Opinião|Por que Israel e os EUA precisam de um parceiro palestino e uma solução de dois Estados?


Fala de líder democrata Chuck Schumer contra Netanyahu reflete interesse americano e estratégias para o Oriente Médio

Por Thomas Friedman

Uma das minhas cláusulas pétreas de jornalismo é a seguinte: quando você vir um elefante voando, não ria, não duvide, não desdenhe — tome notas. Algo muito novo e importante está acontecendo e nós precisamos entender.

Na semana passada, eu vi um elefante voando: o líder na maioria no Senado dos Estados Unidos, Chuck Schumer — um apoiador autêntico, de vida inteira, de Israel — deu um discurso conclamando os israelenses a convocar uma eleição assim que possível para expulsar o primeiro-ministro Binyamin Netanyahu e seu gabinete de extrema direita.

Baita elefante voador. Que produziu respostas previsíveis dos judeus de direita (Schumer é um traidor), de Netanyahu (Israel “não é uma república das bananas”), dos cínicos (Schumer só está se aconchegando com os democratas de esquerda). Todas previsíveis, todas erradas.

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A resposta correta é uma pergunta: O que saiu tanto de controle na relação EUA-Netanyahu ao ponto de fazer alguém tão sinceramente devotado ao bem-estar de Israel quanto Chuck Schumer conclamar os israelenses a substituir Netanyahu? E ter seu discurso inteligente e sensível elogiado pelo próprio presidente Joe Biden, que o qualificou como “um bom discurso” que delineou preocupações comuns entre “muitos americanos”.

Israelenses e amigos de Israel que ignoram essa questão básica o fazem por sua própria conta e risco.

Primeiro-ministro israelense Binyamin Netanyahu em encontro com Joe Biden após ataque do Hamas.  Foto: Kenny Holston/The New York Times
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A resposta tem a ver com uma mudança profunda na política americana e na geopolítica quando se trata de Oriente Médio — uma mudança evidenciada pela guerra em Gaza, que tornou a recusa de Netanyahu em articular qualquer visão de relações israelo-palestinas com base em dois Estados para dois povos uma ameaça tanto para os objetivos de política externa de Biden quanto para suas chances de se reeleger.

Antes de explicar por quê, eu quero ser muito claro a respeito de uma coisa que Schumer e Biden também deixam bem claro: Israel foi forçado a fazer guerra em Gaza por um ataque perverso do Hamas contra comunidades israelenses próximas à fronteira povoadas pelos israelenses mais pacifistas no espectro político do país. E se você pede um “cessar-fogo agora”, em Gaza em vez de um “cessar-fogo e a libertação de reféns agora”, isso piora o problema. Porque apenas alimenta temores dos israelenses de que o mundo ficará contra eles seja o que for que eles façam.

As pessoas que protestam contra a guerra de Israel em Gaza e suas muitas baixas civis também têm responsabilidade de denunciar o Hamas — como fez Schumer. O Hamas é uma organização assassina, que engendra morte e destruição — e desespero para o povo de Gaza — e faz de tudo desde os anos 80 para destruir a possibilidade de uma solução de dois Estados, assim como outros atores na região.

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De volta à discussão: Por que Netanyahu virou um problema tão grande para os EUA e Biden geopoliticamente e politicamente?

A resposta resumida é que toda a estratégia dos EUA no Oriente Médio neste momento — e, eu argumentaria, o interesse a longo prazo de Israel — depende do governo israelense estabelecer parcerias com a Autoridade Palestina, que não pertence ao Hamas, em Ramallah, na Cisjordânia; do atendimento a longo prazo às necessidades dos palestinos; e, em última instância, de uma solução de dois Estados. E Netanyahu tem descartado isso expressamente, assim como qualquer outro plano completo para o dia seguinte em Gaza.

