KENOSHA - O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, chega nesta terça-feira, 1º, a Kenosha, Wisconsin, em uma viagem para visitar locais danificados por protestos e participar de encontros com integrantes da área de segurança. A cidade de Kenosha é o local onde Jabob Blake, um homem negrou de 29 anos, foi baleado sete vezes pelas costas por um policial e vive manifestações antirracismo desde então. Autoridades locais se manifestaram contra a ida de Trump.
A família de Blake planejou um churrasco de domingo no quarteirão onde o jovem foi baleado com participação de terapeutas para prestar serviços aos membros da comunidade. Mas quando a Casa Branca anunciou que Trump iria visitar a cidade, o evento foi alterado para coincidir com a visita.
"Ele tem uma maneira de tirar o foco das coisas, então mudamos isso", disse o tio de Blake, Justin Blake, sobre o presidente em meio às lágrimas. "Nosso presidente não foi um unificador. Ele foi mais um instigador e incitou um monte de coisas acontecendo."
Trump levará sua mensagem de campanha de lei e da ordem para Kenosha reunindo-se com membros da polícia e visitando empresas danificadas durante os protestos. Quando Trump chegar ao estado, considerado crucial para a eleição, encontrará uma recepção fria dos líderes estaduais e locais, que reiteraram que gostariam que ele não fosse para lá.
O prefeito democrata de Kenosha, John Antaramia, disse que o "momento era errado" em resposta à visita planejada do presidente Trump à cidade. "Você tem uma comunidade que está tentando se curar", disse. "Há tantas coisas acontecendo nesta comunidade. Seria melhor para nós sermos capazes de nos unir, deixar a comunidade se reunir e realmente curar."
Em entrevista coletiva na segunda, Trump disse que não considerou os pedidos para não ir. Questionado se sua visita poderia exacerbar as tensões, disse: "Bem, também poderia aumentar o entusiasmo e poderia aumentar o amor e respeito por nosso país. E é por isso que estou indo."
Cidade dividida
A visita de Trump ocorre no momento em que Kenosha está lutando com as consequências das manifestações que eclodiram depois que Rusten Sheskey, um policial da cidade, atirou em Blake em 23 de agosto.
As autoridades divulgaram poucos detalhes do que aconteceu, mas Blake teria uma faca no carro, teria escapado de uma tentativa de imobilização e teria dado um mata-leão em um policial. O Departamento de Justiça de Wisconsin investiga o caso.
Os tiros contra Blake levaram a dias de vandalismo e violência, culminando no tiroteio fatal da terça passada em meio aos distúrbios. Duas pessoas morreram e uma terceira ficou gravemente ferida.
As autoridades denunciaram Kyle Rittenhouse, de 17 anos, com seis acusações - incluindo duas de homicídio. Os advogados da Rittenhouse argumentaram que ele agiu em legítima defesa. Trump se recusou a condenar as ações de Rittenhouse na terça.
Ativistas locais disseram que nenhum grande protesto foi planejado porque não queriam chamar mais atenção para a visita de Trump. Em reunião privada na tarde de segunda com 30 membros do BLAK, um grupo ativista local, o reverendo Jesse Jackson pediu que eles evitassem se tornar um "suporte" na visita de Trump.
"Trump está vindo para a cidade para nos usar em um adereço em seu comercial para assustar os brancos e obter votos", disse Jackson. "Ele quer nos ver com os bonés vermelhos em dois lados opostos. Deixe Trump falar sozinho. Amanhã é um grande dia. Teremos um novo presidente em 60 dias."
Críticas aos manifestantes
Nos últimos dias, conforme os protestos por causa de Blake se espalharam por todo o país, Trump se referiu repetidamente aos manifestantes como "desordeiros", "anarquistas", "agitadores" e "saqueadores", enquanto tentava culpar prefeitos e governadores democratas e o candidato presidencial democrata Joe Biden pela agitação.
