja coligação governante futura inclui a extrema-direita, estão menos interessados. Outras rixas crescentes incluem a necessidade de reformar as regras da UE para permitir a entrada de novos membros, incluindo a Ucrânia, e uma disputa comercial crescente com a China envolvendo carros elétricos.

Tais disputas são suficientemente difíceis de mediar entre os europeus por meio de uma comissão totalmente funcional em Bruxelas. Sem isso, elas podem ser esmagadoras. Pior ainda, o descontrole em Bruxelas seria agravado pela mesma situação em vários países membros.

Na França, o partido de Emmanuel Macron pode terminar em um distante segundo lugar, perdendo para o Reagrupamento Nacional, ou mesmo cair para o terceiro lugar. Isso reforçaria a oposição no parlamento francês, onde o governo minoritário conseguiu, por vezes, vencer votações importantes. Figura importante para a integração na UE, Macron ficará enfraquecido em casa e, portanto, na Europa.

O mesmo acontecerá na Alemanha. Por enquanto, a AfD pode ficar aquém das expectativas outrora altíssimas, mas ainda poderá jogar os sociais-democratas de Olaf Scholz, o chanceler, para o terceiro lugar. O esperado fraco desempenho dos liberais Democratas Livres poderá perturbar o frágil equilíbrio que agora reina na política alemã. Em breve, todos os olhares se voltarão para as eleições nacionais em 2025, tornando ainda mais difícil para os políticos em Berlim concordarem com grandes iniciativas da UE do tipo que Macron costuma defender.

Macron e Scholz deram uma demonstração de unidade europeia esta semana, quando o presidente francês veio à Alemanha para uma visita de Estado. Embora a vital relação franco-alemã permaneça fria, a dupla fez um grande esforço para destacar onde concordavam. Seu tempo é limitado para realizar muita coisa. E vários meses serão gastos na definição de quem deve governar a Europa, e como. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

Os eleitores nos Estados Unidos são frequentemente questionados pelos políticos se estão em melhor situação agora do que há quatro anos. Enquanto aguardam com expectativa as eleições europeias de 6 a 9 de junho, seus equivalentes transatlânticos provavelmente prefeririam não se aprofundar muito nos cinco anos desde a última vez que compareceram às urnas. A União Europeia teve uma meia década que seria melhor esquecer.

Oito meses após a votação, em maio de 2019, o bloco perdeu um membro pela primeira vez nas suas seis décadas de história, quando o Reino Unido saiu. Semanas depois, a covid-19 chegou. O continente emergiu do confinamento para enfrentar a guerra à sua porta e uma crise energética que estagnou sua economia e impulsionou o destino dos partidos xenófobos.

Quem acha que as coisas só podem melhorar pode ter pela frente uma correção nos cálculos. Sim, o Brexit foi resolvido, os preços da energia estão mais baixos e a pandemia é uma memória cada vez mais turva. Mas a guerra na Ucrânia perdura, e a extrema-direita de Marine Le Pen na França ou de Viktor Orban na Hungria ganha cada vez mais terreno. Pior ainda, o resultado provável das eleições será um período de descontrole político.

Na melhor das hipóteses, os 27 líderes nacionais e as instituições centrais da UE passarão meses concentrados em maquinações internas, como quem conseguirá qual cargo em Bruxelas. Na pior das hipóteses, as discussões a respeito da futura direção da UE poderão durar para além do final do ano – deixando aí um vazio político, mesmo quando um possível governo Trump se prepara para assumir o cargo.

A líder do partido Reagrupamento Nacional, a eurocética Marine Le Pen discursa em um evento em Madri, organizado pelo partido de extrema direita espanhol Vox  Foto: Manu Fernandez/AP

Por mais distante que a UE possa parecer ao eleitor médio, o que acontece em Bruxelas é importante: a abordagem do bloco à política industrial, à defesa, ao meio ambiente e a muitas outras coisas é elaborada ali. E se a união não tiver uma liderança clara, seus 450 milhões de cidadãos não serão os únicos a sentir o impacto.

A Ucrânia ainda depende dos seus aliados europeus para obter dinheiro e armas: ninguém ficaria mais feliz em ver a UE paralisada pela política do que Vladimir Putin, da Rússia. E independentemente de quem vencer a corrida pela Casa Branca em novembro, a Europa é agora o único bloco global que ainda apoia regras de livre comércio em um momento em que China e Estados Unidos praticamente as abandonaram. Se a UE desistisse das suas ambições de redução das emissões de carbono, como geralmente exigem os populistas europeus, um sinal terrível seria enviado ao resto do mundo.