Criança palestina em meio aos escombros em Rafah, Gaza, 19 de março de 2024.  Foto: Haitham Imad/ EFE
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Por que Israel e os EUA precisam de um parceiro palestino e uma visão para uma solução de dois Estados? Eu vejo seis razões — muitas, mas todas relacionadas com o desafio e o destino político de Biden:

1) Nenhum Exército já teve de combater um inimigo em um ambiente urbano tão denso, que inclui estimados 560 a 730 quilômetros de túneis subterrâneos que se espalham por todos os cantos da zona de guerra. Como resultado, uma guerra urbana desse tipo sempre causaria muitas baixas entre civis inocentes, mesmo pelas mãos mais cuidadoso dos Exércitos, quem dirá por soldados furiosos com o assassinato e sequestro de tantas crianças, pais e avós. Para os civis que sobreviverem em Gaza, tenho certeza que nada compensaria a perda de suas crianças, pais e avós. Mas uma disposição expressa por Israel para forjar uma nova relação com os palestinos em Gaza e na Cisjordânia, palestinos não liderados pelo Hamas, daria pelo menos alguma esperança para todos os lados de que não haveria nunca mais uma rodada de derramamento de sangue como a atual.

2) Esta é a primeira grande guerra israelo-palestina travada na era do TikTok. O TikTok foi projetado para uma guerra como esta: vídeos de 15 segundos com o pior sofrimento humano transmitidos continuamente. Em face a esse tsunami midiático, Israel precisaria de uma mensagem clara de comprometimento com um processo de paz posterior à guerra, rumando para uma solução de dois Estados. O que Israel não tem. Como resultado, Israel não está alienando somente muitos árabes-americanos e muçulmanos americanos, afirmam autoridades do governo Biden, mas também corre perigo de perder apoio entre toda uma geração global de jovens (incluindo parte da base do Partido Democrata).

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3) Esta não é uma guerra de “retaliação”, como todas as guerras anteriores entre o Hamas e Israel — nas quais Israel puniu o Hamas por disparar foguetes contra o país mas permitiu que o grupo permanecesse no poder depois do fim dos combates. A atual guerra, em contraste, tem como objetivo destruir o Hamas de uma vez por todas. Portanto, desde o início, Israel precisaria de uma concepção alternativa que tratasse da maneira que a Faixa de Gaza poderia e deveria ser governada legitimamente por palestinos não pertencentes ao Hamas — e nenhum palestino se apresentará para cumprir essa função se não houver pelo menos um processo legítimo no sentido de uma solução de dois Estados.

4) O ataque do Hamas foi projetado para impedir Israel de se inserir mais do que nunca no mundo árabe graças aos Acordos de Abraão e do florescente processo de normalização de relações com a Arábia Saudita. Consequentemente, a resposta de Israel tinha de ser projetada para preservar essas novas relações vitais. Isso só poderia ser possível se com uma mão Israel estivesse combatendo o Hamas em Gaza e com a outra buscasse ativamente a solução de dois Estados.

5) Esta guerra teve um grande componente regional. Muito rapidamente Israel viu-se combatendo o Hamas em Gaza e aliados do Irã no Líbano, no Iêmen, na Síria e no Iraque. A única maneira que permitiria a Israel construir uma aliança regional — e possibilitar ao presidente Biden ajudar a alinhar aliados regionais — seria o país buscar simultaneamente um processo de paz com palestinos não pertencentes ao Hamas. É esse o cimento necessário para uma aliança regional contra o Irã. Sem esse cimento, a grande estratégia de Biden no sentido de construir uma aliança contra o Irã e a Rússia (e a China) espalhando-se da Índia à Península Arábica, ao Norte da África e à União Europeia/Otan será obstruída. Ninguém quer se alistar para proteger um Estado de Israel dominado por extremistas que pretendem ocupar permanentemente a Cisjordânia e a Faixa de Gaza.

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E por esse motivo, Schumer disse: “Ninguém espera que o primeiro-ministro Netanyahu faça o que tem de ser feito para romper o ciclo de violência, preservar a credibilidade de Israel na arena internacional e trabalhar no sentido de uma solução de dois Estados”; enquanto também pediu que o presidente da Autoridade Palestina, Mahmoud Abbas, desimpeça o caminho e abra espaço para uma nova — e melhor — geração de governantes também por lá.

