Por que a família real britânica é tão ruim em ser famosa nos dias de hoje?


Polêmica da foto editada de Kate Middleton mostra tropeços da realeza britânica

Por Monica Hesse
Atualização:

Na tarde da segunda-feira, o filme de Zapruder a respeito do mistério de Kate Middleton surgiu no TMZ, mostrando a princesa de Gales saindo com o marido de uma loja rural de Windsor e, ainda que não estivesse exatamente glamurosa — trajava legging e roupa esportiva — ela não parecia, sabe, morta; o que pareceu pôr fim a uma das teorias conspiratórias mais amalucadas na internet: que a mulher tinha morrido e a família real tinha passado meses plagiando “Um morto muito louco”.

“Bom, já era”, eu pensei, e cinco minutos depois escutei de um amigo — um amigo sensato e razoável (que antes do mês passado provavelmente não conseguiria nem identificar a princesa em uma foto) afirmando: “É uma dublê de corpo, né? Normalmente ela não anda desse jeito”.

Vamos recapitular:

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Em janeiro, a família real anunciou que a princesa tinha dado entrada no hospital para uma “cirurgia abdominal planejada” e que ela se afastaria das funções públicas até aproximadamente a Páscoa. Tudo ficou em silêncio por várias semanas, até que observadores da realeza começaram a achar estranho Kate não ter aparecido absolutamente. (Nenhum aceno da sacada? Nenhum vídeo pré-gravado “agradecendo seus desejos de melhoras”?) E as teorias conspiratórias só esquentaram quando ela foi vista: uma foto de família que o casal postou no Instagram foi republicada por meios de imprensa e retirada imediatamente quando se descobriu que a imagem tinha sido editada de forma precária e ridícula, com um pedaço da manga da princesa Charlotte faltando.

Kate desculpou-se depois admitindo que ela mesma editou a foto e, se quiséssemos, nós poderíamos encontrar explicações perfeitamente razoáveis. Talvez fosse a única maneira de mostrar todos os três filhos na mesma foto ou talvez ela sentiu que sua aparência precisava de um retoque porque ela estava, de fato, recuperando-se de uma cirurgia abdominal. Bem, tarde demais. Naquele ponto, todo o mistério Kate Middleton tinha virado, como escreveu Helen Lewis na Atlantic, “O QAnon das mamães do vinho”.

Foto editada alimentou especulações sobre saúde da princesa Kate Middleton Foto: Reprodução/KensingtonRoyal
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Por que tanta gente acreditou nessa nojeira? Mais especificamente, por que a família real não jogou logo um desinfetante em cima e passou o rodo? Como os Windsors, cujo trabalho inteiro é uma questão de imagem, conseguiram ser tão ruins em controlar sua imagem?

Há um argumento a se sustentar de que a família real, apesar de séculos de prática, não tem ideia do que é ser famoso. Pelo menos… não na modernidade.

Quando a rainha Elizabeth II foi coroada, em 1953, fama era uma coisa diferente. Esperava-se de chefes de Estado que vivessem suas vidas pessoais privadamente. O câncer de pulmão que tirou a vida do pai de Elizabeth, George VI, foi um segredo tão guardado que sua morte chocou a nação, que não tinha nem percebido que ele estava doente. E então a rainha reinou por 70 anos, e os costumes em torno dela mudaram, mas não os costumes que se aplicavam a ela, a respeito da privacidade de sua própria saúde. Uma biografia póstuma, prevista para ser publicada no próximo mês, relata que Elizabeth também vinha combatendo um câncer, um mieloma, por anos antes de morrer, e ninguém soube. Ela conseguiu praticar um protocolo de fama dos anos 50 até 2022.

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Mas, quando a rainha morreu, nós vivíamos em um mundo de lendas urbanas, ativismo antivax, gente virando jacaré e catástrofes, muito diferente de 1952, e a família real ainda opera como se vivesse em um mundo no qual o público acreditará quando seus membros definirem uma intercorrência médica como rotineira ou algo planejado.

