Por que a guerra entre Israel e Hamas é tão difícil de entender? Leia a coluna de Thomas Friedman


Uma Autoridade Palestina repaginada é a pedra angular para solucionar o conflito na Faixa de Gaza

Por Thomas Friedman

A razão pela qual a guerra entre Israel e o Hamas é difícil de entender para quem a vê de fora é que três guerras ocorrem ao mesmo tempo: uma entre judeus israelenses e os palestinos, exacerbada por um grupo terrorista; uma dentro das sociedades israelense e palestina sobre o futuro; e outra entre o Irã com seus apoiadores e os Estados Unidos e seus aliados.

Mas antes de esmiuçarmos essas guerras, aqui vai a coisa mais importante para se ter em mente a respeito delas: existe uma fórmula singular capaz de maximizar as chances das forças da decência prevalecerem em todas. É a fórmula pela qual, penso eu, o presidente Joe Biden está pressionando, mesmo que não possa expressá-la publicamente neste momento — e todos nós devemos pressionar junto com ele: nós devemos querer o Hamas derrotado; o máximo de vidas civis poupadas em Gaza; o primeiro-ministro de Israel, Binyamin Netanyahu, e seus aliados extremistas enxotados do governo; todos os reféns libertados; o Irã dissuadido; e a Autoridade Palestina revigorada na Cisjordânia em parceria com Estados árabes moderados.

Prestem atenção particularmente ao último ponto: uma Autoridade Palestina repaginada é a pedra angular das forças da moderação, da coexistência e da decência triunfando nestas três guerras. É o pilar da reativação da solução de dois Estados, o cerne da criação de uma fundação estável para a normalização das relações entre Israel, Arábia Saudita e o mundo árabe-muçulmano. E é a base para a criação de uma aliança entre Israel, árabes moderados, os EUA e a Otan capaz de enfraquecer o Irã e seus aliados Hamas, Hezbollah e houthis — que não vieram ao mundo para fazer o bem.

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Joe Biden e Netanyahu discutem a guerra em Gaza: Hamas atacou Israel em 7 de outubro 

Pressão radical

Infelizmente, conforme noticiou na terça-feira o setorista de Forças Armadas do Haaretz Amos Harel, Netanyahu “está enlaçado pela extrema direita e pelos colonos, que estão travando uma guerra total contra a ideia de qualquer envolvimento da Autoridade Palestina em Gaza principalmente por temer que EUA e Arábia Saudita explorem um movimento desse tipo para reiniciar o processo político e pressionar por uma solução de dois Estados de uma maneira que exija de Israel abrir concessões na Cisjordânia”. Portanto, Netanyahu, “sob pressão de seus parceiros políticos, baniu qualquer discussão sobre essa opção”.

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Se Netanyahu é refém de sua direita, Biden precisa ter muito cuidado para não se tornar refém de Bibi. Não é assim que se vence essas três guerras de uma só vez.

A primeira e mais óbvia dessas três guerras é a rodada mais recente da batalha de um século entre dois povos autóctones — judeus e palestinos — pela mesma terra, mas agora com um novo desdobramento: desta vez, o lado palestino não é liderado pela Autoridade Palestina, que desde Oslo se compromete a alcançar uma solução de dois Estados com base nas fronteiras existentes antes da guerra de 1967; o lado palestino é liderado pelo Hamas, uma organização islamista militante dedicada a erradicar o Estado judaico.

Em 7 de outubro, o Hamas entrou numa guerra de aniquilação. Os únicos mapas que o grupo seguiu não foram da solução de dois Estados, mas dos caminhos para encontrar o máximo de gente nos kibutzim israelenses para matar ou sequestrar.

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Ainda que eu não tenha nenhuma dúvida de que pôr fim ao governo do Hamas em Gaza — e todos os regimes árabes sunitas, exceto o Catar, torcem silenciosamente por isso — é necessário para dar tanto aos palestinos de Gaza quanto aos israelenses esperança de um futuro melhor, todo o esforço de guerra israelense será deslegitimado e se tornará insustentável se Israel não tiver muito mais cuidado com os civis palestinos. A invasão do Hamas e a apressada contrainvasão israelense estão ocasionando um desastre humanitário em Gaza que apenas enfatiza o quanto Israel precisa legitimar um parceiro palestino para ajudar a governar Gaza na manhã seguinte.

Cidade de Gaza após bombardeios israelenses 

Visão de futuro

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A segunda guerra, muito relacionada com a primeira, é a luta dentro das sociedades palestina e israelense sobre suas respectivas visões para si mesmas a médio prazo.

O Hamas argumenta que este conflito é uma guerra étnico-religiosa primeiramente entre palestinos muçulmanos e judeus e que seu objetivo é estabelecer um Estado islâmico em toda a Palestina, do Rio Jordão ao Mar Mediterrâneo. Para o Hamas, é tudo ou nada.

Há uma imagem das visões extremistas do Hamas espelhada no lado israelense. Os colonos supremacistas judeus representados no gabinete de Netanyahu não distinguem entre palestinos que apoiam Oslo e palestinos que apoiam o Hamas. Eles veem todos os palestinos como descendentes modernos dos amalequitas. Conforme explicou a revista Mosaic, os amalequitas eram uma tribo de piratas do deserto mencionada com frequência na Bíblia, que habitavam a região atualmente do norte do Negev, próximo à Faixa de Gaza, e viviam de pilhar.

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Talvez não surpreenda, então, que alguns colonos judeus simplesmente não consigam parar de falar a respeito de reconstruir assentamentos em Gaza. Eles querem uma Grande Israel do rio até o mar. Netanyahu reuniu esses partidos de extrema direita e adotou sua agenda para formar governo e agora não consegue expulsá-los sem perder seu cargo de primeiro-ministro.

Em cada comunidade, porém, também há gente que considera esta guerra um capítulo de uma luta política entre dois Estados-nação, cada qual com sociedades diversas que acreditam, em teoria, que a guerra não tem de ser um tudo ou nada. Essas pessoas vislumbram uma partilha de território entre um Estado palestino com muçulmanos e cristãos — e até judeus — na Cisjordânia, em Gaza e em Jerusalém Oriental que coexista pacificamente ao lado de um Estado israelense com sua própria mescla entre judeus, árabes e drusos.

Os defensores da solução de dois Estados estão agora na defensiva em ambas as comunidades em sua luta contra os defensores de um só Estado. Portanto, é do mais alto interesse dos EUA e de todas as vozes moderadas trazer de volta à mesa a alternativa de dois Estados. O que exigirá uma Autoridade Palestina revigorada, purgada da corrupção, sem incitações antissemitas em seus livros escolares e que possua um governo e forças de segurança confiáveis.

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Um plano para o futuro

É a isso que Estados como Emirados Árabes Unidos e Arábia Saudita, juntamente com os EUA, deveriam se dedicar imediatamente. Qualquer solução de dois Estados no caminho adiante será impossível sem uma Autoridade Palestina crível e legítima que Israel confie para governar a Faixa de Gaza pós-Hamas e a Cisjordânia. As partes estarão à altura?

A vitória na terceira guerra também é impossível sem isso. Essa terceira guerra é a que mais me assusta. É a guerra do Irã e seus aliados — o Hamas, o Hezbollah, os houthis e as milícias xiitas no Iraque — contra EUA, Israel e os Estados árabes moderados do Egito, da Arábia Saudita, da Jordânia, dos EAU e do Bahrein.

Essa guerra não é apenas por hegemonia, poder bruto e recursos energéticos, é também por valores. Israel, em sua melhor expressão, e os EUA, em sua melhor expressão, representam a promoção de conceitos humanísticos ocidentais como o empoderamento das mulheres, a democracia multiétnica, o pluralismo, a tolerância religiosa e o estado de direito — que são ameaças diretas à teocracia islâmica e misógina do Irã, que demonstra diariamente sua implacável disposição de encarcerar ou até matar mulheres iranianas por não cobrir suficientemente o cabelo.

E ainda que os aliados árabes dos EUA e de Israel não sejam democracias — e nem aspirem ser — seus líderes estão numa jornada afastando-se do modelo antigo de construção de legitimidade por meio de resistência — a Israel, aos EUA, ao Irã, às milícias xiitas apoiadas por Teerã — e aproximando-se da construção de sua legitimidade oferecendo resiliência aos seus povos (por meio de educação, capacitação e cada vez mais consciência ambiental) para que eles possam se desenvolver plenamente.

Não é esta a agenda do Irã. A dimensão do poder bruto trata de quem será o hegemon, o cachorro grande, na região: o Irã xiita, aliado à Rússia e estendendo seu alcance ao Iraque, à Síria, ao Líbano e ao Iêmen; ou a Arábia Saudita dominada por sunitas, em aliança tácita com Bahrein, EAU, Jordânia, Egito, Israel e todos os demais países apoiados pelos EUA. Nessa terceira guerra, o objetivo do Irã é expulsar os EUA do Oriente Médio, destruir Israel, intimidar aliados de Washington árabes sunitas e fazê-los se curvar à sua vontade.

