Por que as chances de uma guerra envolvendo o Irã no Oriente Médio estão aumentando? Entenda


Com seus aliados atacando de vários pontos estratégicos e seu programa nuclear repentinamente reativado, o Irã está representando um novo desafio para o Ocidente, mas com a Rússia e a China ao seu lado.

Por David E. Sanger e Steven Erlanger

O presidente Joe Biden e seus mais graduados conselheiros de segurança acreditaram no verão passado (Hemisfério Norte) que as chances de um conflito com o Irã e seus aliados estavam suficientemente contidas. Após negociações secretas, eles acabavam de concluir um acordo que levara à libertação de cinco americanos aprisionados em troca de US$ 6 bilhões em fundos iranianos congelados e da libertação de alguns prisioneiros iranianos.

Os militantes que Teerã financia e arma — o Hamas nos territórios palestinos, o Hezbollah no Líbano e os houthis no Iêmen — pareciam relativamente quietos. O Irã até diminuiu o ritmo do enriquecimento de urânio em suas instalações nucleares subterrâneas, postergando seu progresso na direção de um armamento.

Mas a invasão do Hamas em 7 de outubro a Israel e a dura resposta israelense mudaram isso tudo. Agora, autoridades dos Estados Unidos e de Israel — e de uma dúzia de outros países trabalhando em concerto para manter o comércio fluindo no Mar Vermelho — confrontam um Irã renovadamente agressivo. Após lançar diversos ataques, do Líbano ao Mar Vermelho e no Iraque, seus grupos aliados entraram em confronto direto com forças americanas em duas ocasiões na semana passada, e Washington está ameaçando abertamente realizar ataques aéreos se a violência não arrefecer.

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Uma mulher agita uma bandeira palestina e uma do Hezbollah durante um protesto em Teerã em apoio aos palestinos em Gaza, em 18 de outubro de 2023. Foto: ATTA KENARE / AFP

Enquanto isso, apesar de pouco discutido pelo governo Biden, o programa nuclear iraniano foi subitamente colocado sob efeito de esteróides. Inspetores internacionais anunciaram no fim de dezembro que o Irã iniciou um aumento de três vezes em seu enriquecimento de urânio a níveis próximos ao da bomba. De acordo com a maioria das estimativas aproximadas, Teerã possui atualmente combustível para pelo menos três armas atômicas — e autoridades de inteligência americanas acreditam que o enriquecimento adicional necessário para transformar esse combustível em material de gradação para a bomba levaria poucas semanas.

“Voltamos à estaca zero”, afirmou o alto diplomata francês Nicolas de Rivière, que se envolveu profundamente na negociação do pacto nuclear de 2015, na semana passada.

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De maneira geral, a dinâmica com o Irã está mais complexa hoje do que em qualquer momento desde a captura da Embaixada Americana em Teerã, em 1979, após a deposição do xá. Autoridades de inteligência americanas e europeias afirmam não acreditar que os iranianos queiram um conflito direto com EUA ou Israel; que, acreditam eles, terminaria mal. Mas os iranianos parecem mais dispostos a adotar maneiras mais extremas possibilitando ataques, coordenando ações mirando bases americanas e navios carregados de mercadorias e combustíveis e rumando novamente na direção da capacidade nuclear militar.

Colaborando para a complexidade do problema, o escopo da ajuda do Irã à Rússia tem se ampliado. O que começou como um gotejamento de drones Shahed vendidos para Moscou usar contra a Ucrânia transformou-se em torrente. E agora, autoridades de inteligência acreditam que, apesar de alertas, Teerã prepara uma exportação de mísseis de curto alcance para serem usados contra Kiev — num momento em que as forças ucranianas veem diminuir seus estoques de projéteis de defesas aéreas e artilharia.

Isso é reflexo de uma dinâmica de poder acentuadamente alterada: desde a invasão da Rússia à Ucrânia, o Irã não se encontra mais isolado. Teerã entrou subitamente em um tipo de aliança tanto com Moscou quanto com a China, dois membros do Conselho de Segurança da ONU que, numa era passada, apoiaram Washington na tentativa de limitar o programa nuclear do Irã. Agora esse acordo está morto, executado pelo ex-presidente Donald Trump cinco anos atrás, e subitamente o Irã passou a ter duas superpotências não apenas como aliadas, mas como clientes para contornar sanções.

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“Eu vejo o Irã bem posicionado. Teerã deu um xeque-mate nos EUA e seus interesses no Oriente Médio”, afirmou a diretora do programa de estudos de Oriente Médio e Norte da África da Chatham House, Sanam Vakil. “O Irã está ativo em todas as fronteiras, resistente a qualquer tipo de mudança interna e ao mesmo tempo enriquece urânio a níveis muito alarmantes.”

O drone Kaman-22 da Força Aérea do Irã é transportado em um caminhão durante um desfile militar anual.  Foto: Vahid Salemi / AP

Um acordo silencioso que acabou mal

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Biden assumiu a presidência com intenção de ressuscitar o acordo nuclear de 2015 com o Irã, que conteve o programa nuclear iraniano por três anos — até que Trump retirou os EUA do pacto, em 2018. Após mais de um ano de negociações, um entendimento mútuo havia sido alcançado no verão de 2022 para restauração do acordo — que teria requerido do Irã retirar do país seu combustível nuclear produzido recentemente, da mesma forma que em 2015.

Mas o esforçou ruiu.

Ao longo do ano que se seguiu, o Irã acelerou seu programa nuclear, enriquecendo urânio a um grau de pureza de 60%, pouco abaixo dos 90% necessários para produzir armas. Foi um movimento calculado, com intenção de mostrar aos EUA que Teerã está a poucos passos da bomba — mas sem atravessar o limite, para evitar um ataque contra suas instalações nucleares.

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Mas no verão de 2023 o coordenador para Oriente Médio de Biden, Brett McGurk, formulou discretamente dois acordos distintos. Um libertou os cinco americanos aprisionados em troca de vários prisioneiros iranianos e da transferência de US$ 6 bilhões em ativos iranianos retidos na Coreia do Sul para uma conta no Catar, para propósitos humanitários.

O outro acordo — que Biden quis manter secreto — foi um pacto não escrito, segundo o qual o Irã restringiria seu enriquecimento de urânio e manteria contidas suas forças aliadas. Somente depois disso, ouviram os iranianos, poderia haver negociações sobre um acordo mais amplo.

Por alguns meses a coisa pareceu funcionar. Aliados do Irã no Iraque ou na Síria não atacaram forças americanas, embarcações navegaram livremente no Mar Vermelho e inspetores nucleares relataram que o ritmo do enriquecimento de urânio tinha diminuído drasticamente.

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Alguns analistas afirmam que essa tranquilidade foi temporária e enganosa. A diretora do programa de política externa da Brookings Institution, Suzanne Maloney, especialista em Irã, qualificou o pacto como “uma Ave Maria que, esperaram eles, preservaria alguma calma na região até a eleição”.

O então secretário de Estado dos EUA, John Kerry (dir.), cumprimenta o ministro das Relações Exteriores do Irã, Mohammad Javad Zarif, após uma cerimônia nas Nações Unidas, em Genebra, em 24 de novembro de 2013. Foto: DENIS BALIBOUSE / REUTERS

Ataques de todos os lados

Autoridades de inteligência americanas afirmam que o Irã não instigou nem aprovou o ataque do Hamas em Israel e provavelmente nem foi informado sobre a ação previamente. O Hamas pode ter temido que um vazamento a respeito do ataque se originasse no Irã, dada a profundidade dos recursos de inteligência israelenses e ocidentais no país.

Mas assim que a guerra contra o Hamas começou as forças aliadas do Irã partiram para o ataque. Houve, contudo, indicações significativas de que Teerã, enfrentando seus próprios problemas domésticos, preferiu limitar o conflito. No início da guerra, o gabinete de guerra israelense discutiu a possibilidade de um ataque preventivo contra o Hezbollah no Líbano, dizendo aos americanos que um ataque contra Israel era iminente e fazia parte de um plano iraniano para atacar Israel por todos os lados.

Os conselheiros de Biden reagiram argumentando que o cálculo de Israel estava errado e convenceram os israelenses a não atacar nessa frente. Eles acreditam que evitaram — ou pelo menos adiaram — uma guerra mais ampla.

Mas nos dias recentes a ameaça de uma guerra contra o Hezbollah ressurgiu. O grupo lançou vários foguetes contra um posto militar israelense na sexta-feira e no sábado, no que qualificou como uma “resposta preliminar” ao assassinato, na semana passada, de um graduado líder do Hamas, Saleh al-Arouri, no Líbano.

Alguns no governo israelense, como o ministro da Defesa, Yoav Gallant, alertaram que complacência a respeito das intenções do Hamas não deveria ser replicada com o Hezbollah, que, estima-se, tem 150 mil mísseis apontados para Israel e treinou parte de seus soldados, a Força Radwan, para uma invasão transfronteiriça.

Mas em Washington a preocupação é menos sobre um ataque do Hezbollah contra Israel do que sobre um ataque israelense contra o Hezbollah. Os EUA disseram aos israelenses que, se o Hezbollah atravessar a fronteira, Washington apoiará Israel — mas não apoiarão o país se o inverso ocorrer.

Brett McGurk, coordenador da Casa Branca para o Oriente Médio, em Manama, Bahrein, em novembro. Foto: MAZEN MAHDI / AFP

O Hezbollah parece ter sido cuidadoso até aqui para não dar aos israelenses desculpa para uma operação militar. Além disso, o Irã construiu o Hezbollah, a força mais poderosa no Líbano, para proteger a si mesmo, não os palestinos. O Hezbollah é um elemento de dissuasão contra qualquer ataque israelense contra o Irã, dada a magnitude da carnificina que seus mísseis são capazes de infligir em Israel.