Em um discurso na segunda em Pittsburgh, Biden acusou Trump de ser uma ameaça à segurança de todos os americanos ao estimular as divisões raciais em uma tentativa de impulsionar sua campanha de reeleição. “Olho para essa violência e vejo vidas e comunidades e os sonhos de pequenas empresas sendo destruídas. Trump olha para essa violência e vê uma salvação política."
A Casa Branca disse que Trump não deve se encontrar com a família de Blake. Trump disse que falou com um pastor da família, mas não falou com a família de Blake porque eles queriam que um advogado estivesse presente na ligação.
De acordo com dois policiais locais, Trump deve visitar uma seção do bairro multicultural de Uptown da cidade, onde ocorreram os distúrbios e saques da noite passada. No fim de semana, funcionários da Casa Branca e agentes do Serviço Secreto foram vistos explorando propriedades danificadas no bairro, incluindo a Fraternidade Dinamarquesa, uma organização de caridade.
Um membro da fraternidade de 71 anos foi agredido enquanto defendia o prédio com um extintor de incêndio em 24 de agosto. O amigo da vítima disse que ele foi hospitalizado com a mandíbula quebrada. Na comunidade ao redor dos escombros, as reações à visita esperada de Trump foram variadas.
Dave Montgomery, um pastor, disse que esperaria para ouvir a mensagem de Trump antes de decidir se sua visita seria benéfica para a cidade. "Esperamos que não gere mais nada negativo na comunidade", disse Montgomery, que é negro. "Que ele tenha uma mensagem séria sobre união e estratégia para ajudar Kenosha. Se não, é um problema".
Kevin Mathewson, 36, um ex-vereador da cidade que pediu às pessoas que se armassem para defender propriedades em Kenosha na noite em que duas pessoas morreram, disse que é preciso comemorar a visita de Trump. "Acho que ele salvou o dia para nós. Todos os nossos líderes falharam aqui e as pessoas sentiram que tinham que se defender."
Shad DeLacy, 43, gerente de uma loja em Kenosha, disse que não via nenhum benefício em Trump vir para a cidade. "Eu não sei se ele vir aqui vai ajudar alguém", disse DeLacy. "Nós realmente precisamos de uma pausa. É tarde demais para uma mensagem unificadora, para ele nos dar qualquer palavra de conforto. Não o vejo vindo aqui e deixando as pessoas à vontade."
Governador critica visita
No domingo, o governador de Wisconsin, o democrata Tony Evers, expressou preocupações semelhantes em uma carta dirigida à Casa Branca. "Estou preocupado com a sua presença atrapalhar nossa cura, atrasar nosso trabalho para superar a divisão e avançar juntos."
"As coisas têm estado relativamente calmas, então vamos apenas esperar que continue assim", disse o administrador do condado de Kenosha, Jim Kreuser. O rescaldo dos protestos recentes ocorre enquanto o Wisconsin se torna um campo de batalha eleitoral importante.
Quatro anos atrás, Wisconsin chocou muitos observadores políticos ao apoiar por pouco Trump contra a democrata Hillary Clinton, mesmo depois de o estado ter votado duas vezes no democrata Barack Obama para presidente.
Localizado a cerca de 75 quilômetros ao norte de Chicago e lar de cerca de 170 mil pessoas, o condado de Kenosha é um dos vencidos por Trump em 2016. Michael Kraft, professor de ciência política e relações públicas da Universidade de Wisconsin em Green Bay disse que é muito cedo para dizer se os protestos em Kenosha vão ajudar ou atrapalhar a campanha de reeleição de Trump no estado.
"Trump teve índices de insatisfação muito altos e e as pessoas por aqui foram geralmente simpáticas ao movimento Black Lives Matter", disse Kraft. “Mas isso só vai até certo ponto, e acho que se a violência explodir novamente, e houver mais saques e incêndios, e as pessoas reagirem mais contra a polícia, isso pode mudar as coisas em favor de Trump".