A ironia é que tantas coisas tenham passado a depender de eleições com as quais os próprios europeus pouco se preocupam. A participação nas votações para o Parlamento Europeu é nitidamente inferior à das votações nacionais; poucos acompanharão o trabalho dos 720 membros eleitos que tomarão posse em julho.

Mas a eleição terá, no entanto, duas consequências políticas graves. Uma delas será determinar se Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia, o poderoso braço executivo do bloco, conseguirá outro mandato de cinco anos. A outra diz respeito aos políticos nacionais, alguns dos quais acabarão feridos nas urnas no dia 10 de junho, quando seus partidos forem derrotados. Ambos os desenvolvimentos têm o potencial de paralisar a política europeia.

O foco imediato está no que acontece em Bruxelas. Oito dias após as eleições, os líderes da UE realizarão uma cúpula para decidir quem vai liderar as instituições do bloco, nomeadamente a Comissão. Von der Leyen ajudou a moldar algumas das principais políticas do continente. Seu apoio firme à Ucrânia revelou-se vital.

Foi a Comissão que pressionou a Europa a buscar a meta de alcançar o zero em emissões líquidas de carbono até 2050. Ela deu o tom para a relação do continente com a China: “diminuindo a exposição ao risco” das cadeias de fornecimento das suas importações, mas não “separando-se” delas. como os EUA às vezes parecem inclinados a fazer.

No entanto, o futuro dela não está garantido. Para obter um segundo mandato, von der Leyen terá de ser nomeada pelos líderes da UE e depois aprovada pela maioria dos novos membros do parlamento europeu. Como “candidata principal” do Partido Popular Europeu (EPP), de centro-direita, que está à frente nas pesquisas, ela é a favorita. No entanto, os tratados do bloco estipulam apenas que os líderes devem ter em conta os resultados das eleições ao nomearem um chefe da comissão. Ser favorito para um cargo de destaque na Europa significou pouco no passado.

Preso na lama com a UE

A maioria dos líderes nacionais da UE, como von der Leyen, uma antiga ministra da defesa alemã cuja austeridade inclui ter instalado os seus alojamentos em um armário reformado na sede da comissão em Bruxelas. Mas cada presidente, chanceler ou primeiro-ministro tem prioridades que podem entrar em conflito com as dos seus vizinhos. Todos os países querem uma grande pasta na Comissão, seja para supervisionar as regras comerciais, a expansão ou a economia.

As maquinações dos líderes europeus raramente são previsíveis, mas é provável que a titular seja indicada para um segundo mandato, em uma das duas cúpulas planejadas para junho (além de um novo chefe da comissão, também serão necessários um novo chefe de política externa e um novo presidente do Conselho Europeu para presidir as reuniões dos líderes da UE).

A presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, discursa em um debate de candidatos para o Parlamento Europeu ao lado de Nicolas Schmit, dos Socialistas Europeus, em Bruxelas, Bélgica  Foto: Geert Vanden Wijngaert/AP

Poucos esperam uma jornada tão tranquila no Parlamento Europeu, onde pelo menos metade dos membros precisa apoiar o candidato nomeado pelos líderes da UE. Para assegurar o seu primeiro mandato há cinco anos, bastou uma coligação de liberais, socialistas e o próprio EPP dela. Mas esta facção centrista perdeu terreno desde então para os populistas, que estão divididos em dois grupos principais, Identidade e Democracia (ID), e os mais moderados Conservadores e Reformistas Europeus (ECR).

Outrora uma força de oposição, a extrema-direita inclui agora líderes nacionais como Giorgia Meloni na Itália. Em vários outros grandes países, incluindo a França, a Polônia e talvez a Alemanha, as pesquisas indicam que os partidos populistas ficarão em primeiro ou segundo lugar na votação da UE. Formar coligações sem eles está se tornando mais difícil.

Os cerca de 400 assentos que o trio de partidos centristas deve conquistar podem não ser suficientes para garantir os 361 votos de que von der Leyen necessita para obter a maioria. Isto porque a votação, que pode acontecer em julho ou setembro, é secreta e os membros do parlamento europeus já abandonaram seus grupos em votações de confirmação anteriores. Conforme a Europa se desloca para a direita, parece improvável uma coligação que inclua partidos de tendência mais esquerdista (como os Verdes).

Foi este enigma que levou von der Leyen a discutir uma aliança com o partido de Meloni – parte do grupo ECR, mais brando, dentro da constelação da extrema direita. Mas tanto os liberais como os socialistas se dizem reticentes em aderir a tal aliança. As tensões no grupo mais linha-dura do ID, que no dia 23 de maio expulsou o partido Alternativa para a Alemanha (AfD) depois de um escândalo interno, significam que uma remodelação das alianças no nível da UE está nos planos.

O contorcionismo político necessário para se chegar a uma maioria só ficará claro quando os votos forem contados. Tal como acontece quando formam coligações nacionais, tanto os líderes da UE como os membros do parlamento tentarão garantir que sua pauta seja respeitada. Se isso acontecer, podem se passar mais alguns meses até que as políticas sejam concretizadas de forma satisfatória para todos.

Os holandeses realizaram eleições em novembro e só esta semana conseguiram um novo primeiro-ministro. O receio em Bruxelas é que possa ocorrer um atraso semelhante. Se todos os partidos políticos mantiverem seus limites, isso poderá significar que nenhuma coligação estará disponível para apoiar qualquer candidato ao cargo executivo máximo da UE. E então? Diferentemente do que ocorre no nível nacional, não é possível convocar novas eleições para quebrar um impasse.

Se isso acontecer, a atual equipe de comissários europeus permaneceria no cargo, mas não teria legitimidade política para fazer qualquer coisa. Se estes fossem tempos tranquilos, deixar a Europa entregue a uma rodada política cutucando o próprio umbigo não seria um problema grave. Mas estes tempos não são tranquilos.

A presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, participa de uma coletiva de imprensa com a primeira-ministra da Itália, Giorgia Meloni  Foto: Cecilia Fabiano/AP

Com a guerra ainda em curso na Ucrânia, a economia da Europa ficando para atrás em relação aos seus rivais globais e a necessidade de financiar a transição verde, muitos países, incluindo a França, estão interessados em reformular o orçamento da UE. A Polônia e a Grécia sugeriram um escudo de defesa antimísseis caro para a Europa que poderia ser financiado por dinheiro emprestado conjuntamente através da união, como aconteceu com o fundo de recuperação da pandemia. A Alemanha e os Países Baixos, cuja coligação governante futura inclui a extrema-direita, estão menos interessados. Outras rixas crescentes incluem a necessidade de reformar as regras da UE para permitir a entrada de novos membros, incluindo a Ucrânia, e uma disputa comercial crescente com a China envolvendo carros elétricos.

Tais disputas são suficientemente difíceis de mediar entre os europeus por meio de uma comissão totalmente funcional em Bruxelas. Sem isso, elas podem ser esmagadoras. Pior ainda, o descontrole em Bruxelas seria agravado pela mesma situação em vários países membros.

Na França, o partido de Emmanuel Macron pode terminar em um distante segundo lugar, perdendo para o Reagrupamento Nacional, ou mesmo cair para o terceiro lugar. Isso reforçaria a oposição no parlamento francês, onde o governo minoritário conseguiu, por vezes, vencer votações importantes. Figura importante para a integração na UE, Macron ficará enfraquecido em casa e, portanto, na Europa.

O mesmo acontecerá na Alemanha. Por enquanto, a AfD pode ficar aquém das expectativas outrora altíssimas, mas ainda poderá jogar os sociais-democratas de Olaf Scholz, o chanceler, para o terceiro lugar. O esperado fraco desempenho dos liberais Democratas Livres poderá perturbar o frágil equilíbrio que agora reina na política alemã. Em breve, todos os olhares se voltarão para as eleições nacionais em 2025, tornando ainda mais difícil para os políticos em Berlim concordarem com grandes iniciativas da UE do tipo que Macron costuma defender.

Macron e Scholz deram uma demonstração de unidade europeia esta semana, quando o presidente francês veio à Alemanha para uma visita de Estado. Embora a vital relação franco-alemã permaneça fria, a dupla fez um grande esforço para destacar onde concordavam. Seu tempo é limitado para realizar muita coisa. E vários meses serão gastos na definição de quem deve governar a Europa, e como. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

Os eleitores nos Estados Unidos são frequentemente questionados pelos políticos se estão em melhor situação agora do que há quatro anos. Enquanto aguardam com expectativa as eleições europeias de 6 a 9 de junho, seus equivalentes transatlânticos provavelmente prefeririam não se aprofundar muito nos cinco anos desde a última vez que compareceram às urnas. A União Europeia teve uma meia década que seria melhor esquecer.