O anúncio da cirurgia de Kate foi feito no mesmo dia que o palácio anunciou que o rei Charles III buscaria tratamento para sua próstata aumentada. A notícia a respeito de Charles transformou-se posteriormente em um anúncio de que o rei buscaria tratamento para um câncer. Nós sabemos que o palácio discute a possibilidade de mudanças possivelmente necessárias na parada em celebração ao seu aniversário, em junho, e se ele terá de deixar Buckingham numa carruagem, em vez de cavalgando.

Podemos imaginar o que o público está pensando a respeito disso tudo.

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A questão de nos importarmos ou não com a saúde de Charles ou de Kate é quase irrelevante, assim como a dúvida a respeito do que “realmente” está acontecendo com a família, se é que alguma coisa que está  “realmente” acontecendo com a família.

(Marquesa de Cholmondeley? Gloucester? Ostomia? Quem sabe, sabe). Esses cavalos já deixaram o estábulo, não importa se o rei está montado na sela ou sentado na carruagem.

Todo esse fiasco revela numa escala mais grandiosa que a família real perdeu o controle de sua narrativa e não sabe como retomá-lo. Sua marca é antiga e construída sobre mistério em vez de transparência, simpatia em vez de empatia, estando entre o povo mas não como pessoas comuns.

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É possível imaginar um rumo diferente que a princesa de Gales poderia ter tomado no início disso tudo — no qual ela revelava sua cirurgia antecipadamente, explicava o que seria o procedimento e contava como se sentia a respeito. É possível imaginar seus posts em redes sociais depois da operação, com fotos da comida servida no hospital e textos pessoais a respeito da humildade que resulta de sentir-se comprometida fisicamente depois de uma vida desfrutando de boa saúde. Talvez uma declaração dizendo saber que as pessoas estavam pensando nela, mas que ela está se sentindo mal e com a aparência horrível agora e não vai aparecer de pijama na sacada de jeito nenhum, pessoal.

É o que os comuns fariam. Mas não seria o modo da realeza. Isso poderia desfazer o mistério a respeito de onde ela esteve, mas desfazer também a mística da realeza. E vejam o que revelaram os acontecimentos do jeito que ocorreram: a família real não pode mais se comportar como realeza se quiser a confiança do povo.

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Mas, quando eles começarem a se comportar como comuns, que sentido haverá em sua existência?

Numa coincidência aberrante ou numa trolagem de verdadeiros especialistas, as semanas recentes também testemunharam alguns movimentos menores da ala californiana da família real, Harry e Meghan, que em 2020 serraram sabiamente seu ramo da árvore genealógica e o levaram para Montecito. Após anos de silêncio nas redes sociais, a duquesa de Sussex relançou a presença no Instagram da “American Riviera Orchard”, apresentando uma insígnia em tom dourado-pastel sobre um fundo de tecido.

Meghan Markle participa de conferência nos Estados Unidos, 8 de março de 2024.  Foto: Suzanne Cordeiro / AFP

O website ainda está vazio — os usuários podem “entrar na lista de espera” — mas bisbilhoteiros que esquadrinharam as solicitações de registros de marcas nos EUA souberam que a American Riviera Orchard é uma empresa voltada para o lar que pretende vender produtos como artigos de papelaria, candelabros e tapetinhos de ioga.

Guardem minhas palavras, nós veremos algo como Gwyneth Paltrow encontra Stonewall Kitchen; veremos conservas e chutneys e as calças de jardinagem preferidas de Meghan; e mais do que qualquer pessoa gostaria de saber a respeito dos remédios ervais preferidos de Harry quando ele pega gripe. Será lindo, ridicularizável e sincero — e também inteiramente encenado.