6) O cientista político Gautam Mukunda, autor do livro “Picking Presidents” (Escolhendo Presidentes), expressou-me o seguinte ponto de vista consistente e definitivo: “A ascensão da esquerda progressista e a aliança tácita entre Netanyahu e Trump enfraqueceram o apoio a Israel entre os democratas. Se Israel trava uma guerra em Gaza com muitas baixas civis — mas não oferece nenhuma esperança política de um futuro melhor para israelenses e palestinos — com o tempo isso obscurecerá as memórias das pessoas sobre os horrores do 7 de outubro e seu apoio a Israel após o ataque. Isso torna cada vez mais difícil até para as figuras mais pró-Israel dos EUA — como Schumer — continuar a apoiar a guerra diante dos enormes custos internacionais e domésticos”.

Por todos esses motivos, — e isso é algo que eu não posso deixar de repetir estridentemente e com frequência — Israel tem um interesse preponderante em buscar uma solução de dois Estados. Não sei se a Autoridade Palestina é capaz de se organizar para se tornar o governo que os palestinos e os israelenses precisam que ela seja; só sei que todos têm agora um enorme interesse em fazer isso acontecer.

Assim sendo, acredito que a estratégia Biden muito provavelmente se desdobrará da seguinte maneira: pressionar o máximo possível todas as partes por um cessar-fogo e outra libertação de reféns. Essa suspensão de hostilidades congelaria, então, qualquer plano militar israelense para uma invasão em escala total a Rafah com intenção de capturar ou matar líderes do Hamas que, acredita-se, estejam escondidos por lá — uma invasão que muito provavelmente provocaria muito mais baixas civis. (Assumo que os EUA instarão Israel a usar meios mais precisos.)

Então o cessar-fogo seria usado para engendrar uma grande e nova iniciativa de paz envolvendo os EUA, países árabes e a União Europeia, que ofereça aos israelenses uma normalização ampla e profunda com países árabes, incluindo a Arábia Saudita, e garantias de segurança, mais do que em todos os tempos, assim como o acompanhamento de uma solução de dois Estados.

Com esse pássaro na mão, Biden poderia definir as escolhas na próxima eleição de Israel como “o plano concreto de Biden versus o plano inexistente de Bibi” — em vez de uma disputa pessoal entre Biden e Netanyahu. Deixemos Netanyahu escolher entre ser lembrado como o primeiro-ministro que governava na época do 7 de outubro ou como o primeiro-ministro que abriu o caminho para relações com a Arábia Saudita.

Está ficando tarde. Um milhão de partículas estão em movimento, e qualquer uma pode falhar. Mas minha intuição me diz que seria esta a maneira que a próxima fase do conflito em Gaza poderia se desdobrar e me conta por que a fala de Schumer não foi apenas uma ruminação pessoal, foi um reflexo profundo do melhor interesse dos EUA neste momento — e, acredito, do melhor interesse também de israelenses e palestinos. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

Uma das minhas cláusulas pétreas de jornalismo é a seguinte: quando você vir um elefante voando, não ria, não duvide, não desdenhe — tome notas. Algo muito novo e importante está acontecendo e nós precisamos entender.

Na semana passada, eu vi um elefante voando: o líder na maioria no Senado dos Estados Unidos, Chuck Schumer — um apoiador autêntico, de vida inteira, de Israel — deu um discurso conclamando os israelenses a convocar uma eleição assim que possível para expulsar o primeiro-ministro Binyamin Netanyahu e seu gabinete de extrema direita.

Baita elefante voador. Que produziu respostas previsíveis dos judeus de direita (Schumer é um traidor), de Netanyahu (Israel “não é uma república das bananas”), dos cínicos (Schumer só está se aconchegando com os democratas de esquerda). Todas previsíveis, todas erradas.

A resposta correta é uma pergunta: O que saiu tanto de controle na relação EUA-Netanyahu ao ponto de fazer alguém tão sinceramente devotado ao bem-estar de Israel quanto Chuck Schumer conclamar os israelenses a substituir Netanyahu? E ter seu discurso inteligente e sensível elogiado pelo próprio presidente Joe Biden, que o qualificou como “um bom discurso” que delineou preocupações comuns entre “muitos americanos”.