Essa é uma das principais razões que motiva o Irã a querer manter o Hezbollah fora da guerra em Gaza, afirmou Meir Javedanfar, especialista em Irã da Universidade Reichman, de Israel. Caso contrário, os israelenses poderiam atacar o Irã diretamente, afirmou ele, notando que o ex-primeiro-ministro israelense Naftali Bennett pressiona há muito por decepar “a cabeça do polvo, não apenas tentáculos”, como o Hamas e o Hezbollah.

“Eu vejo pouco interesse do Irã escalando neste estágio”, afirmou Maloney, da Brookings Institution, “porque eles estão alcançando a maior parte de seus interesses sem isso”.

Mas autoridades americanas afirmam que o Irã não mantém controle operacional sobre grande parte de seus aliados e que a intensidade dos ataques, distantes da fronteira libanesa-israelense, poderia muito bem agir como centelha de um conflito maior.

Aliados dos iranianos no Iraque e na Síria conduziram mais de 100 ataques desse tipo, que ocasionaram breves contra-ataques quando mataram americanos. Na quinta-feira, um ataque de míssil americano em Bagdá — um evento raro — matou Mushtaq Jawad Kazim al-Jawari, subcomandante de uma milícia apoiada pelo Irã “ativamente envolvida em planejar e praticar ataques contra colaboradores americanos”, afirmou o Pentágono.

Crise no Mar Vermelho

O teatro de conflito com efeitos globais mais imediatos tem se centrado no Mar Vermelho, onde forças houthi no Iêmen, usando inteligência e armas do Irã, atacam o que qualificam como “navios israelenses”. Mas na realidade eles parecem mirar todas as embarcações com mísseis guiados por calor, que não distinguem alvos, e barcos velozes, usados para abordar e assumir o controle de petroleiros.

O resultado de uma explosão no subúrbio de Dahiyeh, em Beirute, no Líbano, na semana passada.  Foto: Hussein Malla / AP

Quando a Marinha dos EUA resgatou um navio cargueiro do grupo Maersk sob ataque no fim de semana passado, os houthis dispararam contra helicópteros da força naval americana. Os pilotos da Marinha responderam ao fogo e afundaram três dos quatro barcos usados pelos houthis, matando 10 combatentes, relatou o grupo.

A Maersk, uma das gigantes do frete marítimo global, suspendeu todas as suas operações através do Mar Vermelho “no futuro próximo”, o que significa que suas rotas evitarão o caminho mais rápido entre Europa e Ásia, o Canal de Suez. Empresas de todo o mundo, da Ikea à BP, já alertam sobre atrasos em cadeias de fornecimento.

Washington reuniu uma coalizão de países para defender os navios, mas que é pesadamente dependente da presença naval dos EUA. E até aqui Biden tem relutado em atacar os houthis dentro do Iêmen, mas isso parece estar mudando, afirmam autoridades.

Os EUA e 13 aliados assinaram uma declaração na semana passada emitindo o que uma autoridade do governo chamou de “alerta final” aos houthis, para cessar “esses ataques ilegais e libertar embarcações e tripulações retidas clandestinamente”. O texto não mencionou o Irã.

O Pentágono está refinando planos estratégicos a respeito de como atingir campos de lançamento dos houthis no Iêmen, e algum tipo de ataque contra o grupo em terra é provável quando houver outra ação no Mar Vermelho, sugerem autoridades, assim como um alerta contundente para tentar restaurar a dissuasão. “Nossa experiência com piratas somalis anos atrás mostra que não podemos jogar apenas na defesa; agir em terra é necessário para resolver um problema desse. Só assim o Irã entenderá a mensagem.”

“A ideia de que nós simplesmente patrulharemos o Mar Vermelho, que tem o tamanho da Califórnia”, com “meia dúzia de viaturas — nossos navios por lá — é irrealista”, afirmou.

Uma pessoa segura um cartaz representando 10 combatentes Houthis mortos no Mar Vermelho, durante um protesto contra uma operação multinacional para proteger a navegação no Mar Vermelho e em solidariedade ao povo palestino, em Sana'a, Iêmen, em 05 de janeiro de 2024.  Foto: YAHYA ARHAB / EFE

Biden está diante de escolhas difíceis. Ele se retirou do Oriente Médio para colocar foco em competir com a China e dissuadi-la; agora é sugado de volta.

“Os EUA construíram uma matriz de dissuasão sinalizando que não estão interessados em uma guerra regional mas que estão preparados para intervir em resposta à provocação do Irã”, afirmou o especialista em Oriente Médio Hugh Lovatt, do Conselho Europeu de Relações Exteriores. Mas a presença de porta-aviões e soldados americanos expõe mais Washington, afirmou ele. “Portanto, essa matriz de dissuasão poderia tornar-se motor de uma escalada.”

A um passo da bomba

O futuro do programa nuclear do Irã, com seu potencial a longo prazo de confronto direto com o Ocidente, paira sobre todos esses possíveis conflitos.

Os anos de negociações diplomáticas, ações secretas para incapacitar centrífugas nucleares do Irã e assassinatos de cientistas iranianos praticados pelos israelenses tiveram como foco um único objetivo: delongar o período necessário para o Irã obter combustível para uma bomba nuclear. Quando o acordo de 2015 foi alcançado, o governo Obama celebrou-o como sua grande conquista — esse cronograma, argumentava Washington, duraria mais que um ano.

Hoje, conforme notou Rivière, que atua como embaixador da França na ONU, “nós estamos falando de mais ou menos duas semanas”, uma situação que, em anos anteriores, teria quase certamente desencadeado uma crise. (Mas transformar esse combustível em uma bomba funcional provavelmente levaria um ano ou mais, o que daria ao Ocidente mais tempo para reagir.)

O governo Biden tem falado pouco, reconhecem autoridades conversando anonimamente, porque suas opções são muito limitadas. Com o Irã fornecendo armas para a Rússia e vendendo petróleo para a China, não há nenhuma chance de ação do Conselho de Segurança.

E os assessores de Biden desistiram de ressuscitar o acordo de 2015 porque seus termos ficaram obsoletos. Conforme negociado inicialmente, o pacto permitiria ao Irã produzir combustível nuclear sem restrições a partir de 2030. “Os iranianos estão enriquecendo urânio porque podem”, afirmou Maloney, “o objetivo deles sempre foi ser pacientes com a pressão e manter a opção de um programa militar”. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

O presidente Joe Biden e seus mais graduados conselheiros de segurança acreditaram no verão passado (Hemisfério Norte) que as chances de um conflito com o Irã e seus aliados estavam suficientemente contidas. Após negociações secretas, eles acabavam de concluir um acordo que levara à libertação de cinco americanos aprisionados em troca de US$ 6 bilhões em fundos iranianos congelados e da libertação de alguns prisioneiros iranianos.

Os militantes que Teerã financia e arma — o Hamas nos territórios palestinos, o Hezbollah no Líbano e os houthis no Iêmen — pareciam relativamente quietos. O Irã até diminuiu o ritmo do enriquecimento de urânio em suas instalações nucleares subterrâneas, postergando seu progresso na direção de um armamento.

Mas a invasão do Hamas em 7 de outubro a Israel e a dura resposta israelense mudaram isso tudo. Agora, autoridades dos Estados Unidos e de Israel — e de uma dúzia de outros países trabalhando em concerto para manter o comércio fluindo no Mar Vermelho — confrontam um Irã renovadamente agressivo. Após lançar diversos ataques, do Líbano ao Mar Vermelho e no Iraque, seus grupos aliados entraram em confronto direto com forças americanas em duas ocasiões na semana passada, e Washington está ameaçando abertamente realizar ataques aéreos se a violência não arrefecer.

Uma mulher agita uma bandeira palestina e uma do Hezbollah durante um protesto em Teerã em apoio aos palestinos em Gaza, em 18 de outubro de 2023. Foto: ATTA KENARE / AFP

Enquanto isso, apesar de pouco discutido pelo governo Biden, o programa nuclear iraniano foi subitamente colocado sob efeito de esteróides. Inspetores internacionais anunciaram no fim de dezembro que o Irã iniciou um aumento de três vezes em seu enriquecimento de urânio a níveis próximos ao da bomba. De acordo com a maioria das estimativas aproximadas, Teerã possui atualmente combustível para pelo menos três armas atômicas — e autoridades de inteligência americanas acreditam que o enriquecimento adicional necessário para transformar esse combustível em material de gradação para a bomba levaria poucas semanas.

“Voltamos à estaca zero”, afirmou o alto diplomata francês Nicolas de Rivière, que se envolveu profundamente na negociação do pacto nuclear de 2015, na semana passada.

De maneira geral, a dinâmica com o Irã está mais complexa hoje do que em qualquer momento desde a captura da Embaixada Americana em Teerã, em 1979, após a deposição do xá. Autoridades de inteligência americanas e europeias afirmam não acreditar que os iranianos queiram um conflito direto com EUA ou Israel; que, acreditam eles, terminaria mal. Mas os iranianos parecem mais dispostos a adotar maneiras mais extremas possibilitando ataques, coordenando ações mirando bases americanas e navios carregados de mercadorias e combustíveis e rumando novamente na direção da capacidade nuclear militar.

Colaborando para a complexidade do problema, o escopo da ajuda do Irã à Rússia tem se ampliado. O que começou como um gotejamento de drones Shahed vendidos para Moscou usar contra a Ucrânia transformou-se em torrente. E agora, autoridades de inteligência acreditam que, apesar de alertas, Teerã prepara uma exportação de mísseis de curto alcance para serem usados contra Kiev — num momento em que as forças ucranianas veem diminuir seus estoques de projéteis de defesas aéreas e artilharia.

Isso é reflexo de uma dinâmica de poder acentuadamente alterada: desde a invasão da Rússia à Ucrânia, o Irã não se encontra mais isolado. Teerã entrou subitamente em um tipo de aliança tanto com Moscou quanto com a China, dois membros do Conselho de Segurança da ONU que, numa era passada, apoiaram Washington na tentativa de limitar o programa nuclear do Irã. Agora esse acordo está morto, executado pelo ex-presidente Donald Trump cinco anos atrás, e subitamente o Irã passou a ter duas superpotências não apenas como aliadas, mas como clientes para contornar sanções.