Oito meses após a votação, em maio de 2019, o bloco perdeu um membro pela primeira vez nas suas seis décadas de história, quando o Reino Unido saiu. Semanas depois, a covid-19 chegou. O continente emergiu do confinamento para enfrentar a guerra à sua porta e uma crise energética que estagnou sua economia e impulsionou o destino dos partidos xenófobos.

Quem acha que as coisas só podem melhorar pode ter pela frente uma correção nos cálculos. Sim, o Brexit foi resolvido, os preços da energia estão mais baixos e a pandemia é uma memória cada vez mais turva. Mas a guerra na Ucrânia perdura, e a extrema-direita de Marine Le Pen na França ou de Viktor Orban na Hungria ganha cada vez mais terreno. Pior ainda, o resultado provável das eleições será um período de descontrole político.

Na melhor das hipóteses, os 27 líderes nacionais e as instituições centrais da UE passarão meses concentrados em maquinações internas, como quem conseguirá qual cargo em Bruxelas. Na pior das hipóteses, as discussões a respeito da futura direção da UE poderão durar para além do final do ano – deixando aí um vazio político, mesmo quando um possível governo Trump se prepara para assumir o cargo.

A líder do partido Reagrupamento Nacional, a eurocética Marine Le Pen discursa em um evento em Madri, organizado pelo partido de extrema direita espanhol Vox  Foto: Manu Fernandez/AP

Por mais distante que a UE possa parecer ao eleitor médio, o que acontece em Bruxelas é importante: a abordagem do bloco à política industrial, à defesa, ao meio ambiente e a muitas outras coisas é elaborada ali. E se a união não tiver uma liderança clara, seus 450 milhões de cidadãos não serão os únicos a sentir o impacto.

A Ucrânia ainda depende dos seus aliados europeus para obter dinheiro e armas: ninguém ficaria mais feliz em ver a UE paralisada pela política do que Vladimir Putin, da Rússia. E independentemente de quem vencer a corrida pela Casa Branca em novembro, a Europa é agora o único bloco global que ainda apoia regras de livre comércio em um momento em que China e Estados Unidos praticamente as abandonaram. Se a UE desistisse das suas ambições de redução das emissões de carbono, como geralmente exigem os populistas europeus, um sinal terrível seria enviado ao resto do mundo.

A ironia é que tantas coisas tenham passado a depender de eleições com as quais os próprios europeus pouco se preocupam. A participação nas votações para o Parlamento Europeu é nitidamente inferior à das votações nacionais; poucos acompanharão o trabalho dos 720 membros eleitos que tomarão posse em julho.

Mas a eleição terá, no entanto, duas consequências políticas graves. Uma delas será determinar se Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia, o poderoso braço executivo do bloco, conseguirá outro mandato de cinco anos. A outra diz respeito aos políticos nacionais, alguns dos quais acabarão feridos nas urnas no dia 10 de junho, quando seus partidos forem derrotados. Ambos os desenvolvimentos têm o potencial de paralisar a política europeia.

O foco imediato está no que acontece em Bruxelas. Oito dias após as eleições, os líderes da UE realizarão uma cúpula para decidir quem vai liderar as instituições do bloco, nomeadamente a Comissão. Von der Leyen ajudou a moldar algumas das principais políticas do continente. Seu apoio firme à Ucrânia revelou-se vital.

Foi a Comissão que pressionou a Europa a buscar a meta de alcançar o zero em emissões líquidas de carbono até 2050. Ela deu o tom para a relação do continente com a China: “diminuindo a exposição ao risco” das cadeias de fornecimento das suas importações, mas não “separando-se” delas. como os EUA às vezes parecem inclinados a fazer.

No entanto, o futuro dela não está garantido. Para obter um segundo mandato, von der Leyen terá de ser nomeada pelos líderes da UE e depois aprovada pela maioria dos novos membros do parlamento europeu. Como “candidata principal” do Partido Popular Europeu (EPP), de centro-direita, que está à frente nas pesquisas, ela é a favorita. No entanto, os tratados do bloco estipulam apenas que os líderes devem ter em conta os resultados das eleições ao nomearem um chefe da comissão. Ser favorito para um cargo de destaque na Europa significou pouco no passado.