Nessa guerra, os EUA estão projetando poder por meio das nossas duas frotas com porta-aviões ancoradas no Oriente Médio. Enquanto isso, o Irã nos afronta com o que eu chamo de “porta-aviões terrestres” — sua rede de apoiadores no Líbano, na Síria, em Gaza, na Cisjordânia, no Iêmen e no Iraque, que lhe serve como plataforma de lançamento de ataques com foguetes contra forças americanas e é Israel tão mortífera quanto os nossos porta-aviões.

A ameaça persa

Essa terceira guerra começou a escalar em 14 de setembro de 2019, quando o Irã lançou um audacioso e não provocado ataque de drones contra duas grandes instalações de processamento de petróleo da Saudi Aramco em Abqaiq e Khurais. O governo Trump não fez nada. “Foi um ataque contra a Arábia Saudita, não contra nós”, disse o ex-presidente Donald Trump. Em 17 de janeiro de 2022, a milícia iemenita Houthi, alinhada com o Irã, atacou os Emirados Árabes Unidos com mísseis e drones, provocando um incêndio próximo ao aeroporto de Abu Dhabi e explosões em caminhões de combustível que mataram três pessoas. Novamente, os EUA não responderam.

Portanto, não deveria surpreender que em 7 de outubro o Hamas tenha ousado lançar seu ataque assassino na fronteira oeste de Israel; pouco depois, o Hezbollah, aliado do Irã, começou a lançar ataques de mísseis diariamente contra a região da fronteira norte de Israel; e os houthis começaram a lançar drones contra o sul de Israel, tomaram um navio no Mar Vermelho e atacaram outras duas embarcações.

Eu acredito que os golpes de estrangulamento do regime clerical do Irã — que prega ódio contra judeus — vindos do oeste, do norte e do sul contra Israel são uma ameaça existencial ao Estado judaico. Tudo que o Irã precisa é fazer com que o Hamas, o Hezbollah e os houthis lancem um ataque de foguete por dia contra Israel que dezenas de milhares de israelenses se recusarão a retornar para suas casas ao longo das regiões fronteiriças sob fogo. O país encolherá — ou coisa pior.

Considerem uma pesquisa do economista israelense Dan Ben-David, que dirige o Instituto Shoresh de Pesquisa Socioeconômica, da Universidade de Tel-Aviv. Em um país de 9 milhões de habitantes, em que 21% dos alunos do 1.º ano do ensino fundamental são judeus ultraortodoxos, cuja vasta maioria não recebe virtualmente nenhuma educação secular, e outros 23% são árabes-israelenses escolarizados em instituições públicas cronicamente subfinanciadas, notou Ben-David, “menos de 400 mil indivíduos são responsáveis por manter Israel no mundo desenvolvido”.

Estamos falando dos excelentes pesquisadores, cientistas, mestres em tecnologia, cibernética e inovação que impulsionam a economia da nação startup e suas indústrias de defesa. Hoje, a vasta maioria é altamente motivada e apoia o governo israelense. Mas se Israel não conseguir manter fronteiras estáveis e vias logísticas, parte desses 400 mil indivíduos vai emigrar.

“Se uma massa crítica entre eles decidir partir, as consequências para Israel serão catastróficas”, afirmou Ben-David. Afinal, “em 2017, 92% de toda a arrecadação tributária veio de apenas 20% dos adultos” — com esses 400 mil indivíduos responsáveis por criar os motores da riqueza que gerou aqueles 92%.

Se o Irã alcançar esse objetivo, seu apetite por pressionar qualquer rival com seus porta-aviões terrestres só fará crescer. Israel consegue lutar com força e é capaz de atacar alvos profundos no Irã. Mas, em última instância, para livrar-se do estrangulamento cada vez mais sufocante de Teerã, Israel precisa dos EUA, da Otan e dos Estados árabes moderados. E os EUA, a Otan e os Estados árabes moderados precisam de Israel.

Mas essa aliança não será forjada se Netanyahu persistir com sua política de minar a Autoridade Palestina na Cisjordânia — essencialmente levando Israel e seus 7 milhões de judeus a controlar indefinidamente os 5 milhões de palestinos em Gaza e na Cisjordânia. Nem as forças pró-EUA na região nem o próprio Joe Biden poderão ser — e não serão — parte disso.

Conclusões

Então eu termino onde comecei, mas agora com esperança de que três coisas estejam totalmente claras:

1. A pedra angular da vitória nessas três guerras é uma Autoridade Palestina moderada, eficaz e legítima capaz de substituir o Hamas em Gaza, ser uma parceira ativa e crível no caminho para uma solução de dois Estados com Israel e portanto possibilitar à Arábia Saudita e a outros Estados árabes muçulmanos justificar a normalização de relações com o Estado judaico e isolar o Irã e seus aliados.

2. Os contrários a esse pilar são o Hamas e a coalizão de extrema direita de Netanyahu que se recusa a fazer qualquer coisa para reconstruir, quem dirá ampliar, o papel da Autoridade Palestina.

3. Israel e seus aliados americanos não são capazes de criar uma aliança regional pós-Hamas sustentável nem estabilizar Gaza permanentemente enquanto Binyamin Netanyahu reinar como primeiro-ministro de Israel. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

A razão pela qual a guerra entre Israel e o Hamas é difícil de entender para quem a vê de fora é que três guerras ocorrem ao mesmo tempo: uma entre judeus israelenses e os palestinos, exacerbada por um grupo terrorista; uma dentro das sociedades israelense e palestina sobre o futuro; e outra entre o Irã com seus apoiadores e os Estados Unidos e seus aliados.

Mas antes de esmiuçarmos essas guerras, aqui vai a coisa mais importante para se ter em mente a respeito delas: existe uma fórmula singular capaz de maximizar as chances das forças da decência prevalecerem em todas. É a fórmula pela qual, penso eu, o presidente Joe Biden está pressionando, mesmo que não possa expressá-la publicamente neste momento — e todos nós devemos pressionar junto com ele: nós devemos querer o Hamas derrotado; o máximo de vidas civis poupadas em Gaza; o primeiro-ministro de Israel, Binyamin Netanyahu, e seus aliados extremistas enxotados do governo; todos os reféns libertados; o Irã dissuadido; e a Autoridade Palestina revigorada na Cisjordânia em parceria com Estados árabes moderados.

Prestem atenção particularmente ao último ponto: uma Autoridade Palestina repaginada é a pedra angular das forças da moderação, da coexistência e da decência triunfando nestas três guerras. É o pilar da reativação da solução de dois Estados, o cerne da criação de uma fundação estável para a normalização das relações entre Israel, Arábia Saudita e o mundo árabe-muçulmano. E é a base para a criação de uma aliança entre Israel, árabes moderados, os EUA e a Otan capaz de enfraquecer o Irã e seus aliados Hamas, Hezbollah e houthis — que não vieram ao mundo para fazer o bem.

Joe Biden e Netanyahu discutem a guerra em Gaza: Hamas atacou Israel em 7 de outubro 

Pressão radical

Infelizmente, conforme noticiou na terça-feira o setorista de Forças Armadas do Haaretz Amos Harel, Netanyahu “está enlaçado pela extrema direita e pelos colonos, que estão travando uma guerra total contra a ideia de qualquer envolvimento da Autoridade Palestina em Gaza principalmente por temer que EUA e Arábia Saudita explorem um movimento desse tipo para reiniciar o processo político e pressionar por uma solução de dois Estados de uma maneira que exija de Israel abrir concessões na Cisjordânia”. Portanto, Netanyahu, “sob pressão de seus parceiros políticos, baniu qualquer discussão sobre essa opção”.

Se Netanyahu é refém de sua direita, Biden precisa ter muito cuidado para não se tornar refém de Bibi. Não é assim que se vence essas três guerras de uma só vez.

A primeira e mais óbvia dessas três guerras é a rodada mais recente da batalha de um século entre dois povos autóctones — judeus e palestinos — pela mesma terra, mas agora com um novo desdobramento: desta vez, o lado palestino não é liderado pela Autoridade Palestina, que desde Oslo se compromete a alcançar uma solução de dois Estados com base nas fronteiras existentes antes da guerra de 1967; o lado palestino é liderado pelo Hamas, uma organização islamista militante dedicada a erradicar o Estado judaico.

Em 7 de outubro, o Hamas entrou numa guerra de aniquilação. Os únicos mapas que o grupo seguiu não foram da solução de dois Estados, mas dos caminhos para encontrar o máximo de gente nos kibutzim israelenses para matar ou sequestrar.

