Por que a mensagem alarmista de Trump sobre imigração avança além de sua base eleitoral?


Discursos e postagens de Trump classificando imigrantes como criminosos perigosos ‘que envenenam o sangue’ dos EUA tem ressoado entre democratas, em alerta para Biden

Por Will Weissert e Jill Colvin
Atualização:

WASHINGTON - O vídeo compartilhado pelo ex-presidente Donald Trump tem trilha sonora de filme de terror e imagens de imigrantes supostamente entrando nos Estados Unidos vindo de países como Camarões, Afeganistão e China. Imagens de homens tatuados e vídeos de crimes violentos aparecem contrapostos a close-ups de pessoas agitando e se envolvendo em bandeiras americanas.

“Eles estão chegando aos milhares”, afirma Trump no vídeo, postado em seu site de rede social. “Nós vamos proteger nossas fronteiras. E vamos restaurar a soberania.”

Trump tem intensificado sua retórica anti-imigração em discursos e postagens online conforme concorre à Casa Branca pela terceira vez, classificando imigrantes como criminosos perigosos “que envenenam o sangue” dos EUA. Cutucando os limites mais profundos no país em termos de raça e identidade nacional, a narrativa do ex-presidente se fundamenta frequentemente em mentiras a respeito da imigração. Mas essa terminologia reverbera entre muitos de seus apoiadores de uma década atrás, do tempo em que os pedidos para “construir o muro” começaram a ecoar em seus comícios.

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O candidato republicano à presidência, o ex-presidente Donald Trump, fala em um evento de campanha em Grand Rapids, Michigan em 2 de abril Foto: Paul Sancya/AP

O presidente Joe Biden e seus aliados discutem a fronteira de um modo muito diferente. Os democratas retratam a situação como uma disputa entre políticas que o Congresso é capaz de consertar e atacam os republicanos em Washington que evitaram um acordo de segurança na fronteira após serem criticados por Trump.

Mas em um sinal possivelmente preocupante para Biden, a mensagem de Trump parece ressoar entre elementos críticos na coalizão democrata que Biden precisará para vencer em novembro.

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Cerca de dois terços dos americanos desaprovam atualmente a maneira que Biden está lidando com a segurança na fronteira, incluindo aproximadamente quatro a cada dez democratas, 55% dos adultos negros e 73% dos adultos hispânicos, de acordo com uma pesquisa Associated Press-NORC Center for Public Affairs Research realizada em março.

Uma sondagem recente do Pew Research Center constatou que 45% dos americanos descreveram a situação como uma crise, enquanto outros 32% a consideraram um grande problema.

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A ativista por justiça racial Vetress Boyce, radicada em Chicago, foi uma das pessoas que expressaram frustração com as políticas imigratórias de Biden e a abordagem da prefeitura à medida que o município tenta abrigar imigrantes recém-chegados. Ela argumentou que os democratas deveriam colocar o foco em investimentos nas comunidades negras, não nos recém-chegados.

“Estão nos mandando pessoas morrendo de fome enquanto os negros estão morrendo de fome neste país. Estão nos mandando pessoas que querem escapar dessas condições e vêm aqui atrás de um nível de vida melhor quando as pessoas daqui estão sofrendo — e têm sofrido há mais de 100 anos”, afirmou Boyce. “Essa combinação é uma receita para o desastre. É um desastre só esperando para acontecer.”

Gracie Martinez, de 52 anos, é uma hispânica proprietária de um pequeno negócio de Eagle Pass, Texas, a cidade fronteiriça que Trump visitou no mesmo dia em que ele e Biden passaram pelo Estado. Martinez disse que votou uma vez no ex-presidente Barack Obama e que ainda é democrata, mas agora apoia Trump — principalmente por causa da fronteira.

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“É horrível. São milhares e milhares de pessoas, e lhes dão tratamento médico, dinheiro, telefones”, disse ela, afirmando que quem passa pelo sistema legal de imigração recebe tratamento pior.

A professora Priscilla Hesles, de 55 anos, que vive em Eagle Pass, Texas, afirmou que a atual situação mudou a cidade. “É quase como sermos superados em número.”

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“Nós não sabemos onde eles estão se escondendo. Não sabemos onde se infiltraram e onde vão aparecer”, disse Hesles, contando que costumava fazer uma caminhada noturna até uma igreja local, mas parou com o hábito após ficar abalada por um encontro com um grupo de homens que ela disse ser imigrantes.

Quase certamente imigração será um dos temas centrais na eleição de novembro, com ambos os lados passando os próximos seis meses tentando definir o outro como equivocado em relação à segurança na fronteira.

A campanha de reeleição do presidente lançou recentemente uma ação publicitária de US$ 30 milhões com foco em audiências de origem latina, em Estados indefinidos entre democratas e republicanos considerados cruciais, que inclui um anúncio digital em inglês e espanhol enfatizando uma descrição feita no passado por Trump em que o ex-presidente define imigrantes mexicanos como “criminosos” e “estupradores”.

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Um migrante da Venezuela pula a cerca da fronteira na tentativa de entrar e pedir asilo em El Paso, Texas, vindo de Ciudad Juarez, Chihuahua, México, em 2 de abril  Foto: Christian Monterrosa/AFP

A Casa Branca também tem ponderado a respeito de uma série de atos executivos capazes de intensificar drasticamente as restrições sobre imigração, efetivamente contornando o Congresso após um projeto bipartidário endossado por Biden não ser aprovado.

“Trump é uma fraude e só pensa em si mesmo”, afirmou o porta-voz da campanha de Biden, Kevin Munoz. “Nós garantiremos que os eleitores saibam disso em novembro.”

Trump passou por Wisconsin e por Michigan, e criticou Biden novamente em relação a imigração. A campanha do ex-presidente afirmou que o evento na cidade de Grand Rapids, no oeste de Michigan, teria foco no “banho de sangue de Biden na fronteira”.

Trump classifica o recente recorde de prisões de imigrantes que cruzam ilegalmente pela fronteira sudoeste como uma “invasão” orquestrada pelos democratas para transformar a composição populacional dos EUA. E acusa Biden de deliberadamente permitir a entrada descontrolada no país de criminosos e terroristas em potencial, chegando ao ponto de afirmar que o presidente está envolvido em uma “conspiração para derrubar os Estados Unidos da América”.

Trump também alega que os imigrantes — muitos deles mulheres e crianças fugindo de pobreza e violência — estão “envenenando o sangue” dos EUA com drogas e doenças; e afirmou que alguns deles “não são gente”. Especialistas que estudam extremismo alertam contra o uso de linguagem desumanizadora para descrever imigrantes.

Não há nenhuma prova de que governos estrangeiros estejam esvaziando suas penitenciárias ou instituições de cuidado psiquiátrico, conforme afirma Trump. E ainda que parte da cobertura da imprensa tenha sido dominada por vários crimes hediondos que chamaram a atenção da sociedade supostamente cometidos por pessoas que entraram no país ilegalmente, a mais recente estatística levantada pelo FBI mostra que em geral o número de crimes violentos caiu novamente no ano passado, seguindo uma tendência de queda após um pico durante a pandemia de covid-19.

