Por que o Hamas tem de acabar; leia análise


Ex-enviado dos EUA para o Oriente Médio alerta que o Hamas voltará a atacar Israel se persistir enquanto força militar depois da guerra

Por Por Dennis B. Ross*

THE NEW YORK TIMES — Por 35 anos, eu dediquei minha vida profissional a políticas de paz e resolução de conflitos e planejamento para os Estados Unidos — entre a ex-União Soviética, a Alemanha reunificada e o Iraque pós-guerra. Mas nada me preocupou mais do que encontrar uma solução pacífica e duradoura para Israel e os palestinos.

No passado, eu poderia ter apoiado um cessar-fogo com o Hamas durante um conflito com Israel. Mas hoje é claro para mim que a paz não será possível neste momento nem no futuro enquanto o Hamas permanecer intacto e no controle de Gaza. O poder do Hamas e sua capacidade de ameaçar Israel — e sujeitar os civis de Gaza a cada vez mais rodadas de violência — devem acabar.

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Depois de 7 de outubro, muitos israelenses passaram a acreditar que a sobrevivência de seu Estado está em jogo. Isso pode parecer um exagero, mas não para eles. Se persistir enquanto força militar e ainda governar Gaza depois que a guerra terminar, o Hamas atacará Israel novamente. E o Hezbollah, abrindo ou não um segundo front real a partir do Líbano neste conflito, também atacará Israel no futuro. O objetivo desses grupos, ambos apoiados pelo Irã, é tornar a vida em Israel impossível e fazer israelenses deixarem o país: ainda que Teerã tenha negado envolvimento no ataque do Hamas, o líder supremo, Ali Khamenei, diz há muito tempo que Israel não sobreviverá mais 25 anos, e sua estratégia tem sido usar esses militantes apoiados por seu regime para alcançar esse objetivo.

Corpo é retirado dos escombros após ataque aéreo israelense em Khan Younis, no sul da Faixa de Gaza.  Foto: Yousef Masoud/The New York Times

Dada a magnitude da força militar de Israel — de longe a mais poderosa na região os objetivos do Irã e seus colaboradores parecia implausível poucas semanas atrás. Mas os eventos de 7 de outubro mudaram tudo. Como disse um comandante militar israelense, “Se não derrotarmos o Hamas, nós não conseguiremos sobreviver por aqui”.

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O Estado de Israel não é o único a acreditar que deve derrotar o Hamas. Ao longo das duas semanas recentes, quando conversei com autoridades árabes em toda a região que conheço há muito tempo, todas me disseram que o Hamas deve ser destruído em Gaza, deixando claro que, se o Hamas for percebido de alguma maneira como vencedor, isso validará a ideologia do grupo de rejeição, dará peso e impulso ao Irã e seus colaboradores e colocará seus próprios governos na defensiva.

Mas as autoridades árabes falam isso privadamente. Seus posicionamentos públicos têm sido bem diferentes. Poucos Estados árabes condenaram abertamente o massacre do Hamas de mais de 1,4 mil pessoas em Israel. Por quê? Porque os líderes árabes entenderam que, conforme Israel retaliasse e as baixas e o sofrimento dos palestinos aumentassem, seus próprios cidadãos ficariam ultrajados, e eles precisam ser vistos como defensores dos palestinos — pelo menos retoricamente.

Em nenhum episódio o instinto de atender ao humor das ruas foi mais vividamente revelado do que nas imediatas denúncias contra Israel ocorridas após o Hamas alegar que os israelenses bombardearam o Hospital Al-Ahli em Gaza. Israel negou ter atingido o hospital, mas em vários países árabes as alegações do Hamas foram aceitas. Agora agências de inteligência de vários países afirmam que provavelmente foi um foguete palestino que atingiu o hospital.

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Não obstante, pessoas de toda a região — e de todo o planeta — viam Israel bombardeando Gaza e estavam prontas para acreditar que essa ocorrência também era deliberada. Até os Emirados Árabes Unidos, que tinham condenado o ataque do Hamas, emitiram uma declaração em repúdio ao “ataque israelense que atingiu o Hospital Batista de Al-Ahli, matando e ferindo centenas de pessoas”. A declaração emiradense pediu que “a comunidade internacional intensifique esforços para alcançar um cessar-fogo imediato para evitar mais mortes”.

Conforme o ritmo dos bombardeios aéreos de Israel se intensifica e o número de baixas civis aumenta, proliferam-se os pedidos internacionais por um cessar-fogo imediato. Alguns pedem que Israel desista de sua invasão terrestre. Mas terminar a guerra agora significaria uma vitória para o Hamas. Neste momento, a estrutura militar do grupo ainda existe, sua liderança permanece em grande medida intacta e seu controle político sobre Gaza não é contestado. A exemplo do que fez após conflitos com Israel em 2009, 2012, 2014 e 2021, o Hamas quase certamente vai se rearmar e recompor. Será capaz de incrementar seu sistema de túneis sob o enclave. A Faixa continuará empobrecida, a rodada seguinte de guerra será inevitável e os civis de Gaza, tanto quanto o restante do Oriente Médio, ficarão reféns dos objetivos do Hamas.