Ainda que eu não tenha nenhuma dúvida de que pôr fim ao governo do Hamas em Gaza — e todos os regimes árabes sunitas, exceto o Catar, torcem silenciosamente por isso — é necessário para dar tanto aos palestinos de Gaza quanto aos israelenses esperança de um futuro melhor, todo o esforço de guerra israelense será deslegitimado e se tornará insustentável se Israel não tiver muito mais cuidado com os civis palestinos. A invasão do Hamas e a apressada contrainvasão israelense estão ocasionando um desastre humanitário em Gaza que apenas enfatiza o quanto Israel precisa legitimar um parceiro palestino para ajudar a governar Gaza na manhã seguinte.

Cidade de Gaza após bombardeios israelenses 

Visão de futuro

A segunda guerra, muito relacionada com a primeira, é a luta dentro das sociedades palestina e israelense sobre suas respectivas visões para si mesmas a médio prazo.

O Hamas argumenta que este conflito é uma guerra étnico-religiosa primeiramente entre palestinos muçulmanos e judeus e que seu objetivo é estabelecer um Estado islâmico em toda a Palestina, do Rio Jordão ao Mar Mediterrâneo. Para o Hamas, é tudo ou nada.

Há uma imagem das visões extremistas do Hamas espelhada no lado israelense. Os colonos supremacistas judeus representados no gabinete de Netanyahu não distinguem entre palestinos que apoiam Oslo e palestinos que apoiam o Hamas. Eles veem todos os palestinos como descendentes modernos dos amalequitas. Conforme explicou a revista Mosaic, os amalequitas eram uma tribo de piratas do deserto mencionada com frequência na Bíblia, que habitavam a região atualmente do norte do Negev, próximo à Faixa de Gaza, e viviam de pilhar.

Talvez não surpreenda, então, que alguns colonos judeus simplesmente não consigam parar de falar a respeito de reconstruir assentamentos em Gaza. Eles querem uma Grande Israel do rio até o mar. Netanyahu reuniu esses partidos de extrema direita e adotou sua agenda para formar governo e agora não consegue expulsá-los sem perder seu cargo de primeiro-ministro.

Em cada comunidade, porém, também há gente que considera esta guerra um capítulo de uma luta política entre dois Estados-nação, cada qual com sociedades diversas que acreditam, em teoria, que a guerra não tem de ser um tudo ou nada. Essas pessoas vislumbram uma partilha de território entre um Estado palestino com muçulmanos e cristãos — e até judeus — na Cisjordânia, em Gaza e em Jerusalém Oriental que coexista pacificamente ao lado de um Estado israelense com sua própria mescla entre judeus, árabes e drusos.

Os defensores da solução de dois Estados estão agora na defensiva em ambas as comunidades em sua luta contra os defensores de um só Estado. Portanto, é do mais alto interesse dos EUA e de todas as vozes moderadas trazer de volta à mesa a alternativa de dois Estados. O que exigirá uma Autoridade Palestina revigorada, purgada da corrupção, sem incitações antissemitas em seus livros escolares e que possua um governo e forças de segurança confiáveis.

Um plano para o futuro

É a isso que Estados como Emirados Árabes Unidos e Arábia Saudita, juntamente com os EUA, deveriam se dedicar imediatamente. Qualquer solução de dois Estados no caminho adiante será impossível sem uma Autoridade Palestina crível e legítima que Israel confie para governar a Faixa de Gaza pós-Hamas e a Cisjordânia. As partes estarão à altura?

A vitória na terceira guerra também é impossível sem isso. Essa terceira guerra é a que mais me assusta. É a guerra do Irã e seus aliados — o Hamas, o Hezbollah, os houthis e as milícias xiitas no Iraque — contra EUA, Israel e os Estados árabes moderados do Egito, da Arábia Saudita, da Jordânia, dos EAU e do Bahrein.

Essa guerra não é apenas por hegemonia, poder bruto e recursos energéticos, é também por valores. Israel, em sua melhor expressão, e os EUA, em sua melhor expressão, representam a promoção de conceitos humanísticos ocidentais como o empoderamento das mulheres, a democracia multiétnica, o pluralismo, a tolerância religiosa e o estado de direito — que são ameaças diretas à teocracia islâmica e misógina do Irã, que demonstra diariamente sua implacável disposição de encarcerar ou até matar mulheres iranianas por não cobrir suficientemente o cabelo.

E ainda que os aliados árabes dos EUA e de Israel não sejam democracias — e nem aspirem ser — seus líderes estão numa jornada afastando-se do modelo antigo de construção de legitimidade por meio de resistência — a Israel, aos EUA, ao Irã, às milícias xiitas apoiadas por Teerã — e aproximando-se da construção de sua legitimidade oferecendo resiliência aos seus povos (por meio de educação, capacitação e cada vez mais consciência ambiental) para que eles possam se desenvolver plenamente.

Não é esta a agenda do Irã. A dimensão do poder bruto trata de quem será o hegemon, o cachorro grande, na região: o Irã xiita, aliado à Rússia e estendendo seu alcance ao Iraque, à Síria, ao Líbano e ao Iêmen; ou a Arábia Saudita dominada por sunitas, em aliança tácita com Bahrein, EAU, Jordânia, Egito, Israel e todos os demais países apoiados pelos EUA. Nessa terceira guerra, o objetivo do Irã é expulsar os EUA do Oriente Médio, destruir Israel, intimidar aliados de Washington árabes sunitas e fazê-los se curvar à sua vontade.

Nessa guerra, os EUA estão projetando poder por meio das nossas duas frotas com porta-aviões ancoradas no Oriente Médio. Enquanto isso, o Irã nos afronta com o que eu chamo de “porta-aviões terrestres” — sua rede de apoiadores no Líbano, na Síria, em Gaza, na Cisjordânia, no Iêmen e no Iraque, que lhe serve como plataforma de lançamento de ataques com foguetes contra forças americanas e é Israel tão mortífera quanto os nossos porta-aviões.

A ameaça persa

Essa terceira guerra começou a escalar em 14 de setembro de 2019, quando o Irã lançou um audacioso e não provocado ataque de drones contra duas grandes instalações de processamento de petróleo da Saudi Aramco em Abqaiq e Khurais. O governo Trump não fez nada. “Foi um ataque contra a Arábia Saudita, não contra nós”, disse o ex-presidente Donald Trump. Em 17 de janeiro de 2022, a milícia iemenita Houthi, alinhada com o Irã, atacou os Emirados Árabes Unidos com mísseis e drones, provocando um incêndio próximo ao aeroporto de Abu Dhabi e explosões em caminhões de combustível que mataram três pessoas. Novamente, os EUA não responderam.

Portanto, não deveria surpreender que em 7 de outubro o Hamas tenha ousado lançar seu ataque assassino na fronteira oeste de Israel; pouco depois, o Hezbollah, aliado do Irã, começou a lançar ataques de mísseis diariamente contra a região da fronteira norte de Israel; e os houthis começaram a lançar drones contra o sul de Israel, tomaram um navio no Mar Vermelho e atacaram outras duas embarcações.

Eu acredito que os golpes de estrangulamento do regime clerical do Irã — que prega ódio contra judeus — vindos do oeste, do norte e do sul contra Israel são uma ameaça existencial ao Estado judaico. Tudo que o Irã precisa é fazer com que o Hamas, o Hezbollah e os houthis lancem um ataque de foguete por dia contra Israel que dezenas de milhares de israelenses se recusarão a retornar para suas casas ao longo das regiões fronteiriças sob fogo. O país encolherá — ou coisa pior.

Considerem uma pesquisa do economista israelense Dan Ben-David, que dirige o Instituto Shoresh de Pesquisa Socioeconômica, da Universidade de Tel-Aviv. Em um país de 9 milhões de habitantes, em que 21% dos alunos do 1.º ano do ensino fundamental são judeus ultraortodoxos, cuja vasta maioria não recebe virtualmente nenhuma educação secular, e outros 23% são árabes-israelenses escolarizados em instituições públicas cronicamente subfinanciadas, notou Ben-David, “menos de 400 mil indivíduos são responsáveis por manter Israel no mundo desenvolvido”.

Estamos falando dos excelentes pesquisadores, cientistas, mestres em tecnologia, cibernética e inovação que impulsionam a economia da nação startup e suas indústrias de defesa. Hoje, a vasta maioria é altamente motivada e apoia o governo israelense. Mas se Israel não conseguir manter fronteiras estáveis e vias logísticas, parte desses 400 mil indivíduos vai emigrar.

“Se uma massa crítica entre eles decidir partir, as consequências para Israel serão catastróficas”, afirmou Ben-David. Afinal, “em 2017, 92% de toda a arrecadação tributária veio de apenas 20% dos adultos” — com esses 400 mil indivíduos responsáveis por criar os motores da riqueza que gerou aqueles 92%.