Israelenses e amigos de Israel que ignoram essa questão básica o fazem por sua própria conta e risco.

Primeiro-ministro israelense Binyamin Netanyahu em encontro com Joe Biden após ataque do Hamas.  Foto: Kenny Holston/The New York Times

A resposta tem a ver com uma mudança profunda na política americana e na geopolítica quando se trata de Oriente Médio — uma mudança evidenciada pela guerra em Gaza, que tornou a recusa de Netanyahu em articular qualquer visão de relações israelo-palestinas com base em dois Estados para dois povos uma ameaça tanto para os objetivos de política externa de Biden quanto para suas chances de se reeleger.

Antes de explicar por quê, eu quero ser muito claro a respeito de uma coisa que Schumer e Biden também deixam bem claro: Israel foi forçado a fazer guerra em Gaza por um ataque perverso do Hamas contra comunidades israelenses próximas à fronteira povoadas pelos israelenses mais pacifistas no espectro político do país. E se você pede um “cessar-fogo agora”, em Gaza em vez de um “cessar-fogo e a libertação de reféns agora”, isso piora o problema. Porque apenas alimenta temores dos israelenses de que o mundo ficará contra eles seja o que for que eles façam.

As pessoas que protestam contra a guerra de Israel em Gaza e suas muitas baixas civis também têm responsabilidade de denunciar o Hamas — como fez Schumer. O Hamas é uma organização assassina, que engendra morte e destruição — e desespero para o povo de Gaza — e faz de tudo desde os anos 80 para destruir a possibilidade de uma solução de dois Estados, assim como outros atores na região.

De volta à discussão: Por que Netanyahu virou um problema tão grande para os EUA e Biden geopoliticamente e politicamente?

A resposta resumida é que toda a estratégia dos EUA no Oriente Médio neste momento — e, eu argumentaria, o interesse a longo prazo de Israel — depende do governo israelense estabelecer parcerias com a Autoridade Palestina, que não pertence ao Hamas, em Ramallah, na Cisjordânia; do atendimento a longo prazo às necessidades dos palestinos; e, em última instância, de uma solução de dois Estados. E Netanyahu tem descartado isso expressamente, assim como qualquer outro plano completo para o dia seguinte em Gaza.

Criança palestina em meio aos escombros em Rafah, Gaza, 19 de março de 2024.  Foto: Haitham Imad/ EFE

Por que Israel e os EUA precisam de um parceiro palestino e uma visão para uma solução de dois Estados? Eu vejo seis razões — muitas, mas todas relacionadas com o desafio e o destino político de Biden:

1) Nenhum Exército já teve de combater um inimigo em um ambiente urbano tão denso, que inclui estimados 560 a 730 quilômetros de túneis subterrâneos que se espalham por todos os cantos da zona de guerra. Como resultado, uma guerra urbana desse tipo sempre causaria muitas baixas entre civis inocentes, mesmo pelas mãos mais cuidadoso dos Exércitos, quem dirá por soldados furiosos com o assassinato e sequestro de tantas crianças, pais e avós. Para os civis que sobreviverem em Gaza, tenho certeza que nada compensaria a perda de suas crianças, pais e avós. Mas uma disposição expressa por Israel para forjar uma nova relação com os palestinos em Gaza e na Cisjordânia, palestinos não liderados pelo Hamas, daria pelo menos alguma esperança para todos os lados de que não haveria nunca mais uma rodada de derramamento de sangue como a atual.

2) Esta é a primeira grande guerra israelo-palestina travada na era do TikTok. O TikTok foi projetado para uma guerra como esta: vídeos de 15 segundos com o pior sofrimento humano transmitidos continuamente. Em face a esse tsunami midiático, Israel precisaria de uma mensagem clara de comprometimento com um processo de paz posterior à guerra, rumando para uma solução de dois Estados. O que Israel não tem. Como resultado, Israel não está alienando somente muitos árabes-americanos e muçulmanos americanos, afirmam autoridades do governo Biden, mas também corre perigo de perder apoio entre toda uma geração global de jovens (incluindo parte da base do Partido Democrata).