Porque Harry e Meghan sabem ser famosos. Eles odiavam pertencer à família real, mas da fama eles gostam. Eles lançarão uma marca de estilo de vida, e Kate lançará mil conspirações, vídeos em baixa resolução, calças de ioga, até finalmente retornar para sua agenda pública normal e seu próprio estilo de vida — a marca da realeza — que as pessoas não estão certas se ainda precisam comprar. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

Na tarde da segunda-feira, o filme de Zapruder a respeito do mistério de Kate Middleton surgiu no TMZ, mostrando a princesa de Gales saindo com o marido de uma loja rural de Windsor e, ainda que não estivesse exatamente glamurosa — trajava legging e roupa esportiva — ela não parecia, sabe, morta; o que pareceu pôr fim a uma das teorias conspiratórias mais amalucadas na internet: que a mulher tinha morrido e a família real tinha passado meses plagiando “Um morto muito louco”.

“Bom, já era”, eu pensei, e cinco minutos depois escutei de um amigo — um amigo sensato e razoável (que antes do mês passado provavelmente não conseguiria nem identificar a princesa em uma foto) afirmando: “É uma dublê de corpo, né? Normalmente ela não anda desse jeito”.

Vamos recapitular:

Em janeiro, a família real anunciou que a princesa tinha dado entrada no hospital para uma “cirurgia abdominal planejada” e que ela se afastaria das funções públicas até aproximadamente a Páscoa. Tudo ficou em silêncio por várias semanas, até que observadores da realeza começaram a achar estranho Kate não ter aparecido absolutamente. (Nenhum aceno da sacada? Nenhum vídeo pré-gravado “agradecendo seus desejos de melhoras”?) E as teorias conspiratórias só esquentaram quando ela foi vista: uma foto de família que o casal postou no Instagram foi republicada por meios de imprensa e retirada imediatamente quando se descobriu que a imagem tinha sido editada de forma precária e ridícula, com um pedaço da manga da princesa Charlotte faltando.

Kate desculpou-se depois admitindo que ela mesma editou a foto e, se quiséssemos, nós poderíamos encontrar explicações perfeitamente razoáveis. Talvez fosse a única maneira de mostrar todos os três filhos na mesma foto ou talvez ela sentiu que sua aparência precisava de um retoque porque ela estava, de fato, recuperando-se de uma cirurgia abdominal. Bem, tarde demais. Naquele ponto, todo o mistério Kate Middleton tinha virado, como escreveu Helen Lewis na Atlantic, “O QAnon das mamães do vinho”.

Foto editada alimentou especulações sobre saúde da princesa Kate Middleton Foto: Reprodução/KensingtonRoyal

Por que tanta gente acreditou nessa nojeira? Mais especificamente, por que a família real não jogou logo um desinfetante em cima e passou o rodo? Como os Windsors, cujo trabalho inteiro é uma questão de imagem, conseguiram ser tão ruins em controlar sua imagem?

Há um argumento a se sustentar de que a família real, apesar de séculos de prática, não tem ideia do que é ser famoso. Pelo menos… não na modernidade.

Quando a rainha Elizabeth II foi coroada, em 1953, fama era uma coisa diferente. Esperava-se de chefes de Estado que vivessem suas vidas pessoais privadamente. O câncer de pulmão que tirou a vida do pai de Elizabeth, George VI, foi um segredo tão guardado que sua morte chocou a nação, que não tinha nem percebido que ele estava doente. E então a rainha reinou por 70 anos, e os costumes em torno dela mudaram, mas não os costumes que se aplicavam a ela, a respeito da privacidade de sua própria saúde. Uma biografia póstuma, prevista para ser publicada no próximo mês, relata que Elizabeth também vinha combatendo um câncer, um mieloma, por anos antes de morrer, e ninguém soube. Ela conseguiu praticar um protocolo de fama dos anos 50 até 2022.

