Opinião|Por que Netanyahu é um líder pequeno em um momento histórico para Israel e EUA


O primeiro-ministro tem colocado seus interesses pessoais acima de seu país para se manter no poder e enfrenta decisões que poderiam proporcionar um enorme legado

Por Thomas Friedman
Atualização:

Quando penso no discurso do primeiro-ministro israelense, Binyamin Netanyahu, na quarta feira, 24, em uma reunião conjunta do Congresso, a primeira coisa que me vem à mente é o famoso ditado, “Há décadas em que nada acontece, e há semanas em que décadas acontecem”. Esta é uma daquelas semanas para Israel, os Estados Unidos e o Oriente Médio. Uma década está pronta para acontecer – ou não.

Por puro acidente, esta semana marca a sobreposição de um conjunto de profundos pontos de virada entre guerra ou paz que nem Tolstoi poderia ter imaginado. Na sequência da decisão do presidente Biden, no domingo, 21, de colocar seu país à frente dos seus interesses pessoais e ceder o poder, Netanyahu – que tem consistentemente colocado seus interesses pessoais à frente dos interesses do seu país para se manter no poder – chega a Washington. E ele enfrenta duas decisões interligadas que poderiam proporcionar a Biden um enorme legado de política externa e, ao mesmo tempo, transformar o próprio legado de Netanyahu – ou não.

É como se os roteiristas de “The West Wing”, da NBC, decidissem colaborar em um roteiro com os roteiristas de “Fauda”, da Netflix – e agora estão lutando para decidir se devem fazer uma série mostrando um novo amanhecer ou uma nova tragédia para EUA, Israel e o mundo árabe.

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O primeiro-ministro de Israel, Binyamin Netanyahu, discursa em sessão conjunta do Congresso americano, em Washington  Foto: Julia Nikhinson/AP

Graças às viagens frequentes de Biden, do secretário de Estado Antony Blinken, do diretor da CIA Bill Burns e do Conselheiro de Segurança Nacional Jake Sullivan desde o ataque do Hamas a Israel em 7 de outubro, Netanyahu tem duas grandes decisões em sua mesa que poderiam interromper os combates em Gaza e no Líbano e estabelecer as bases para uma nova aliança americano-árabe-israelense contra o Irã.

Estamos falando da oportunidade mais importante para remodelar o Oriente Médio desde os acordos de Camp David na década de 1970.

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Cessar-fogo

A primeira decisão, porém, exige que Netanyahu concorde agora mesmo com um acordo de cessar-fogo em fases, provisoriamente alcançado pelos negociadores dos EUA, de Israel, do Catar, do Egito e do Hamas, que resultaria, na Fase 1, em uma pausa de seis semanas nos combates em Gaza e o regresso de 33 reféns israelenses (alguns mortos, outros vivos), incluindo 11 mulheres, em troca de várias centenas de prisioneiros palestinos nas prisões israelenses.

Em junho, Netanyahu sinalizou seu apoio aos parâmetros básicos deste acordo, mas, desde então, ele tem brincado com certos aspectos do mesmo, aumentando e diminuindo sua importância de segurança para um público israelense que nem sempre conhece os detalhes, para ganhar tempo antes de assiná-lo e possivelmente alienar os extremistas de extrema-direita do seu gabinete, a quem prometeu uma “vitória total” contra o Hamas em Gaza.

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O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, se encontra com o primeiro-ministro de Israel, Binyamin Netanyahu, em Tel-Aviv, Israel  Foto: Doug Mills/NYT

Netanyahu se concentrou em três questões de segurança. Uma delas é o movimento de civis de Gaza vindos do sul de Gaza, onde se refugiaram, para o norte da Cidade de Gaza, onde muitos tinham suas casas. Netanyahu procurava algum tipo de sistema de inspeção para impedir que membros armados do Hamas regressassem para o norte, mas, com dezenas de milhares de pessoas em deslocamento, o Exército israelense sabe que será impossível impedir que algumas centenas de combatentes do Hamas as acompanhem no retorno (muitos já estão lá) e acredita que pode lidar com eles mais tarde.

A segunda questão é o controle da fronteira entre Gaza e o Egito, onde o Hamas construiu túneis e rotas de contrabando de onde trouxe muitas armas. O exército israelense, de acordo com uma fonte, acredita ter identificado ou destruído a maior parte dos túneis e que Israel e Egito podem garantir que ninguém atravesse por terra por enquanto – e podem construir uma barreira mais permanente ao longo do tempo. A última questão é a passagem de Rafah, do Egito para Gaza, que Israel afirma que o Hamas nunca mais deverá controlar e onde insiste em manter alguma supervisão de inspeção, em parceria com palestinos não membros do Hamas e algum parceiro internacional.

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Como me explicaram as autoridades de segurança israelenses e americanas, nenhuma destas questões deveria constituir um obstáculo ao acordo, a menos que Netanyahu queira inflamar um deles para desistir do acordo, mesmo com todos os principais responsáveis militares e de inteligência de Israel apoiando o plano agora.

O primeiro-ministro de Israel, Binyamin Netanyahu, visita bases militares em Rafah, no sul da Faixa de Gaza  Foto: Avi Ohayon/AP

Oportunidade

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Na segunda feira, o Haaretz citou o coronel aposentado Lior Lotan, especialista em reféns e conselheiro próximo do ministro da defesa, Yoav Gallant (que é o único adulto sério no gabinete de Netanyahu), dizendo ao Channel 12 News de Israel na sexta feira: “Agora é a hora da verdade. Há uma oportunidade única nas negociações, mas essas oportunidades passam se não forem aproveitadas. Os termos do acordo incluem riscos que o sistema de defesa pode tolerar. Todos os chefes dos serviços de segurança dizem isso. Enfrentá-los com uma hipótese, como se fosse possível conseguir mais por meio de mais pressão militar, seria errado”.