Se o Irã alcançar esse objetivo, seu apetite por pressionar qualquer rival com seus porta-aviões terrestres só fará crescer. Israel consegue lutar com força e é capaz de atacar alvos profundos no Irã. Mas, em última instância, para livrar-se do estrangulamento cada vez mais sufocante de Teerã, Israel precisa dos EUA, da Otan e dos Estados árabes moderados. E os EUA, a Otan e os Estados árabes moderados precisam de Israel.

Mas essa aliança não será forjada se Netanyahu persistir com sua política de minar a Autoridade Palestina na Cisjordânia — essencialmente levando Israel e seus 7 milhões de judeus a controlar indefinidamente os 5 milhões de palestinos em Gaza e na Cisjordânia. Nem as forças pró-EUA na região nem o próprio Joe Biden poderão ser — e não serão — parte disso.

Conclusões

Então eu termino onde comecei, mas agora com esperança de que três coisas estejam totalmente claras:

1. A pedra angular da vitória nessas três guerras é uma Autoridade Palestina moderada, eficaz e legítima capaz de substituir o Hamas em Gaza, ser uma parceira ativa e crível no caminho para uma solução de dois Estados com Israel e portanto possibilitar à Arábia Saudita e a outros Estados árabes muçulmanos justificar a normalização de relações com o Estado judaico e isolar o Irã e seus aliados.

2. Os contrários a esse pilar são o Hamas e a coalizão de extrema direita de Netanyahu que se recusa a fazer qualquer coisa para reconstruir, quem dirá ampliar, o papel da Autoridade Palestina.

3. Israel e seus aliados americanos não são capazes de criar uma aliança regional pós-Hamas sustentável nem estabilizar Gaza permanentemente enquanto Binyamin Netanyahu reinar como primeiro-ministro de Israel. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

A razão pela qual a guerra entre Israel e o Hamas é difícil de entender para quem a vê de fora é que três guerras ocorrem ao mesmo tempo: uma entre judeus israelenses e os palestinos, exacerbada por um grupo terrorista; uma dentro das sociedades israelense e palestina sobre o futuro; e outra entre o Irã com seus apoiadores e os Estados Unidos e seus aliados.

Mas antes de esmiuçarmos essas guerras, aqui vai a coisa mais importante para se ter em mente a respeito delas: existe uma fórmula singular capaz de maximizar as chances das forças da decência prevalecerem em todas. É a fórmula pela qual, penso eu, o presidente Joe Biden está pressionando, mesmo que não possa expressá-la publicamente neste momento — e todos nós devemos pressionar junto com ele: nós devemos querer o Hamas derrotado; o máximo de vidas civis poupadas em Gaza; o primeiro-ministro de Israel, Binyamin Netanyahu, e seus aliados extremistas enxotados do governo; todos os reféns libertados; o Irã dissuadido; e a Autoridade Palestina revigorada na Cisjordânia em parceria com Estados árabes moderados.

Prestem atenção particularmente ao último ponto: uma Autoridade Palestina repaginada é a pedra angular das forças da moderação, da coexistência e da decência triunfando nestas três guerras. É o pilar da reativação da solução de dois Estados, o cerne da criação de uma fundação estável para a normalização das relações entre Israel, Arábia Saudita e o mundo árabe-muçulmano. E é a base para a criação de uma aliança entre Israel, árabes moderados, os EUA e a Otan capaz de enfraquecer o Irã e seus aliados Hamas, Hezbollah e houthis — que não vieram ao mundo para fazer o bem.

Joe Biden e Netanyahu discutem a guerra em Gaza: Hamas atacou Israel em 7 de outubro 

Pressão radical

Infelizmente, conforme noticiou na terça-feira o setorista de Forças Armadas do Haaretz Amos Harel, Netanyahu “está enlaçado pela extrema direita e pelos colonos, que estão travando uma guerra total contra a ideia de qualquer envolvimento da Autoridade Palestina em Gaza principalmente por temer que EUA e Arábia Saudita explorem um movimento desse tipo para reiniciar o processo político e pressionar por uma solução de dois Estados de uma maneira que exija de Israel abrir concessões na Cisjordânia”. Portanto, Netanyahu, “sob pressão de seus parceiros políticos, baniu qualquer discussão sobre essa opção”.

Se Netanyahu é refém de sua direita, Biden precisa ter muito cuidado para não se tornar refém de Bibi. Não é assim que se vence essas três guerras de uma só vez.

A primeira e mais óbvia dessas três guerras é a rodada mais recente da batalha de um século entre dois povos autóctones — judeus e palestinos — pela mesma terra, mas agora com um novo desdobramento: desta vez, o lado palestino não é liderado pela Autoridade Palestina, que desde Oslo se compromete a alcançar uma solução de dois Estados com base nas fronteiras existentes antes da guerra de 1967; o lado palestino é liderado pelo Hamas, uma organização islamista militante dedicada a erradicar o Estado judaico.

Em 7 de outubro, o Hamas entrou numa guerra de aniquilação. Os únicos mapas que o grupo seguiu não foram da solução de dois Estados, mas dos caminhos para encontrar o máximo de gente nos kibutzim israelenses para matar ou sequestrar.

Ainda que eu não tenha nenhuma dúvida de que pôr fim ao governo do Hamas em Gaza — e todos os regimes árabes sunitas, exceto o Catar, torcem silenciosamente por isso — é necessário para dar tanto aos palestinos de Gaza quanto aos israelenses esperança de um futuro melhor, todo o esforço de guerra israelense será deslegitimado e se tornará insustentável se Israel não tiver muito mais cuidado com os civis palestinos. A invasão do Hamas e a apressada contrainvasão israelense estão ocasionando um desastre humanitário em Gaza que apenas enfatiza o quanto Israel precisa legitimar um parceiro palestino para ajudar a governar Gaza na manhã seguinte.

Cidade de Gaza após bombardeios israelenses 

Visão de futuro

A segunda guerra, muito relacionada com a primeira, é a luta dentro das sociedades palestina e israelense sobre suas respectivas visões para si mesmas a médio prazo.

O Hamas argumenta que este conflito é uma guerra étnico-religiosa primeiramente entre palestinos muçulmanos e judeus e que seu objetivo é estabelecer um Estado islâmico em toda a Palestina, do Rio Jordão ao Mar Mediterrâneo. Para o Hamas, é tudo ou nada.

Há uma imagem das visões extremistas do Hamas espelhada no lado israelense. Os colonos supremacistas judeus representados no gabinete de Netanyahu não distinguem entre palestinos que apoiam Oslo e palestinos que apoiam o Hamas. Eles veem todos os palestinos como descendentes modernos dos amalequitas. Conforme explicou a revista Mosaic, os amalequitas eram uma tribo de piratas do deserto mencionada com frequência na Bíblia, que habitavam a região atualmente do norte do Negev, próximo à Faixa de Gaza, e viviam de pilhar.

Talvez não surpreenda, então, que alguns colonos judeus simplesmente não consigam parar de falar a respeito de reconstruir assentamentos em Gaza. Eles querem uma Grande Israel do rio até o mar. Netanyahu reuniu esses partidos de extrema direita e adotou sua agenda para formar governo e agora não consegue expulsá-los sem perder seu cargo de primeiro-ministro.

Em cada comunidade, porém, também há gente que considera esta guerra um capítulo de uma luta política entre dois Estados-nação, cada qual com sociedades diversas que acreditam, em teoria, que a guerra não tem de ser um tudo ou nada. Essas pessoas vislumbram uma partilha de território entre um Estado palestino com muçulmanos e cristãos — e até judeus — na Cisjordânia, em Gaza e em Jerusalém Oriental que coexista pacificamente ao lado de um Estado israelense com sua própria mescla entre judeus, árabes e drusos.

Os defensores da solução de dois Estados estão agora na defensiva em ambas as comunidades em sua luta contra os defensores de um só Estado. Portanto, é do mais alto interesse dos EUA e de todas as vozes moderadas trazer de volta à mesa a alternativa de dois Estados. O que exigirá uma Autoridade Palestina revigorada, purgada da corrupção, sem incitações antissemitas em seus livros escolares e que possua um governo e forças de segurança confiáveis.

Um plano para o futuro

É a isso que Estados como Emirados Árabes Unidos e Arábia Saudita, juntamente com os EUA, deveriam se dedicar imediatamente. Qualquer solução de dois Estados no caminho adiante será impossível sem uma Autoridade Palestina crível e legítima que Israel confie para governar a Faixa de Gaza pós-Hamas e a Cisjordânia. As partes estarão à altura?

A vitória na terceira guerra também é impossível sem isso. Essa terceira guerra é a que mais me assusta. É a guerra do Irã e seus aliados — o Hamas, o Hezbollah, os houthis e as milícias xiitas no Iraque — contra EUA, Israel e os Estados árabes moderados do Egito, da Arábia Saudita, da Jordânia, dos EAU e do Bahrein.

Essa guerra não é apenas por hegemonia, poder bruto e recursos energéticos, é também por valores. Israel, em sua melhor expressão, e os EUA, em sua melhor expressão, representam a promoção de conceitos humanísticos ocidentais como o empoderamento das mulheres, a democracia multiétnica, o pluralismo, a tolerância religiosa e o estado de direito — que são ameaças diretas à teocracia islâmica e misógina do Irã, que demonstra diariamente sua implacável disposição de encarcerar ou até matar mulheres iranianas por não cobrir suficientemente o cabelo.

E ainda que os aliados árabes dos EUA e de Israel não sejam democracias — e nem aspirem ser — seus líderes estão numa jornada afastando-se do modelo antigo de construção de legitimidade por meio de resistência — a Israel, aos EUA, ao Irã, às milícias xiitas apoiadas por Teerã — e aproximando-se da construção de sua legitimidade oferecendo resiliência aos seus povos (por meio de educação, capacitação e cada vez mais consciência ambiental) para que eles possam se desenvolver plenamente.

Não é esta a agenda do Irã. A dimensão do poder bruto trata de quem será o hegemon, o cachorro grande, na região: o Irã xiita, aliado à Rússia e estendendo seu alcance ao Iraque, à Síria, ao Líbano e ao Iêmen; ou a Arábia Saudita dominada por sunitas, em aliança tácita com Bahrein, EAU, Jordânia, Egito, Israel e todos os demais países apoiados pelos EUA. Nessa terceira guerra, o objetivo do Irã é expulsar os EUA do Oriente Médio, destruir Israel, intimidar aliados de Washington árabes sunitas e fazê-los se curvar à sua vontade.

Nessa guerra, os EUA estão projetando poder por meio das nossas duas frotas com porta-aviões ancoradas no Oriente Médio. Enquanto isso, o Irã nos afronta com o que eu chamo de “porta-aviões terrestres” — sua rede de apoiadores no Líbano, na Síria, em Gaza, na Cisjordânia, no Iêmen e no Iraque, que lhe serve como plataforma de lançamento de ataques com foguetes contra forças americanas e é Israel tão mortífera quanto os nossos porta-aviões.

A ameaça persa

Essa terceira guerra começou a escalar em 14 de setembro de 2019, quando o Irã lançou um audacioso e não provocado ataque de drones contra duas grandes instalações de processamento de petróleo da Saudi Aramco em Abqaiq e Khurais. O governo Trump não fez nada. “Foi um ataque contra a Arábia Saudita, não contra nós”, disse o ex-presidente Donald Trump. Em 17 de janeiro de 2022, a milícia iemenita Houthi, alinhada com o Irã, atacou os Emirados Árabes Unidos com mísseis e drones, provocando um incêndio próximo ao aeroporto de Abu Dhabi e explosões em caminhões de combustível que mataram três pessoas. Novamente, os EUA não responderam.

Portanto, não deveria surpreender que em 7 de outubro o Hamas tenha ousado lançar seu ataque assassino na fronteira oeste de Israel; pouco depois, o Hezbollah, aliado do Irã, começou a lançar ataques de mísseis diariamente contra a região da fronteira norte de Israel; e os houthis começaram a lançar drones contra o sul de Israel, tomaram um navio no Mar Vermelho e atacaram outras duas embarcações.

Eu acredito que os golpes de estrangulamento do regime clerical do Irã — que prega ódio contra judeus — vindos do oeste, do norte e do sul contra Israel são uma ameaça existencial ao Estado judaico. Tudo que o Irã precisa é fazer com que o Hamas, o Hezbollah e os houthis lancem um ataque de foguete por dia contra Israel que dezenas de milhares de israelenses se recusarão a retornar para suas casas ao longo das regiões fronteiriças sob fogo. O país encolherá — ou coisa pior.

Considerem uma pesquisa do economista israelense Dan Ben-David, que dirige o Instituto Shoresh de Pesquisa Socioeconômica, da Universidade de Tel-Aviv. Em um país de 9 milhões de habitantes, em que 21% dos alunos do 1.º ano do ensino fundamental são judeus ultraortodoxos, cuja vasta maioria não recebe virtualmente nenhuma educação secular, e outros 23% são árabes-israelenses escolarizados em instituições públicas cronicamente subfinanciadas, notou Ben-David, “menos de 400 mil indivíduos são responsáveis por manter Israel no mundo desenvolvido”.

Estamos falando dos excelentes pesquisadores, cientistas, mestres em tecnologia, cibernética e inovação que impulsionam a economia da nação startup e suas indústrias de defesa. Hoje, a vasta maioria é altamente motivada e apoia o governo israelense. Mas se Israel não conseguir manter fronteiras estáveis e vias logísticas, parte desses 400 mil indivíduos vai emigrar.

“Se uma massa crítica entre eles decidir partir, as consequências para Israel serão catastróficas”, afirmou Ben-David. Afinal, “em 2017, 92% de toda a arrecadação tributária veio de apenas 20% dos adultos” — com esses 400 mil indivíduos responsáveis por criar os motores da riqueza que gerou aqueles 92%.

Se o Irã alcançar esse objetivo, seu apetite por pressionar qualquer rival com seus porta-aviões terrestres só fará crescer. Israel consegue lutar com força e é capaz de atacar alvos profundos no Irã. Mas, em última instância, para livrar-se do estrangulamento cada vez mais sufocante de Teerã, Israel precisa dos EUA, da Otan e dos Estados árabes moderados. E os EUA, a Otan e os Estados árabes moderados precisam de Israel.

Mas essa aliança não será forjada se Netanyahu persistir com sua política de minar a Autoridade Palestina na Cisjordânia — essencialmente levando Israel e seus 7 milhões de judeus a controlar indefinidamente os 5 milhões de palestinos em Gaza e na Cisjordânia. Nem as forças pró-EUA na região nem o próprio Joe Biden poderão ser — e não serão — parte disso.

Conclusões

Então eu termino onde comecei, mas agora com esperança de que três coisas estejam totalmente claras:

1. A pedra angular da vitória nessas três guerras é uma Autoridade Palestina moderada, eficaz e legítima capaz de substituir o Hamas em Gaza, ser uma parceira ativa e crível no caminho para uma solução de dois Estados com Israel e portanto possibilitar à Arábia Saudita e a outros Estados árabes muçulmanos justificar a normalização de relações com o Estado judaico e isolar o Irã e seus aliados.

2. Os contrários a esse pilar são o Hamas e a coalizão de extrema direita de Netanyahu que se recusa a fazer qualquer coisa para reconstruir, quem dirá ampliar, o papel da Autoridade Palestina.

3. Israel e seus aliados americanos não são capazes de criar uma aliança regional pós-Hamas sustentável nem estabilizar Gaza permanentemente enquanto Binyamin Netanyahu reinar como primeiro-ministro de Israel. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

A razão pela qual a guerra entre Israel e o Hamas é difícil de entender para quem a vê de fora é que três guerras ocorrem ao mesmo tempo: uma entre judeus israelenses e os palestinos, exacerbada por um grupo terrorista; uma dentro das sociedades israelense e palestina sobre o futuro; e outra entre o Irã com seus apoiadores e os Estados Unidos e seus aliados.

Mas antes de esmiuçarmos essas guerras, aqui vai a coisa mais importante para se ter em mente a respeito delas: existe uma fórmula singular capaz de maximizar as chances das forças da decência prevalecerem em todas. É a fórmula pela qual, penso eu, o presidente Joe Biden está pressionando, mesmo que não possa expressá-la publicamente neste momento — e todos nós devemos pressionar junto com ele: nós devemos querer o Hamas derrotado; o máximo de vidas civis poupadas em Gaza; o primeiro-ministro de Israel, Binyamin Netanyahu, e seus aliados extremistas enxotados do governo; todos os reféns libertados; o Irã dissuadido; e a Autoridade Palestina revigorada na Cisjordânia em parceria com Estados árabes moderados.

Prestem atenção particularmente ao último ponto: uma Autoridade Palestina repaginada é a pedra angular das forças da moderação, da coexistência e da decência triunfando nestas três guerras. É o pilar da reativação da solução de dois Estados, o cerne da criação de uma fundação estável para a normalização das relações entre Israel, Arábia Saudita e o mundo árabe-muçulmano. E é a base para a criação de uma aliança entre Israel, árabes moderados, os EUA e a Otan capaz de enfraquecer o Irã e seus aliados Hamas, Hezbollah e houthis — que não vieram ao mundo para fazer o bem.