Mas, quando a rainha morreu, nós vivíamos em um mundo de lendas urbanas, ativismo antivax, gente virando jacaré e catástrofes, muito diferente de 1952, e a família real ainda opera como se vivesse em um mundo no qual o público acreditará quando seus membros definirem uma intercorrência médica como rotineira ou algo planejado.

O anúncio da cirurgia de Kate foi feito no mesmo dia que o palácio anunciou que o rei Charles III buscaria tratamento para sua próstata aumentada. A notícia a respeito de Charles transformou-se posteriormente em um anúncio de que o rei buscaria tratamento para um câncer. Nós sabemos que o palácio discute a possibilidade de mudanças possivelmente necessárias na parada em celebração ao seu aniversário, em junho, e se ele terá de deixar Buckingham numa carruagem, em vez de cavalgando.

Podemos imaginar o que o público está pensando a respeito disso tudo.

A questão de nos importarmos ou não com a saúde de Charles ou de Kate é quase irrelevante, assim como a dúvida a respeito do que “realmente” está acontecendo com a família, se é que alguma coisa que está  “realmente” acontecendo com a família.

(Marquesa de Cholmondeley? Gloucester? Ostomia? Quem sabe, sabe). Esses cavalos já deixaram o estábulo, não importa se o rei está montado na sela ou sentado na carruagem.

Todo esse fiasco revela numa escala mais grandiosa que a família real perdeu o controle de sua narrativa e não sabe como retomá-lo. Sua marca é antiga e construída sobre mistério em vez de transparência, simpatia em vez de empatia, estando entre o povo mas não como pessoas comuns.

É possível imaginar um rumo diferente que a princesa de Gales poderia ter tomado no início disso tudo — no qual ela revelava sua cirurgia antecipadamente, explicava o que seria o procedimento e contava como se sentia a respeito. É possível imaginar seus posts em redes sociais depois da operação, com fotos da comida servida no hospital e textos pessoais a respeito da humildade que resulta de sentir-se comprometida fisicamente depois de uma vida desfrutando de boa saúde. Talvez uma declaração dizendo saber que as pessoas estavam pensando nela, mas que ela está se sentindo mal e com a aparência horrível agora e não vai aparecer de pijama na sacada de jeito nenhum, pessoal.

É o que os comuns fariam. Mas não seria o modo da realeza. Isso poderia desfazer o mistério a respeito de onde ela esteve, mas desfazer também a mística da realeza. E vejam o que revelaram os acontecimentos do jeito que ocorreram: a família real não pode mais se comportar como realeza se quiser a confiança do povo.

Mas, quando eles começarem a se comportar como comuns, que sentido haverá em sua existência?

Numa coincidência aberrante ou numa trolagem de verdadeiros especialistas, as semanas recentes também testemunharam alguns movimentos menores da ala californiana da família real, Harry e Meghan, que em 2020 serraram sabiamente seu ramo da árvore genealógica e o levaram para Montecito. Após anos de silêncio nas redes sociais, a duquesa de Sussex relançou a presença no Instagram da “American Riviera Orchard”, apresentando uma insígnia em tom dourado-pastel sobre um fundo de tecido.

Meghan Markle participa de conferência nos Estados Unidos, 8 de março de 2024.  Foto: Suzanne Cordeiro / AFP

O website ainda está vazio — os usuários podem “entrar na lista de espera” — mas bisbilhoteiros que esquadrinharam as solicitações de registros de marcas nos EUA souberam que a American Riviera Orchard é uma empresa voltada para o lar que pretende vender produtos como artigos de papelaria, candelabros e tapetinhos de ioga.

Guardem minhas palavras, nós veremos algo como Gwyneth Paltrow encontra Stonewall Kitchen; veremos conservas e chutneys e as calças de jardinagem preferidas de Meghan; e mais do que qualquer pessoa gostaria de saber a respeito dos remédios ervais preferidos de Harry quando ele pega gripe. Será lindo, ridicularizável e sincero — e também inteiramente encenado.