Ao mesmo tempo, o chefe do Mossad, David Barnea, o principal negociador de reféns de Israel, teria dito a Netanyahu e ao seu gabinete de extrema-direita “que as mulheres reféns não têm mais tempo para esperar por uma nova estrutura para o acordo de reféns”.

O Hamas, quaisquer que sejam as suas reservas persistentes, também parece querer um acordo agora. O grupo se tornou cada vez mais impopular em Gaza (o aspecto menos noticiado deste conflito) por ter iniciado uma guerra sem planos para o dia seguinte e sem proteção para os civis palestinos. Não está claro para mim quem tentará matar primeiro o líder do Hamas, Yahya Sinwar, se e quando ele sair do seu esconderijo: o exército israelense ou os civis de Gaza.

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O líder do grupo terrorista Hamas na Faixa de Gaza, Yahya Sinwar, discursa na Cidade de Gaza  Foto: Samar Abu Elouf/NYT

Benefícios

Outro enorme benefício de um cessar-fogo entre o Hamas e Israel é que isso provavelmente abriria caminho para um cessar-fogo entre Hezbollah e Israel, para que dezenas de milhares de civis em ambos os lados da fronteira Líbano-Israel pudessem regressar a suas casas. Dado o aumento da utilização de foguetes de precisão por Israel e pelo Hezbollah, as autoridades de defesa dos EUA acreditam agora que o maior perigo para o Oriente Médio é uma guerra cada vez maior entre Israel e o Hezbollah.

E agora a segunda grande decisão de Netanyahu. Paralelamente, a equipe de Biden elaborou praticamente todos os detalhes para uma aliança de defesa entre americanos e sauditas que também incluiria a normalização das relações entre Israel e a Arábia Saudita, desde que Netanyahu concordasse em embarcar em negociações para uma solução de dois Estados. Os sauditas não estão pedindo um prazo definido para a formalização de um Estado palestino. Mas exigem que Israel concorde em iniciar negociações com credibilidade e de boa-fé com o objetivo explícito de uma solução de dois Estados, com garantias de segurança mútuas.

Tal negociação, em conjunto com um cessar-fogo nas frentes de Gaza e do Líbano, seria um golpe diplomático. Isolaria o Irã e o Hamas. Normalizaria as relações entre o Estado judeu e o berço do Islã. Daria a Israel a cobertura para angariar apoio palestino e árabe para as tropas de manutenção da paz em Gaza. E daria a Israel o material para uma aliança de defesa regional mais formal com parceiros árabes contra o Irã.

Por último, e mais importante, isso poderia criar um caminho de longo prazo para um Estado palestino, quando os combates em Gaza terminarem e todos, em todos os lados, compreenderem o que considero ser a lição mais importante desta guerra: nenhuma das partes envolvidas pode arcar com o custo de outro conflito, não quando todos estão usando armas de precisão.

Como David Makovsky, diretor do Projeto sobre Relações Árabe-Israelenses do Instituto de Washington, me disse: “Com duas decisões – sim para um acordo de cessar-fogo com troca de reféns agora e sim para os termos de normalização com os sauditas, que acabariam com a guerra dos estados árabes sunitas contra Israel e permitiriam a consolidação de uma aliança regional para isolar o Irã – Netanyahu criaria uma vitória para Israel e para o seu parceiro, o presidente Biden”.

“Os Acordos de Abraham seriam sucedidos pelos ‘Acordos de Joseph’. Dois legados para dois líderes: Biden e Bibi. Seria uma ironia amarga e trágica se Netanyahu, cuja autoimagem é a de um pensador estratégico, perdesse este momento por causa da política interna israelense e do medo dos seus parceiros de coligação de extrema-direita.”

O primeiro-ministro de Israel, Binyamin Netanyahu, acena ao lado do então presidente dos Estados Unidos Donald Trump, o ministro das Relações Exteriores do Bahrein, Abdullatif bin Rashid Al-Zayani e o ministro das Relações Exteriores dos Emirados Árabes Unidos, Abdullah bin Zayed bin Sultan Al Nahyan em Washington, Estados Unidos  Foto: Doug Mills/NYT

Na verdade, vamos descobrir muito em breve se Netanyahu consegue viver de acordo com a sua grande auto-imagem Churchilliana ou se é, como observou certa vez o escritor Leon Wieseltier, apenas “um homem pequeno em um grande momento”.

Até agora, Netanyahu tem se agarrado ao poder para evitar ser preso caso seja considerado culpado em algum dos julgamentos em curso que o envolvem: por quebra de confiança, aceitação de subornos e fraude. Como tal, ele não tem se mostrado disposto a fazer nada de ousado em matéria de paz com os palestinos sem a permissão dos malucos de extrema-direita membros do seu gabinete, que exigem a “vitória total” contra o Hamas, prometida pelo próprio Netanyahu. Mas, com o Knesset israelense prestes a entrar em recesso de 28 de julho a 27 de outubro, Netanyahu poderia concordar com os acordos de Gaza e da Arábia Saudita sem receio de seu governo ser derrubado, porque isso é virtualmente impossível de fazer quando o Knesset está em recesso.