“Eu vejo o Irã bem posicionado. Teerã deu um xeque-mate nos EUA e seus interesses no Oriente Médio”, afirmou a diretora do programa de estudos de Oriente Médio e Norte da África da Chatham House, Sanam Vakil. “O Irã está ativo em todas as fronteiras, resistente a qualquer tipo de mudança interna e ao mesmo tempo enriquece urânio a níveis muito alarmantes.”

O drone Kaman-22 da Força Aérea do Irã é transportado em um caminhão durante um desfile militar anual.  Foto: Vahid Salemi / AP

Um acordo silencioso que acabou mal

Biden assumiu a presidência com intenção de ressuscitar o acordo nuclear de 2015 com o Irã, que conteve o programa nuclear iraniano por três anos — até que Trump retirou os EUA do pacto, em 2018. Após mais de um ano de negociações, um entendimento mútuo havia sido alcançado no verão de 2022 para restauração do acordo — que teria requerido do Irã retirar do país seu combustível nuclear produzido recentemente, da mesma forma que em 2015.

Mas o esforçou ruiu.

Ao longo do ano que se seguiu, o Irã acelerou seu programa nuclear, enriquecendo urânio a um grau de pureza de 60%, pouco abaixo dos 90% necessários para produzir armas. Foi um movimento calculado, com intenção de mostrar aos EUA que Teerã está a poucos passos da bomba — mas sem atravessar o limite, para evitar um ataque contra suas instalações nucleares.

Mas no verão de 2023 o coordenador para Oriente Médio de Biden, Brett McGurk, formulou discretamente dois acordos distintos. Um libertou os cinco americanos aprisionados em troca de vários prisioneiros iranianos e da transferência de US$ 6 bilhões em ativos iranianos retidos na Coreia do Sul para uma conta no Catar, para propósitos humanitários.

O outro acordo — que Biden quis manter secreto — foi um pacto não escrito, segundo o qual o Irã restringiria seu enriquecimento de urânio e manteria contidas suas forças aliadas. Somente depois disso, ouviram os iranianos, poderia haver negociações sobre um acordo mais amplo.

Por alguns meses a coisa pareceu funcionar. Aliados do Irã no Iraque ou na Síria não atacaram forças americanas, embarcações navegaram livremente no Mar Vermelho e inspetores nucleares relataram que o ritmo do enriquecimento de urânio tinha diminuído drasticamente.

Alguns analistas afirmam que essa tranquilidade foi temporária e enganosa. A diretora do programa de política externa da Brookings Institution, Suzanne Maloney, especialista em Irã, qualificou o pacto como “uma Ave Maria que, esperaram eles, preservaria alguma calma na região até a eleição”.

O então secretário de Estado dos EUA, John Kerry (dir.), cumprimenta o ministro das Relações Exteriores do Irã, Mohammad Javad Zarif, após uma cerimônia nas Nações Unidas, em Genebra, em 24 de novembro de 2013. Foto: DENIS BALIBOUSE / REUTERS

Ataques de todos os lados

Autoridades de inteligência americanas afirmam que o Irã não instigou nem aprovou o ataque do Hamas em Israel e provavelmente nem foi informado sobre a ação previamente. O Hamas pode ter temido que um vazamento a respeito do ataque se originasse no Irã, dada a profundidade dos recursos de inteligência israelenses e ocidentais no país.

Mas assim que a guerra contra o Hamas começou as forças aliadas do Irã partiram para o ataque. Houve, contudo, indicações significativas de que Teerã, enfrentando seus próprios problemas domésticos, preferiu limitar o conflito. No início da guerra, o gabinete de guerra israelense discutiu a possibilidade de um ataque preventivo contra o Hezbollah no Líbano, dizendo aos americanos que um ataque contra Israel era iminente e fazia parte de um plano iraniano para atacar Israel por todos os lados.

Os conselheiros de Biden reagiram argumentando que o cálculo de Israel estava errado e convenceram os israelenses a não atacar nessa frente. Eles acreditam que evitaram — ou pelo menos adiaram — uma guerra mais ampla.

Mas nos dias recentes a ameaça de uma guerra contra o Hezbollah ressurgiu. O grupo lançou vários foguetes contra um posto militar israelense na sexta-feira e no sábado, no que qualificou como uma “resposta preliminar” ao assassinato, na semana passada, de um graduado líder do Hamas, Saleh al-Arouri, no Líbano.

Alguns no governo israelense, como o ministro da Defesa, Yoav Gallant, alertaram que complacência a respeito das intenções do Hamas não deveria ser replicada com o Hezbollah, que, estima-se, tem 150 mil mísseis apontados para Israel e treinou parte de seus soldados, a Força Radwan, para uma invasão transfronteiriça.

Mas em Washington a preocupação é menos sobre um ataque do Hezbollah contra Israel do que sobre um ataque israelense contra o Hezbollah. Os EUA disseram aos israelenses que, se o Hezbollah atravessar a fronteira, Washington apoiará Israel — mas não apoiarão o país se o inverso ocorrer.

Brett McGurk, coordenador da Casa Branca para o Oriente Médio, em Manama, Bahrein, em novembro. Foto: MAZEN MAHDI / AFP

O Hezbollah parece ter sido cuidadoso até aqui para não dar aos israelenses desculpa para uma operação militar. Além disso, o Irã construiu o Hezbollah, a força mais poderosa no Líbano, para proteger a si mesmo, não os palestinos. O Hezbollah é um elemento de dissuasão contra qualquer ataque israelense contra o Irã, dada a magnitude da carnificina que seus mísseis são capazes de infligir em Israel.

Essa é uma das principais razões que motiva o Irã a querer manter o Hezbollah fora da guerra em Gaza, afirmou Meir Javedanfar, especialista em Irã da Universidade Reichman, de Israel. Caso contrário, os israelenses poderiam atacar o Irã diretamente, afirmou ele, notando que o ex-primeiro-ministro israelense Naftali Bennett pressiona há muito por decepar “a cabeça do polvo, não apenas tentáculos”, como o Hamas e o Hezbollah.

“Eu vejo pouco interesse do Irã escalando neste estágio”, afirmou Maloney, da Brookings Institution, “porque eles estão alcançando a maior parte de seus interesses sem isso”.

Mas autoridades americanas afirmam que o Irã não mantém controle operacional sobre grande parte de seus aliados e que a intensidade dos ataques, distantes da fronteira libanesa-israelense, poderia muito bem agir como centelha de um conflito maior.

Aliados dos iranianos no Iraque e na Síria conduziram mais de 100 ataques desse tipo, que ocasionaram breves contra-ataques quando mataram americanos. Na quinta-feira, um ataque de míssil americano em Bagdá — um evento raro — matou Mushtaq Jawad Kazim al-Jawari, subcomandante de uma milícia apoiada pelo Irã “ativamente envolvida em planejar e praticar ataques contra colaboradores americanos”, afirmou o Pentágono.

Crise no Mar Vermelho

O teatro de conflito com efeitos globais mais imediatos tem se centrado no Mar Vermelho, onde forças houthi no Iêmen, usando inteligência e armas do Irã, atacam o que qualificam como “navios israelenses”. Mas na realidade eles parecem mirar todas as embarcações com mísseis guiados por calor, que não distinguem alvos, e barcos velozes, usados para abordar e assumir o controle de petroleiros.

O resultado de uma explosão no subúrbio de Dahiyeh, em Beirute, no Líbano, na semana passada.  Foto: Hussein Malla / AP

Quando a Marinha dos EUA resgatou um navio cargueiro do grupo Maersk sob ataque no fim de semana passado, os houthis dispararam contra helicópteros da força naval americana. Os pilotos da Marinha responderam ao fogo e afundaram três dos quatro barcos usados pelos houthis, matando 10 combatentes, relatou o grupo.

A Maersk, uma das gigantes do frete marítimo global, suspendeu todas as suas operações através do Mar Vermelho “no futuro próximo”, o que significa que suas rotas evitarão o caminho mais rápido entre Europa e Ásia, o Canal de Suez. Empresas de todo o mundo, da Ikea à BP, já alertam sobre atrasos em cadeias de fornecimento.

Washington reuniu uma coalizão de países para defender os navios, mas que é pesadamente dependente da presença naval dos EUA. E até aqui Biden tem relutado em atacar os houthis dentro do Iêmen, mas isso parece estar mudando, afirmam autoridades.

Os EUA e 13 aliados assinaram uma declaração na semana passada emitindo o que uma autoridade do governo chamou de “alerta final” aos houthis, para cessar “esses ataques ilegais e libertar embarcações e tripulações retidas clandestinamente”. O texto não mencionou o Irã.

O Pentágono está refinando planos estratégicos a respeito de como atingir campos de lançamento dos houthis no Iêmen, e algum tipo de ataque contra o grupo em terra é provável quando houver outra ação no Mar Vermelho, sugerem autoridades, assim como um alerta contundente para tentar restaurar a dissuasão. “Nossa experiência com piratas somalis anos atrás mostra que não podemos jogar apenas na defesa; agir em terra é necessário para resolver um problema desse. Só assim o Irã entenderá a mensagem.”

“A ideia de que nós simplesmente patrulharemos o Mar Vermelho, que tem o tamanho da Califórnia”, com “meia dúzia de viaturas — nossos navios por lá — é irrealista”, afirmou.

Uma pessoa segura um cartaz representando 10 combatentes Houthis mortos no Mar Vermelho, durante um protesto contra uma operação multinacional para proteger a navegação no Mar Vermelho e em solidariedade ao povo palestino, em Sana'a, Iêmen, em 05 de janeiro de 2024.  Foto: YAHYA ARHAB / EFE

Biden está diante de escolhas difíceis. Ele se retirou do Oriente Médio para colocar foco em competir com a China e dissuadi-la; agora é sugado de volta.