3) Esta não é uma guerra de “retaliação”, como todas as guerras anteriores entre o Hamas e Israel — nas quais Israel puniu o Hamas por disparar foguetes contra o país mas permitiu que o grupo permanecesse no poder depois do fim dos combates. A atual guerra, em contraste, tem como objetivo destruir o Hamas de uma vez por todas. Portanto, desde o início, Israel precisaria de uma concepção alternativa que tratasse da maneira que a Faixa de Gaza poderia e deveria ser governada legitimamente por palestinos não pertencentes ao Hamas — e nenhum palestino se apresentará para cumprir essa função se não houver pelo menos um processo legítimo no sentido de uma solução de dois Estados.

4) O ataque do Hamas foi projetado para impedir Israel de se inserir mais do que nunca no mundo árabe graças aos Acordos de Abraão e do florescente processo de normalização de relações com a Arábia Saudita. Consequentemente, a resposta de Israel tinha de ser projetada para preservar essas novas relações vitais. Isso só poderia ser possível se com uma mão Israel estivesse combatendo o Hamas em Gaza e com a outra buscasse ativamente a solução de dois Estados.

5) Esta guerra teve um grande componente regional. Muito rapidamente Israel viu-se combatendo o Hamas em Gaza e aliados do Irã no Líbano, no Iêmen, na Síria e no Iraque. A única maneira que permitiria a Israel construir uma aliança regional — e possibilitar ao presidente Biden ajudar a alinhar aliados regionais — seria o país buscar simultaneamente um processo de paz com palestinos não pertencentes ao Hamas. É esse o cimento necessário para uma aliança regional contra o Irã. Sem esse cimento, a grande estratégia de Biden no sentido de construir uma aliança contra o Irã e a Rússia (e a China) espalhando-se da Índia à Península Arábica, ao Norte da África e à União Europeia/Otan será obstruída. Ninguém quer se alistar para proteger um Estado de Israel dominado por extremistas que pretendem ocupar permanentemente a Cisjordânia e a Faixa de Gaza.

E por esse motivo, Schumer disse: “Ninguém espera que o primeiro-ministro Netanyahu faça o que tem de ser feito para romper o ciclo de violência, preservar a credibilidade de Israel na arena internacional e trabalhar no sentido de uma solução de dois Estados”; enquanto também pediu que o presidente da Autoridade Palestina, Mahmoud Abbas, desimpeça o caminho e abra espaço para uma nova — e melhor — geração de governantes também por lá.

6) O cientista político Gautam Mukunda, autor do livro “Picking Presidents” (Escolhendo Presidentes), expressou-me o seguinte ponto de vista consistente e definitivo: “A ascensão da esquerda progressista e a aliança tácita entre Netanyahu e Trump enfraqueceram o apoio a Israel entre os democratas. Se Israel trava uma guerra em Gaza com muitas baixas civis — mas não oferece nenhuma esperança política de um futuro melhor para israelenses e palestinos — com o tempo isso obscurecerá as memórias das pessoas sobre os horrores do 7 de outubro e seu apoio a Israel após o ataque. Isso torna cada vez mais difícil até para as figuras mais pró-Israel dos EUA — como Schumer — continuar a apoiar a guerra diante dos enormes custos internacionais e domésticos”.

Por todos esses motivos, — e isso é algo que eu não posso deixar de repetir estridentemente e com frequência — Israel tem um interesse preponderante em buscar uma solução de dois Estados. Não sei se a Autoridade Palestina é capaz de se organizar para se tornar o governo que os palestinos e os israelenses precisam que ela seja; só sei que todos têm agora um enorme interesse em fazer isso acontecer.

Assim sendo, acredito que a estratégia Biden muito provavelmente se desdobrará da seguinte maneira: pressionar o máximo possível todas as partes por um cessar-fogo e outra libertação de reféns. Essa suspensão de hostilidades congelaria, então, qualquer plano militar israelense para uma invasão em escala total a Rafah com intenção de capturar ou matar líderes do Hamas que, acredita-se, estejam escondidos por lá — uma invasão que muito provavelmente provocaria muito mais baixas civis. (Assumo que os EUA instarão Israel a usar meios mais precisos.)

Então o cessar-fogo seria usado para engendrar uma grande e nova iniciativa de paz envolvendo os EUA, países árabes e a União Europeia, que ofereça aos israelenses uma normalização ampla e profunda com países árabes, incluindo a Arábia Saudita, e garantias de segurança, mais do que em todos os tempos, assim como o acompanhamento de uma solução de dois Estados.

Com esse pássaro na mão, Biden poderia definir as escolhas na próxima eleição de Israel como “o plano concreto de Biden versus o plano inexistente de Bibi” — em vez de uma disputa pessoal entre Biden e Netanyahu. Deixemos Netanyahu escolher entre ser lembrado como o primeiro-ministro que governava na época do 7 de outubro ou como o primeiro-ministro que abriu o caminho para relações com a Arábia Saudita.

Está ficando tarde. Um milhão de partículas estão em movimento, e qualquer uma pode falhar. Mas minha intuição me diz que seria esta a maneira que a próxima fase do conflito em Gaza poderia se desdobrar e me conta por que a fala de Schumer não foi apenas uma ruminação pessoal, foi um reflexo profundo do melhor interesse dos EUA neste momento — e, acredito, do melhor interesse também de israelenses e palestinos. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

Uma das minhas cláusulas pétreas de jornalismo é a seguinte: quando você vir um elefante voando, não ria, não duvide, não desdenhe — tome notas. Algo muito novo e importante está acontecendo e nós precisamos entender.

Na semana passada, eu vi um elefante voando: o líder na maioria no Senado dos Estados Unidos, Chuck Schumer — um apoiador autêntico, de vida inteira, de Israel — deu um discurso conclamando os israelenses a convocar uma eleição assim que possível para expulsar o primeiro-ministro Binyamin Netanyahu e seu gabinete de extrema direita.

Baita elefante voador. Que produziu respostas previsíveis dos judeus de direita (Schumer é um traidor), de Netanyahu (Israel “não é uma república das bananas”), dos cínicos (Schumer só está se aconchegando com os democratas de esquerda). Todas previsíveis, todas erradas.

A resposta correta é uma pergunta: O que saiu tanto de controle na relação EUA-Netanyahu ao ponto de fazer alguém tão sinceramente devotado ao bem-estar de Israel quanto Chuck Schumer conclamar os israelenses a substituir Netanyahu? E ter seu discurso inteligente e sensível elogiado pelo próprio presidente Joe Biden, que o qualificou como “um bom discurso” que delineou preocupações comuns entre “muitos americanos”.

Israelenses e amigos de Israel que ignoram essa questão básica o fazem por sua própria conta e risco.

Primeiro-ministro israelense Binyamin Netanyahu em encontro com Joe Biden após ataque do Hamas.  Foto: Kenny Holston/The New York Times

A resposta tem a ver com uma mudança profunda na política americana e na geopolítica quando se trata de Oriente Médio — uma mudança evidenciada pela guerra em Gaza, que tornou a recusa de Netanyahu em articular qualquer visão de relações israelo-palestinas com base em dois Estados para dois povos uma ameaça tanto para os objetivos de política externa de Biden quanto para suas chances de se reeleger.

Antes de explicar por quê, eu quero ser muito claro a respeito de uma coisa que Schumer e Biden também deixam bem claro: Israel foi forçado a fazer guerra em Gaza por um ataque perverso do Hamas contra comunidades israelenses próximas à fronteira povoadas pelos israelenses mais pacifistas no espectro político do país. E se você pede um “cessar-fogo agora”, em Gaza em vez de um “cessar-fogo e a libertação de reféns agora”, isso piora o problema. Porque apenas alimenta temores dos israelenses de que o mundo ficará contra eles seja o que for que eles façam.

As pessoas que protestam contra a guerra de Israel em Gaza e suas muitas baixas civis também têm responsabilidade de denunciar o Hamas — como fez Schumer. O Hamas é uma organização assassina, que engendra morte e destruição — e desespero para o povo de Gaza — e faz de tudo desde os anos 80 para destruir a possibilidade de uma solução de dois Estados, assim como outros atores na região.