Trump fez um discurso sobre o que chama de "Biden's Border Bloodbath" (Banho de sangue na fronteira de Biden) Foto: Spencer Platt/Getty Images via AFP

Estudos também constataram que as pessoas que vivem ilegalmente nos EUA são muito menos propensas do que americanos nascidos no país a ser presas por crimes violentos ou relacionados a drogas e propriedades.

“Certamente os meses recentes demonstraram uma clara mudança no apoio político”, afirmou Krish Vignarajah, presidente e diretora-executiva do grupo de reassentamento Global Refuge e ex-autoridade do governo Obama e do Departamento de Estado.

“Acho que isso tem relação com a retórica dos anos recentes”, afirmou ela, “simplesmente essa dinâmica de ser sobrepujada por uma retórica xenofóbica ruidosa e extremista que não corresponde à realidade dos fatos”.

Parte do que tornou a fronteira um problema tão gritante é seu efeito ser sentido longe de lá.

Aliados de Trump, mais notavelmente o governador do Texas, Greg Abbott, usaram ônibus contratados pelo Estado para enviar mais de 100 mil imigrantes a cidades como Nova York, Denver e Chicago, onde os democratas realizarão suas convenções neste verão (Hemisfério Norte). Ainda que o programa tenha sido inicialmente criticado e considerado uma manobra publicitária, esse fluxo pressionou orçamentos municipais e impôs dificuldades a líderes locais para fornecer abrigo emergencial e assistência médica para novos grupos de imigrantes.

A cobertura dos meios de imprensa locais, enquanto isso, tem sido frequentemente negativa. Telespectadores têm visto imigrantes levarem a culpa por todo tipo de dissabor, de uma série de roubos relacionados a gangues em Nova Jersey a quadrilhas que miram varejistas nos subúrbios da Filadélfia, a casos de sarampo ocorrendo em partes de Arizona e Illinois.

Migrantes discutem com policiais do Estado mexicano que estão tentando dispersá-los em Ciudad Juarez, Chihuahua, no México Foto: Christian Monterrosa/AFP

Abbott acionou a Guarda Nacional do Texas na região da fronteira, instalou arame farpado ao longo de partes do Rio Grande desafiando ordens da Suprema Corte e tem argumentado que seu Estado deveria ser capaz de fazer valer suas próprias leis de imigração.

Alguns websites de extrema direita começaram a apontar para as ações de Abbott como o primeiro gesto de uma futura guerra civil. E a Rússia também tem ajudado a disseminar e amplificar conteúdos falsos e incendiários a respeito de imigração aos EUA e da segurança na fronteira americana como parte de esforços maiores para polarizar os americanos. Uma análise recente da Logically, uma firma que monitora desinformação produzida na Rússia, constatou que influenciadores online e perfis em redes sociais ligados ao Kremlin têm explorado a ideia de uma nova guerra civil americana e de esforços de secessão de Estados como o Texas.

Amy Cooter, diretora de pesquisas do Centro de Análise de Terrorismo, Extremismo e Contraterrorismo do Instituto Middlebury de Estudos Internacionais, preocupa-se com a possibilidade da atual onda de narrativas sobre guerra civil intensificar-se à medida que a eleição se aproxima. Até aqui, esses murmúrios têm se limitado a plataformas de mensagens de extrema direita. Mas em geral imigração é uma preocupação tamanha que seu potencial político se intensifica, afirmou Cooter.

“Americanos não extremistas também estão preocupados com isso”, afirmou ela. “Sobre culturas e percepções a respeito de quem é americano.”

Enquanto isso, pessoas como Rudy Menchaca, dono de um bar em Eagle Pass que também trabalha para uma empresa que importa cerveja Corona do México, sentem que os problemas na fronteira prejudicam os negócios.

Menchaca, de 27 anos, é o típico eleitor hispânico que Biden pretende conquistar em sua campanha pela reeleição. Ele disse que nunca foi fã da retórica de Trump nem da maneira que o ex-presidente retrata hispânicos e mexicanos. “Nós não somos assim”, afirmou.

Mas Menchaca também disse que considera a ideia de apoiar Trump em razão da realidade cotidiana. “Eu preciso que esses soldados estejam por aqui se quiser manter meu negócio”, afirmou ele em relação às forças texanas acionadas na região da fronteira. “Os caras maus que entraram podem me roubar.” / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

WASHINGTON - O vídeo compartilhado pelo ex-presidente Donald Trump tem trilha sonora de filme de terror e imagens de imigrantes supostamente entrando nos Estados Unidos vindo de países como Camarões, Afeganistão e China. Imagens de homens tatuados e vídeos de crimes violentos aparecem contrapostos a close-ups de pessoas agitando e se envolvendo em bandeiras americanas.

“Eles estão chegando aos milhares”, afirma Trump no vídeo, postado em seu site de rede social. “Nós vamos proteger nossas fronteiras. E vamos restaurar a soberania.”

Trump tem intensificado sua retórica anti-imigração em discursos e postagens online conforme concorre à Casa Branca pela terceira vez, classificando imigrantes como criminosos perigosos “que envenenam o sangue” dos EUA. Cutucando os limites mais profundos no país em termos de raça e identidade nacional, a narrativa do ex-presidente se fundamenta frequentemente em mentiras a respeito da imigração. Mas essa terminologia reverbera entre muitos de seus apoiadores de uma década atrás, do tempo em que os pedidos para “construir o muro” começaram a ecoar em seus comícios.

O candidato republicano à presidência, o ex-presidente Donald Trump, fala em um evento de campanha em Grand Rapids, Michigan em 2 de abril Foto: Paul Sancya/AP

O presidente Joe Biden e seus aliados discutem a fronteira de um modo muito diferente. Os democratas retratam a situação como uma disputa entre políticas que o Congresso é capaz de consertar e atacam os republicanos em Washington que evitaram um acordo de segurança na fronteira após serem criticados por Trump.

Mas em um sinal possivelmente preocupante para Biden, a mensagem de Trump parece ressoar entre elementos críticos na coalizão democrata que Biden precisará para vencer em novembro.

Cerca de dois terços dos americanos desaprovam atualmente a maneira que Biden está lidando com a segurança na fronteira, incluindo aproximadamente quatro a cada dez democratas, 55% dos adultos negros e 73% dos adultos hispânicos, de acordo com uma pesquisa Associated Press-NORC Center for Public Affairs Research realizada em março.

Uma sondagem recente do Pew Research Center constatou que 45% dos americanos descreveram a situação como uma crise, enquanto outros 32% a consideraram um grande problema.

A ativista por justiça racial Vetress Boyce, radicada em Chicago, foi uma das pessoas que expressaram frustração com as políticas imigratórias de Biden e a abordagem da prefeitura à medida que o município tenta abrigar imigrantes recém-chegados. Ela argumentou que os democratas deveriam colocar o foco em investimentos nas comunidades negras, não nos recém-chegados.