“Os EUA construíram uma matriz de dissuasão sinalizando que não estão interessados em uma guerra regional mas que estão preparados para intervir em resposta à provocação do Irã”, afirmou o especialista em Oriente Médio Hugh Lovatt, do Conselho Europeu de Relações Exteriores. Mas a presença de porta-aviões e soldados americanos expõe mais Washington, afirmou ele. “Portanto, essa matriz de dissuasão poderia tornar-se motor de uma escalada.”

A um passo da bomba

O futuro do programa nuclear do Irã, com seu potencial a longo prazo de confronto direto com o Ocidente, paira sobre todos esses possíveis conflitos.

Os anos de negociações diplomáticas, ações secretas para incapacitar centrífugas nucleares do Irã e assassinatos de cientistas iranianos praticados pelos israelenses tiveram como foco um único objetivo: delongar o período necessário para o Irã obter combustível para uma bomba nuclear. Quando o acordo de 2015 foi alcançado, o governo Obama celebrou-o como sua grande conquista — esse cronograma, argumentava Washington, duraria mais que um ano.

Hoje, conforme notou Rivière, que atua como embaixador da França na ONU, “nós estamos falando de mais ou menos duas semanas”, uma situação que, em anos anteriores, teria quase certamente desencadeado uma crise. (Mas transformar esse combustível em uma bomba funcional provavelmente levaria um ano ou mais, o que daria ao Ocidente mais tempo para reagir.)

O governo Biden tem falado pouco, reconhecem autoridades conversando anonimamente, porque suas opções são muito limitadas. Com o Irã fornecendo armas para a Rússia e vendendo petróleo para a China, não há nenhuma chance de ação do Conselho de Segurança.

E os assessores de Biden desistiram de ressuscitar o acordo de 2015 porque seus termos ficaram obsoletos. Conforme negociado inicialmente, o pacto permitiria ao Irã produzir combustível nuclear sem restrições a partir de 2030. “Os iranianos estão enriquecendo urânio porque podem”, afirmou Maloney, “o objetivo deles sempre foi ser pacientes com a pressão e manter a opção de um programa militar”. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

O presidente Joe Biden e seus mais graduados conselheiros de segurança acreditaram no verão passado (Hemisfério Norte) que as chances de um conflito com o Irã e seus aliados estavam suficientemente contidas. Após negociações secretas, eles acabavam de concluir um acordo que levara à libertação de cinco americanos aprisionados em troca de US$ 6 bilhões em fundos iranianos congelados e da libertação de alguns prisioneiros iranianos.

Os militantes que Teerã financia e arma — o Hamas nos territórios palestinos, o Hezbollah no Líbano e os houthis no Iêmen — pareciam relativamente quietos. O Irã até diminuiu o ritmo do enriquecimento de urânio em suas instalações nucleares subterrâneas, postergando seu progresso na direção de um armamento.

Mas a invasão do Hamas em 7 de outubro a Israel e a dura resposta israelense mudaram isso tudo. Agora, autoridades dos Estados Unidos e de Israel — e de uma dúzia de outros países trabalhando em concerto para manter o comércio fluindo no Mar Vermelho — confrontam um Irã renovadamente agressivo. Após lançar diversos ataques, do Líbano ao Mar Vermelho e no Iraque, seus grupos aliados entraram em confronto direto com forças americanas em duas ocasiões na semana passada, e Washington está ameaçando abertamente realizar ataques aéreos se a violência não arrefecer.

Uma mulher agita uma bandeira palestina e uma do Hezbollah durante um protesto em Teerã em apoio aos palestinos em Gaza, em 18 de outubro de 2023. Foto: ATTA KENARE / AFP

Enquanto isso, apesar de pouco discutido pelo governo Biden, o programa nuclear iraniano foi subitamente colocado sob efeito de esteróides. Inspetores internacionais anunciaram no fim de dezembro que o Irã iniciou um aumento de três vezes em seu enriquecimento de urânio a níveis próximos ao da bomba. De acordo com a maioria das estimativas aproximadas, Teerã possui atualmente combustível para pelo menos três armas atômicas — e autoridades de inteligência americanas acreditam que o enriquecimento adicional necessário para transformar esse combustível em material de gradação para a bomba levaria poucas semanas.

“Voltamos à estaca zero”, afirmou o alto diplomata francês Nicolas de Rivière, que se envolveu profundamente na negociação do pacto nuclear de 2015, na semana passada.

De maneira geral, a dinâmica com o Irã está mais complexa hoje do que em qualquer momento desde a captura da Embaixada Americana em Teerã, em 1979, após a deposição do xá. Autoridades de inteligência americanas e europeias afirmam não acreditar que os iranianos queiram um conflito direto com EUA ou Israel; que, acreditam eles, terminaria mal. Mas os iranianos parecem mais dispostos a adotar maneiras mais extremas possibilitando ataques, coordenando ações mirando bases americanas e navios carregados de mercadorias e combustíveis e rumando novamente na direção da capacidade nuclear militar.

Colaborando para a complexidade do problema, o escopo da ajuda do Irã à Rússia tem se ampliado. O que começou como um gotejamento de drones Shahed vendidos para Moscou usar contra a Ucrânia transformou-se em torrente. E agora, autoridades de inteligência acreditam que, apesar de alertas, Teerã prepara uma exportação de mísseis de curto alcance para serem usados contra Kiev — num momento em que as forças ucranianas veem diminuir seus estoques de projéteis de defesas aéreas e artilharia.

Isso é reflexo de uma dinâmica de poder acentuadamente alterada: desde a invasão da Rússia à Ucrânia, o Irã não se encontra mais isolado. Teerã entrou subitamente em um tipo de aliança tanto com Moscou quanto com a China, dois membros do Conselho de Segurança da ONU que, numa era passada, apoiaram Washington na tentativa de limitar o programa nuclear do Irã. Agora esse acordo está morto, executado pelo ex-presidente Donald Trump cinco anos atrás, e subitamente o Irã passou a ter duas superpotências não apenas como aliadas, mas como clientes para contornar sanções.

“Eu vejo o Irã bem posicionado. Teerã deu um xeque-mate nos EUA e seus interesses no Oriente Médio”, afirmou a diretora do programa de estudos de Oriente Médio e Norte da África da Chatham House, Sanam Vakil. “O Irã está ativo em todas as fronteiras, resistente a qualquer tipo de mudança interna e ao mesmo tempo enriquece urânio a níveis muito alarmantes.”

O drone Kaman-22 da Força Aérea do Irã é transportado em um caminhão durante um desfile militar anual.  Foto: Vahid Salemi / AP

Um acordo silencioso que acabou mal

Biden assumiu a presidência com intenção de ressuscitar o acordo nuclear de 2015 com o Irã, que conteve o programa nuclear iraniano por três anos — até que Trump retirou os EUA do pacto, em 2018. Após mais de um ano de negociações, um entendimento mútuo havia sido alcançado no verão de 2022 para restauração do acordo — que teria requerido do Irã retirar do país seu combustível nuclear produzido recentemente, da mesma forma que em 2015.

Mas o esforçou ruiu.

Ao longo do ano que se seguiu, o Irã acelerou seu programa nuclear, enriquecendo urânio a um grau de pureza de 60%, pouco abaixo dos 90% necessários para produzir armas. Foi um movimento calculado, com intenção de mostrar aos EUA que Teerã está a poucos passos da bomba — mas sem atravessar o limite, para evitar um ataque contra suas instalações nucleares.

Mas no verão de 2023 o coordenador para Oriente Médio de Biden, Brett McGurk, formulou discretamente dois acordos distintos. Um libertou os cinco americanos aprisionados em troca de vários prisioneiros iranianos e da transferência de US$ 6 bilhões em ativos iranianos retidos na Coreia do Sul para uma conta no Catar, para propósitos humanitários.

O outro acordo — que Biden quis manter secreto — foi um pacto não escrito, segundo o qual o Irã restringiria seu enriquecimento de urânio e manteria contidas suas forças aliadas. Somente depois disso, ouviram os iranianos, poderia haver negociações sobre um acordo mais amplo.

Por alguns meses a coisa pareceu funcionar. Aliados do Irã no Iraque ou na Síria não atacaram forças americanas, embarcações navegaram livremente no Mar Vermelho e inspetores nucleares relataram que o ritmo do enriquecimento de urânio tinha diminuído drasticamente.

Alguns analistas afirmam que essa tranquilidade foi temporária e enganosa. A diretora do programa de política externa da Brookings Institution, Suzanne Maloney, especialista em Irã, qualificou o pacto como “uma Ave Maria que, esperaram eles, preservaria alguma calma na região até a eleição”.

O então secretário de Estado dos EUA, John Kerry (dir.), cumprimenta o ministro das Relações Exteriores do Irã, Mohammad Javad Zarif, após uma cerimônia nas Nações Unidas, em Genebra, em 24 de novembro de 2013. Foto: DENIS BALIBOUSE / REUTERS

Ataques de todos os lados

Autoridades de inteligência americanas afirmam que o Irã não instigou nem aprovou o ataque do Hamas em Israel e provavelmente nem foi informado sobre a ação previamente. O Hamas pode ter temido que um vazamento a respeito do ataque se originasse no Irã, dada a profundidade dos recursos de inteligência israelenses e ocidentais no país.

Mas assim que a guerra contra o Hamas começou as forças aliadas do Irã partiram para o ataque. Houve, contudo, indicações significativas de que Teerã, enfrentando seus próprios problemas domésticos, preferiu limitar o conflito. No início da guerra, o gabinete de guerra israelense discutiu a possibilidade de um ataque preventivo contra o Hezbollah no Líbano, dizendo aos americanos que um ataque contra Israel era iminente e fazia parte de um plano iraniano para atacar Israel por todos os lados.