Então, o mundo está esperando, os reféns estão esperando, Biden está esperando, os palestinos estão esperando, os sauditas estão esperando, os israelenses estão esperando. Será que Bibi, mais uma vez, será apenas um homem pequeno em um grande momento, ou surpreenderá a todos sendo um grande homem em um grande momento? / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

Quando penso no discurso do primeiro-ministro israelense, Binyamin Netanyahu, na quarta feira, 24, em uma reunião conjunta do Congresso, a primeira coisa que me vem à mente é o famoso ditado, “Há décadas em que nada acontece, e há semanas em que décadas acontecem”. Esta é uma daquelas semanas para Israel, os Estados Unidos e o Oriente Médio. Uma década está pronta para acontecer – ou não.

Por puro acidente, esta semana marca a sobreposição de um conjunto de profundos pontos de virada entre guerra ou paz que nem Tolstoi poderia ter imaginado. Na sequência da decisão do presidente Biden, no domingo, 21, de colocar seu país à frente dos seus interesses pessoais e ceder o poder, Netanyahu – que tem consistentemente colocado seus interesses pessoais à frente dos interesses do seu país para se manter no poder – chega a Washington. E ele enfrenta duas decisões interligadas que poderiam proporcionar a Biden um enorme legado de política externa e, ao mesmo tempo, transformar o próprio legado de Netanyahu – ou não.

É como se os roteiristas de “The West Wing”, da NBC, decidissem colaborar em um roteiro com os roteiristas de “Fauda”, da Netflix – e agora estão lutando para decidir se devem fazer uma série mostrando um novo amanhecer ou uma nova tragédia para EUA, Israel e o mundo árabe.

O primeiro-ministro de Israel, Binyamin Netanyahu, discursa em sessão conjunta do Congresso americano, em Washington  Foto: Julia Nikhinson/AP

Graças às viagens frequentes de Biden, do secretário de Estado Antony Blinken, do diretor da CIA Bill Burns e do Conselheiro de Segurança Nacional Jake Sullivan desde o ataque do Hamas a Israel em 7 de outubro, Netanyahu tem duas grandes decisões em sua mesa que poderiam interromper os combates em Gaza e no Líbano e estabelecer as bases para uma nova aliança americano-árabe-israelense contra o Irã.

Estamos falando da oportunidade mais importante para remodelar o Oriente Médio desde os acordos de Camp David na década de 1970.

Cessar-fogo

A primeira decisão, porém, exige que Netanyahu concorde agora mesmo com um acordo de cessar-fogo em fases, provisoriamente alcançado pelos negociadores dos EUA, de Israel, do Catar, do Egito e do Hamas, que resultaria, na Fase 1, em uma pausa de seis semanas nos combates em Gaza e o regresso de 33 reféns israelenses (alguns mortos, outros vivos), incluindo 11 mulheres, em troca de várias centenas de prisioneiros palestinos nas prisões israelenses.

Em junho, Netanyahu sinalizou seu apoio aos parâmetros básicos deste acordo, mas, desde então, ele tem brincado com certos aspectos do mesmo, aumentando e diminuindo sua importância de segurança para um público israelense que nem sempre conhece os detalhes, para ganhar tempo antes de assiná-lo e possivelmente alienar os extremistas de extrema-direita do seu gabinete, a quem prometeu uma “vitória total” contra o Hamas em Gaza.

O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, se encontra com o primeiro-ministro de Israel, Binyamin Netanyahu, em Tel-Aviv, Israel  Foto: Doug Mills/NYT

Netanyahu se concentrou em três questões de segurança. Uma delas é o movimento de civis de Gaza vindos do sul de Gaza, onde se refugiaram, para o norte da Cidade de Gaza, onde muitos tinham suas casas. Netanyahu procurava algum tipo de sistema de inspeção para impedir que membros armados do Hamas regressassem para o norte, mas, com dezenas de milhares de pessoas em deslocamento, o Exército israelense sabe que será impossível impedir que algumas centenas de combatentes do Hamas as acompanhem no retorno (muitos já estão lá) e acredita que pode lidar com eles mais tarde.

A segunda questão é o controle da fronteira entre Gaza e o Egito, onde o Hamas construiu túneis e rotas de contrabando de onde trouxe muitas armas. O exército israelense, de acordo com uma fonte, acredita ter identificado ou destruído a maior parte dos túneis e que Israel e Egito podem garantir que ninguém atravesse por terra por enquanto – e podem construir uma barreira mais permanente ao longo do tempo. A última questão é a passagem de Rafah, do Egito para Gaza, que Israel afirma que o Hamas nunca mais deverá controlar e onde insiste em manter alguma supervisão de inspeção, em parceria com palestinos não membros do Hamas e algum parceiro internacional.

Como me explicaram as autoridades de segurança israelenses e americanas, nenhuma destas questões deveria constituir um obstáculo ao acordo, a menos que Netanyahu queira inflamar um deles para desistir do acordo, mesmo com todos os principais responsáveis militares e de inteligência de Israel apoiando o plano agora.

O primeiro-ministro de Israel, Binyamin Netanyahu, visita bases militares em Rafah, no sul da Faixa de Gaza  Foto: Avi Ohayon/AP

Oportunidade

Na segunda feira, o Haaretz citou o coronel aposentado Lior Lotan, especialista em reféns e conselheiro próximo do ministro da defesa, Yoav Gallant (que é o único adulto sério no gabinete de Netanyahu), dizendo ao Channel 12 News de Israel na sexta feira: “Agora é a hora da verdade. Há uma oportunidade única nas negociações, mas essas oportunidades passam se não forem aproveitadas. Os termos do acordo incluem riscos que o sistema de defesa pode tolerar. Todos os chefes dos serviços de segurança dizem isso. Enfrentá-los com uma hipótese, como se fosse possível conseguir mais por meio de mais pressão militar, seria errado”.