“Estão nos mandando pessoas morrendo de fome enquanto os negros estão morrendo de fome neste país. Estão nos mandando pessoas que querem escapar dessas condições e vêm aqui atrás de um nível de vida melhor quando as pessoas daqui estão sofrendo — e têm sofrido há mais de 100 anos”, afirmou Boyce. “Essa combinação é uma receita para o desastre. É um desastre só esperando para acontecer.”

Gracie Martinez, de 52 anos, é uma hispânica proprietária de um pequeno negócio de Eagle Pass, Texas, a cidade fronteiriça que Trump visitou no mesmo dia em que ele e Biden passaram pelo Estado. Martinez disse que votou uma vez no ex-presidente Barack Obama e que ainda é democrata, mas agora apoia Trump — principalmente por causa da fronteira.

“É horrível. São milhares e milhares de pessoas, e lhes dão tratamento médico, dinheiro, telefones”, disse ela, afirmando que quem passa pelo sistema legal de imigração recebe tratamento pior.

A professora Priscilla Hesles, de 55 anos, que vive em Eagle Pass, Texas, afirmou que a atual situação mudou a cidade. “É quase como sermos superados em número.”

“Nós não sabemos onde eles estão se escondendo. Não sabemos onde se infiltraram e onde vão aparecer”, disse Hesles, contando que costumava fazer uma caminhada noturna até uma igreja local, mas parou com o hábito após ficar abalada por um encontro com um grupo de homens que ela disse ser imigrantes.

Quase certamente imigração será um dos temas centrais na eleição de novembro, com ambos os lados passando os próximos seis meses tentando definir o outro como equivocado em relação à segurança na fronteira.

A campanha de reeleição do presidente lançou recentemente uma ação publicitária de US$ 30 milhões com foco em audiências de origem latina, em Estados indefinidos entre democratas e republicanos considerados cruciais, que inclui um anúncio digital em inglês e espanhol enfatizando uma descrição feita no passado por Trump em que o ex-presidente define imigrantes mexicanos como “criminosos” e “estupradores”.

Um migrante da Venezuela pula a cerca da fronteira na tentativa de entrar e pedir asilo em El Paso, Texas, vindo de Ciudad Juarez, Chihuahua, México, em 2 de abril  Foto: Christian Monterrosa/AFP

A Casa Branca também tem ponderado a respeito de uma série de atos executivos capazes de intensificar drasticamente as restrições sobre imigração, efetivamente contornando o Congresso após um projeto bipartidário endossado por Biden não ser aprovado.

“Trump é uma fraude e só pensa em si mesmo”, afirmou o porta-voz da campanha de Biden, Kevin Munoz. “Nós garantiremos que os eleitores saibam disso em novembro.”

Trump passou por Wisconsin e por Michigan, e criticou Biden novamente em relação a imigração. A campanha do ex-presidente afirmou que o evento na cidade de Grand Rapids, no oeste de Michigan, teria foco no “banho de sangue de Biden na fronteira”.

Trump classifica o recente recorde de prisões de imigrantes que cruzam ilegalmente pela fronteira sudoeste como uma “invasão” orquestrada pelos democratas para transformar a composição populacional dos EUA. E acusa Biden de deliberadamente permitir a entrada descontrolada no país de criminosos e terroristas em potencial, chegando ao ponto de afirmar que o presidente está envolvido em uma “conspiração para derrubar os Estados Unidos da América”.

Trump também alega que os imigrantes — muitos deles mulheres e crianças fugindo de pobreza e violência — estão “envenenando o sangue” dos EUA com drogas e doenças; e afirmou que alguns deles “não são gente”. Especialistas que estudam extremismo alertam contra o uso de linguagem desumanizadora para descrever imigrantes.

Não há nenhuma prova de que governos estrangeiros estejam esvaziando suas penitenciárias ou instituições de cuidado psiquiátrico, conforme afirma Trump. E ainda que parte da cobertura da imprensa tenha sido dominada por vários crimes hediondos que chamaram a atenção da sociedade supostamente cometidos por pessoas que entraram no país ilegalmente, a mais recente estatística levantada pelo FBI mostra que em geral o número de crimes violentos caiu novamente no ano passado, seguindo uma tendência de queda após um pico durante a pandemia de covid-19.

Trump fez um discurso sobre o que chama de "Biden's Border Bloodbath" (Banho de sangue na fronteira de Biden) Foto: Spencer Platt/Getty Images via AFP

Estudos também constataram que as pessoas que vivem ilegalmente nos EUA são muito menos propensas do que americanos nascidos no país a ser presas por crimes violentos ou relacionados a drogas e propriedades.

“Certamente os meses recentes demonstraram uma clara mudança no apoio político”, afirmou Krish Vignarajah, presidente e diretora-executiva do grupo de reassentamento Global Refuge e ex-autoridade do governo Obama e do Departamento de Estado.

“Acho que isso tem relação com a retórica dos anos recentes”, afirmou ela, “simplesmente essa dinâmica de ser sobrepujada por uma retórica xenofóbica ruidosa e extremista que não corresponde à realidade dos fatos”.

Parte do que tornou a fronteira um problema tão gritante é seu efeito ser sentido longe de lá.

Aliados de Trump, mais notavelmente o governador do Texas, Greg Abbott, usaram ônibus contratados pelo Estado para enviar mais de 100 mil imigrantes a cidades como Nova York, Denver e Chicago, onde os democratas realizarão suas convenções neste verão (Hemisfério Norte). Ainda que o programa tenha sido inicialmente criticado e considerado uma manobra publicitária, esse fluxo pressionou orçamentos municipais e impôs dificuldades a líderes locais para fornecer abrigo emergencial e assistência médica para novos grupos de imigrantes.

A cobertura dos meios de imprensa locais, enquanto isso, tem sido frequentemente negativa. Telespectadores têm visto imigrantes levarem a culpa por todo tipo de dissabor, de uma série de roubos relacionados a gangues em Nova Jersey a quadrilhas que miram varejistas nos subúrbios da Filadélfia, a casos de sarampo ocorrendo em partes de Arizona e Illinois.

Migrantes discutem com policiais do Estado mexicano que estão tentando dispersá-los em Ciudad Juarez, Chihuahua, no México Foto: Christian Monterrosa/AFP

Abbott acionou a Guarda Nacional do Texas na região da fronteira, instalou arame farpado ao longo de partes do Rio Grande desafiando ordens da Suprema Corte e tem argumentado que seu Estado deveria ser capaz de fazer valer suas próprias leis de imigração.

Alguns websites de extrema direita começaram a apontar para as ações de Abbott como o primeiro gesto de uma futura guerra civil. E a Rússia também tem ajudado a disseminar e amplificar conteúdos falsos e incendiários a respeito de imigração aos EUA e da segurança na fronteira americana como parte de esforços maiores para polarizar os americanos. Uma análise recente da Logically, uma firma que monitora desinformação produzida na Rússia, constatou que influenciadores online e perfis em redes sociais ligados ao Kremlin têm explorado a ideia de uma nova guerra civil americana e de esforços de secessão de Estados como o Texas.