Os conselheiros de Biden reagiram argumentando que o cálculo de Israel estava errado e convenceram os israelenses a não atacar nessa frente. Eles acreditam que evitaram — ou pelo menos adiaram — uma guerra mais ampla.

Mas nos dias recentes a ameaça de uma guerra contra o Hezbollah ressurgiu. O grupo lançou vários foguetes contra um posto militar israelense na sexta-feira e no sábado, no que qualificou como uma “resposta preliminar” ao assassinato, na semana passada, de um graduado líder do Hamas, Saleh al-Arouri, no Líbano.

Alguns no governo israelense, como o ministro da Defesa, Yoav Gallant, alertaram que complacência a respeito das intenções do Hamas não deveria ser replicada com o Hezbollah, que, estima-se, tem 150 mil mísseis apontados para Israel e treinou parte de seus soldados, a Força Radwan, para uma invasão transfronteiriça.

Mas em Washington a preocupação é menos sobre um ataque do Hezbollah contra Israel do que sobre um ataque israelense contra o Hezbollah. Os EUA disseram aos israelenses que, se o Hezbollah atravessar a fronteira, Washington apoiará Israel — mas não apoiarão o país se o inverso ocorrer.

Brett McGurk, coordenador da Casa Branca para o Oriente Médio, em Manama, Bahrein, em novembro. Foto: MAZEN MAHDI / AFP

O Hezbollah parece ter sido cuidadoso até aqui para não dar aos israelenses desculpa para uma operação militar. Além disso, o Irã construiu o Hezbollah, a força mais poderosa no Líbano, para proteger a si mesmo, não os palestinos. O Hezbollah é um elemento de dissuasão contra qualquer ataque israelense contra o Irã, dada a magnitude da carnificina que seus mísseis são capazes de infligir em Israel.

Essa é uma das principais razões que motiva o Irã a querer manter o Hezbollah fora da guerra em Gaza, afirmou Meir Javedanfar, especialista em Irã da Universidade Reichman, de Israel. Caso contrário, os israelenses poderiam atacar o Irã diretamente, afirmou ele, notando que o ex-primeiro-ministro israelense Naftali Bennett pressiona há muito por decepar “a cabeça do polvo, não apenas tentáculos”, como o Hamas e o Hezbollah.

“Eu vejo pouco interesse do Irã escalando neste estágio”, afirmou Maloney, da Brookings Institution, “porque eles estão alcançando a maior parte de seus interesses sem isso”.

Mas autoridades americanas afirmam que o Irã não mantém controle operacional sobre grande parte de seus aliados e que a intensidade dos ataques, distantes da fronteira libanesa-israelense, poderia muito bem agir como centelha de um conflito maior.

Aliados dos iranianos no Iraque e na Síria conduziram mais de 100 ataques desse tipo, que ocasionaram breves contra-ataques quando mataram americanos. Na quinta-feira, um ataque de míssil americano em Bagdá — um evento raro — matou Mushtaq Jawad Kazim al-Jawari, subcomandante de uma milícia apoiada pelo Irã “ativamente envolvida em planejar e praticar ataques contra colaboradores americanos”, afirmou o Pentágono.

Crise no Mar Vermelho

O teatro de conflito com efeitos globais mais imediatos tem se centrado no Mar Vermelho, onde forças houthi no Iêmen, usando inteligência e armas do Irã, atacam o que qualificam como “navios israelenses”. Mas na realidade eles parecem mirar todas as embarcações com mísseis guiados por calor, que não distinguem alvos, e barcos velozes, usados para abordar e assumir o controle de petroleiros.

O resultado de uma explosão no subúrbio de Dahiyeh, em Beirute, no Líbano, na semana passada.  Foto: Hussein Malla / AP

Quando a Marinha dos EUA resgatou um navio cargueiro do grupo Maersk sob ataque no fim de semana passado, os houthis dispararam contra helicópteros da força naval americana. Os pilotos da Marinha responderam ao fogo e afundaram três dos quatro barcos usados pelos houthis, matando 10 combatentes, relatou o grupo.

A Maersk, uma das gigantes do frete marítimo global, suspendeu todas as suas operações através do Mar Vermelho “no futuro próximo”, o que significa que suas rotas evitarão o caminho mais rápido entre Europa e Ásia, o Canal de Suez. Empresas de todo o mundo, da Ikea à BP, já alertam sobre atrasos em cadeias de fornecimento.

Washington reuniu uma coalizão de países para defender os navios, mas que é pesadamente dependente da presença naval dos EUA. E até aqui Biden tem relutado em atacar os houthis dentro do Iêmen, mas isso parece estar mudando, afirmam autoridades.

Os EUA e 13 aliados assinaram uma declaração na semana passada emitindo o que uma autoridade do governo chamou de “alerta final” aos houthis, para cessar “esses ataques ilegais e libertar embarcações e tripulações retidas clandestinamente”. O texto não mencionou o Irã.

O Pentágono está refinando planos estratégicos a respeito de como atingir campos de lançamento dos houthis no Iêmen, e algum tipo de ataque contra o grupo em terra é provável quando houver outra ação no Mar Vermelho, sugerem autoridades, assim como um alerta contundente para tentar restaurar a dissuasão. “Nossa experiência com piratas somalis anos atrás mostra que não podemos jogar apenas na defesa; agir em terra é necessário para resolver um problema desse. Só assim o Irã entenderá a mensagem.”

“A ideia de que nós simplesmente patrulharemos o Mar Vermelho, que tem o tamanho da Califórnia”, com “meia dúzia de viaturas — nossos navios por lá — é irrealista”, afirmou.

Uma pessoa segura um cartaz representando 10 combatentes Houthis mortos no Mar Vermelho, durante um protesto contra uma operação multinacional para proteger a navegação no Mar Vermelho e em solidariedade ao povo palestino, em Sana'a, Iêmen, em 05 de janeiro de 2024.  Foto: YAHYA ARHAB / EFE

Biden está diante de escolhas difíceis. Ele se retirou do Oriente Médio para colocar foco em competir com a China e dissuadi-la; agora é sugado de volta.

“Os EUA construíram uma matriz de dissuasão sinalizando que não estão interessados em uma guerra regional mas que estão preparados para intervir em resposta à provocação do Irã”, afirmou o especialista em Oriente Médio Hugh Lovatt, do Conselho Europeu de Relações Exteriores. Mas a presença de porta-aviões e soldados americanos expõe mais Washington, afirmou ele. “Portanto, essa matriz de dissuasão poderia tornar-se motor de uma escalada.”

A um passo da bomba

O futuro do programa nuclear do Irã, com seu potencial a longo prazo de confronto direto com o Ocidente, paira sobre todos esses possíveis conflitos.

Os anos de negociações diplomáticas, ações secretas para incapacitar centrífugas nucleares do Irã e assassinatos de cientistas iranianos praticados pelos israelenses tiveram como foco um único objetivo: delongar o período necessário para o Irã obter combustível para uma bomba nuclear. Quando o acordo de 2015 foi alcançado, o governo Obama celebrou-o como sua grande conquista — esse cronograma, argumentava Washington, duraria mais que um ano.

Hoje, conforme notou Rivière, que atua como embaixador da França na ONU, “nós estamos falando de mais ou menos duas semanas”, uma situação que, em anos anteriores, teria quase certamente desencadeado uma crise. (Mas transformar esse combustível em uma bomba funcional provavelmente levaria um ano ou mais, o que daria ao Ocidente mais tempo para reagir.)

O governo Biden tem falado pouco, reconhecem autoridades conversando anonimamente, porque suas opções são muito limitadas. Com o Irã fornecendo armas para a Rússia e vendendo petróleo para a China, não há nenhuma chance de ação do Conselho de Segurança.

E os assessores de Biden desistiram de ressuscitar o acordo de 2015 porque seus termos ficaram obsoletos. Conforme negociado inicialmente, o pacto permitiria ao Irã produzir combustível nuclear sem restrições a partir de 2030. “Os iranianos estão enriquecendo urânio porque podem”, afirmou Maloney, “o objetivo deles sempre foi ser pacientes com a pressão e manter a opção de um programa militar”. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

O presidente Joe Biden e seus mais graduados conselheiros de segurança acreditaram no verão passado (Hemisfério Norte) que as chances de um conflito com o Irã e seus aliados estavam suficientemente contidas. Após negociações secretas, eles acabavam de concluir um acordo que levara à libertação de cinco americanos aprisionados em troca de US$ 6 bilhões em fundos iranianos congelados e da libertação de alguns prisioneiros iranianos.

Os militantes que Teerã financia e arma — o Hamas nos territórios palestinos, o Hezbollah no Líbano e os houthis no Iêmen — pareciam relativamente quietos. O Irã até diminuiu o ritmo do enriquecimento de urânio em suas instalações nucleares subterrâneas, postergando seu progresso na direção de um armamento.

Mas a invasão do Hamas em 7 de outubro a Israel e a dura resposta israelense mudaram isso tudo. Agora, autoridades dos Estados Unidos e de Israel — e de uma dúzia de outros países trabalhando em concerto para manter o comércio fluindo no Mar Vermelho — confrontam um Irã renovadamente agressivo. Após lançar diversos ataques, do Líbano ao Mar Vermelho e no Iraque, seus grupos aliados entraram em confronto direto com forças americanas em duas ocasiões na semana passada, e Washington está ameaçando abertamente realizar ataques aéreos se a violência não arrefecer.

Uma mulher agita uma bandeira palestina e uma do Hezbollah durante um protesto em Teerã em apoio aos palestinos em Gaza, em 18 de outubro de 2023. Foto: ATTA KENARE / AFP

Enquanto isso, apesar de pouco discutido pelo governo Biden, o programa nuclear iraniano foi subitamente colocado sob efeito de esteróides. Inspetores internacionais anunciaram no fim de dezembro que o Irã iniciou um aumento de três vezes em seu enriquecimento de urânio a níveis próximos ao da bomba. De acordo com a maioria das estimativas aproximadas, Teerã possui atualmente combustível para pelo menos três armas atômicas — e autoridades de inteligência americanas acreditam que o enriquecimento adicional necessário para transformar esse combustível em material de gradação para a bomba levaria poucas semanas.