Porque Harry e Meghan sabem ser famosos. Eles odiavam pertencer à família real, mas da fama eles gostam. Eles lançarão uma marca de estilo de vida, e Kate lançará mil conspirações, vídeos em baixa resolução, calças de ioga, até finalmente retornar para sua agenda pública normal e seu próprio estilo de vida — a marca da realeza — que as pessoas não estão certas se ainda precisam comprar. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

Na tarde da segunda-feira, o filme de Zapruder a respeito do mistério de Kate Middleton surgiu no TMZ, mostrando a princesa de Gales saindo com o marido de uma loja rural de Windsor e, ainda que não estivesse exatamente glamurosa — trajava legging e roupa esportiva — ela não parecia, sabe, morta; o que pareceu pôr fim a uma das teorias conspiratórias mais amalucadas na internet: que a mulher tinha morrido e a família real tinha passado meses plagiando “Um morto muito louco”.

“Bom, já era”, eu pensei, e cinco minutos depois escutei de um amigo — um amigo sensato e razoável (que antes do mês passado provavelmente não conseguiria nem identificar a princesa em uma foto) afirmando: “É uma dublê de corpo, né? Normalmente ela não anda desse jeito”.

Vamos recapitular:

Em janeiro, a família real anunciou que a princesa tinha dado entrada no hospital para uma “cirurgia abdominal planejada” e que ela se afastaria das funções públicas até aproximadamente a Páscoa. Tudo ficou em silêncio por várias semanas, até que observadores da realeza começaram a achar estranho Kate não ter aparecido absolutamente. (Nenhum aceno da sacada? Nenhum vídeo pré-gravado “agradecendo seus desejos de melhoras”?) E as teorias conspiratórias só esquentaram quando ela foi vista: uma foto de família que o casal postou no Instagram foi republicada por meios de imprensa e retirada imediatamente quando se descobriu que a imagem tinha sido editada de forma precária e ridícula, com um pedaço da manga da princesa Charlotte faltando.

Kate desculpou-se depois admitindo que ela mesma editou a foto e, se quiséssemos, nós poderíamos encontrar explicações perfeitamente razoáveis. Talvez fosse a única maneira de mostrar todos os três filhos na mesma foto ou talvez ela sentiu que sua aparência precisava de um retoque porque ela estava, de fato, recuperando-se de uma cirurgia abdominal. Bem, tarde demais. Naquele ponto, todo o mistério Kate Middleton tinha virado, como escreveu Helen Lewis na Atlantic, “O QAnon das mamães do vinho”.

Foto editada alimentou especulações sobre saúde da princesa Kate Middleton Foto: Reprodução/KensingtonRoyal

Por que tanta gente acreditou nessa nojeira? Mais especificamente, por que a família real não jogou logo um desinfetante em cima e passou o rodo? Como os Windsors, cujo trabalho inteiro é uma questão de imagem, conseguiram ser tão ruins em controlar sua imagem?

Há um argumento a se sustentar de que a família real, apesar de séculos de prática, não tem ideia do que é ser famoso. Pelo menos… não na modernidade.

Quando a rainha Elizabeth II foi coroada, em 1953, fama era uma coisa diferente. Esperava-se de chefes de Estado que vivessem suas vidas pessoais privadamente. O câncer de pulmão que tirou a vida do pai de Elizabeth, George VI, foi um segredo tão guardado que sua morte chocou a nação, que não tinha nem percebido que ele estava doente. E então a rainha reinou por 70 anos, e os costumes em torno dela mudaram, mas não os costumes que se aplicavam a ela, a respeito da privacidade de sua própria saúde. Uma biografia póstuma, prevista para ser publicada no próximo mês, relata que Elizabeth também vinha combatendo um câncer, um mieloma, por anos antes de morrer, e ninguém soube. Ela conseguiu praticar um protocolo de fama dos anos 50 até 2022.

Mas, quando a rainha morreu, nós vivíamos em um mundo de lendas urbanas, ativismo antivax, gente virando jacaré e catástrofes, muito diferente de 1952, e a família real ainda opera como se vivesse em um mundo no qual o público acreditará quando seus membros definirem uma intercorrência médica como rotineira ou algo planejado.

O anúncio da cirurgia de Kate foi feito no mesmo dia que o palácio anunciou que o rei Charles III buscaria tratamento para sua próstata aumentada. A notícia a respeito de Charles transformou-se posteriormente em um anúncio de que o rei buscaria tratamento para um câncer. Nós sabemos que o palácio discute a possibilidade de mudanças possivelmente necessárias na parada em celebração ao seu aniversário, em junho, e se ele terá de deixar Buckingham numa carruagem, em vez de cavalgando.

Podemos imaginar o que o público está pensando a respeito disso tudo.

A questão de nos importarmos ou não com a saúde de Charles ou de Kate é quase irrelevante, assim como a dúvida a respeito do que “realmente” está acontecendo com a família, se é que alguma coisa que está  “realmente” acontecendo com a família.

(Marquesa de Cholmondeley? Gloucester? Ostomia? Quem sabe, sabe). Esses cavalos já deixaram o estábulo, não importa se o rei está montado na sela ou sentado na carruagem.

Todo esse fiasco revela numa escala mais grandiosa que a família real perdeu o controle de sua narrativa e não sabe como retomá-lo. Sua marca é antiga e construída sobre mistério em vez de transparência, simpatia em vez de empatia, estando entre o povo mas não como pessoas comuns.

É possível imaginar um rumo diferente que a princesa de Gales poderia ter tomado no início disso tudo — no qual ela revelava sua cirurgia antecipadamente, explicava o que seria o procedimento e contava como se sentia a respeito. É possível imaginar seus posts em redes sociais depois da operação, com fotos da comida servida no hospital e textos pessoais a respeito da humildade que resulta de sentir-se comprometida fisicamente depois de uma vida desfrutando de boa saúde. Talvez uma declaração dizendo saber que as pessoas estavam pensando nela, mas que ela está se sentindo mal e com a aparência horrível agora e não vai aparecer de pijama na sacada de jeito nenhum, pessoal.

É o que os comuns fariam. Mas não seria o modo da realeza. Isso poderia desfazer o mistério a respeito de onde ela esteve, mas desfazer também a mística da realeza. E vejam o que revelaram os acontecimentos do jeito que ocorreram: a família real não pode mais se comportar como realeza se quiser a confiança do povo.

Mas, quando eles começarem a se comportar como comuns, que sentido haverá em sua existência?

Numa coincidência aberrante ou numa trolagem de verdadeiros especialistas, as semanas recentes também testemunharam alguns movimentos menores da ala californiana da família real, Harry e Meghan, que em 2020 serraram sabiamente seu ramo da árvore genealógica e o levaram para Montecito. Após anos de silêncio nas redes sociais, a duquesa de Sussex relançou a presença no Instagram da “American Riviera Orchard”, apresentando uma insígnia em tom dourado-pastel sobre um fundo de tecido.

Meghan Markle participa de conferência nos Estados Unidos, 8 de março de 2024.  Foto: Suzanne Cordeiro / AFP

O website ainda está vazio — os usuários podem “entrar na lista de espera” — mas bisbilhoteiros que esquadrinharam as solicitações de registros de marcas nos EUA souberam que a American Riviera Orchard é uma empresa voltada para o lar que pretende vender produtos como artigos de papelaria, candelabros e tapetinhos de ioga.

Guardem minhas palavras, nós veremos algo como Gwyneth Paltrow encontra Stonewall Kitchen; veremos conservas e chutneys e as calças de jardinagem preferidas de Meghan; e mais do que qualquer pessoa gostaria de saber a respeito dos remédios ervais preferidos de Harry quando ele pega gripe. Será lindo, ridicularizável e sincero — e também inteiramente encenado.