Amy Cooter, diretora de pesquisas do Centro de Análise de Terrorismo, Extremismo e Contraterrorismo do Instituto Middlebury de Estudos Internacionais, preocupa-se com a possibilidade da atual onda de narrativas sobre guerra civil intensificar-se à medida que a eleição se aproxima. Até aqui, esses murmúrios têm se limitado a plataformas de mensagens de extrema direita. Mas em geral imigração é uma preocupação tamanha que seu potencial político se intensifica, afirmou Cooter.

“Americanos não extremistas também estão preocupados com isso”, afirmou ela. “Sobre culturas e percepções a respeito de quem é americano.”

Enquanto isso, pessoas como Rudy Menchaca, dono de um bar em Eagle Pass que também trabalha para uma empresa que importa cerveja Corona do México, sentem que os problemas na fronteira prejudicam os negócios.

Menchaca, de 27 anos, é o típico eleitor hispânico que Biden pretende conquistar em sua campanha pela reeleição. Ele disse que nunca foi fã da retórica de Trump nem da maneira que o ex-presidente retrata hispânicos e mexicanos. “Nós não somos assim”, afirmou.

Mas Menchaca também disse que considera a ideia de apoiar Trump em razão da realidade cotidiana. “Eu preciso que esses soldados estejam por aqui se quiser manter meu negócio”, afirmou ele em relação às forças texanas acionadas na região da fronteira. “Os caras maus que entraram podem me roubar.” / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

WASHINGTON - O vídeo compartilhado pelo ex-presidente Donald Trump tem trilha sonora de filme de terror e imagens de imigrantes supostamente entrando nos Estados Unidos vindo de países como Camarões, Afeganistão e China. Imagens de homens tatuados e vídeos de crimes violentos aparecem contrapostos a close-ups de pessoas agitando e se envolvendo em bandeiras americanas.

“Eles estão chegando aos milhares”, afirma Trump no vídeo, postado em seu site de rede social. “Nós vamos proteger nossas fronteiras. E vamos restaurar a soberania.”

Trump tem intensificado sua retórica anti-imigração em discursos e postagens online conforme concorre à Casa Branca pela terceira vez, classificando imigrantes como criminosos perigosos “que envenenam o sangue” dos EUA. Cutucando os limites mais profundos no país em termos de raça e identidade nacional, a narrativa do ex-presidente se fundamenta frequentemente em mentiras a respeito da imigração. Mas essa terminologia reverbera entre muitos de seus apoiadores de uma década atrás, do tempo em que os pedidos para “construir o muro” começaram a ecoar em seus comícios.

O candidato republicano à presidência, o ex-presidente Donald Trump, fala em um evento de campanha em Grand Rapids, Michigan em 2 de abril Foto: Paul Sancya/AP

O presidente Joe Biden e seus aliados discutem a fronteira de um modo muito diferente. Os democratas retratam a situação como uma disputa entre políticas que o Congresso é capaz de consertar e atacam os republicanos em Washington que evitaram um acordo de segurança na fronteira após serem criticados por Trump.

Mas em um sinal possivelmente preocupante para Biden, a mensagem de Trump parece ressoar entre elementos críticos na coalizão democrata que Biden precisará para vencer em novembro.

Cerca de dois terços dos americanos desaprovam atualmente a maneira que Biden está lidando com a segurança na fronteira, incluindo aproximadamente quatro a cada dez democratas, 55% dos adultos negros e 73% dos adultos hispânicos, de acordo com uma pesquisa Associated Press-NORC Center for Public Affairs Research realizada em março.

Uma sondagem recente do Pew Research Center constatou que 45% dos americanos descreveram a situação como uma crise, enquanto outros 32% a consideraram um grande problema.

A ativista por justiça racial Vetress Boyce, radicada em Chicago, foi uma das pessoas que expressaram frustração com as políticas imigratórias de Biden e a abordagem da prefeitura à medida que o município tenta abrigar imigrantes recém-chegados. Ela argumentou que os democratas deveriam colocar o foco em investimentos nas comunidades negras, não nos recém-chegados.

“Estão nos mandando pessoas morrendo de fome enquanto os negros estão morrendo de fome neste país. Estão nos mandando pessoas que querem escapar dessas condições e vêm aqui atrás de um nível de vida melhor quando as pessoas daqui estão sofrendo — e têm sofrido há mais de 100 anos”, afirmou Boyce. “Essa combinação é uma receita para o desastre. É um desastre só esperando para acontecer.”

Gracie Martinez, de 52 anos, é uma hispânica proprietária de um pequeno negócio de Eagle Pass, Texas, a cidade fronteiriça que Trump visitou no mesmo dia em que ele e Biden passaram pelo Estado. Martinez disse que votou uma vez no ex-presidente Barack Obama e que ainda é democrata, mas agora apoia Trump — principalmente por causa da fronteira.

“É horrível. São milhares e milhares de pessoas, e lhes dão tratamento médico, dinheiro, telefones”, disse ela, afirmando que quem passa pelo sistema legal de imigração recebe tratamento pior.

A professora Priscilla Hesles, de 55 anos, que vive em Eagle Pass, Texas, afirmou que a atual situação mudou a cidade. “É quase como sermos superados em número.”

“Nós não sabemos onde eles estão se escondendo. Não sabemos onde se infiltraram e onde vão aparecer”, disse Hesles, contando que costumava fazer uma caminhada noturna até uma igreja local, mas parou com o hábito após ficar abalada por um encontro com um grupo de homens que ela disse ser imigrantes.

Quase certamente imigração será um dos temas centrais na eleição de novembro, com ambos os lados passando os próximos seis meses tentando definir o outro como equivocado em relação à segurança na fronteira.

A campanha de reeleição do presidente lançou recentemente uma ação publicitária de US$ 30 milhões com foco em audiências de origem latina, em Estados indefinidos entre democratas e republicanos considerados cruciais, que inclui um anúncio digital em inglês e espanhol enfatizando uma descrição feita no passado por Trump em que o ex-presidente define imigrantes mexicanos como “criminosos” e “estupradores”.

Um migrante da Venezuela pula a cerca da fronteira na tentativa de entrar e pedir asilo em El Paso, Texas, vindo de Ciudad Juarez, Chihuahua, México, em 2 de abril  Foto: Christian Monterrosa/AFP

A Casa Branca também tem ponderado a respeito de uma série de atos executivos capazes de intensificar drasticamente as restrições sobre imigração, efetivamente contornando o Congresso após um projeto bipartidário endossado por Biden não ser aprovado.

“Trump é uma fraude e só pensa em si mesmo”, afirmou o porta-voz da campanha de Biden, Kevin Munoz. “Nós garantiremos que os eleitores saibam disso em novembro.”