“Voltamos à estaca zero”, afirmou o alto diplomata francês Nicolas de Rivière, que se envolveu profundamente na negociação do pacto nuclear de 2015, na semana passada.

De maneira geral, a dinâmica com o Irã está mais complexa hoje do que em qualquer momento desde a captura da Embaixada Americana em Teerã, em 1979, após a deposição do xá. Autoridades de inteligência americanas e europeias afirmam não acreditar que os iranianos queiram um conflito direto com EUA ou Israel; que, acreditam eles, terminaria mal. Mas os iranianos parecem mais dispostos a adotar maneiras mais extremas possibilitando ataques, coordenando ações mirando bases americanas e navios carregados de mercadorias e combustíveis e rumando novamente na direção da capacidade nuclear militar.

Colaborando para a complexidade do problema, o escopo da ajuda do Irã à Rússia tem se ampliado. O que começou como um gotejamento de drones Shahed vendidos para Moscou usar contra a Ucrânia transformou-se em torrente. E agora, autoridades de inteligência acreditam que, apesar de alertas, Teerã prepara uma exportação de mísseis de curto alcance para serem usados contra Kiev — num momento em que as forças ucranianas veem diminuir seus estoques de projéteis de defesas aéreas e artilharia.

Isso é reflexo de uma dinâmica de poder acentuadamente alterada: desde a invasão da Rússia à Ucrânia, o Irã não se encontra mais isolado. Teerã entrou subitamente em um tipo de aliança tanto com Moscou quanto com a China, dois membros do Conselho de Segurança da ONU que, numa era passada, apoiaram Washington na tentativa de limitar o programa nuclear do Irã. Agora esse acordo está morto, executado pelo ex-presidente Donald Trump cinco anos atrás, e subitamente o Irã passou a ter duas superpotências não apenas como aliadas, mas como clientes para contornar sanções.

“Eu vejo o Irã bem posicionado. Teerã deu um xeque-mate nos EUA e seus interesses no Oriente Médio”, afirmou a diretora do programa de estudos de Oriente Médio e Norte da África da Chatham House, Sanam Vakil. “O Irã está ativo em todas as fronteiras, resistente a qualquer tipo de mudança interna e ao mesmo tempo enriquece urânio a níveis muito alarmantes.”

O drone Kaman-22 da Força Aérea do Irã é transportado em um caminhão durante um desfile militar anual.  Foto: Vahid Salemi / AP

Um acordo silencioso que acabou mal

Biden assumiu a presidência com intenção de ressuscitar o acordo nuclear de 2015 com o Irã, que conteve o programa nuclear iraniano por três anos — até que Trump retirou os EUA do pacto, em 2018. Após mais de um ano de negociações, um entendimento mútuo havia sido alcançado no verão de 2022 para restauração do acordo — que teria requerido do Irã retirar do país seu combustível nuclear produzido recentemente, da mesma forma que em 2015.

Mas o esforçou ruiu.

Ao longo do ano que se seguiu, o Irã acelerou seu programa nuclear, enriquecendo urânio a um grau de pureza de 60%, pouco abaixo dos 90% necessários para produzir armas. Foi um movimento calculado, com intenção de mostrar aos EUA que Teerã está a poucos passos da bomba — mas sem atravessar o limite, para evitar um ataque contra suas instalações nucleares.

Mas no verão de 2023 o coordenador para Oriente Médio de Biden, Brett McGurk, formulou discretamente dois acordos distintos. Um libertou os cinco americanos aprisionados em troca de vários prisioneiros iranianos e da transferência de US$ 6 bilhões em ativos iranianos retidos na Coreia do Sul para uma conta no Catar, para propósitos humanitários.

O outro acordo — que Biden quis manter secreto — foi um pacto não escrito, segundo o qual o Irã restringiria seu enriquecimento de urânio e manteria contidas suas forças aliadas. Somente depois disso, ouviram os iranianos, poderia haver negociações sobre um acordo mais amplo.

Por alguns meses a coisa pareceu funcionar. Aliados do Irã no Iraque ou na Síria não atacaram forças americanas, embarcações navegaram livremente no Mar Vermelho e inspetores nucleares relataram que o ritmo do enriquecimento de urânio tinha diminuído drasticamente.

Alguns analistas afirmam que essa tranquilidade foi temporária e enganosa. A diretora do programa de política externa da Brookings Institution, Suzanne Maloney, especialista em Irã, qualificou o pacto como “uma Ave Maria que, esperaram eles, preservaria alguma calma na região até a eleição”.

O então secretário de Estado dos EUA, John Kerry (dir.), cumprimenta o ministro das Relações Exteriores do Irã, Mohammad Javad Zarif, após uma cerimônia nas Nações Unidas, em Genebra, em 24 de novembro de 2013. Foto: DENIS BALIBOUSE / REUTERS

Ataques de todos os lados

Autoridades de inteligência americanas afirmam que o Irã não instigou nem aprovou o ataque do Hamas em Israel e provavelmente nem foi informado sobre a ação previamente. O Hamas pode ter temido que um vazamento a respeito do ataque se originasse no Irã, dada a profundidade dos recursos de inteligência israelenses e ocidentais no país.

Mas assim que a guerra contra o Hamas começou as forças aliadas do Irã partiram para o ataque. Houve, contudo, indicações significativas de que Teerã, enfrentando seus próprios problemas domésticos, preferiu limitar o conflito. No início da guerra, o gabinete de guerra israelense discutiu a possibilidade de um ataque preventivo contra o Hezbollah no Líbano, dizendo aos americanos que um ataque contra Israel era iminente e fazia parte de um plano iraniano para atacar Israel por todos os lados.

Os conselheiros de Biden reagiram argumentando que o cálculo de Israel estava errado e convenceram os israelenses a não atacar nessa frente. Eles acreditam que evitaram — ou pelo menos adiaram — uma guerra mais ampla.

Mas nos dias recentes a ameaça de uma guerra contra o Hezbollah ressurgiu. O grupo lançou vários foguetes contra um posto militar israelense na sexta-feira e no sábado, no que qualificou como uma “resposta preliminar” ao assassinato, na semana passada, de um graduado líder do Hamas, Saleh al-Arouri, no Líbano.

Alguns no governo israelense, como o ministro da Defesa, Yoav Gallant, alertaram que complacência a respeito das intenções do Hamas não deveria ser replicada com o Hezbollah, que, estima-se, tem 150 mil mísseis apontados para Israel e treinou parte de seus soldados, a Força Radwan, para uma invasão transfronteiriça.

Mas em Washington a preocupação é menos sobre um ataque do Hezbollah contra Israel do que sobre um ataque israelense contra o Hezbollah. Os EUA disseram aos israelenses que, se o Hezbollah atravessar a fronteira, Washington apoiará Israel — mas não apoiarão o país se o inverso ocorrer.

Brett McGurk, coordenador da Casa Branca para o Oriente Médio, em Manama, Bahrein, em novembro. Foto: MAZEN MAHDI / AFP

O Hezbollah parece ter sido cuidadoso até aqui para não dar aos israelenses desculpa para uma operação militar. Além disso, o Irã construiu o Hezbollah, a força mais poderosa no Líbano, para proteger a si mesmo, não os palestinos. O Hezbollah é um elemento de dissuasão contra qualquer ataque israelense contra o Irã, dada a magnitude da carnificina que seus mísseis são capazes de infligir em Israel.

Essa é uma das principais razões que motiva o Irã a querer manter o Hezbollah fora da guerra em Gaza, afirmou Meir Javedanfar, especialista em Irã da Universidade Reichman, de Israel. Caso contrário, os israelenses poderiam atacar o Irã diretamente, afirmou ele, notando que o ex-primeiro-ministro israelense Naftali Bennett pressiona há muito por decepar “a cabeça do polvo, não apenas tentáculos”, como o Hamas e o Hezbollah.

“Eu vejo pouco interesse do Irã escalando neste estágio”, afirmou Maloney, da Brookings Institution, “porque eles estão alcançando a maior parte de seus interesses sem isso”.

Mas autoridades americanas afirmam que o Irã não mantém controle operacional sobre grande parte de seus aliados e que a intensidade dos ataques, distantes da fronteira libanesa-israelense, poderia muito bem agir como centelha de um conflito maior.

Aliados dos iranianos no Iraque e na Síria conduziram mais de 100 ataques desse tipo, que ocasionaram breves contra-ataques quando mataram americanos. Na quinta-feira, um ataque de míssil americano em Bagdá — um evento raro — matou Mushtaq Jawad Kazim al-Jawari, subcomandante de uma milícia apoiada pelo Irã “ativamente envolvida em planejar e praticar ataques contra colaboradores americanos”, afirmou o Pentágono.

Crise no Mar Vermelho

O teatro de conflito com efeitos globais mais imediatos tem se centrado no Mar Vermelho, onde forças houthi no Iêmen, usando inteligência e armas do Irã, atacam o que qualificam como “navios israelenses”. Mas na realidade eles parecem mirar todas as embarcações com mísseis guiados por calor, que não distinguem alvos, e barcos velozes, usados para abordar e assumir o controle de petroleiros.

O resultado de uma explosão no subúrbio de Dahiyeh, em Beirute, no Líbano, na semana passada.  Foto: Hussein Malla / AP

Quando a Marinha dos EUA resgatou um navio cargueiro do grupo Maersk sob ataque no fim de semana passado, os houthis dispararam contra helicópteros da força naval americana. Os pilotos da Marinha responderam ao fogo e afundaram três dos quatro barcos usados pelos houthis, matando 10 combatentes, relatou o grupo.