Porque Harry e Meghan sabem ser famosos. Eles odiavam pertencer à família real, mas da fama eles gostam. Eles lançarão uma marca de estilo de vida, e Kate lançará mil conspirações, vídeos em baixa resolução, calças de ioga, até finalmente retornar para sua agenda pública normal e seu próprio estilo de vida — a marca da realeza — que as pessoas não estão certas se ainda precisam comprar. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

Na tarde da segunda-feira, o filme de Zapruder a respeito do mistério de Kate Middleton surgiu no TMZ, mostrando a princesa de Gales saindo com o marido de uma loja rural de Windsor e, ainda que não estivesse exatamente glamurosa — trajava legging e roupa esportiva — ela não parecia, sabe, morta; o que pareceu pôr fim a uma das teorias conspiratórias mais amalucadas na internet: que a mulher tinha morrido e a família real tinha passado meses plagiando “Um morto muito louco”.

“Bom, já era”, eu pensei, e cinco minutos depois escutei de um amigo — um amigo sensato e razoável (que antes do mês passado provavelmente não conseguiria nem identificar a princesa em uma foto) afirmando: “É uma dublê de corpo, né? Normalmente ela não anda desse jeito”.

Vamos recapitular:

Em janeiro, a família real anunciou que a princesa tinha dado entrada no hospital para uma “cirurgia abdominal planejada” e que ela se afastaria das funções públicas até aproximadamente a Páscoa. Tudo ficou em silêncio por várias semanas, até que observadores da realeza começaram a achar estranho Kate não ter aparecido absolutamente. (Nenhum aceno da sacada? Nenhum vídeo pré-gravado “agradecendo seus desejos de melhoras”?) E as teorias conspiratórias só esquentaram quando ela foi vista: uma foto de família que o casal postou no Instagram foi republicada por meios de imprensa e retirada imediatamente quando se descobriu que a imagem tinha sido editada de forma precária e ridícula, com um pedaço da manga da princesa Charlotte faltando.

Kate desculpou-se depois admitindo que ela mesma editou a foto e, se quiséssemos, nós poderíamos encontrar explicações perfeitamente razoáveis. Talvez fosse a única maneira de mostrar todos os três filhos na mesma foto ou talvez ela sentiu que sua aparência precisava de um retoque porque ela estava, de fato, recuperando-se de uma cirurgia abdominal. Bem, tarde demais. Naquele ponto, todo o mistério Kate Middleton tinha virado, como escreveu Helen Lewis na Atlantic, “O QAnon das mamães do vinho”.

Foto editada alimentou especulações sobre saúde da princesa Kate Middleton Foto: Reprodução/KensingtonRoyal

Por que tanta gente acreditou nessa nojeira? Mais especificamente, por que a família real não jogou logo um desinfetante em cima e passou o rodo? Como os Windsors, cujo trabalho inteiro é uma questão de imagem, conseguiram ser tão ruins em controlar sua imagem?

Há um argumento a se sustentar de que a família real, apesar de séculos de prática, não tem ideia do que é ser famoso. Pelo menos… não na modernidade.

Quando a rainha Elizabeth II foi coroada, em 1953, fama era uma coisa diferente. Esperava-se de chefes de Estado que vivessem suas vidas pessoais privadamente. O câncer de pulmão que tirou a vida do pai de Elizabeth, George VI, foi um segredo tão guardado que sua morte chocou a nação, que não tinha nem percebido que ele estava doente. E então a rainha reinou por 70 anos, e os costumes em torno dela mudaram, mas não os costumes que se aplicavam a ela, a respeito da privacidade de sua própria saúde. Uma biografia póstuma, prevista para ser publicada no próximo mês, relata que Elizabeth também vinha combatendo um câncer, um mieloma, por anos antes de morrer, e ninguém soube. Ela conseguiu praticar um protocolo de fama dos anos 50 até 2022.