Trump passou por Wisconsin e por Michigan, e criticou Biden novamente em relação a imigração. A campanha do ex-presidente afirmou que o evento na cidade de Grand Rapids, no oeste de Michigan, teria foco no “banho de sangue de Biden na fronteira”.

Trump classifica o recente recorde de prisões de imigrantes que cruzam ilegalmente pela fronteira sudoeste como uma “invasão” orquestrada pelos democratas para transformar a composição populacional dos EUA. E acusa Biden de deliberadamente permitir a entrada descontrolada no país de criminosos e terroristas em potencial, chegando ao ponto de afirmar que o presidente está envolvido em uma “conspiração para derrubar os Estados Unidos da América”.

Trump também alega que os imigrantes — muitos deles mulheres e crianças fugindo de pobreza e violência — estão “envenenando o sangue” dos EUA com drogas e doenças; e afirmou que alguns deles “não são gente”. Especialistas que estudam extremismo alertam contra o uso de linguagem desumanizadora para descrever imigrantes.

Não há nenhuma prova de que governos estrangeiros estejam esvaziando suas penitenciárias ou instituições de cuidado psiquiátrico, conforme afirma Trump. E ainda que parte da cobertura da imprensa tenha sido dominada por vários crimes hediondos que chamaram a atenção da sociedade supostamente cometidos por pessoas que entraram no país ilegalmente, a mais recente estatística levantada pelo FBI mostra que em geral o número de crimes violentos caiu novamente no ano passado, seguindo uma tendência de queda após um pico durante a pandemia de covid-19.

Trump fez um discurso sobre o que chama de "Biden's Border Bloodbath" (Banho de sangue na fronteira de Biden) Foto: Spencer Platt/Getty Images via AFP

Estudos também constataram que as pessoas que vivem ilegalmente nos EUA são muito menos propensas do que americanos nascidos no país a ser presas por crimes violentos ou relacionados a drogas e propriedades.

“Certamente os meses recentes demonstraram uma clara mudança no apoio político”, afirmou Krish Vignarajah, presidente e diretora-executiva do grupo de reassentamento Global Refuge e ex-autoridade do governo Obama e do Departamento de Estado.

“Acho que isso tem relação com a retórica dos anos recentes”, afirmou ela, “simplesmente essa dinâmica de ser sobrepujada por uma retórica xenofóbica ruidosa e extremista que não corresponde à realidade dos fatos”.

Parte do que tornou a fronteira um problema tão gritante é seu efeito ser sentido longe de lá.

Aliados de Trump, mais notavelmente o governador do Texas, Greg Abbott, usaram ônibus contratados pelo Estado para enviar mais de 100 mil imigrantes a cidades como Nova York, Denver e Chicago, onde os democratas realizarão suas convenções neste verão (Hemisfério Norte). Ainda que o programa tenha sido inicialmente criticado e considerado uma manobra publicitária, esse fluxo pressionou orçamentos municipais e impôs dificuldades a líderes locais para fornecer abrigo emergencial e assistência médica para novos grupos de imigrantes.

A cobertura dos meios de imprensa locais, enquanto isso, tem sido frequentemente negativa. Telespectadores têm visto imigrantes levarem a culpa por todo tipo de dissabor, de uma série de roubos relacionados a gangues em Nova Jersey a quadrilhas que miram varejistas nos subúrbios da Filadélfia, a casos de sarampo ocorrendo em partes de Arizona e Illinois.

Migrantes discutem com policiais do Estado mexicano que estão tentando dispersá-los em Ciudad Juarez, Chihuahua, no México Foto: Christian Monterrosa/AFP

Abbott acionou a Guarda Nacional do Texas na região da fronteira, instalou arame farpado ao longo de partes do Rio Grande desafiando ordens da Suprema Corte e tem argumentado que seu Estado deveria ser capaz de fazer valer suas próprias leis de imigração.

Alguns websites de extrema direita começaram a apontar para as ações de Abbott como o primeiro gesto de uma futura guerra civil. E a Rússia também tem ajudado a disseminar e amplificar conteúdos falsos e incendiários a respeito de imigração aos EUA e da segurança na fronteira americana como parte de esforços maiores para polarizar os americanos. Uma análise recente da Logically, uma firma que monitora desinformação produzida na Rússia, constatou que influenciadores online e perfis em redes sociais ligados ao Kremlin têm explorado a ideia de uma nova guerra civil americana e de esforços de secessão de Estados como o Texas.

Amy Cooter, diretora de pesquisas do Centro de Análise de Terrorismo, Extremismo e Contraterrorismo do Instituto Middlebury de Estudos Internacionais, preocupa-se com a possibilidade da atual onda de narrativas sobre guerra civil intensificar-se à medida que a eleição se aproxima. Até aqui, esses murmúrios têm se limitado a plataformas de mensagens de extrema direita. Mas em geral imigração é uma preocupação tamanha que seu potencial político se intensifica, afirmou Cooter.

“Americanos não extremistas também estão preocupados com isso”, afirmou ela. “Sobre culturas e percepções a respeito de quem é americano.”

Enquanto isso, pessoas como Rudy Menchaca, dono de um bar em Eagle Pass que também trabalha para uma empresa que importa cerveja Corona do México, sentem que os problemas na fronteira prejudicam os negócios.

Menchaca, de 27 anos, é o típico eleitor hispânico que Biden pretende conquistar em sua campanha pela reeleição. Ele disse que nunca foi fã da retórica de Trump nem da maneira que o ex-presidente retrata hispânicos e mexicanos. “Nós não somos assim”, afirmou.

Mas Menchaca também disse que considera a ideia de apoiar Trump em razão da realidade cotidiana. “Eu preciso que esses soldados estejam por aqui se quiser manter meu negócio”, afirmou ele em relação às forças texanas acionadas na região da fronteira. “Os caras maus que entraram podem me roubar.” / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

WASHINGTON - O vídeo compartilhado pelo ex-presidente Donald Trump tem trilha sonora de filme de terror e imagens de imigrantes supostamente entrando nos Estados Unidos vindo de países como Camarões, Afeganistão e China. Imagens de homens tatuados e vídeos de crimes violentos aparecem contrapostos a close-ups de pessoas agitando e se envolvendo em bandeiras americanas.

“Eles estão chegando aos milhares”, afirma Trump no vídeo, postado em seu site de rede social. “Nós vamos proteger nossas fronteiras. E vamos restaurar a soberania.”

Trump tem intensificado sua retórica anti-imigração em discursos e postagens online conforme concorre à Casa Branca pela terceira vez, classificando imigrantes como criminosos perigosos “que envenenam o sangue” dos EUA. Cutucando os limites mais profundos no país em termos de raça e identidade nacional, a narrativa do ex-presidente se fundamenta frequentemente em mentiras a respeito da imigração. Mas essa terminologia reverbera entre muitos de seus apoiadores de uma década atrás, do tempo em que os pedidos para “construir o muro” começaram a ecoar em seus comícios.