Ao mesmo tempo, o chefe do Mossad, David Barnea, o principal negociador de reféns de Israel, teria dito a Netanyahu e ao seu gabinete de extrema-direita “que as mulheres reféns não têm mais tempo para esperar por uma nova estrutura para o acordo de reféns”.

O Hamas, quaisquer que sejam as suas reservas persistentes, também parece querer um acordo agora. O grupo se tornou cada vez mais impopular em Gaza (o aspecto menos noticiado deste conflito) por ter iniciado uma guerra sem planos para o dia seguinte e sem proteção para os civis palestinos. Não está claro para mim quem tentará matar primeiro o líder do Hamas, Yahya Sinwar, se e quando ele sair do seu esconderijo: o exército israelense ou os civis de Gaza.

O líder do grupo terrorista Hamas na Faixa de Gaza, Yahya Sinwar, discursa na Cidade de Gaza  Foto: Samar Abu Elouf/NYT

Benefícios

Outro enorme benefício de um cessar-fogo entre o Hamas e Israel é que isso provavelmente abriria caminho para um cessar-fogo entre Hezbollah e Israel, para que dezenas de milhares de civis em ambos os lados da fronteira Líbano-Israel pudessem regressar a suas casas. Dado o aumento da utilização de foguetes de precisão por Israel e pelo Hezbollah, as autoridades de defesa dos EUA acreditam agora que o maior perigo para o Oriente Médio é uma guerra cada vez maior entre Israel e o Hezbollah.

E agora a segunda grande decisão de Netanyahu. Paralelamente, a equipe de Biden elaborou praticamente todos os detalhes para uma aliança de defesa entre americanos e sauditas que também incluiria a normalização das relações entre Israel e a Arábia Saudita, desde que Netanyahu concordasse em embarcar em negociações para uma solução de dois Estados. Os sauditas não estão pedindo um prazo definido para a formalização de um Estado palestino. Mas exigem que Israel concorde em iniciar negociações com credibilidade e de boa-fé com o objetivo explícito de uma solução de dois Estados, com garantias de segurança mútuas.

Tal negociação, em conjunto com um cessar-fogo nas frentes de Gaza e do Líbano, seria um golpe diplomático. Isolaria o Irã e o Hamas. Normalizaria as relações entre o Estado judeu e o berço do Islã. Daria a Israel a cobertura para angariar apoio palestino e árabe para as tropas de manutenção da paz em Gaza. E daria a Israel o material para uma aliança de defesa regional mais formal com parceiros árabes contra o Irã.

Por último, e mais importante, isso poderia criar um caminho de longo prazo para um Estado palestino, quando os combates em Gaza terminarem e todos, em todos os lados, compreenderem o que considero ser a lição mais importante desta guerra: nenhuma das partes envolvidas pode arcar com o custo de outro conflito, não quando todos estão usando armas de precisão.

Como David Makovsky, diretor do Projeto sobre Relações Árabe-Israelenses do Instituto de Washington, me disse: “Com duas decisões – sim para um acordo de cessar-fogo com troca de reféns agora e sim para os termos de normalização com os sauditas, que acabariam com a guerra dos estados árabes sunitas contra Israel e permitiriam a consolidação de uma aliança regional para isolar o Irã – Netanyahu criaria uma vitória para Israel e para o seu parceiro, o presidente Biden”.

“Os Acordos de Abraham seriam sucedidos pelos ‘Acordos de Joseph’. Dois legados para dois líderes: Biden e Bibi. Seria uma ironia amarga e trágica se Netanyahu, cuja autoimagem é a de um pensador estratégico, perdesse este momento por causa da política interna israelense e do medo dos seus parceiros de coligação de extrema-direita.”

O primeiro-ministro de Israel, Binyamin Netanyahu, acena ao lado do então presidente dos Estados Unidos Donald Trump, o ministro das Relações Exteriores do Bahrein, Abdullatif bin Rashid Al-Zayani e o ministro das Relações Exteriores dos Emirados Árabes Unidos, Abdullah bin Zayed bin Sultan Al Nahyan em Washington, Estados Unidos  Foto: Doug Mills/NYT

Na verdade, vamos descobrir muito em breve se Netanyahu consegue viver de acordo com a sua grande auto-imagem Churchilliana ou se é, como observou certa vez o escritor Leon Wieseltier, apenas “um homem pequeno em um grande momento”.

Até agora, Netanyahu tem se agarrado ao poder para evitar ser preso caso seja considerado culpado em algum dos julgamentos em curso que o envolvem: por quebra de confiança, aceitação de subornos e fraude. Como tal, ele não tem se mostrado disposto a fazer nada de ousado em matéria de paz com os palestinos sem a permissão dos malucos de extrema-direita membros do seu gabinete, que exigem a “vitória total” contra o Hamas, prometida pelo próprio Netanyahu. Mas, com o Knesset israelense prestes a entrar em recesso de 28 de julho a 27 de outubro, Netanyahu poderia concordar com os acordos de Gaza e da Arábia Saudita sem receio de seu governo ser derrubado, porque isso é virtualmente impossível de fazer quando o Knesset está em recesso.

Então, o mundo está esperando, os reféns estão esperando, Biden está esperando, os palestinos estão esperando, os sauditas estão esperando, os israelenses estão esperando. Será que Bibi, mais uma vez, será apenas um homem pequeno em um grande momento, ou surpreenderá a todos sendo um grande homem em um grande momento? / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

Quando penso no discurso do primeiro-ministro israelense, Binyamin Netanyahu, na quarta feira, 24, em uma reunião conjunta do Congresso, a primeira coisa que me vem à mente é o famoso ditado, “Há décadas em que nada acontece, e há semanas em que décadas acontecem”. Esta é uma daquelas semanas para Israel, os Estados Unidos e o Oriente Médio. Uma década está pronta para acontecer – ou não.

Por puro acidente, esta semana marca a sobreposição de um conjunto de profundos pontos de virada entre guerra ou paz que nem Tolstoi poderia ter imaginado. Na sequência da decisão do presidente Biden, no domingo, 21, de colocar seu país à frente dos seus interesses pessoais e ceder o poder, Netanyahu – que tem consistentemente colocado seus interesses pessoais à frente dos interesses do seu país para se manter no poder – chega a Washington. E ele enfrenta duas decisões interligadas que poderiam proporcionar a Biden um enorme legado de política externa e, ao mesmo tempo, transformar o próprio legado de Netanyahu – ou não.

É como se os roteiristas de “The West Wing”, da NBC, decidissem colaborar em um roteiro com os roteiristas de “Fauda”, da Netflix – e agora estão lutando para decidir se devem fazer uma série mostrando um novo amanhecer ou uma nova tragédia para EUA, Israel e o mundo árabe.

O primeiro-ministro de Israel, Binyamin Netanyahu, discursa em sessão conjunta do Congresso americano, em Washington  Foto: Julia Nikhinson/AP

Graças às viagens frequentes de Biden, do secretário de Estado Antony Blinken, do diretor da CIA Bill Burns e do Conselheiro de Segurança Nacional Jake Sullivan desde o ataque do Hamas a Israel em 7 de outubro, Netanyahu tem duas grandes decisões em sua mesa que poderiam interromper os combates em Gaza e no Líbano e estabelecer as bases para uma nova aliança americano-árabe-israelense contra o Irã.

Estamos falando da oportunidade mais importante para remodelar o Oriente Médio desde os acordos de Camp David na década de 1970.

Cessar-fogo

A primeira decisão, porém, exige que Netanyahu concorde agora mesmo com um acordo de cessar-fogo em fases, provisoriamente alcançado pelos negociadores dos EUA, de Israel, do Catar, do Egito e do Hamas, que resultaria, na Fase 1, em uma pausa de seis semanas nos combates em Gaza e o regresso de 33 reféns israelenses (alguns mortos, outros vivos), incluindo 11 mulheres, em troca de várias centenas de prisioneiros palestinos nas prisões israelenses.

Em junho, Netanyahu sinalizou seu apoio aos parâmetros básicos deste acordo, mas, desde então, ele tem brincado com certos aspectos do mesmo, aumentando e diminuindo sua importância de segurança para um público israelense que nem sempre conhece os detalhes, para ganhar tempo antes de assiná-lo e possivelmente alienar os extremistas de extrema-direita do seu gabinete, a quem prometeu uma “vitória total” contra o Hamas em Gaza.

O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, se encontra com o primeiro-ministro de Israel, Binyamin Netanyahu, em Tel-Aviv, Israel  Foto: Doug Mills/NYT

Netanyahu se concentrou em três questões de segurança. Uma delas é o movimento de civis de Gaza vindos do sul de Gaza, onde se refugiaram, para o norte da Cidade de Gaza, onde muitos tinham suas casas. Netanyahu procurava algum tipo de sistema de inspeção para impedir que membros armados do Hamas regressassem para o norte, mas, com dezenas de milhares de pessoas em deslocamento, o Exército israelense sabe que será impossível impedir que algumas centenas de combatentes do Hamas as acompanhem no retorno (muitos já estão lá) e acredita que pode lidar com eles mais tarde.

A segunda questão é o controle da fronteira entre Gaza e o Egito, onde o Hamas construiu túneis e rotas de contrabando de onde trouxe muitas armas. O exército israelense, de acordo com uma fonte, acredita ter identificado ou destruído a maior parte dos túneis e que Israel e Egito podem garantir que ninguém atravesse por terra por enquanto – e podem construir uma barreira mais permanente ao longo do tempo. A última questão é a passagem de Rafah, do Egito para Gaza, que Israel afirma que o Hamas nunca mais deverá controlar e onde insiste em manter alguma supervisão de inspeção, em parceria com palestinos não membros do Hamas e algum parceiro internacional.

Como me explicaram as autoridades de segurança israelenses e americanas, nenhuma destas questões deveria constituir um obstáculo ao acordo, a menos que Netanyahu queira inflamar um deles para desistir do acordo, mesmo com todos os principais responsáveis militares e de inteligência de Israel apoiando o plano agora.

O primeiro-ministro de Israel, Binyamin Netanyahu, visita bases militares em Rafah, no sul da Faixa de Gaza  Foto: Avi Ohayon/AP

Oportunidade

Na segunda feira, o Haaretz citou o coronel aposentado Lior Lotan, especialista em reféns e conselheiro próximo do ministro da defesa, Yoav Gallant (que é o único adulto sério no gabinete de Netanyahu), dizendo ao Channel 12 News de Israel na sexta feira: “Agora é a hora da verdade. Há uma oportunidade única nas negociações, mas essas oportunidades passam se não forem aproveitadas. Os termos do acordo incluem riscos que o sistema de defesa pode tolerar. Todos os chefes dos serviços de segurança dizem isso. Enfrentá-los com uma hipótese, como se fosse possível conseguir mais por meio de mais pressão militar, seria errado”.

Ao mesmo tempo, o chefe do Mossad, David Barnea, o principal negociador de reféns de Israel, teria dito a Netanyahu e ao seu gabinete de extrema-direita “que as mulheres reféns não têm mais tempo para esperar por uma nova estrutura para o acordo de reféns”.

O Hamas, quaisquer que sejam as suas reservas persistentes, também parece querer um acordo agora. O grupo se tornou cada vez mais impopular em Gaza (o aspecto menos noticiado deste conflito) por ter iniciado uma guerra sem planos para o dia seguinte e sem proteção para os civis palestinos. Não está claro para mim quem tentará matar primeiro o líder do Hamas, Yahya Sinwar, se e quando ele sair do seu esconderijo: o exército israelense ou os civis de Gaza.

O líder do grupo terrorista Hamas na Faixa de Gaza, Yahya Sinwar, discursa na Cidade de Gaza  Foto: Samar Abu Elouf/NYT

Benefícios

Outro enorme benefício de um cessar-fogo entre o Hamas e Israel é que isso provavelmente abriria caminho para um cessar-fogo entre Hezbollah e Israel, para que dezenas de milhares de civis em ambos os lados da fronteira Líbano-Israel pudessem regressar a suas casas. Dado o aumento da utilização de foguetes de precisão por Israel e pelo Hezbollah, as autoridades de defesa dos EUA acreditam agora que o maior perigo para o Oriente Médio é uma guerra cada vez maior entre Israel e o Hezbollah.

E agora a segunda grande decisão de Netanyahu. Paralelamente, a equipe de Biden elaborou praticamente todos os detalhes para uma aliança de defesa entre americanos e sauditas que também incluiria a normalização das relações entre Israel e a Arábia Saudita, desde que Netanyahu concordasse em embarcar em negociações para uma solução de dois Estados. Os sauditas não estão pedindo um prazo definido para a formalização de um Estado palestino. Mas exigem que Israel concorde em iniciar negociações com credibilidade e de boa-fé com o objetivo explícito de uma solução de dois Estados, com garantias de segurança mútuas.

Tal negociação, em conjunto com um cessar-fogo nas frentes de Gaza e do Líbano, seria um golpe diplomático. Isolaria o Irã e o Hamas. Normalizaria as relações entre o Estado judeu e o berço do Islã. Daria a Israel a cobertura para angariar apoio palestino e árabe para as tropas de manutenção da paz em Gaza. E daria a Israel o material para uma aliança de defesa regional mais formal com parceiros árabes contra o Irã.

Por último, e mais importante, isso poderia criar um caminho de longo prazo para um Estado palestino, quando os combates em Gaza terminarem e todos, em todos os lados, compreenderem o que considero ser a lição mais importante desta guerra: nenhuma das partes envolvidas pode arcar com o custo de outro conflito, não quando todos estão usando armas de precisão.

Como David Makovsky, diretor do Projeto sobre Relações Árabe-Israelenses do Instituto de Washington, me disse: “Com duas decisões – sim para um acordo de cessar-fogo com troca de reféns agora e sim para os termos de normalização com os sauditas, que acabariam com a guerra dos estados árabes sunitas contra Israel e permitiriam a consolidação de uma aliança regional para isolar o Irã – Netanyahu criaria uma vitória para Israel e para o seu parceiro, o presidente Biden”.

“Os Acordos de Abraham seriam sucedidos pelos ‘Acordos de Joseph’. Dois legados para dois líderes: Biden e Bibi. Seria uma ironia amarga e trágica se Netanyahu, cuja autoimagem é a de um pensador estratégico, perdesse este momento por causa da política interna israelense e do medo dos seus parceiros de coligação de extrema-direita.”

O primeiro-ministro de Israel, Binyamin Netanyahu, acena ao lado do então presidente dos Estados Unidos Donald Trump, o ministro das Relações Exteriores do Bahrein, Abdullatif bin Rashid Al-Zayani e o ministro das Relações Exteriores dos Emirados Árabes Unidos, Abdullah bin Zayed bin Sultan Al Nahyan em Washington, Estados Unidos  Foto: Doug Mills/NYT

Na verdade, vamos descobrir muito em breve se Netanyahu consegue viver de acordo com a sua grande auto-imagem Churchilliana ou se é, como observou certa vez o escritor Leon Wieseltier, apenas “um homem pequeno em um grande momento”.

Até agora, Netanyahu tem se agarrado ao poder para evitar ser preso caso seja considerado culpado em algum dos julgamentos em curso que o envolvem: por quebra de confiança, aceitação de subornos e fraude. Como tal, ele não tem se mostrado disposto a fazer nada de ousado em matéria de paz com os palestinos sem a permissão dos malucos de extrema-direita membros do seu gabinete, que exigem a “vitória total” contra o Hamas, prometida pelo próprio Netanyahu. Mas, com o Knesset israelense prestes a entrar em recesso de 28 de julho a 27 de outubro, Netanyahu poderia concordar com os acordos de Gaza e da Arábia Saudita sem receio de seu governo ser derrubado, porque isso é virtualmente impossível de fazer quando o Knesset está em recesso.

Então, o mundo está esperando, os reféns estão esperando, Biden está esperando, os palestinos estão esperando, os sauditas estão esperando, os israelenses estão esperando. Será que Bibi, mais uma vez, será apenas um homem pequeno em um grande momento, ou surpreenderá a todos sendo um grande homem em um grande momento? / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

Quando penso no discurso do primeiro-ministro israelense, Binyamin Netanyahu, na quarta feira, 24, em uma reunião conjunta do Congresso, a primeira coisa que me vem à mente é o famoso ditado, “Há décadas em que nada acontece, e há semanas em que décadas acontecem”. Esta é uma daquelas semanas para Israel, os Estados Unidos e o Oriente Médio. Uma década está pronta para acontecer – ou não.

Por puro acidente, esta semana marca a sobreposição de um conjunto de profundos pontos de virada entre guerra ou paz que nem Tolstoi poderia ter imaginado. Na sequência da decisão do presidente Biden, no domingo, 21, de colocar seu país à frente dos seus interesses pessoais e ceder o poder, Netanyahu – que tem consistentemente colocado seus interesses pessoais à frente dos interesses do seu país para se manter no poder – chega a Washington. E ele enfrenta duas decisões interligadas que poderiam proporcionar a Biden um enorme legado de política externa e, ao mesmo tempo, transformar o próprio legado de Netanyahu – ou não.

É como se os roteiristas de “The West Wing”, da NBC, decidissem colaborar em um roteiro com os roteiristas de “Fauda”, da Netflix – e agora estão lutando para decidir se devem fazer uma série mostrando um novo amanhecer ou uma nova tragédia para EUA, Israel e o mundo árabe.

O primeiro-ministro de Israel, Binyamin Netanyahu, discursa em sessão conjunta do Congresso americano, em Washington  Foto: Julia Nikhinson/AP

Graças às viagens frequentes de Biden, do secretário de Estado Antony Blinken, do diretor da CIA Bill Burns e do Conselheiro de Segurança Nacional Jake Sullivan desde o ataque do Hamas a Israel em 7 de outubro, Netanyahu tem duas grandes decisões em sua mesa que poderiam interromper os combates em Gaza e no Líbano e estabelecer as bases para uma nova aliança americano-árabe-israelense contra o Irã.

Estamos falando da oportunidade mais importante para remodelar o Oriente Médio desde os acordos de Camp David na década de 1970.

Cessar-fogo

A primeira decisão, porém, exige que Netanyahu concorde agora mesmo com um acordo de cessar-fogo em fases, provisoriamente alcançado pelos negociadores dos EUA, de Israel, do Catar, do Egito e do Hamas, que resultaria, na Fase 1, em uma pausa de seis semanas nos combates em Gaza e o regresso de 33 reféns israelenses (alguns mortos, outros vivos), incluindo 11 mulheres, em troca de várias centenas de prisioneiros palestinos nas prisões israelenses.

Em junho, Netanyahu sinalizou seu apoio aos parâmetros básicos deste acordo, mas, desde então, ele tem brincado com certos aspectos do mesmo, aumentando e diminuindo sua importância de segurança para um público israelense que nem sempre conhece os detalhes, para ganhar tempo antes de assiná-lo e possivelmente alienar os extremistas de extrema-direita do seu gabinete, a quem prometeu uma “vitória total” contra o Hamas em Gaza.

O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, se encontra com o primeiro-ministro de Israel, Binyamin Netanyahu, em Tel-Aviv, Israel  Foto: Doug Mills/NYT

Netanyahu se concentrou em três questões de segurança. Uma delas é o movimento de civis de Gaza vindos do sul de Gaza, onde se refugiaram, para o norte da Cidade de Gaza, onde muitos tinham suas casas. Netanyahu procurava algum tipo de sistema de inspeção para impedir que membros armados do Hamas regressassem para o norte, mas, com dezenas de milhares de pessoas em deslocamento, o Exército israelense sabe que será impossível impedir que algumas centenas de combatentes do Hamas as acompanhem no retorno (muitos já estão lá) e acredita que pode lidar com eles mais tarde.

A segunda questão é o controle da fronteira entre Gaza e o Egito, onde o Hamas construiu túneis e rotas de contrabando de onde trouxe muitas armas. O exército israelense, de acordo com uma fonte, acredita ter identificado ou destruído a maior parte dos túneis e que Israel e Egito podem garantir que ninguém atravesse por terra por enquanto – e podem construir uma barreira mais permanente ao longo do tempo. A última questão é a passagem de Rafah, do Egito para Gaza, que Israel afirma que o Hamas nunca mais deverá controlar e onde insiste em manter alguma supervisão de inspeção, em parceria com palestinos não membros do Hamas e algum parceiro internacional.

Como me explicaram as autoridades de segurança israelenses e americanas, nenhuma destas questões deveria constituir um obstáculo ao acordo, a menos que Netanyahu queira inflamar um deles para desistir do acordo, mesmo com todos os principais responsáveis militares e de inteligência de Israel apoiando o plano agora.

O primeiro-ministro de Israel, Binyamin Netanyahu, visita bases militares em Rafah, no sul da Faixa de Gaza  Foto: Avi Ohayon/AP

Oportunidade

Na segunda feira, o Haaretz citou o coronel aposentado Lior Lotan, especialista em reféns e conselheiro próximo do ministro da defesa, Yoav Gallant (que é o único adulto sério no gabinete de Netanyahu), dizendo ao Channel 12 News de Israel na sexta feira: “Agora é a hora da verdade. Há uma oportunidade única nas negociações, mas essas oportunidades passam se não forem aproveitadas. Os termos do acordo incluem riscos que o sistema de defesa pode tolerar. Todos os chefes dos serviços de segurança dizem isso. Enfrentá-los com uma hipótese, como se fosse possível conseguir mais por meio de mais pressão militar, seria errado”.