Preso na lama com a UE

A maioria dos líderes nacionais da UE, como von der Leyen, uma antiga ministra da defesa alemã cuja austeridade inclui ter instalado os seus alojamentos em um armário reformado na sede da comissão em Bruxelas. Mas cada presidente, chanceler ou primeiro-ministro tem prioridades que podem entrar em conflito com as dos seus vizinhos. Todos os países querem uma grande pasta na Comissão, seja para supervisionar as regras comerciais, a expansão ou a economia.

As maquinações dos líderes europeus raramente são previsíveis, mas é provável que a titular seja indicada para um segundo mandato, em uma das duas cúpulas planejadas para junho (além de um novo chefe da comissão, também serão necessários um novo chefe de política externa e um novo presidente do Conselho Europeu para presidir as reuniões dos líderes da UE).

A presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, discursa em um debate de candidatos para o Parlamento Europeu ao lado de Nicolas Schmit, dos Socialistas Europeus, em Bruxelas, Bélgica  Foto: Geert Vanden Wijngaert/AP

Poucos esperam uma jornada tão tranquila no Parlamento Europeu, onde pelo menos metade dos membros precisa apoiar o candidato nomeado pelos líderes da UE. Para assegurar o seu primeiro mandato há cinco anos, bastou uma coligação de liberais, socialistas e o próprio EPP dela. Mas esta facção centrista perdeu terreno desde então para os populistas, que estão divididos em dois grupos principais, Identidade e Democracia (ID), e os mais moderados Conservadores e Reformistas Europeus (ECR).

Outrora uma força de oposição, a extrema-direita inclui agora líderes nacionais como Giorgia Meloni na Itália. Em vários outros grandes países, incluindo a França, a Polônia e talvez a Alemanha, as pesquisas indicam que os partidos populistas ficarão em primeiro ou segundo lugar na votação da UE. Formar coligações sem eles está se tornando mais difícil.

Os cerca de 400 assentos que o trio de partidos centristas deve conquistar podem não ser suficientes para garantir os 361 votos de que von der Leyen necessita para obter a maioria. Isto porque a votação, que pode acontecer em julho ou setembro, é secreta e os membros do parlamento europeus já abandonaram seus grupos em votações de confirmação anteriores. Conforme a Europa se desloca para a direita, parece improvável uma coligação que inclua partidos de tendência mais esquerdista (como os Verdes).

Foi este enigma que levou von der Leyen a discutir uma aliança com o partido de Meloni – parte do grupo ECR, mais brando, dentro da constelação da extrema direita. Mas tanto os liberais como os socialistas se dizem reticentes em aderir a tal aliança. As tensões no grupo mais linha-dura do ID, que no dia 23 de maio expulsou o partido Alternativa para a Alemanha (AfD) depois de um escândalo interno, significam que uma remodelação das alianças no nível da UE está nos planos.

O contorcionismo político necessário para se chegar a uma maioria só ficará claro quando os votos forem contados. Tal como acontece quando formam coligações nacionais, tanto os líderes da UE como os membros do parlamento tentarão garantir que sua pauta seja respeitada. Se isso acontecer, podem se passar mais alguns meses até que as políticas sejam concretizadas de forma satisfatória para todos.

Os holandeses realizaram eleições em novembro e só esta semana conseguiram um novo primeiro-ministro. O receio em Bruxelas é que possa ocorrer um atraso semelhante. Se todos os partidos políticos mantiverem seus limites, isso poderá significar que nenhuma coligação estará disponível para apoiar qualquer candidato ao cargo executivo máximo da UE. E então? Diferentemente do que ocorre no nível nacional, não é possível convocar novas eleições para quebrar um impasse.

Se isso acontecer, a atual equipe de comissários europeus permaneceria no cargo, mas não teria legitimidade política para fazer qualquer coisa. Se estes fossem tempos tranquilos, deixar a Europa entregue a uma rodada política cutucando o próprio umbigo não seria um problema grave. Mas estes tempos não são tranquilos.

A presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, participa de uma coletiva de imprensa com a primeira-ministra da Itália, Giorgia Meloni  Foto: Cecilia Fabiano/AP

Com a guerra ainda em curso na Ucrânia, a economia da Europa ficando para atrás em relação aos seus rivais globais e a necessidade de financiar a transição verde, muitos países, incluindo a França, estão interessados em reformular o orçamento da UE. A Polônia e a Grécia sugeriram um escudo de defesa antimísseis caro para a Europa que poderia ser financiado por dinheiro emprestado conjuntamente através da união, como aconteceu com o fundo de recuperação da pandemia. A Alemanha e os Países Baixos, cuja coligação governante futura inclui a extrema-direita, estão menos interessados. Outras rixas crescentes incluem a necessidade de reformar as regras da UE para permitir a entrada de novos membros, incluindo a Ucrânia, e uma disputa comercial crescente com a China envolvendo carros elétricos.

Tais disputas são suficientemente difíceis de mediar entre os europeus por meio de uma comissão totalmente funcional em Bruxelas. Sem isso, elas podem ser esmagadoras. Pior ainda, o descontrole em Bruxelas seria agravado pela mesma situação em vários países membros.

Na França, o partido de Emmanuel Macron pode terminar em um distante segundo lugar, perdendo para o Reagrupamento Nacional, ou mesmo cair para o terceiro lugar. Isso reforçaria a oposição no parlamento francês, onde o governo minoritário conseguiu, por vezes, vencer votações importantes. Figura importante para a integração na UE, Macron ficará enfraquecido em casa e, portanto, na Europa.

O mesmo acontecerá na Alemanha. Por enquanto, a AfD pode ficar aquém das expectativas outrora altíssimas, mas ainda poderá jogar os sociais-democratas de Olaf Scholz, o chanceler, para o terceiro lugar. O esperado fraco desempenho dos liberais Democratas Livres poderá perturbar o frágil equilíbrio que agora reina na política alemã. Em breve, todos os olhares se voltarão para as eleições nacionais em 2025, tornando ainda mais difícil para os políticos em Berlim concordarem com grandes iniciativas da UE do tipo que Macron costuma defender.

Macron e Scholz deram uma demonstração de unidade europeia esta semana, quando o presidente francês veio à Alemanha para uma visita de Estado. Embora a vital relação franco-alemã permaneça fria, a dupla fez um grande esforço para destacar onde concordavam. Seu tempo é limitado para realizar muita coisa. E vários meses serão gastos na definição de quem deve governar a Europa, e como. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

Os eleitores nos Estados Unidos são frequentemente questionados pelos políticos se estão em melhor situação agora do que há quatro anos. Enquanto aguardam com expectativa as eleições europeias de 6 a 9 de junho, seus equivalentes transatlânticos provavelmente prefeririam não se aprofundar muito nos cinco anos desde a última vez que compareceram às urnas. A União Europeia teve uma meia década que seria melhor esquecer.

Oito meses após a votação, em maio de 2019, o bloco perdeu um membro pela primeira vez nas suas seis décadas de história, quando o Reino Unido saiu. Semanas depois, a covid-19 chegou. O continente emergiu do confinamento para enfrentar a guerra à sua porta e uma crise energética que estagnou sua economia e impulsionou o destino dos partidos xenófobos.

Quem acha que as coisas só podem melhorar pode ter pela frente uma correção nos cálculos. Sim, o Brexit foi resolvido, os preços da energia estão mais baixos e a pandemia é uma memória cada vez mais turva. Mas a guerra na Ucrânia perdura, e a extrema-direita de Marine Le Pen na França ou de Viktor Orban na Hungria ganha cada vez mais terreno. Pior ainda, o resultado provável das eleições será um período de descontrole político.

Na melhor das hipóteses, os 27 líderes nacionais e as instituições centrais da UE passarão meses concentrados em maquinações internas, como quem conseguirá qual cargo em Bruxelas. Na pior das hipóteses, as discussões a respeito da futura direção da UE poderão durar para além do final do ano – deixando aí um vazio político, mesmo quando um possível governo Trump se prepara para assumir o cargo.

A líder do partido Reagrupamento Nacional, a eurocética Marine Le Pen discursa em um evento em Madri, organizado pelo partido de extrema direita espanhol Vox  Foto: Manu Fernandez/AP

Por mais distante que a UE possa parecer ao eleitor médio, o que acontece em Bruxelas é importante: a abordagem do bloco à política industrial, à defesa, ao meio ambiente e a muitas outras coisas é elaborada ali. E se a união não tiver uma liderança clara, seus 450 milhões de cidadãos não serão os únicos a sentir o impacto.

A Ucrânia ainda depende dos seus aliados europeus para obter dinheiro e armas: ninguém ficaria mais feliz em ver a UE paralisada pela política do que Vladimir Putin, da Rússia. E independentemente de quem vencer a corrida pela Casa Branca em novembro, a Europa é agora o único bloco global que ainda apoia regras de livre comércio em um momento em que China e Estados Unidos praticamente as abandonaram. Se a UE desistisse das suas ambições de redução das emissões de carbono, como geralmente exigem os populistas europeus, um sinal terrível seria enviado ao resto do mundo.

A ironia é que tantas coisas tenham passado a depender de eleições com as quais os próprios europeus pouco se preocupam. A participação nas votações para o Parlamento Europeu é nitidamente inferior à das votações nacionais; poucos acompanharão o trabalho dos 720 membros eleitos que tomarão posse em julho.

Mas a eleição terá, no entanto, duas consequências políticas graves. Uma delas será determinar se Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia, o poderoso braço executivo do bloco, conseguirá outro mandato de cinco anos. A outra diz respeito aos políticos nacionais, alguns dos quais acabarão feridos nas urnas no dia 10 de junho, quando seus partidos forem derrotados. Ambos os desenvolvimentos têm o potencial de paralisar a política europeia.

O foco imediato está no que acontece em Bruxelas. Oito dias após as eleições, os líderes da UE realizarão uma cúpula para decidir quem vai liderar as instituições do bloco, nomeadamente a Comissão. Von der Leyen ajudou a moldar algumas das principais políticas do continente. Seu apoio firme à Ucrânia revelou-se vital.

Foi a Comissão que pressionou a Europa a buscar a meta de alcançar o zero em emissões líquidas de carbono até 2050. Ela deu o tom para a relação do continente com a China: “diminuindo a exposição ao risco” das cadeias de fornecimento das suas importações, mas não “separando-se” delas. como os EUA às vezes parecem inclinados a fazer.

No entanto, o futuro dela não está garantido. Para obter um segundo mandato, von der Leyen terá de ser nomeada pelos líderes da UE e depois aprovada pela maioria dos novos membros do parlamento europeu. Como “candidata principal” do Partido Popular Europeu (EPP), de centro-direita, que está à frente nas pesquisas, ela é a favorita. No entanto, os tratados do bloco estipulam apenas que os líderes devem ter em conta os resultados das eleições ao nomearem um chefe da comissão. Ser favorito para um cargo de destaque na Europa significou pouco no passado.

Preso na lama com a UE

A maioria dos líderes nacionais da UE, como von der Leyen, uma antiga ministra da defesa alemã cuja austeridade inclui ter instalado os seus alojamentos em um armário reformado na sede da comissão em Bruxelas. Mas cada presidente, chanceler ou primeiro-ministro tem prioridades que podem entrar em conflito com as dos seus vizinhos. Todos os países querem uma grande pasta na Comissão, seja para supervisionar as regras comerciais, a expansão ou a economia.

As maquinações dos líderes europeus raramente são previsíveis, mas é provável que a titular seja indicada para um segundo mandato, em uma das duas cúpulas planejadas para junho (além de um novo chefe da comissão, também serão necessários um novo chefe de política externa e um novo presidente do Conselho Europeu para presidir as reuniões dos líderes da UE).

A presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, discursa em um debate de candidatos para o Parlamento Europeu ao lado de Nicolas Schmit, dos Socialistas Europeus, em Bruxelas, Bélgica  Foto: Geert Vanden Wijngaert/AP

Poucos esperam uma jornada tão tranquila no Parlamento Europeu, onde pelo menos metade dos membros precisa apoiar o candidato nomeado pelos líderes da UE. Para assegurar o seu primeiro mandato há cinco anos, bastou uma coligação de liberais, socialistas e o próprio EPP dela. Mas esta facção centrista perdeu terreno desde então para os populistas, que estão divididos em dois grupos principais, Identidade e Democracia (ID), e os mais moderados Conservadores e Reformistas Europeus (ECR).

Outrora uma força de oposição, a extrema-direita inclui agora líderes nacionais como Giorgia Meloni na Itália. Em vários outros grandes países, incluindo a França, a Polônia e talvez a Alemanha, as pesquisas indicam que os partidos populistas ficarão em primeiro ou segundo lugar na votação da UE. Formar coligações sem eles está se tornando mais difícil.

Os cerca de 400 assentos que o trio de partidos centristas deve conquistar podem não ser suficientes para garantir os 361 votos de que von der Leyen necessita para obter a maioria. Isto porque a votação, que pode acontecer em julho ou setembro, é secreta e os membros do parlamento europeus já abandonaram seus grupos em votações de confirmação anteriores. Conforme a Europa se desloca para a direita, parece improvável uma coligação que inclua partidos de tendência mais esquerdista (como os Verdes).

Foi este enigma que levou von der Leyen a discutir uma aliança com o partido de Meloni – parte do grupo ECR, mais brando, dentro da constelação da extrema direita. Mas tanto os liberais como os socialistas se dizem reticentes em aderir a tal aliança. As tensões no grupo mais linha-dura do ID, que no dia 23 de maio expulsou o partido Alternativa para a Alemanha (AfD) depois de um escândalo interno, significam que uma remodelação das alianças no nível da UE está nos planos.

O contorcionismo político necessário para se chegar a uma maioria só ficará claro quando os votos forem contados. Tal como acontece quando formam coligações nacionais, tanto os líderes da UE como os membros do parlamento tentarão garantir que sua pauta seja respeitada. Se isso acontecer, podem se passar mais alguns meses até que as políticas sejam concretizadas de forma satisfatória para todos.

Os holandeses realizaram eleições em novembro e só esta semana conseguiram um novo primeiro-ministro. O receio em Bruxelas é que possa ocorrer um atraso semelhante. Se todos os partidos políticos mantiverem seus limites, isso poderá significar que nenhuma coligação estará disponível para apoiar qualquer candidato ao cargo executivo máximo da UE. E então? Diferentemente do que ocorre no nível nacional, não é possível convocar novas eleições para quebrar um impasse.

Se isso acontecer, a atual equipe de comissários europeus permaneceria no cargo, mas não teria legitimidade política para fazer qualquer coisa. Se estes fossem tempos tranquilos, deixar a Europa entregue a uma rodada política cutucando o próprio umbigo não seria um problema grave. Mas estes tempos não são tranquilos.

A presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, participa de uma coletiva de imprensa com a primeira-ministra da Itália, Giorgia Meloni  Foto: Cecilia Fabiano/AP

Com a guerra ainda em curso na Ucrânia, a economia da Europa ficando para atrás em relação aos seus rivais globais e a necessidade de financiar a transição verde, muitos países, incluindo a França, estão interessados em reformular o orçamento da UE. A Polônia e a Grécia sugeriram um escudo de defesa antimísseis caro para a Europa que poderia ser financiado por dinheiro emprestado conjuntamente através da união, como aconteceu com o fundo de recuperação da pandemia. A Alemanha e os Países Baixos, cuja coligação governante futura inclui a extrema-direita, estão menos interessados. Outras rixas crescentes incluem a necessidade de reformar as regras da UE para permitir a entrada de novos membros, incluindo a Ucrânia, e uma disputa comercial crescente com a China envolvendo carros elétricos.

Tais disputas são suficientemente difíceis de mediar entre os europeus por meio de uma comissão totalmente funcional em Bruxelas. Sem isso, elas podem ser esmagadoras. Pior ainda, o descontrole em Bruxelas seria agravado pela mesma situação em vários países membros.

Na França, o partido de Emmanuel Macron pode terminar em um distante segundo lugar, perdendo para o Reagrupamento Nacional, ou mesmo cair para o terceiro lugar. Isso reforçaria a oposição no parlamento francês, onde o governo minoritário conseguiu, por vezes, vencer votações importantes. Figura importante para a integração na UE, Macron ficará enfraquecido em casa e, portanto, na Europa.

O mesmo acontecerá na Alemanha. Por enquanto, a AfD pode ficar aquém das expectativas outrora altíssimas, mas ainda poderá jogar os sociais-democratas de Olaf Scholz, o chanceler, para o terceiro lugar. O esperado fraco desempenho dos liberais Democratas Livres poderá perturbar o frágil equilíbrio que agora reina na política alemã. Em breve, todos os olhares se voltarão para as eleições nacionais em 2025, tornando ainda mais difícil para os políticos em Berlim concordarem com grandes iniciativas da UE do tipo que Macron costuma defender.

Macron e Scholz deram uma demonstração de unidade europeia esta semana, quando o presidente francês veio à Alemanha para uma visita de Estado. Embora a vital relação franco-alemã permaneça fria, a dupla fez um grande esforço para destacar onde concordavam. Seu tempo é limitado para realizar muita coisa. E vários meses serão gastos na definição de quem deve governar a Europa, e como. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

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