Mas, quando a rainha morreu, nós vivíamos em um mundo de lendas urbanas, ativismo antivax, gente virando jacaré e catástrofes, muito diferente de 1952, e a família real ainda opera como se vivesse em um mundo no qual o público acreditará quando seus membros definirem uma intercorrência médica como rotineira ou algo planejado.

O anúncio da cirurgia de Kate foi feito no mesmo dia que o palácio anunciou que o rei Charles III buscaria tratamento para sua próstata aumentada. A notícia a respeito de Charles transformou-se posteriormente em um anúncio de que o rei buscaria tratamento para um câncer. Nós sabemos que o palácio discute a possibilidade de mudanças possivelmente necessárias na parada em celebração ao seu aniversário, em junho, e se ele terá de deixar Buckingham numa carruagem, em vez de cavalgando.

Podemos imaginar o que o público está pensando a respeito disso tudo.

A questão de nos importarmos ou não com a saúde de Charles ou de Kate é quase irrelevante, assim como a dúvida a respeito do que “realmente” está acontecendo com a família, se é que alguma coisa que está  “realmente” acontecendo com a família.

(Marquesa de Cholmondeley? Gloucester? Ostomia? Quem sabe, sabe). Esses cavalos já deixaram o estábulo, não importa se o rei está montado na sela ou sentado na carruagem.

Todo esse fiasco revela numa escala mais grandiosa que a família real perdeu o controle de sua narrativa e não sabe como retomá-lo. Sua marca é antiga e construída sobre mistério em vez de transparência, simpatia em vez de empatia, estando entre o povo mas não como pessoas comuns.

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É o que os comuns fariam. Mas não seria o modo da realeza. Isso poderia desfazer o mistério a respeito de onde ela esteve, mas desfazer também a mística da realeza. E vejam o que revelaram os acontecimentos do jeito que ocorreram: a família real não pode mais se comportar como realeza se quiser a confiança do povo.

Mas, quando eles começarem a se comportar como comuns, que sentido haverá em sua existência?

Numa coincidência aberrante ou numa trolagem de verdadeiros especialistas, as semanas recentes também testemunharam alguns movimentos menores da ala californiana da família real, Harry e Meghan, que em 2020 serraram sabiamente seu ramo da árvore genealógica e o levaram para Montecito. Após anos de silêncio nas redes sociais, a duquesa de Sussex relançou a presença no Instagram da “American Riviera Orchard”, apresentando uma insígnia em tom dourado-pastel sobre um fundo de tecido.

Meghan Markle participa de conferência nos Estados Unidos, 8 de março de 2024.  Foto: Suzanne Cordeiro / AFP

O website ainda está vazio — os usuários podem “entrar na lista de espera” — mas bisbilhoteiros que esquadrinharam as solicitações de registros de marcas nos EUA souberam que a American Riviera Orchard é uma empresa voltada para o lar que pretende vender produtos como artigos de papelaria, candelabros e tapetinhos de ioga.

Guardem minhas palavras, nós veremos algo como Gwyneth Paltrow encontra Stonewall Kitchen; veremos conservas e chutneys e as calças de jardinagem preferidas de Meghan; e mais do que qualquer pessoa gostaria de saber a respeito dos remédios ervais preferidos de Harry quando ele pega gripe. Será lindo, ridicularizável e sincero — e também inteiramente encenado.

Porque Harry e Meghan sabem ser famosos. Eles odiavam pertencer à família real, mas da fama eles gostam. Eles lançarão uma marca de estilo de vida, e Kate lançará mil conspirações, vídeos em baixa resolução, calças de ioga, até finalmente retornar para sua agenda pública normal e seu próprio estilo de vida — a marca da realeza — que as pessoas não estão certas se ainda precisam comprar. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

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