THE NEW YORK TIMES - Na quinta-feira, Joe Biden pronunciou um discurso ligando o conflito Israel-Hamas à invasão russa à Ucrânia e definindo o envolvimento americano como parte de uma estratégia maior para conter nossos inimigos e rivais. “Quando terroristas não pagam um preço por seu terror, quando ditadores não pagam um preço por sua agressão”, declarou o presidente, “eles continuam avançando. E o custo e as ameaças aos Estados Unidos continuam aumentando”.
Em termos gerais, Biden está certo; os EUA têm grande interesse em evitar que potências rivais redesenhem mapas ou prejudiquem aliados democráticos de Washington. Mas a diferença entre a análise estratégica do presidente e a que tentei oferecer recentemente é ambivalente: a ausência geral, nas palavras de Biden, de qualquer reconhecimento de contrapartidas difíceis; e a ausência específica de qualquer referência à China enquanto ameaça potencialmente mais significativa do que Rússia ou Irã.
Essas ausências não são particularmente surpreendentes. É normal que presidentes americanos batam no peito e digam coisas como, “Não há nada, nada, que supere a nossa capacidade”, em vez de falar de coisas como possíveis limites à nossa força. E já que nós realmente não queremos travar uma guerra com a China, faz um certo sentido evitar colocar Pequim no mesmo saco que Moscou e Teerã.
Mas a retórica e as políticas de Biden são inevitavelmente ligadas, e a ameaça chinesa inexistente em seu discurso mal figuram em seu pedido de financiamento: o governo pede ao Congresso mais de US$ 60 bilhões para a Ucrânia, US$ 14 bilhões para Israel e apenas US$ 2 bilhões para o Indo-Pacífico.
Da mesma forma, lacunas na retórica de um presidente informam prioridades políticas, pelo menos dentro de sua própria coalizão. Se você não pode falar sobre por que nós precisamos nos preocupar a respeito do poder chinês juntamente com uma agressão russa ou iraniana, as pessoas que o escutam podem assumir que não há nada com que se preocupar.
Prioridade
Portanto permitam-me explicar por que eu me preocupo com a China e por que sigo insistindo que uma estratégia de contenção no Pacífico deveria ser prioridade mesmo quando outras ameaças parecem mais imediatas.
Comecemos pelo cenário geopolítico. Faz sentido falar a respeito de China, Irã e Rússia como uma aliança frouxa que tenta minar o poder dos EUA, mas não se trata de um trio de iguais. Somente a China pode ser considerada equivalente aos EUA, o poderio tecnológico e industrial dos chineses é o único que pode esperar equivaler ao nosso, e somente Pequim tem capacidade de projetar poder regionalmente e globalmente.
Além disso, a China oferece uma alternativa ideológica de certa forma coerente à ordem democrático-liberal. O regime de Vladimir Putin é uma paródia da democracia ocidental, e a combinação iraniana entre teocracia e pseudodemocracia tem pouco apelo internacional. Mas a meritocracia monopartidária chinesa pode se promover — talvez menos eficazmente desde a consolidação do poder de Xi Jinping, mas ainda com algum grau de plausibilidade — como sucessora da democracia capitalista, um modelo alternativo para o mundo em desenvolvimento.
Essas realidades estratégicas obviamente não são tão ameaçadoras quanto a própria agressão. Mas a ameaça que a China representa para Taiwan, particularmente, tem implicações diferentes para o poder americano que a ameaça que a Rússia representa para a Ucrânia, ou o Hamas para Israel. Apesar do ocorrido no conflito ucraniano, os EUA jamais se comprometeram formalmente com a defesa da Ucrânia, e a Rússia não é realisticamente capaz de derrotar a Otan. Por mais estrago que o Irã e seus aliados sejam capazes de infligir ao Oriente Médio, eles não conseguiriam conquistar Israel nem expulsar o poder americano do Levante.
Mas os EUA são mais comprometidos (apesar de qualquer ambiguidade pública) com a defesa de Taiwan, e essa expectativa sempre esteve no pano de fundo do nosso sistema maior de alianças no Leste da Ásia. E ainda que seis especialistas possam dar seis opiniões diferentes, há boas razões para acreditar que a China está aberta para invadir Taiwan no futuro próximo e que os EUA poderiam entrar nessa guerra e perder inequivocamente.
Falcões tendem a argumentar sobre China que perder uma guerra por Taiwan seria muito pior que os nossos fracassos pós-11 de Setembro e pior que deixar Putin controlar o Donbas e a Crimeia permanentemente. Não é possível provar isso definitivamente, mas acho que eles estão certos: o estabelecimento da proeminência chinesa no Leste da Ásia seria um choque geopolítico singular, com efeitos desastrosos sobre a viabilidade dos sistemas de alianças dos EUA, a probabilidade de guerras regionais e corridas armamentistas e a nossa capacidade de manter o sistema comercial global que sustenta nossa prosperidade doméstica.
Saiba mais
E é domesticamente que eu mais temo os efeitos de uma derrota assim. Os EUA têm experiência em perder guerras imperialistas — no Vietnã e no Afeganistão, por exemplo, onde nos prolongamos sem colocar todo nosso poder nos conflitos. Mas nós não temos nenhuma experiência em ser derrotados inequivocamente, não em guerras de guerrilha, mas por uma grande potência rival e competidora ideológica.
Qualquer ansiedade que você possa ter sobre as nossas atuais divisões políticas, que seu temor seja a desilusão da esquerda com os EUA ou a desilusão da direita com a democracia, ou ambas, uma derrota desse tipo muito provavelmente, mais do que qualquer outra coisa, nos impulsionaria para uma verdadeira crise interna. E por este motivo, mesmo com crises estrangeiras em chamas, um conflito no Leste da Ásia continua o cenário que os EUA deveriam trabalhar mais intensamente para evitar. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO