TEL AVIV - Os israelenses estão voltando às urnas pela quinta vez em menos de quatro anos. Sim, você já leu esta notícia antes. Não, não é uma notícia velha. Os israelenses votam na terça-feira, 1° de novembro, em um pleito que pode marcar o retorno ao poder do ex-primeiro-ministro Binyamin Netanyahu, acusado de corrupção.
Aos 73 anos, o chefe de governo mais longevo da história do país tenta reunir a maioria de 61 deputados dos 120 do Parlamento, ao lado de seus aliados dos partidos ultraortodoxos e de extrema direita.
As pesquisas mais recentes projetam 60 cadeiras para o “bloco de direita” de Netanyahu, contra 56 para o atual primeiro-ministro, o centrista Yair Lapid, e seus aliados.
Mas, afinal, por que Israel tem tantas eleições? E o que deve acontecer no quinto pleito em quatro anos?
Que tipo de governo Israel tem?
Israel é uma democracia parlamentar com um sistema eleitoral de representação proporcional. Nenhum partido jamais ganhou votos suficientes para uma maioria absoluta no Parlamento. Em vez disso, os partidos maiores devem formar coalizões contando com o apoio de partidos menores que negociam para proteger seus interesses e muitas vezes acabam exercendo um poder desproporcional.
Essas coalizões também podem ser instáveis – perder o apoio de um partido, ou às vezes até mesmo um membro do parlamento, significa perder a maioria.
Os últimos anos foram particularmente tumultuados. De abril de 2019 a março de 2021, Israel realizou quatro eleições que terminaram de forma inconclusiva, com um Parlamento dividido entre partidos aliados a Netanyahu, que serviu um total de 15 anos no cargo, 12 anos de forma consecutiva, e aqueles que se opõem às suas tentativas de permanecer no poder.
Por que o governo caiu da última vez?
Naftali Bennett, líder de um pequeno partido de direita, liderou uma pesada coalizão de oito partidos composta por oponentes políticos de direita, esquerda e centro com agendas ideológicas conflitantes. Incluiu o primeiro partido árabe independente a se juntar a uma coalizão governamental israelense.
Apelidada de “coalizão kumbaya” por alguns, seus parceiros se uniram pelo desejo de restaurar um senso de unidade e estabilidade nacional – e principalmente, de derrubar Netanyahu.
Mas as tensões internas sobre questões políticas e a pressão implacável de Netanyahu e seus aliados levaram dois membros do partido de Bennett, Yamina, a deixar a coalizão. Uma delas, a deputada Idit Silman, saiu após um confronto com o ministro da Saúde, Nitzan Horowitz, sobre a distribuição de pão fermentado durante a Páscoa Judaica, em vez do pão ázimo que marca a tradição.
Vários parlamentares de esquerda e árabes também se rebelaram em votações importantes, levando à paralisia governamental e depois à implosão da coalizão.
Quem governa Israel agora?
Assim que a dissolução do Parlamento foi aprovada, Bennett entregou o poder a Lapid, uma ex-personalidade da televisão que foi ministro das Relações Exteriores. Ele liderou o governo interino por seis meses.
Sob os termos do acordo de coalizão, Lapid, líder do Yesh Atid, o segundo maior partido de Israel depois do conservador Likud de Netanyahu, deveria substituir Bennett como primeiro-ministro em agosto de 2023.
Mas o acordo incluía uma cláusula de segurança caso o governo não durasse tanto tempo. Ela estipulou que se o Parlamento fosse dissolvido por causa das ações de membros da coalizão de direita, como foi o caso, e Lapid automaticamente se tornou primeiro-ministro interino.
Quem são os principais concorrentes desta vez?
O partido de centro-direita de Netanyahu, Likud, líder as pesquisas de intenção de voto e certamente será o maior partido do Knesset após a votação de terça-feira. Eles provavelmente ganharão cerca de 30 cadeiras, um quarto do total, sugere uma compilação de pesquisas do jornal Haaretz.
O atual primeiro-ministro Yair Lapid espera que seu partido centrista, Yesh Atid, fique em segundo lugar. O homem com quem ele se associou para montar o último governo, Naftali Bennett, não está concorrendo desta vez; seu partido se fragmentou e enfrenta uma potencial derrota eleitoral.
O ministro da Defesa, Benny Gantz, corre por fora pelo segundo lugar à frente de um novo partido chamado Unidade Nacional, um sucessor de seu partido Azul e Branco, que agora inclui o ex-aliado de Bennett Gideon Saar e o ex-chefe do Estado-Maior das Forças de Defesa de Israel Gadi Eisenkot.
Uma coalizão de extrema direita chamada Partido Sionista Religioso, liderada por Bezalel Smotrich e Itamar Ben Gvir, pode ser o maior grupo de extrema direita a ocupar o Knesset.
Por outro lado, o outrora poderoso Partido Trabalhista e seus predecessores, que governaram Israel como um Estado de partido único durante seus primeiros 30 anos sob David Ben-Gurion e seus sucessores, e não deve ultrapassar as cinco cadeiras.
Quando será a próxima eleição (ou desta vez o governo vai durar)?
Após o resultado da eleição, os partidos têm três meses para montar uma nova coalizão. Se falharem, Israel voltará às urnas no início do ano que vem e fará tudo de novo, em busca de um novo recorde.
Além de custar milhões, as eleições esgotaram os israelenses e erodiram sua confiança nas instituições democráticas do país.
De novo, uma quinta eleição pode não produzir um resultado definitivo ou um governo mais estável do que as quatro anteriores, segundo analistas.
“Já vimos este filme quatro vezes e podemos obter resultados semelhantes pela quinta vez”, disse Gideon Rahat, cientista político da Universidade Hebraica de Jerusalém, ao The New York Times.
“Da parte de Netanyahu, pode haver 1.000 eleições”, acrescentou o professor Rahat. “Ele está preparado para embaralhar o jogo quantas vezes forem necessárias para ganhar.”
Os aliados de Netanyahu esperam que a decepção com o governo de Bennett impulsione os eleitores da direita que abandonaram o ex-premiê.
“Muitas pessoas mudaram de ideia”, disse Tzachi Hanegbi, um veterano parlamentar do Likud e ex-ministro, apontando para pesquisas de opinião que mostram uma erosão no apoio a alguns partidos da coalizão de Bennett.
Mas se Netanyahu não for vitorioso ou não conseguir formar o próximo governo, disse Ben Caspit, comentarista político e autor de duas biografias de Netanyahu, esta pode ser sua última campanha eleitoral, porque alguns de seus aliados políticos parecem menos inclinados a tolerar outro fracasso.
Quais questões alimentam o debate político em Israel?
O ponto central para a maioria dos israelenses hoje é a economia. De acordo com uma pesquisa publicada na segunda-feira pelo Instituto de Democracia de Israel (IDI), 44% dos israelenses disseram que os principais fatores que influenciam sua decisão ao votar são a plataforma econômica de um determinado partido e seu plano, se houver, para lidar com o aumento do custo de vida.
Para 24% dos entrevistados, a liderança do partido e a identidade do chefe do partido foi o principal fator, de acordo com a pesquisa Israel Voice Index, realizada mensalmente para pesquisa de opinião pública e política.
Outros 14% dos entrevistados disseram que seu principal atrativo de votação foram as políticas de um partido político sobre religião e estado, e 11% disseram que a posição de um partido sobre segurança e política externa era sua questão número um.
Entre os entrevistados da pesquisa, em todas as afiliações partidárias, 85% disseram acreditar que o custo de vida de Israel era maior do que muitos países ocidentais.
Com base nos números de junho de 2022 do Bureau Central de Estatísticas, o Índice de Preços ao Consumidor (IPC), que mede a inflação, está a caminho de um recorde de 5% ao ano. Os preços da habitação estão ainda piores, com altas que variam de 15% a 25% em relação ao ano passado.
Os entrevistados da pesquisa disseram que suas despesas domésticas aumentaram em média 8,5% este ano e a habitação subiu 7%. O seu maior encargo financeiro, segundo o relatório, foi alimentação e habitação (26% e 25%), seguidos pelos custos energéticos e fiscais (15,5% e 13%, respetivamente).
Ameaças à democracia?
Mas não é só a economia que está em jogo nesta eleição. Analistas dizem que esta é uma eleição central na política israelense. “Os arranjos constitucionais fundamentais que caracterizam a democracia israelense desde sua fundação correm o risco de padecer sob iniciativas radicais para reformá-los ou alterá-los”, afirmou Yohanan Plesner, presidente do Instituto de Democracia de Israel.
Críticos de Netanyahu disseram que se ele retornar ao poder, a própria democracia de Israel estaria em jogo, já que seus aliados pedem restrições ao sistema judicial e o cancelamento de seu julgamento em casos de corrupção.
Segundo ele, há um conflito imediato em torno de Netanyahu e seu papel na vida pública israelense. “Mas, como pano de fundo, há a exposição das fraquezas inerentes ao sistema eleitoral israelense. É particularmente fácil dispersar o Knesset, em comparação com outras democracias parlamentares, e os arranjos constitucionais em Israel não são bem garantidos. Portanto, em tempos de crise, como agora, há a tentação de tentar minar esses arranjos constitucionais a toda hora”.
Desta vez, há também a questão da integração dos partidos árabes de Israel no governo nacional. Netanyahu tentou repetidamente deslegitimar o governo de Bennett como sendo “dependente de apoiadores do terrorismo”, referindo-se aos políticos árabes que são cidadãos de Israel.
Os israelenses centristas e de esquerda contestam também a aproximação de Netanyahu e sua possível dependência de extremistas da direita de Israel em um eventual novo governo. /NYT, W.POST. AP e AFP