Ao mesmo tempo, o chefe do Mossad, David Barnea, o principal negociador de reféns de Israel, teria dito a Netanyahu e ao seu gabinete de extrema-direita “que as mulheres reféns não têm mais tempo para esperar por uma nova estrutura para o acordo de reféns”.

O Hamas, quaisquer que sejam as suas reservas persistentes, também parece querer um acordo agora. O grupo se tornou cada vez mais impopular em Gaza (o aspecto menos noticiado deste conflito) por ter iniciado uma guerra sem planos para o dia seguinte e sem proteção para os civis palestinos. Não está claro para mim quem tentará matar primeiro o líder do Hamas, Yahya Sinwar, se e quando ele sair do seu esconderijo: o exército israelense ou os civis de Gaza.

O líder do grupo terrorista Hamas na Faixa de Gaza, Yahya Sinwar, discursa na Cidade de Gaza  Foto: Samar Abu Elouf/NYT

Benefícios

Outro enorme benefício de um cessar-fogo entre o Hamas e Israel é que isso provavelmente abriria caminho para um cessar-fogo entre Hezbollah e Israel, para que dezenas de milhares de civis em ambos os lados da fronteira Líbano-Israel pudessem regressar a suas casas. Dado o aumento da utilização de foguetes de precisão por Israel e pelo Hezbollah, as autoridades de defesa dos EUA acreditam agora que o maior perigo para o Oriente Médio é uma guerra cada vez maior entre Israel e o Hezbollah.

E agora a segunda grande decisão de Netanyahu. Paralelamente, a equipe de Biden elaborou praticamente todos os detalhes para uma aliança de defesa entre americanos e sauditas que também incluiria a normalização das relações entre Israel e a Arábia Saudita, desde que Netanyahu concordasse em embarcar em negociações para uma solução de dois Estados. Os sauditas não estão pedindo um prazo definido para a formalização de um Estado palestino. Mas exigem que Israel concorde em iniciar negociações com credibilidade e de boa-fé com o objetivo explícito de uma solução de dois Estados, com garantias de segurança mútuas.

Tal negociação, em conjunto com um cessar-fogo nas frentes de Gaza e do Líbano, seria um golpe diplomático. Isolaria o Irã e o Hamas. Normalizaria as relações entre o Estado judeu e o berço do Islã. Daria a Israel a cobertura para angariar apoio palestino e árabe para as tropas de manutenção da paz em Gaza. E daria a Israel o material para uma aliança de defesa regional mais formal com parceiros árabes contra o Irã.

Por último, e mais importante, isso poderia criar um caminho de longo prazo para um Estado palestino, quando os combates em Gaza terminarem e todos, em todos os lados, compreenderem o que considero ser a lição mais importante desta guerra: nenhuma das partes envolvidas pode arcar com o custo de outro conflito, não quando todos estão usando armas de precisão.

Como David Makovsky, diretor do Projeto sobre Relações Árabe-Israelenses do Instituto de Washington, me disse: “Com duas decisões – sim para um acordo de cessar-fogo com troca de reféns agora e sim para os termos de normalização com os sauditas, que acabariam com a guerra dos estados árabes sunitas contra Israel e permitiriam a consolidação de uma aliança regional para isolar o Irã – Netanyahu criaria uma vitória para Israel e para o seu parceiro, o presidente Biden”.

“Os Acordos de Abraham seriam sucedidos pelos ‘Acordos de Joseph’. Dois legados para dois líderes: Biden e Bibi. Seria uma ironia amarga e trágica se Netanyahu, cuja autoimagem é a de um pensador estratégico, perdesse este momento por causa da política interna israelense e do medo dos seus parceiros de coligação de extrema-direita.”

O primeiro-ministro de Israel, Binyamin Netanyahu, acena ao lado do então presidente dos Estados Unidos Donald Trump, o ministro das Relações Exteriores do Bahrein, Abdullatif bin Rashid Al-Zayani e o ministro das Relações Exteriores dos Emirados Árabes Unidos, Abdullah bin Zayed bin Sultan Al Nahyan em Washington, Estados Unidos  Foto: Doug Mills/NYT

Na verdade, vamos descobrir muito em breve se Netanyahu consegue viver de acordo com a sua grande auto-imagem Churchilliana ou se é, como observou certa vez o escritor Leon Wieseltier, apenas “um homem pequeno em um grande momento”.

Até agora, Netanyahu tem se agarrado ao poder para evitar ser preso caso seja considerado culpado em algum dos julgamentos em curso que o envolvem: por quebra de confiança, aceitação de subornos e fraude. Como tal, ele não tem se mostrado disposto a fazer nada de ousado em matéria de paz com os palestinos sem a permissão dos malucos de extrema-direita membros do seu gabinete, que exigem a “vitória total” contra o Hamas, prometida pelo próprio Netanyahu. Mas, com o Knesset israelense prestes a entrar em recesso de 28 de julho a 27 de outubro, Netanyahu poderia concordar com os acordos de Gaza e da Arábia Saudita sem receio de seu governo ser derrubado, porque isso é virtualmente impossível de fazer quando o Knesset está em recesso.

Então, o mundo está esperando, os reféns estão esperando, Biden está esperando, os palestinos estão esperando, os sauditas estão esperando, os israelenses estão esperando. Será que Bibi, mais uma vez, será apenas um homem pequeno em um grande momento, ou surpreenderá a todos sendo um grande homem em um grande momento? / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

Opinião por Thomas Friedman

É ganhador do Pullitzer e colunista do NYT. Especialista em relações internacionais, escreveu 'De Beirute a Jerusalém'

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