De volta à discussão: Por que Netanyahu virou um problema tão grande para os EUA e Biden geopoliticamente e politicamente?

A resposta resumida é que toda a estratégia dos EUA no Oriente Médio neste momento — e, eu argumentaria, o interesse a longo prazo de Israel — depende do governo israelense estabelecer parcerias com a Autoridade Palestina, que não pertence ao Hamas, em Ramallah, na Cisjordânia; do atendimento a longo prazo às necessidades dos palestinos; e, em última instância, de uma solução de dois Estados. E Netanyahu tem descartado isso expressamente, assim como qualquer outro plano completo para o dia seguinte em Gaza.

Criança palestina em meio aos escombros em Rafah, Gaza, 19 de março de 2024.  Foto: Haitham Imad/ EFE

Por que Israel e os EUA precisam de um parceiro palestino e uma visão para uma solução de dois Estados? Eu vejo seis razões — muitas, mas todas relacionadas com o desafio e o destino político de Biden:

1) Nenhum Exército já teve de combater um inimigo em um ambiente urbano tão denso, que inclui estimados 560 a 730 quilômetros de túneis subterrâneos que se espalham por todos os cantos da zona de guerra. Como resultado, uma guerra urbana desse tipo sempre causaria muitas baixas entre civis inocentes, mesmo pelas mãos mais cuidadoso dos Exércitos, quem dirá por soldados furiosos com o assassinato e sequestro de tantas crianças, pais e avós. Para os civis que sobreviverem em Gaza, tenho certeza que nada compensaria a perda de suas crianças, pais e avós. Mas uma disposição expressa por Israel para forjar uma nova relação com os palestinos em Gaza e na Cisjordânia, palestinos não liderados pelo Hamas, daria pelo menos alguma esperança para todos os lados de que não haveria nunca mais uma rodada de derramamento de sangue como a atual.

2) Esta é a primeira grande guerra israelo-palestina travada na era do TikTok. O TikTok foi projetado para uma guerra como esta: vídeos de 15 segundos com o pior sofrimento humano transmitidos continuamente. Em face a esse tsunami midiático, Israel precisaria de uma mensagem clara de comprometimento com um processo de paz posterior à guerra, rumando para uma solução de dois Estados. O que Israel não tem. Como resultado, Israel não está alienando somente muitos árabes-americanos e muçulmanos americanos, afirmam autoridades do governo Biden, mas também corre perigo de perder apoio entre toda uma geração global de jovens (incluindo parte da base do Partido Democrata).

3) Esta não é uma guerra de “retaliação”, como todas as guerras anteriores entre o Hamas e Israel — nas quais Israel puniu o Hamas por disparar foguetes contra o país mas permitiu que o grupo permanecesse no poder depois do fim dos combates. A atual guerra, em contraste, tem como objetivo destruir o Hamas de uma vez por todas. Portanto, desde o início, Israel precisaria de uma concepção alternativa que tratasse da maneira que a Faixa de Gaza poderia e deveria ser governada legitimamente por palestinos não pertencentes ao Hamas — e nenhum palestino se apresentará para cumprir essa função se não houver pelo menos um processo legítimo no sentido de uma solução de dois Estados.

4) O ataque do Hamas foi projetado para impedir Israel de se inserir mais do que nunca no mundo árabe graças aos Acordos de Abraão e do florescente processo de normalização de relações com a Arábia Saudita. Consequentemente, a resposta de Israel tinha de ser projetada para preservar essas novas relações vitais. Isso só poderia ser possível se com uma mão Israel estivesse combatendo o Hamas em Gaza e com a outra buscasse ativamente a solução de dois Estados.