Joe Biden e Netanyahu discutem a guerra em Gaza: Hamas atacou Israel em 7 de outubro 

Pressão radical

Infelizmente, conforme noticiou na terça-feira o setorista de Forças Armadas do Haaretz Amos Harel, Netanyahu “está enlaçado pela extrema direita e pelos colonos, que estão travando uma guerra total contra a ideia de qualquer envolvimento da Autoridade Palestina em Gaza principalmente por temer que EUA e Arábia Saudita explorem um movimento desse tipo para reiniciar o processo político e pressionar por uma solução de dois Estados de uma maneira que exija de Israel abrir concessões na Cisjordânia”. Portanto, Netanyahu, “sob pressão de seus parceiros políticos, baniu qualquer discussão sobre essa opção”.

Se Netanyahu é refém de sua direita, Biden precisa ter muito cuidado para não se tornar refém de Bibi. Não é assim que se vence essas três guerras de uma só vez.

A primeira e mais óbvia dessas três guerras é a rodada mais recente da batalha de um século entre dois povos autóctones — judeus e palestinos — pela mesma terra, mas agora com um novo desdobramento: desta vez, o lado palestino não é liderado pela Autoridade Palestina, que desde Oslo se compromete a alcançar uma solução de dois Estados com base nas fronteiras existentes antes da guerra de 1967; o lado palestino é liderado pelo Hamas, uma organização islamista militante dedicada a erradicar o Estado judaico.

Em 7 de outubro, o Hamas entrou numa guerra de aniquilação. Os únicos mapas que o grupo seguiu não foram da solução de dois Estados, mas dos caminhos para encontrar o máximo de gente nos kibutzim israelenses para matar ou sequestrar.

Ainda que eu não tenha nenhuma dúvida de que pôr fim ao governo do Hamas em Gaza — e todos os regimes árabes sunitas, exceto o Catar, torcem silenciosamente por isso — é necessário para dar tanto aos palestinos de Gaza quanto aos israelenses esperança de um futuro melhor, todo o esforço de guerra israelense será deslegitimado e se tornará insustentável se Israel não tiver muito mais cuidado com os civis palestinos. A invasão do Hamas e a apressada contrainvasão israelense estão ocasionando um desastre humanitário em Gaza que apenas enfatiza o quanto Israel precisa legitimar um parceiro palestino para ajudar a governar Gaza na manhã seguinte.

Cidade de Gaza após bombardeios israelenses 

Visão de futuro

A segunda guerra, muito relacionada com a primeira, é a luta dentro das sociedades palestina e israelense sobre suas respectivas visões para si mesmas a médio prazo.

O Hamas argumenta que este conflito é uma guerra étnico-religiosa primeiramente entre palestinos muçulmanos e judeus e que seu objetivo é estabelecer um Estado islâmico em toda a Palestina, do Rio Jordão ao Mar Mediterrâneo. Para o Hamas, é tudo ou nada.

Há uma imagem das visões extremistas do Hamas espelhada no lado israelense. Os colonos supremacistas judeus representados no gabinete de Netanyahu não distinguem entre palestinos que apoiam Oslo e palestinos que apoiam o Hamas. Eles veem todos os palestinos como descendentes modernos dos amalequitas. Conforme explicou a revista Mosaic, os amalequitas eram uma tribo de piratas do deserto mencionada com frequência na Bíblia, que habitavam a região atualmente do norte do Negev, próximo à Faixa de Gaza, e viviam de pilhar.

Talvez não surpreenda, então, que alguns colonos judeus simplesmente não consigam parar de falar a respeito de reconstruir assentamentos em Gaza. Eles querem uma Grande Israel do rio até o mar. Netanyahu reuniu esses partidos de extrema direita e adotou sua agenda para formar governo e agora não consegue expulsá-los sem perder seu cargo de primeiro-ministro.

Em cada comunidade, porém, também há gente que considera esta guerra um capítulo de uma luta política entre dois Estados-nação, cada qual com sociedades diversas que acreditam, em teoria, que a guerra não tem de ser um tudo ou nada. Essas pessoas vislumbram uma partilha de território entre um Estado palestino com muçulmanos e cristãos — e até judeus — na Cisjordânia, em Gaza e em Jerusalém Oriental que coexista pacificamente ao lado de um Estado israelense com sua própria mescla entre judeus, árabes e drusos.

Os defensores da solução de dois Estados estão agora na defensiva em ambas as comunidades em sua luta contra os defensores de um só Estado. Portanto, é do mais alto interesse dos EUA e de todas as vozes moderadas trazer de volta à mesa a alternativa de dois Estados. O que exigirá uma Autoridade Palestina revigorada, purgada da corrupção, sem incitações antissemitas em seus livros escolares e que possua um governo e forças de segurança confiáveis.

Um plano para o futuro

É a isso que Estados como Emirados Árabes Unidos e Arábia Saudita, juntamente com os EUA, deveriam se dedicar imediatamente. Qualquer solução de dois Estados no caminho adiante será impossível sem uma Autoridade Palestina crível e legítima que Israel confie para governar a Faixa de Gaza pós-Hamas e a Cisjordânia. As partes estarão à altura?

A vitória na terceira guerra também é impossível sem isso. Essa terceira guerra é a que mais me assusta. É a guerra do Irã e seus aliados — o Hamas, o Hezbollah, os houthis e as milícias xiitas no Iraque — contra EUA, Israel e os Estados árabes moderados do Egito, da Arábia Saudita, da Jordânia, dos EAU e do Bahrein.

Essa guerra não é apenas por hegemonia, poder bruto e recursos energéticos, é também por valores. Israel, em sua melhor expressão, e os EUA, em sua melhor expressão, representam a promoção de conceitos humanísticos ocidentais como o empoderamento das mulheres, a democracia multiétnica, o pluralismo, a tolerância religiosa e o estado de direito — que são ameaças diretas à teocracia islâmica e misógina do Irã, que demonstra diariamente sua implacável disposição de encarcerar ou até matar mulheres iranianas por não cobrir suficientemente o cabelo.

E ainda que os aliados árabes dos EUA e de Israel não sejam democracias — e nem aspirem ser — seus líderes estão numa jornada afastando-se do modelo antigo de construção de legitimidade por meio de resistência — a Israel, aos EUA, ao Irã, às milícias xiitas apoiadas por Teerã — e aproximando-se da construção de sua legitimidade oferecendo resiliência aos seus povos (por meio de educação, capacitação e cada vez mais consciência ambiental) para que eles possam se desenvolver plenamente.

Não é esta a agenda do Irã. A dimensão do poder bruto trata de quem será o hegemon, o cachorro grande, na região: o Irã xiita, aliado à Rússia e estendendo seu alcance ao Iraque, à Síria, ao Líbano e ao Iêmen; ou a Arábia Saudita dominada por sunitas, em aliança tácita com Bahrein, EAU, Jordânia, Egito, Israel e todos os demais países apoiados pelos EUA. Nessa terceira guerra, o objetivo do Irã é expulsar os EUA do Oriente Médio, destruir Israel, intimidar aliados de Washington árabes sunitas e fazê-los se curvar à sua vontade.

Nessa guerra, os EUA estão projetando poder por meio das nossas duas frotas com porta-aviões ancoradas no Oriente Médio. Enquanto isso, o Irã nos afronta com o que eu chamo de “porta-aviões terrestres” — sua rede de apoiadores no Líbano, na Síria, em Gaza, na Cisjordânia, no Iêmen e no Iraque, que lhe serve como plataforma de lançamento de ataques com foguetes contra forças americanas e é Israel tão mortífera quanto os nossos porta-aviões.

A ameaça persa

Essa terceira guerra começou a escalar em 14 de setembro de 2019, quando o Irã lançou um audacioso e não provocado ataque de drones contra duas grandes instalações de processamento de petróleo da Saudi Aramco em Abqaiq e Khurais. O governo Trump não fez nada. “Foi um ataque contra a Arábia Saudita, não contra nós”, disse o ex-presidente Donald Trump. Em 17 de janeiro de 2022, a milícia iemenita Houthi, alinhada com o Irã, atacou os Emirados Árabes Unidos com mísseis e drones, provocando um incêndio próximo ao aeroporto de Abu Dhabi e explosões em caminhões de combustível que mataram três pessoas. Novamente, os EUA não responderam.

Portanto, não deveria surpreender que em 7 de outubro o Hamas tenha ousado lançar seu ataque assassino na fronteira oeste de Israel; pouco depois, o Hezbollah, aliado do Irã, começou a lançar ataques de mísseis diariamente contra a região da fronteira norte de Israel; e os houthis começaram a lançar drones contra o sul de Israel, tomaram um navio no Mar Vermelho e atacaram outras duas embarcações.

Eu acredito que os golpes de estrangulamento do regime clerical do Irã — que prega ódio contra judeus — vindos do oeste, do norte e do sul contra Israel são uma ameaça existencial ao Estado judaico. Tudo que o Irã precisa é fazer com que o Hamas, o Hezbollah e os houthis lancem um ataque de foguete por dia contra Israel que dezenas de milhares de israelenses se recusarão a retornar para suas casas ao longo das regiões fronteiriças sob fogo. O país encolherá — ou coisa pior.

Considerem uma pesquisa do economista israelense Dan Ben-David, que dirige o Instituto Shoresh de Pesquisa Socioeconômica, da Universidade de Tel-Aviv. Em um país de 9 milhões de habitantes, em que 21% dos alunos do 1.º ano do ensino fundamental são judeus ultraortodoxos, cuja vasta maioria não recebe virtualmente nenhuma educação secular, e outros 23% são árabes-israelenses escolarizados em instituições públicas cronicamente subfinanciadas, notou Ben-David, “menos de 400 mil indivíduos são responsáveis por manter Israel no mundo desenvolvido”.

Estamos falando dos excelentes pesquisadores, cientistas, mestres em tecnologia, cibernética e inovação que impulsionam a economia da nação startup e suas indústrias de defesa. Hoje, a vasta maioria é altamente motivada e apoia o governo israelense. Mas se Israel não conseguir manter fronteiras estáveis e vias logísticas, parte desses 400 mil indivíduos vai emigrar.

“Se uma massa crítica entre eles decidir partir, as consequências para Israel serão catastróficas”, afirmou Ben-David. Afinal, “em 2017, 92% de toda a arrecadação tributária veio de apenas 20% dos adultos” — com esses 400 mil indivíduos responsáveis por criar os motores da riqueza que gerou aqueles 92%.

Se o Irã alcançar esse objetivo, seu apetite por pressionar qualquer rival com seus porta-aviões terrestres só fará crescer. Israel consegue lutar com força e é capaz de atacar alvos profundos no Irã. Mas, em última instância, para livrar-se do estrangulamento cada vez mais sufocante de Teerã, Israel precisa dos EUA, da Otan e dos Estados árabes moderados. E os EUA, a Otan e os Estados árabes moderados precisam de Israel.

Mas essa aliança não será forjada se Netanyahu persistir com sua política de minar a Autoridade Palestina na Cisjordânia — essencialmente levando Israel e seus 7 milhões de judeus a controlar indefinidamente os 5 milhões de palestinos em Gaza e na Cisjordânia. Nem as forças pró-EUA na região nem o próprio Joe Biden poderão ser — e não serão — parte disso.

Conclusões

Então eu termino onde comecei, mas agora com esperança de que três coisas estejam totalmente claras:

1. A pedra angular da vitória nessas três guerras é uma Autoridade Palestina moderada, eficaz e legítima capaz de substituir o Hamas em Gaza, ser uma parceira ativa e crível no caminho para uma solução de dois Estados com Israel e portanto possibilitar à Arábia Saudita e a outros Estados árabes muçulmanos justificar a normalização de relações com o Estado judaico e isolar o Irã e seus aliados.

2. Os contrários a esse pilar são o Hamas e a coalizão de extrema direita de Netanyahu que se recusa a fazer qualquer coisa para reconstruir, quem dirá ampliar, o papel da Autoridade Palestina.

3. Israel e seus aliados americanos não são capazes de criar uma aliança regional pós-Hamas sustentável nem estabilizar Gaza permanentemente enquanto Binyamin Netanyahu reinar como primeiro-ministro de Israel. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

A razão pela qual a guerra entre Israel e o Hamas é difícil de entender para quem a vê de fora é que três guerras ocorrem ao mesmo tempo: uma entre judeus israelenses e os palestinos, exacerbada por um grupo terrorista; uma dentro das sociedades israelense e palestina sobre o futuro; e outra entre o Irã com seus apoiadores e os Estados Unidos e seus aliados.

Mas antes de esmiuçarmos essas guerras, aqui vai a coisa mais importante para se ter em mente a respeito delas: existe uma fórmula singular capaz de maximizar as chances das forças da decência prevalecerem em todas. É a fórmula pela qual, penso eu, o presidente Joe Biden está pressionando, mesmo que não possa expressá-la publicamente neste momento — e todos nós devemos pressionar junto com ele: nós devemos querer o Hamas derrotado; o máximo de vidas civis poupadas em Gaza; o primeiro-ministro de Israel, Binyamin Netanyahu, e seus aliados extremistas enxotados do governo; todos os reféns libertados; o Irã dissuadido; e a Autoridade Palestina revigorada na Cisjordânia em parceria com Estados árabes moderados.

Prestem atenção particularmente ao último ponto: uma Autoridade Palestina repaginada é a pedra angular das forças da moderação, da coexistência e da decência triunfando nestas três guerras. É o pilar da reativação da solução de dois Estados, o cerne da criação de uma fundação estável para a normalização das relações entre Israel, Arábia Saudita e o mundo árabe-muçulmano. E é a base para a criação de uma aliança entre Israel, árabes moderados, os EUA e a Otan capaz de enfraquecer o Irã e seus aliados Hamas, Hezbollah e houthis — que não vieram ao mundo para fazer o bem.

Joe Biden e Netanyahu discutem a guerra em Gaza: Hamas atacou Israel em 7 de outubro 

Pressão radical

Infelizmente, conforme noticiou na terça-feira o setorista de Forças Armadas do Haaretz Amos Harel, Netanyahu “está enlaçado pela extrema direita e pelos colonos, que estão travando uma guerra total contra a ideia de qualquer envolvimento da Autoridade Palestina em Gaza principalmente por temer que EUA e Arábia Saudita explorem um movimento desse tipo para reiniciar o processo político e pressionar por uma solução de dois Estados de uma maneira que exija de Israel abrir concessões na Cisjordânia”. Portanto, Netanyahu, “sob pressão de seus parceiros políticos, baniu qualquer discussão sobre essa opção”.

Se Netanyahu é refém de sua direita, Biden precisa ter muito cuidado para não se tornar refém de Bibi. Não é assim que se vence essas três guerras de uma só vez.

A primeira e mais óbvia dessas três guerras é a rodada mais recente da batalha de um século entre dois povos autóctones — judeus e palestinos — pela mesma terra, mas agora com um novo desdobramento: desta vez, o lado palestino não é liderado pela Autoridade Palestina, que desde Oslo se compromete a alcançar uma solução de dois Estados com base nas fronteiras existentes antes da guerra de 1967; o lado palestino é liderado pelo Hamas, uma organização islamista militante dedicada a erradicar o Estado judaico.

Em 7 de outubro, o Hamas entrou numa guerra de aniquilação. Os únicos mapas que o grupo seguiu não foram da solução de dois Estados, mas dos caminhos para encontrar o máximo de gente nos kibutzim israelenses para matar ou sequestrar.

Ainda que eu não tenha nenhuma dúvida de que pôr fim ao governo do Hamas em Gaza — e todos os regimes árabes sunitas, exceto o Catar, torcem silenciosamente por isso — é necessário para dar tanto aos palestinos de Gaza quanto aos israelenses esperança de um futuro melhor, todo o esforço de guerra israelense será deslegitimado e se tornará insustentável se Israel não tiver muito mais cuidado com os civis palestinos. A invasão do Hamas e a apressada contrainvasão israelense estão ocasionando um desastre humanitário em Gaza que apenas enfatiza o quanto Israel precisa legitimar um parceiro palestino para ajudar a governar Gaza na manhã seguinte.

Cidade de Gaza após bombardeios israelenses 

Visão de futuro

A segunda guerra, muito relacionada com a primeira, é a luta dentro das sociedades palestina e israelense sobre suas respectivas visões para si mesmas a médio prazo.

O Hamas argumenta que este conflito é uma guerra étnico-religiosa primeiramente entre palestinos muçulmanos e judeus e que seu objetivo é estabelecer um Estado islâmico em toda a Palestina, do Rio Jordão ao Mar Mediterrâneo. Para o Hamas, é tudo ou nada.

Há uma imagem das visões extremistas do Hamas espelhada no lado israelense. Os colonos supremacistas judeus representados no gabinete de Netanyahu não distinguem entre palestinos que apoiam Oslo e palestinos que apoiam o Hamas. Eles veem todos os palestinos como descendentes modernos dos amalequitas. Conforme explicou a revista Mosaic, os amalequitas eram uma tribo de piratas do deserto mencionada com frequência na Bíblia, que habitavam a região atualmente do norte do Negev, próximo à Faixa de Gaza, e viviam de pilhar.