A Maersk, uma das gigantes do frete marítimo global, suspendeu todas as suas operações através do Mar Vermelho “no futuro próximo”, o que significa que suas rotas evitarão o caminho mais rápido entre Europa e Ásia, o Canal de Suez. Empresas de todo o mundo, da Ikea à BP, já alertam sobre atrasos em cadeias de fornecimento.

Washington reuniu uma coalizão de países para defender os navios, mas que é pesadamente dependente da presença naval dos EUA. E até aqui Biden tem relutado em atacar os houthis dentro do Iêmen, mas isso parece estar mudando, afirmam autoridades.

Os EUA e 13 aliados assinaram uma declaração na semana passada emitindo o que uma autoridade do governo chamou de “alerta final” aos houthis, para cessar “esses ataques ilegais e libertar embarcações e tripulações retidas clandestinamente”. O texto não mencionou o Irã.

O Pentágono está refinando planos estratégicos a respeito de como atingir campos de lançamento dos houthis no Iêmen, e algum tipo de ataque contra o grupo em terra é provável quando houver outra ação no Mar Vermelho, sugerem autoridades, assim como um alerta contundente para tentar restaurar a dissuasão. “Nossa experiência com piratas somalis anos atrás mostra que não podemos jogar apenas na defesa; agir em terra é necessário para resolver um problema desse. Só assim o Irã entenderá a mensagem.”

“A ideia de que nós simplesmente patrulharemos o Mar Vermelho, que tem o tamanho da Califórnia”, com “meia dúzia de viaturas — nossos navios por lá — é irrealista”, afirmou.

Uma pessoa segura um cartaz representando 10 combatentes Houthis mortos no Mar Vermelho, durante um protesto contra uma operação multinacional para proteger a navegação no Mar Vermelho e em solidariedade ao povo palestino, em Sana'a, Iêmen, em 05 de janeiro de 2024.  Foto: YAHYA ARHAB / EFE

Biden está diante de escolhas difíceis. Ele se retirou do Oriente Médio para colocar foco em competir com a China e dissuadi-la; agora é sugado de volta.

“Os EUA construíram uma matriz de dissuasão sinalizando que não estão interessados em uma guerra regional mas que estão preparados para intervir em resposta à provocação do Irã”, afirmou o especialista em Oriente Médio Hugh Lovatt, do Conselho Europeu de Relações Exteriores. Mas a presença de porta-aviões e soldados americanos expõe mais Washington, afirmou ele. “Portanto, essa matriz de dissuasão poderia tornar-se motor de uma escalada.”

A um passo da bomba

O futuro do programa nuclear do Irã, com seu potencial a longo prazo de confronto direto com o Ocidente, paira sobre todos esses possíveis conflitos.

Os anos de negociações diplomáticas, ações secretas para incapacitar centrífugas nucleares do Irã e assassinatos de cientistas iranianos praticados pelos israelenses tiveram como foco um único objetivo: delongar o período necessário para o Irã obter combustível para uma bomba nuclear. Quando o acordo de 2015 foi alcançado, o governo Obama celebrou-o como sua grande conquista — esse cronograma, argumentava Washington, duraria mais que um ano.

Hoje, conforme notou Rivière, que atua como embaixador da França na ONU, “nós estamos falando de mais ou menos duas semanas”, uma situação que, em anos anteriores, teria quase certamente desencadeado uma crise. (Mas transformar esse combustível em uma bomba funcional provavelmente levaria um ano ou mais, o que daria ao Ocidente mais tempo para reagir.)

O governo Biden tem falado pouco, reconhecem autoridades conversando anonimamente, porque suas opções são muito limitadas. Com o Irã fornecendo armas para a Rússia e vendendo petróleo para a China, não há nenhuma chance de ação do Conselho de Segurança.

E os assessores de Biden desistiram de ressuscitar o acordo de 2015 porque seus termos ficaram obsoletos. Conforme negociado inicialmente, o pacto permitiria ao Irã produzir combustível nuclear sem restrições a partir de 2030. “Os iranianos estão enriquecendo urânio porque podem”, afirmou Maloney, “o objetivo deles sempre foi ser pacientes com a pressão e manter a opção de um programa militar”. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

O presidente Joe Biden e seus mais graduados conselheiros de segurança acreditaram no verão passado (Hemisfério Norte) que as chances de um conflito com o Irã e seus aliados estavam suficientemente contidas. Após negociações secretas, eles acabavam de concluir um acordo que levara à libertação de cinco americanos aprisionados em troca de US$ 6 bilhões em fundos iranianos congelados e da libertação de alguns prisioneiros iranianos.

Os militantes que Teerã financia e arma — o Hamas nos territórios palestinos, o Hezbollah no Líbano e os houthis no Iêmen — pareciam relativamente quietos. O Irã até diminuiu o ritmo do enriquecimento de urânio em suas instalações nucleares subterrâneas, postergando seu progresso na direção de um armamento.

Mas a invasão do Hamas em 7 de outubro a Israel e a dura resposta israelense mudaram isso tudo. Agora, autoridades dos Estados Unidos e de Israel — e de uma dúzia de outros países trabalhando em concerto para manter o comércio fluindo no Mar Vermelho — confrontam um Irã renovadamente agressivo. Após lançar diversos ataques, do Líbano ao Mar Vermelho e no Iraque, seus grupos aliados entraram em confronto direto com forças americanas em duas ocasiões na semana passada, e Washington está ameaçando abertamente realizar ataques aéreos se a violência não arrefecer.

Uma mulher agita uma bandeira palestina e uma do Hezbollah durante um protesto em Teerã em apoio aos palestinos em Gaza, em 18 de outubro de 2023. Foto: ATTA KENARE / AFP

Enquanto isso, apesar de pouco discutido pelo governo Biden, o programa nuclear iraniano foi subitamente colocado sob efeito de esteróides. Inspetores internacionais anunciaram no fim de dezembro que o Irã iniciou um aumento de três vezes em seu enriquecimento de urânio a níveis próximos ao da bomba. De acordo com a maioria das estimativas aproximadas, Teerã possui atualmente combustível para pelo menos três armas atômicas — e autoridades de inteligência americanas acreditam que o enriquecimento adicional necessário para transformar esse combustível em material de gradação para a bomba levaria poucas semanas.

“Voltamos à estaca zero”, afirmou o alto diplomata francês Nicolas de Rivière, que se envolveu profundamente na negociação do pacto nuclear de 2015, na semana passada.

De maneira geral, a dinâmica com o Irã está mais complexa hoje do que em qualquer momento desde a captura da Embaixada Americana em Teerã, em 1979, após a deposição do xá. Autoridades de inteligência americanas e europeias afirmam não acreditar que os iranianos queiram um conflito direto com EUA ou Israel; que, acreditam eles, terminaria mal. Mas os iranianos parecem mais dispostos a adotar maneiras mais extremas possibilitando ataques, coordenando ações mirando bases americanas e navios carregados de mercadorias e combustíveis e rumando novamente na direção da capacidade nuclear militar.

Colaborando para a complexidade do problema, o escopo da ajuda do Irã à Rússia tem se ampliado. O que começou como um gotejamento de drones Shahed vendidos para Moscou usar contra a Ucrânia transformou-se em torrente. E agora, autoridades de inteligência acreditam que, apesar de alertas, Teerã prepara uma exportação de mísseis de curto alcance para serem usados contra Kiev — num momento em que as forças ucranianas veem diminuir seus estoques de projéteis de defesas aéreas e artilharia.

Isso é reflexo de uma dinâmica de poder acentuadamente alterada: desde a invasão da Rússia à Ucrânia, o Irã não se encontra mais isolado. Teerã entrou subitamente em um tipo de aliança tanto com Moscou quanto com a China, dois membros do Conselho de Segurança da ONU que, numa era passada, apoiaram Washington na tentativa de limitar o programa nuclear do Irã. Agora esse acordo está morto, executado pelo ex-presidente Donald Trump cinco anos atrás, e subitamente o Irã passou a ter duas superpotências não apenas como aliadas, mas como clientes para contornar sanções.

“Eu vejo o Irã bem posicionado. Teerã deu um xeque-mate nos EUA e seus interesses no Oriente Médio”, afirmou a diretora do programa de estudos de Oriente Médio e Norte da África da Chatham House, Sanam Vakil. “O Irã está ativo em todas as fronteiras, resistente a qualquer tipo de mudança interna e ao mesmo tempo enriquece urânio a níveis muito alarmantes.”

O drone Kaman-22 da Força Aérea do Irã é transportado em um caminhão durante um desfile militar anual.  Foto: Vahid Salemi / AP

Um acordo silencioso que acabou mal

Biden assumiu a presidência com intenção de ressuscitar o acordo nuclear de 2015 com o Irã, que conteve o programa nuclear iraniano por três anos — até que Trump retirou os EUA do pacto, em 2018. Após mais de um ano de negociações, um entendimento mútuo havia sido alcançado no verão de 2022 para restauração do acordo — que teria requerido do Irã retirar do país seu combustível nuclear produzido recentemente, da mesma forma que em 2015.

Mas o esforçou ruiu.

Ao longo do ano que se seguiu, o Irã acelerou seu programa nuclear, enriquecendo urânio a um grau de pureza de 60%, pouco abaixo dos 90% necessários para produzir armas. Foi um movimento calculado, com intenção de mostrar aos EUA que Teerã está a poucos passos da bomba — mas sem atravessar o limite, para evitar um ataque contra suas instalações nucleares.

Mas no verão de 2023 o coordenador para Oriente Médio de Biden, Brett McGurk, formulou discretamente dois acordos distintos. Um libertou os cinco americanos aprisionados em troca de vários prisioneiros iranianos e da transferência de US$ 6 bilhões em ativos iranianos retidos na Coreia do Sul para uma conta no Catar, para propósitos humanitários.

O outro acordo — que Biden quis manter secreto — foi um pacto não escrito, segundo o qual o Irã restringiria seu enriquecimento de urânio e manteria contidas suas forças aliadas. Somente depois disso, ouviram os iranianos, poderia haver negociações sobre um acordo mais amplo.

Por alguns meses a coisa pareceu funcionar. Aliados do Irã no Iraque ou na Síria não atacaram forças americanas, embarcações navegaram livremente no Mar Vermelho e inspetores nucleares relataram que o ritmo do enriquecimento de urânio tinha diminuído drasticamente.

Alguns analistas afirmam que essa tranquilidade foi temporária e enganosa. A diretora do programa de política externa da Brookings Institution, Suzanne Maloney, especialista em Irã, qualificou o pacto como “uma Ave Maria que, esperaram eles, preservaria alguma calma na região até a eleição”.

O então secretário de Estado dos EUA, John Kerry (dir.), cumprimenta o ministro das Relações Exteriores do Irã, Mohammad Javad Zarif, após uma cerimônia nas Nações Unidas, em Genebra, em 24 de novembro de 2013. Foto: DENIS BALIBOUSE / REUTERS

Ataques de todos os lados

Autoridades de inteligência americanas afirmam que o Irã não instigou nem aprovou o ataque do Hamas em Israel e provavelmente nem foi informado sobre a ação previamente. O Hamas pode ter temido que um vazamento a respeito do ataque se originasse no Irã, dada a profundidade dos recursos de inteligência israelenses e ocidentais no país.

Mas assim que a guerra contra o Hamas começou as forças aliadas do Irã partiram para o ataque. Houve, contudo, indicações significativas de que Teerã, enfrentando seus próprios problemas domésticos, preferiu limitar o conflito. No início da guerra, o gabinete de guerra israelense discutiu a possibilidade de um ataque preventivo contra o Hezbollah no Líbano, dizendo aos americanos que um ataque contra Israel era iminente e fazia parte de um plano iraniano para atacar Israel por todos os lados.

Os conselheiros de Biden reagiram argumentando que o cálculo de Israel estava errado e convenceram os israelenses a não atacar nessa frente. Eles acreditam que evitaram — ou pelo menos adiaram — uma guerra mais ampla.

Mas nos dias recentes a ameaça de uma guerra contra o Hezbollah ressurgiu. O grupo lançou vários foguetes contra um posto militar israelense na sexta-feira e no sábado, no que qualificou como uma “resposta preliminar” ao assassinato, na semana passada, de um graduado líder do Hamas, Saleh al-Arouri, no Líbano.

Alguns no governo israelense, como o ministro da Defesa, Yoav Gallant, alertaram que complacência a respeito das intenções do Hamas não deveria ser replicada com o Hezbollah, que, estima-se, tem 150 mil mísseis apontados para Israel e treinou parte de seus soldados, a Força Radwan, para uma invasão transfronteiriça.

Mas em Washington a preocupação é menos sobre um ataque do Hezbollah contra Israel do que sobre um ataque israelense contra o Hezbollah. Os EUA disseram aos israelenses que, se o Hezbollah atravessar a fronteira, Washington apoiará Israel — mas não apoiarão o país se o inverso ocorrer.

Brett McGurk, coordenador da Casa Branca para o Oriente Médio, em Manama, Bahrein, em novembro. Foto: MAZEN MAHDI / AFP

O Hezbollah parece ter sido cuidadoso até aqui para não dar aos israelenses desculpa para uma operação militar. Além disso, o Irã construiu o Hezbollah, a força mais poderosa no Líbano, para proteger a si mesmo, não os palestinos. O Hezbollah é um elemento de dissuasão contra qualquer ataque israelense contra o Irã, dada a magnitude da carnificina que seus mísseis são capazes de infligir em Israel.

Essa é uma das principais razões que motiva o Irã a querer manter o Hezbollah fora da guerra em Gaza, afirmou Meir Javedanfar, especialista em Irã da Universidade Reichman, de Israel. Caso contrário, os israelenses poderiam atacar o Irã diretamente, afirmou ele, notando que o ex-primeiro-ministro israelense Naftali Bennett pressiona há muito por decepar “a cabeça do polvo, não apenas tentáculos”, como o Hamas e o Hezbollah.

“Eu vejo pouco interesse do Irã escalando neste estágio”, afirmou Maloney, da Brookings Institution, “porque eles estão alcançando a maior parte de seus interesses sem isso”.

Mas autoridades americanas afirmam que o Irã não mantém controle operacional sobre grande parte de seus aliados e que a intensidade dos ataques, distantes da fronteira libanesa-israelense, poderia muito bem agir como centelha de um conflito maior.

Aliados dos iranianos no Iraque e na Síria conduziram mais de 100 ataques desse tipo, que ocasionaram breves contra-ataques quando mataram americanos. Na quinta-feira, um ataque de míssil americano em Bagdá — um evento raro — matou Mushtaq Jawad Kazim al-Jawari, subcomandante de uma milícia apoiada pelo Irã “ativamente envolvida em planejar e praticar ataques contra colaboradores americanos”, afirmou o Pentágono.

Crise no Mar Vermelho

O teatro de conflito com efeitos globais mais imediatos tem se centrado no Mar Vermelho, onde forças houthi no Iêmen, usando inteligência e armas do Irã, atacam o que qualificam como “navios israelenses”. Mas na realidade eles parecem mirar todas as embarcações com mísseis guiados por calor, que não distinguem alvos, e barcos velozes, usados para abordar e assumir o controle de petroleiros.

O resultado de uma explosão no subúrbio de Dahiyeh, em Beirute, no Líbano, na semana passada.  Foto: Hussein Malla / AP

Quando a Marinha dos EUA resgatou um navio cargueiro do grupo Maersk sob ataque no fim de semana passado, os houthis dispararam contra helicópteros da força naval americana. Os pilotos da Marinha responderam ao fogo e afundaram três dos quatro barcos usados pelos houthis, matando 10 combatentes, relatou o grupo.

A Maersk, uma das gigantes do frete marítimo global, suspendeu todas as suas operações através do Mar Vermelho “no futuro próximo”, o que significa que suas rotas evitarão o caminho mais rápido entre Europa e Ásia, o Canal de Suez. Empresas de todo o mundo, da Ikea à BP, já alertam sobre atrasos em cadeias de fornecimento.

Washington reuniu uma coalizão de países para defender os navios, mas que é pesadamente dependente da presença naval dos EUA. E até aqui Biden tem relutado em atacar os houthis dentro do Iêmen, mas isso parece estar mudando, afirmam autoridades.

Os EUA e 13 aliados assinaram uma declaração na semana passada emitindo o que uma autoridade do governo chamou de “alerta final” aos houthis, para cessar “esses ataques ilegais e libertar embarcações e tripulações retidas clandestinamente”. O texto não mencionou o Irã.

O Pentágono está refinando planos estratégicos a respeito de como atingir campos de lançamento dos houthis no Iêmen, e algum tipo de ataque contra o grupo em terra é provável quando houver outra ação no Mar Vermelho, sugerem autoridades, assim como um alerta contundente para tentar restaurar a dissuasão. “Nossa experiência com piratas somalis anos atrás mostra que não podemos jogar apenas na defesa; agir em terra é necessário para resolver um problema desse. Só assim o Irã entenderá a mensagem.”

“A ideia de que nós simplesmente patrulharemos o Mar Vermelho, que tem o tamanho da Califórnia”, com “meia dúzia de viaturas — nossos navios por lá — é irrealista”, afirmou.

Uma pessoa segura um cartaz representando 10 combatentes Houthis mortos no Mar Vermelho, durante um protesto contra uma operação multinacional para proteger a navegação no Mar Vermelho e em solidariedade ao povo palestino, em Sana'a, Iêmen, em 05 de janeiro de 2024.  Foto: YAHYA ARHAB / EFE

Biden está diante de escolhas difíceis. Ele se retirou do Oriente Médio para colocar foco em competir com a China e dissuadi-la; agora é sugado de volta.

“Os EUA construíram uma matriz de dissuasão sinalizando que não estão interessados em uma guerra regional mas que estão preparados para intervir em resposta à provocação do Irã”, afirmou o especialista em Oriente Médio Hugh Lovatt, do Conselho Europeu de Relações Exteriores. Mas a presença de porta-aviões e soldados americanos expõe mais Washington, afirmou ele. “Portanto, essa matriz de dissuasão poderia tornar-se motor de uma escalada.”

A um passo da bomba

O futuro do programa nuclear do Irã, com seu potencial a longo prazo de confronto direto com o Ocidente, paira sobre todos esses possíveis conflitos.

Os anos de negociações diplomáticas, ações secretas para incapacitar centrífugas nucleares do Irã e assassinatos de cientistas iranianos praticados pelos israelenses tiveram como foco um único objetivo: delongar o período necessário para o Irã obter combustível para uma bomba nuclear. Quando o acordo de 2015 foi alcançado, o governo Obama celebrou-o como sua grande conquista — esse cronograma, argumentava Washington, duraria mais que um ano.

Hoje, conforme notou Rivière, que atua como embaixador da França na ONU, “nós estamos falando de mais ou menos duas semanas”, uma situação que, em anos anteriores, teria quase certamente desencadeado uma crise. (Mas transformar esse combustível em uma bomba funcional provavelmente levaria um ano ou mais, o que daria ao Ocidente mais tempo para reagir.)

O governo Biden tem falado pouco, reconhecem autoridades conversando anonimamente, porque suas opções são muito limitadas. Com o Irã fornecendo armas para a Rússia e vendendo petróleo para a China, não há nenhuma chance de ação do Conselho de Segurança.

E os assessores de Biden desistiram de ressuscitar o acordo de 2015 porque seus termos ficaram obsoletos. Conforme negociado inicialmente, o pacto permitiria ao Irã produzir combustível nuclear sem restrições a partir de 2030. “Os iranianos estão enriquecendo urânio porque podem”, afirmou Maloney, “o objetivo deles sempre foi ser pacientes com a pressão e manter a opção de um programa militar”. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

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