O candidato republicano à presidência, o ex-presidente Donald Trump, fala em um evento de campanha em Grand Rapids, Michigan em 2 de abril Foto: Paul Sancya/AP

O presidente Joe Biden e seus aliados discutem a fronteira de um modo muito diferente. Os democratas retratam a situação como uma disputa entre políticas que o Congresso é capaz de consertar e atacam os republicanos em Washington que evitaram um acordo de segurança na fronteira após serem criticados por Trump.

Mas em um sinal possivelmente preocupante para Biden, a mensagem de Trump parece ressoar entre elementos críticos na coalizão democrata que Biden precisará para vencer em novembro.

Cerca de dois terços dos americanos desaprovam atualmente a maneira que Biden está lidando com a segurança na fronteira, incluindo aproximadamente quatro a cada dez democratas, 55% dos adultos negros e 73% dos adultos hispânicos, de acordo com uma pesquisa Associated Press-NORC Center for Public Affairs Research realizada em março.

Uma sondagem recente do Pew Research Center constatou que 45% dos americanos descreveram a situação como uma crise, enquanto outros 32% a consideraram um grande problema.

A ativista por justiça racial Vetress Boyce, radicada em Chicago, foi uma das pessoas que expressaram frustração com as políticas imigratórias de Biden e a abordagem da prefeitura à medida que o município tenta abrigar imigrantes recém-chegados. Ela argumentou que os democratas deveriam colocar o foco em investimentos nas comunidades negras, não nos recém-chegados.

“Estão nos mandando pessoas morrendo de fome enquanto os negros estão morrendo de fome neste país. Estão nos mandando pessoas que querem escapar dessas condições e vêm aqui atrás de um nível de vida melhor quando as pessoas daqui estão sofrendo — e têm sofrido há mais de 100 anos”, afirmou Boyce. “Essa combinação é uma receita para o desastre. É um desastre só esperando para acontecer.”

Gracie Martinez, de 52 anos, é uma hispânica proprietária de um pequeno negócio de Eagle Pass, Texas, a cidade fronteiriça que Trump visitou no mesmo dia em que ele e Biden passaram pelo Estado. Martinez disse que votou uma vez no ex-presidente Barack Obama e que ainda é democrata, mas agora apoia Trump — principalmente por causa da fronteira.

“É horrível. São milhares e milhares de pessoas, e lhes dão tratamento médico, dinheiro, telefones”, disse ela, afirmando que quem passa pelo sistema legal de imigração recebe tratamento pior.

A professora Priscilla Hesles, de 55 anos, que vive em Eagle Pass, Texas, afirmou que a atual situação mudou a cidade. “É quase como sermos superados em número.”

“Nós não sabemos onde eles estão se escondendo. Não sabemos onde se infiltraram e onde vão aparecer”, disse Hesles, contando que costumava fazer uma caminhada noturna até uma igreja local, mas parou com o hábito após ficar abalada por um encontro com um grupo de homens que ela disse ser imigrantes.

Quase certamente imigração será um dos temas centrais na eleição de novembro, com ambos os lados passando os próximos seis meses tentando definir o outro como equivocado em relação à segurança na fronteira.

A campanha de reeleição do presidente lançou recentemente uma ação publicitária de US$ 30 milhões com foco em audiências de origem latina, em Estados indefinidos entre democratas e republicanos considerados cruciais, que inclui um anúncio digital em inglês e espanhol enfatizando uma descrição feita no passado por Trump em que o ex-presidente define imigrantes mexicanos como “criminosos” e “estupradores”.

Um migrante da Venezuela pula a cerca da fronteira na tentativa de entrar e pedir asilo em El Paso, Texas, vindo de Ciudad Juarez, Chihuahua, México, em 2 de abril  Foto: Christian Monterrosa/AFP

A Casa Branca também tem ponderado a respeito de uma série de atos executivos capazes de intensificar drasticamente as restrições sobre imigração, efetivamente contornando o Congresso após um projeto bipartidário endossado por Biden não ser aprovado.

“Trump é uma fraude e só pensa em si mesmo”, afirmou o porta-voz da campanha de Biden, Kevin Munoz. “Nós garantiremos que os eleitores saibam disso em novembro.”

Trump passou por Wisconsin e por Michigan, e criticou Biden novamente em relação a imigração. A campanha do ex-presidente afirmou que o evento na cidade de Grand Rapids, no oeste de Michigan, teria foco no “banho de sangue de Biden na fronteira”.

Trump classifica o recente recorde de prisões de imigrantes que cruzam ilegalmente pela fronteira sudoeste como uma “invasão” orquestrada pelos democratas para transformar a composição populacional dos EUA. E acusa Biden de deliberadamente permitir a entrada descontrolada no país de criminosos e terroristas em potencial, chegando ao ponto de afirmar que o presidente está envolvido em uma “conspiração para derrubar os Estados Unidos da América”.

Trump também alega que os imigrantes — muitos deles mulheres e crianças fugindo de pobreza e violência — estão “envenenando o sangue” dos EUA com drogas e doenças; e afirmou que alguns deles “não são gente”. Especialistas que estudam extremismo alertam contra o uso de linguagem desumanizadora para descrever imigrantes.

Não há nenhuma prova de que governos estrangeiros estejam esvaziando suas penitenciárias ou instituições de cuidado psiquiátrico, conforme afirma Trump. E ainda que parte da cobertura da imprensa tenha sido dominada por vários crimes hediondos que chamaram a atenção da sociedade supostamente cometidos por pessoas que entraram no país ilegalmente, a mais recente estatística levantada pelo FBI mostra que em geral o número de crimes violentos caiu novamente no ano passado, seguindo uma tendência de queda após um pico durante a pandemia de covid-19.

Trump fez um discurso sobre o que chama de "Biden's Border Bloodbath" (Banho de sangue na fronteira de Biden) Foto: Spencer Platt/Getty Images via AFP

Estudos também constataram que as pessoas que vivem ilegalmente nos EUA são muito menos propensas do que americanos nascidos no país a ser presas por crimes violentos ou relacionados a drogas e propriedades.

“Certamente os meses recentes demonstraram uma clara mudança no apoio político”, afirmou Krish Vignarajah, presidente e diretora-executiva do grupo de reassentamento Global Refuge e ex-autoridade do governo Obama e do Departamento de Estado.

“Acho que isso tem relação com a retórica dos anos recentes”, afirmou ela, “simplesmente essa dinâmica de ser sobrepujada por uma retórica xenofóbica ruidosa e extremista que não corresponde à realidade dos fatos”.

Parte do que tornou a fronteira um problema tão gritante é seu efeito ser sentido longe de lá.

Aliados de Trump, mais notavelmente o governador do Texas, Greg Abbott, usaram ônibus contratados pelo Estado para enviar mais de 100 mil imigrantes a cidades como Nova York, Denver e Chicago, onde os democratas realizarão suas convenções neste verão (Hemisfério Norte). Ainda que o programa tenha sido inicialmente criticado e considerado uma manobra publicitária, esse fluxo pressionou orçamentos municipais e impôs dificuldades a líderes locais para fornecer abrigo emergencial e assistência médica para novos grupos de imigrantes.