5) Esta guerra teve um grande componente regional. Muito rapidamente Israel viu-se combatendo o Hamas em Gaza e aliados do Irã no Líbano, no Iêmen, na Síria e no Iraque. A única maneira que permitiria a Israel construir uma aliança regional — e possibilitar ao presidente Biden ajudar a alinhar aliados regionais — seria o país buscar simultaneamente um processo de paz com palestinos não pertencentes ao Hamas. É esse o cimento necessário para uma aliança regional contra o Irã. Sem esse cimento, a grande estratégia de Biden no sentido de construir uma aliança contra o Irã e a Rússia (e a China) espalhando-se da Índia à Península Arábica, ao Norte da África e à União Europeia/Otan será obstruída. Ninguém quer se alistar para proteger um Estado de Israel dominado por extremistas que pretendem ocupar permanentemente a Cisjordânia e a Faixa de Gaza.

E por esse motivo, Schumer disse: “Ninguém espera que o primeiro-ministro Netanyahu faça o que tem de ser feito para romper o ciclo de violência, preservar a credibilidade de Israel na arena internacional e trabalhar no sentido de uma solução de dois Estados”; enquanto também pediu que o presidente da Autoridade Palestina, Mahmoud Abbas, desimpeça o caminho e abra espaço para uma nova — e melhor — geração de governantes também por lá.

6) O cientista político Gautam Mukunda, autor do livro “Picking Presidents” (Escolhendo Presidentes), expressou-me o seguinte ponto de vista consistente e definitivo: “A ascensão da esquerda progressista e a aliança tácita entre Netanyahu e Trump enfraqueceram o apoio a Israel entre os democratas. Se Israel trava uma guerra em Gaza com muitas baixas civis — mas não oferece nenhuma esperança política de um futuro melhor para israelenses e palestinos — com o tempo isso obscurecerá as memórias das pessoas sobre os horrores do 7 de outubro e seu apoio a Israel após o ataque. Isso torna cada vez mais difícil até para as figuras mais pró-Israel dos EUA — como Schumer — continuar a apoiar a guerra diante dos enormes custos internacionais e domésticos”.

Por todos esses motivos, — e isso é algo que eu não posso deixar de repetir estridentemente e com frequência — Israel tem um interesse preponderante em buscar uma solução de dois Estados. Não sei se a Autoridade Palestina é capaz de se organizar para se tornar o governo que os palestinos e os israelenses precisam que ela seja; só sei que todos têm agora um enorme interesse em fazer isso acontecer.

Assim sendo, acredito que a estratégia Biden muito provavelmente se desdobrará da seguinte maneira: pressionar o máximo possível todas as partes por um cessar-fogo e outra libertação de reféns. Essa suspensão de hostilidades congelaria, então, qualquer plano militar israelense para uma invasão em escala total a Rafah com intenção de capturar ou matar líderes do Hamas que, acredita-se, estejam escondidos por lá — uma invasão que muito provavelmente provocaria muito mais baixas civis. (Assumo que os EUA instarão Israel a usar meios mais precisos.)

Então o cessar-fogo seria usado para engendrar uma grande e nova iniciativa de paz envolvendo os EUA, países árabes e a União Europeia, que ofereça aos israelenses uma normalização ampla e profunda com países árabes, incluindo a Arábia Saudita, e garantias de segurança, mais do que em todos os tempos, assim como o acompanhamento de uma solução de dois Estados.

Com esse pássaro na mão, Biden poderia definir as escolhas na próxima eleição de Israel como “o plano concreto de Biden versus o plano inexistente de Bibi” — em vez de uma disputa pessoal entre Biden e Netanyahu. Deixemos Netanyahu escolher entre ser lembrado como o primeiro-ministro que governava na época do 7 de outubro ou como o primeiro-ministro que abriu o caminho para relações com a Arábia Saudita.

Está ficando tarde. Um milhão de partículas estão em movimento, e qualquer uma pode falhar. Mas minha intuição me diz que seria esta a maneira que a próxima fase do conflito em Gaza poderia se desdobrar e me conta por que a fala de Schumer não foi apenas uma ruminação pessoal, foi um reflexo profundo do melhor interesse dos EUA neste momento — e, acredito, do melhor interesse também de israelenses e palestinos. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

Opinião por Thomas Friedman

É ganhador do Pullitzer e colunista do NYT. Especialista em relações internacionais, escreveu 'De Beirute a Jerusalém'

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