Talvez não surpreenda, então, que alguns colonos judeus simplesmente não consigam parar de falar a respeito de reconstruir assentamentos em Gaza. Eles querem uma Grande Israel do rio até o mar. Netanyahu reuniu esses partidos de extrema direita e adotou sua agenda para formar governo e agora não consegue expulsá-los sem perder seu cargo de primeiro-ministro.

Em cada comunidade, porém, também há gente que considera esta guerra um capítulo de uma luta política entre dois Estados-nação, cada qual com sociedades diversas que acreditam, em teoria, que a guerra não tem de ser um tudo ou nada. Essas pessoas vislumbram uma partilha de território entre um Estado palestino com muçulmanos e cristãos — e até judeus — na Cisjordânia, em Gaza e em Jerusalém Oriental que coexista pacificamente ao lado de um Estado israelense com sua própria mescla entre judeus, árabes e drusos.

Os defensores da solução de dois Estados estão agora na defensiva em ambas as comunidades em sua luta contra os defensores de um só Estado. Portanto, é do mais alto interesse dos EUA e de todas as vozes moderadas trazer de volta à mesa a alternativa de dois Estados. O que exigirá uma Autoridade Palestina revigorada, purgada da corrupção, sem incitações antissemitas em seus livros escolares e que possua um governo e forças de segurança confiáveis.

Um plano para o futuro

É a isso que Estados como Emirados Árabes Unidos e Arábia Saudita, juntamente com os EUA, deveriam se dedicar imediatamente. Qualquer solução de dois Estados no caminho adiante será impossível sem uma Autoridade Palestina crível e legítima que Israel confie para governar a Faixa de Gaza pós-Hamas e a Cisjordânia. As partes estarão à altura?

A vitória na terceira guerra também é impossível sem isso. Essa terceira guerra é a que mais me assusta. É a guerra do Irã e seus aliados — o Hamas, o Hezbollah, os houthis e as milícias xiitas no Iraque — contra EUA, Israel e os Estados árabes moderados do Egito, da Arábia Saudita, da Jordânia, dos EAU e do Bahrein.

Essa guerra não é apenas por hegemonia, poder bruto e recursos energéticos, é também por valores. Israel, em sua melhor expressão, e os EUA, em sua melhor expressão, representam a promoção de conceitos humanísticos ocidentais como o empoderamento das mulheres, a democracia multiétnica, o pluralismo, a tolerância religiosa e o estado de direito — que são ameaças diretas à teocracia islâmica e misógina do Irã, que demonstra diariamente sua implacável disposição de encarcerar ou até matar mulheres iranianas por não cobrir suficientemente o cabelo.

E ainda que os aliados árabes dos EUA e de Israel não sejam democracias — e nem aspirem ser — seus líderes estão numa jornada afastando-se do modelo antigo de construção de legitimidade por meio de resistência — a Israel, aos EUA, ao Irã, às milícias xiitas apoiadas por Teerã — e aproximando-se da construção de sua legitimidade oferecendo resiliência aos seus povos (por meio de educação, capacitação e cada vez mais consciência ambiental) para que eles possam se desenvolver plenamente.

Não é esta a agenda do Irã. A dimensão do poder bruto trata de quem será o hegemon, o cachorro grande, na região: o Irã xiita, aliado à Rússia e estendendo seu alcance ao Iraque, à Síria, ao Líbano e ao Iêmen; ou a Arábia Saudita dominada por sunitas, em aliança tácita com Bahrein, EAU, Jordânia, Egito, Israel e todos os demais países apoiados pelos EUA. Nessa terceira guerra, o objetivo do Irã é expulsar os EUA do Oriente Médio, destruir Israel, intimidar aliados de Washington árabes sunitas e fazê-los se curvar à sua vontade.

Nessa guerra, os EUA estão projetando poder por meio das nossas duas frotas com porta-aviões ancoradas no Oriente Médio. Enquanto isso, o Irã nos afronta com o que eu chamo de “porta-aviões terrestres” — sua rede de apoiadores no Líbano, na Síria, em Gaza, na Cisjordânia, no Iêmen e no Iraque, que lhe serve como plataforma de lançamento de ataques com foguetes contra forças americanas e é Israel tão mortífera quanto os nossos porta-aviões.

A ameaça persa

Essa terceira guerra começou a escalar em 14 de setembro de 2019, quando o Irã lançou um audacioso e não provocado ataque de drones contra duas grandes instalações de processamento de petróleo da Saudi Aramco em Abqaiq e Khurais. O governo Trump não fez nada. “Foi um ataque contra a Arábia Saudita, não contra nós”, disse o ex-presidente Donald Trump. Em 17 de janeiro de 2022, a milícia iemenita Houthi, alinhada com o Irã, atacou os Emirados Árabes Unidos com mísseis e drones, provocando um incêndio próximo ao aeroporto de Abu Dhabi e explosões em caminhões de combustível que mataram três pessoas. Novamente, os EUA não responderam.

Portanto, não deveria surpreender que em 7 de outubro o Hamas tenha ousado lançar seu ataque assassino na fronteira oeste de Israel; pouco depois, o Hezbollah, aliado do Irã, começou a lançar ataques de mísseis diariamente contra a região da fronteira norte de Israel; e os houthis começaram a lançar drones contra o sul de Israel, tomaram um navio no Mar Vermelho e atacaram outras duas embarcações.

Eu acredito que os golpes de estrangulamento do regime clerical do Irã — que prega ódio contra judeus — vindos do oeste, do norte e do sul contra Israel são uma ameaça existencial ao Estado judaico. Tudo que o Irã precisa é fazer com que o Hamas, o Hezbollah e os houthis lancem um ataque de foguete por dia contra Israel que dezenas de milhares de israelenses se recusarão a retornar para suas casas ao longo das regiões fronteiriças sob fogo. O país encolherá — ou coisa pior.

Considerem uma pesquisa do economista israelense Dan Ben-David, que dirige o Instituto Shoresh de Pesquisa Socioeconômica, da Universidade de Tel-Aviv. Em um país de 9 milhões de habitantes, em que 21% dos alunos do 1.º ano do ensino fundamental são judeus ultraortodoxos, cuja vasta maioria não recebe virtualmente nenhuma educação secular, e outros 23% são árabes-israelenses escolarizados em instituições públicas cronicamente subfinanciadas, notou Ben-David, “menos de 400 mil indivíduos são responsáveis por manter Israel no mundo desenvolvido”.

Estamos falando dos excelentes pesquisadores, cientistas, mestres em tecnologia, cibernética e inovação que impulsionam a economia da nação startup e suas indústrias de defesa. Hoje, a vasta maioria é altamente motivada e apoia o governo israelense. Mas se Israel não conseguir manter fronteiras estáveis e vias logísticas, parte desses 400 mil indivíduos vai emigrar.

“Se uma massa crítica entre eles decidir partir, as consequências para Israel serão catastróficas”, afirmou Ben-David. Afinal, “em 2017, 92% de toda a arrecadação tributária veio de apenas 20% dos adultos” — com esses 400 mil indivíduos responsáveis por criar os motores da riqueza que gerou aqueles 92%.

Se o Irã alcançar esse objetivo, seu apetite por pressionar qualquer rival com seus porta-aviões terrestres só fará crescer. Israel consegue lutar com força e é capaz de atacar alvos profundos no Irã. Mas, em última instância, para livrar-se do estrangulamento cada vez mais sufocante de Teerã, Israel precisa dos EUA, da Otan e dos Estados árabes moderados. E os EUA, a Otan e os Estados árabes moderados precisam de Israel.

Mas essa aliança não será forjada se Netanyahu persistir com sua política de minar a Autoridade Palestina na Cisjordânia — essencialmente levando Israel e seus 7 milhões de judeus a controlar indefinidamente os 5 milhões de palestinos em Gaza e na Cisjordânia. Nem as forças pró-EUA na região nem o próprio Joe Biden poderão ser — e não serão — parte disso.

Conclusões

Então eu termino onde comecei, mas agora com esperança de que três coisas estejam totalmente claras:

1. A pedra angular da vitória nessas três guerras é uma Autoridade Palestina moderada, eficaz e legítima capaz de substituir o Hamas em Gaza, ser uma parceira ativa e crível no caminho para uma solução de dois Estados com Israel e portanto possibilitar à Arábia Saudita e a outros Estados árabes muçulmanos justificar a normalização de relações com o Estado judaico e isolar o Irã e seus aliados.

2. Os contrários a esse pilar são o Hamas e a coalizão de extrema direita de Netanyahu que se recusa a fazer qualquer coisa para reconstruir, quem dirá ampliar, o papel da Autoridade Palestina.

3. Israel e seus aliados americanos não são capazes de criar uma aliança regional pós-Hamas sustentável nem estabilizar Gaza permanentemente enquanto Binyamin Netanyahu reinar como primeiro-ministro de Israel. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

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