A cobertura dos meios de imprensa locais, enquanto isso, tem sido frequentemente negativa. Telespectadores têm visto imigrantes levarem a culpa por todo tipo de dissabor, de uma série de roubos relacionados a gangues em Nova Jersey a quadrilhas que miram varejistas nos subúrbios da Filadélfia, a casos de sarampo ocorrendo em partes de Arizona e Illinois.

Migrantes discutem com policiais do Estado mexicano que estão tentando dispersá-los em Ciudad Juarez, Chihuahua, no México Foto: Christian Monterrosa/AFP

Abbott acionou a Guarda Nacional do Texas na região da fronteira, instalou arame farpado ao longo de partes do Rio Grande desafiando ordens da Suprema Corte e tem argumentado que seu Estado deveria ser capaz de fazer valer suas próprias leis de imigração.

Alguns websites de extrema direita começaram a apontar para as ações de Abbott como o primeiro gesto de uma futura guerra civil. E a Rússia também tem ajudado a disseminar e amplificar conteúdos falsos e incendiários a respeito de imigração aos EUA e da segurança na fronteira americana como parte de esforços maiores para polarizar os americanos. Uma análise recente da Logically, uma firma que monitora desinformação produzida na Rússia, constatou que influenciadores online e perfis em redes sociais ligados ao Kremlin têm explorado a ideia de uma nova guerra civil americana e de esforços de secessão de Estados como o Texas.

Amy Cooter, diretora de pesquisas do Centro de Análise de Terrorismo, Extremismo e Contraterrorismo do Instituto Middlebury de Estudos Internacionais, preocupa-se com a possibilidade da atual onda de narrativas sobre guerra civil intensificar-se à medida que a eleição se aproxima. Até aqui, esses murmúrios têm se limitado a plataformas de mensagens de extrema direita. Mas em geral imigração é uma preocupação tamanha que seu potencial político se intensifica, afirmou Cooter.

“Americanos não extremistas também estão preocupados com isso”, afirmou ela. “Sobre culturas e percepções a respeito de quem é americano.”

Enquanto isso, pessoas como Rudy Menchaca, dono de um bar em Eagle Pass que também trabalha para uma empresa que importa cerveja Corona do México, sentem que os problemas na fronteira prejudicam os negócios.

Menchaca, de 27 anos, é o típico eleitor hispânico que Biden pretende conquistar em sua campanha pela reeleição. Ele disse que nunca foi fã da retórica de Trump nem da maneira que o ex-presidente retrata hispânicos e mexicanos. “Nós não somos assim”, afirmou.

Mas Menchaca também disse que considera a ideia de apoiar Trump em razão da realidade cotidiana. “Eu preciso que esses soldados estejam por aqui se quiser manter meu negócio”, afirmou ele em relação às forças texanas acionadas na região da fronteira. “Os caras maus que entraram podem me roubar.” / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

WASHINGTON - O vídeo compartilhado pelo ex-presidente Donald Trump tem trilha sonora de filme de terror e imagens de imigrantes supostamente entrando nos Estados Unidos vindo de países como Camarões, Afeganistão e China. Imagens de homens tatuados e vídeos de crimes violentos aparecem contrapostos a close-ups de pessoas agitando e se envolvendo em bandeiras americanas.

“Eles estão chegando aos milhares”, afirma Trump no vídeo, postado em seu site de rede social. “Nós vamos proteger nossas fronteiras. E vamos restaurar a soberania.”

Trump tem intensificado sua retórica anti-imigração em discursos e postagens online conforme concorre à Casa Branca pela terceira vez, classificando imigrantes como criminosos perigosos “que envenenam o sangue” dos EUA. Cutucando os limites mais profundos no país em termos de raça e identidade nacional, a narrativa do ex-presidente se fundamenta frequentemente em mentiras a respeito da imigração. Mas essa terminologia reverbera entre muitos de seus apoiadores de uma década atrás, do tempo em que os pedidos para “construir o muro” começaram a ecoar em seus comícios.

O candidato republicano à presidência, o ex-presidente Donald Trump, fala em um evento de campanha em Grand Rapids, Michigan em 2 de abril Foto: Paul Sancya/AP

O presidente Joe Biden e seus aliados discutem a fronteira de um modo muito diferente. Os democratas retratam a situação como uma disputa entre políticas que o Congresso é capaz de consertar e atacam os republicanos em Washington que evitaram um acordo de segurança na fronteira após serem criticados por Trump.

Mas em um sinal possivelmente preocupante para Biden, a mensagem de Trump parece ressoar entre elementos críticos na coalizão democrata que Biden precisará para vencer em novembro.

Cerca de dois terços dos americanos desaprovam atualmente a maneira que Biden está lidando com a segurança na fronteira, incluindo aproximadamente quatro a cada dez democratas, 55% dos adultos negros e 73% dos adultos hispânicos, de acordo com uma pesquisa Associated Press-NORC Center for Public Affairs Research realizada em março.

Uma sondagem recente do Pew Research Center constatou que 45% dos americanos descreveram a situação como uma crise, enquanto outros 32% a consideraram um grande problema.

A ativista por justiça racial Vetress Boyce, radicada em Chicago, foi uma das pessoas que expressaram frustração com as políticas imigratórias de Biden e a abordagem da prefeitura à medida que o município tenta abrigar imigrantes recém-chegados. Ela argumentou que os democratas deveriam colocar o foco em investimentos nas comunidades negras, não nos recém-chegados.

“Estão nos mandando pessoas morrendo de fome enquanto os negros estão morrendo de fome neste país. Estão nos mandando pessoas que querem escapar dessas condições e vêm aqui atrás de um nível de vida melhor quando as pessoas daqui estão sofrendo — e têm sofrido há mais de 100 anos”, afirmou Boyce. “Essa combinação é uma receita para o desastre. É um desastre só esperando para acontecer.”

Gracie Martinez, de 52 anos, é uma hispânica proprietária de um pequeno negócio de Eagle Pass, Texas, a cidade fronteiriça que Trump visitou no mesmo dia em que ele e Biden passaram pelo Estado. Martinez disse que votou uma vez no ex-presidente Barack Obama e que ainda é democrata, mas agora apoia Trump — principalmente por causa da fronteira.

“É horrível. São milhares e milhares de pessoas, e lhes dão tratamento médico, dinheiro, telefones”, disse ela, afirmando que quem passa pelo sistema legal de imigração recebe tratamento pior.

A professora Priscilla Hesles, de 55 anos, que vive em Eagle Pass, Texas, afirmou que a atual situação mudou a cidade. “É quase como sermos superados em número.”

“Nós não sabemos onde eles estão se escondendo. Não sabemos onde se infiltraram e onde vão aparecer”, disse Hesles, contando que costumava fazer uma caminhada noturna até uma igreja local, mas parou com o hábito após ficar abalada por um encontro com um grupo de homens que ela disse ser imigrantes.

Quase certamente imigração será um dos temas centrais na eleição de novembro, com ambos os lados passando os próximos seis meses tentando definir o outro como equivocado em relação à segurança na fronteira.

A campanha de reeleição do presidente lançou recentemente uma ação publicitária de US$ 30 milhões com foco em audiências de origem latina, em Estados indefinidos entre democratas e republicanos considerados cruciais, que inclui um anúncio digital em inglês e espanhol enfatizando uma descrição feita no passado por Trump em que o ex-presidente define imigrantes mexicanos como “criminosos” e “estupradores”.

Um migrante da Venezuela pula a cerca da fronteira na tentativa de entrar e pedir asilo em El Paso, Texas, vindo de Ciudad Juarez, Chihuahua, México, em 2 de abril  Foto: Christian Monterrosa/AFP

A Casa Branca também tem ponderado a respeito de uma série de atos executivos capazes de intensificar drasticamente as restrições sobre imigração, efetivamente contornando o Congresso após um projeto bipartidário endossado por Biden não ser aprovado.

“Trump é uma fraude e só pensa em si mesmo”, afirmou o porta-voz da campanha de Biden, Kevin Munoz. “Nós garantiremos que os eleitores saibam disso em novembro.”

Trump passou por Wisconsin e por Michigan, e criticou Biden novamente em relação a imigração. A campanha do ex-presidente afirmou que o evento na cidade de Grand Rapids, no oeste de Michigan, teria foco no “banho de sangue de Biden na fronteira”.

Trump classifica o recente recorde de prisões de imigrantes que cruzam ilegalmente pela fronteira sudoeste como uma “invasão” orquestrada pelos democratas para transformar a composição populacional dos EUA. E acusa Biden de deliberadamente permitir a entrada descontrolada no país de criminosos e terroristas em potencial, chegando ao ponto de afirmar que o presidente está envolvido em uma “conspiração para derrubar os Estados Unidos da América”.

Trump também alega que os imigrantes — muitos deles mulheres e crianças fugindo de pobreza e violência — estão “envenenando o sangue” dos EUA com drogas e doenças; e afirmou que alguns deles “não são gente”. Especialistas que estudam extremismo alertam contra o uso de linguagem desumanizadora para descrever imigrantes.

Não há nenhuma prova de que governos estrangeiros estejam esvaziando suas penitenciárias ou instituições de cuidado psiquiátrico, conforme afirma Trump. E ainda que parte da cobertura da imprensa tenha sido dominada por vários crimes hediondos que chamaram a atenção da sociedade supostamente cometidos por pessoas que entraram no país ilegalmente, a mais recente estatística levantada pelo FBI mostra que em geral o número de crimes violentos caiu novamente no ano passado, seguindo uma tendência de queda após um pico durante a pandemia de covid-19.

Trump fez um discurso sobre o que chama de "Biden's Border Bloodbath" (Banho de sangue na fronteira de Biden) Foto: Spencer Platt/Getty Images via AFP

Estudos também constataram que as pessoas que vivem ilegalmente nos EUA são muito menos propensas do que americanos nascidos no país a ser presas por crimes violentos ou relacionados a drogas e propriedades.

“Certamente os meses recentes demonstraram uma clara mudança no apoio político”, afirmou Krish Vignarajah, presidente e diretora-executiva do grupo de reassentamento Global Refuge e ex-autoridade do governo Obama e do Departamento de Estado.

“Acho que isso tem relação com a retórica dos anos recentes”, afirmou ela, “simplesmente essa dinâmica de ser sobrepujada por uma retórica xenofóbica ruidosa e extremista que não corresponde à realidade dos fatos”.

Parte do que tornou a fronteira um problema tão gritante é seu efeito ser sentido longe de lá.

Aliados de Trump, mais notavelmente o governador do Texas, Greg Abbott, usaram ônibus contratados pelo Estado para enviar mais de 100 mil imigrantes a cidades como Nova York, Denver e Chicago, onde os democratas realizarão suas convenções neste verão (Hemisfério Norte). Ainda que o programa tenha sido inicialmente criticado e considerado uma manobra publicitária, esse fluxo pressionou orçamentos municipais e impôs dificuldades a líderes locais para fornecer abrigo emergencial e assistência médica para novos grupos de imigrantes.

A cobertura dos meios de imprensa locais, enquanto isso, tem sido frequentemente negativa. Telespectadores têm visto imigrantes levarem a culpa por todo tipo de dissabor, de uma série de roubos relacionados a gangues em Nova Jersey a quadrilhas que miram varejistas nos subúrbios da Filadélfia, a casos de sarampo ocorrendo em partes de Arizona e Illinois.

Migrantes discutem com policiais do Estado mexicano que estão tentando dispersá-los em Ciudad Juarez, Chihuahua, no México Foto: Christian Monterrosa/AFP

Abbott acionou a Guarda Nacional do Texas na região da fronteira, instalou arame farpado ao longo de partes do Rio Grande desafiando ordens da Suprema Corte e tem argumentado que seu Estado deveria ser capaz de fazer valer suas próprias leis de imigração.

Alguns websites de extrema direita começaram a apontar para as ações de Abbott como o primeiro gesto de uma futura guerra civil. E a Rússia também tem ajudado a disseminar e amplificar conteúdos falsos e incendiários a respeito de imigração aos EUA e da segurança na fronteira americana como parte de esforços maiores para polarizar os americanos. Uma análise recente da Logically, uma firma que monitora desinformação produzida na Rússia, constatou que influenciadores online e perfis em redes sociais ligados ao Kremlin têm explorado a ideia de uma nova guerra civil americana e de esforços de secessão de Estados como o Texas.

Amy Cooter, diretora de pesquisas do Centro de Análise de Terrorismo, Extremismo e Contraterrorismo do Instituto Middlebury de Estudos Internacionais, preocupa-se com a possibilidade da atual onda de narrativas sobre guerra civil intensificar-se à medida que a eleição se aproxima. Até aqui, esses murmúrios têm se limitado a plataformas de mensagens de extrema direita. Mas em geral imigração é uma preocupação tamanha que seu potencial político se intensifica, afirmou Cooter.

“Americanos não extremistas também estão preocupados com isso”, afirmou ela. “Sobre culturas e percepções a respeito de quem é americano.”

Enquanto isso, pessoas como Rudy Menchaca, dono de um bar em Eagle Pass que também trabalha para uma empresa que importa cerveja Corona do México, sentem que os problemas na fronteira prejudicam os negócios.

Menchaca, de 27 anos, é o típico eleitor hispânico que Biden pretende conquistar em sua campanha pela reeleição. Ele disse que nunca foi fã da retórica de Trump nem da maneira que o ex-presidente retrata hispânicos e mexicanos. “Nós não somos assim”, afirmou.

Mas Menchaca também disse que considera a ideia de apoiar Trump em razão da realidade cotidiana. “Eu preciso que esses soldados estejam por aqui se quiser manter meu negócio”, afirmou ele em relação às forças texanas acionadas na região da fronteira. “Os caras maus que entraram podem me roubar.” / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

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