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Uma campanha terrestre de Israel teria um custo extremamente elevado. Se a invasão ocorrer, soldados israelenses certamente perderão suas vidas e haverá ainda mais baixas palestinas, uma tragédia que o Hamas garantiu ao instalar integrantes e capacidades militares nas comunidades de Gaza, usando hospitais, mesquitas e escolas para estocar sua munição. Mas é impossível derrotar o Hamas somente com ataques aéreos estratégicos, da mesma forma que nos foi impossível arrancar o Estado Islâmico de Mossul, no Iraque, ou Raqqa, na Síria, apenas com bombardeios aéreos. Naqueles combates, os EUA contaram com parceiros locais que travaram as terríveis e custosas batalhas terrestres nas cidades enquanto nossas forças as devastavam com ataques aéreos.

O que significaria uma derrota do Hamas? A destruição quase completa de sua infraestrutura militar, grande parte dela conectada fisicamente à infraestrutura civil, e a aniquilação de sua liderança, deixando o grupo sem capacidade de impedir uma fórmula de reconstrução no sentido da desmilitarização de Gaza, como no passado. Na essência, isso significaria que não haveria nenhuma capacidade de guerra em Gaza e que essa capacidade não poderia ser reconstruída.

Essa fórmula deve orientar a realidade do dia seguinte em Gaza, o que exigiria de Israel permanecer no enclave após o fim dos combates até que possa entregar sua administração para um governo interino que evite o vácuo e inicie a enorme tarefa de reconstrução. Esse governo deve ser administrado principalmente por tecnocratas palestinos — de Gaza, da Cisjordânia e da diáspora — sob um guarda-chuva internacional que deveria incluir nações árabes e não árabes. Os EUA precisariam organizar e mobilizar o esforço, possivelmente usando um guarda-chuva como o Comitê Ad Hoc de Articulação das Nações Unidas de doações para os palestinos ou até agindo segundo a proposta do presidente francês, Emmanuel Macron, de usar a coalizão internacional anti-Estado Islâmico para enfrentar o Hamas. Uma aliança desse tipo poderia ajudar a criar a divisão de trabalho necessária.

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Por exemplo, Marrocos, Egito, Emirados Árabes Unidos e Bahrein poderiam fornecer forças policiais — não militares — para garantir a segurança do novo governo civil e dos indivíduos responsáveis pela reconstrução de Gaza. Arábia Saudita, EAU e Catar poderiam fornecer a maior parte dos recursos para a reconstrução justificando seu papel como necessário para aliviar o sofrimento dos palestinos em Gaza e ajudá-los a se recuperar. Canadá e outros países poderiam fornecer mecanismos de monitoramento para garantir que a assistência cumpra os objetivos pretendidos.

Evidentemente, o humor em Gaza após os combates será lúgubre e furioso. Milhares de civis foram mortos, de acordo com o Ministério da Saúde de Gaza, controlado pelo Hamas. Vastas áreas do enclave estão inabitáveis. Mas vale notar que pesquisas realizadas pouco antes do ataque de 7 de outubro revelaram que 62% dos cidadãos de Gaza eram contra o Hamas romper o cessar-fogo com Israel naquele momento. Levar ajuda a Gaza rapidamente e iniciar o esforço de reconstrução assim que os combates terminarem ajudará a mostrar aos moradores que a vida poderá melhorar quando o Hamas deixar de impedir a reconstrução de Gaza.

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A maneira que Israel conduzir uma campanha terrestre influenciará isso tudo, assim como a possibilidade desse dia seguinte se materializar-se. Para reduzir a pressão de seus vizinhos e da comunidade internacional para cessar seu ataque, Israel deve demonstrar mais convincentemente que está combatendo o Hamas, não tentando punir os civis palestinos. Israel tem de criar corredores seguros para entrada de ajuda humanitária também a partir do território israelense, através do posto fronteiriço de Kerem Shalom. Para aliviar o sofrimento, Israel deve permitir que grupos internacionais, como os Médicos sem Fronteiras, operem com segurança em Gaza e incluir médicos israelenses capazes de montar hospitais de campanha, o que eles fizeram na Síria e na Ucrânia.

Os líderes políticos israelenses precisam enfatizar claramente e publicamente que Israel sairá de Gaza e porá fim ao cerco após o Hamas ser derrotado militarmente e despojado da maioria de suas armas. Eles devem transmitir que compreendem a necessidade de uma resolução política mais genérica com os palestinos. Não é esta a mensagem que o primeiro-ministro Binyamin Netanyahu transmite neste momento, dado o choque em Israel e a composição de seu governo. Mas é esta a mensagem que os parceiros de Israel na região precisam escutar — e logo.

Não existe solução fácil para Gaza, mas há apenas um caminho adiante nesta guerra. Um desfecho que deixe o Hamas no controle condenará não apenas Gaza, mas também grande parte do Oriente Médio. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

*Dennis Ross é um ex-enviado dos EUA para o Oriente Médio, conselheiro do Washington Institute for Near East Policy e professor Universidade de Georgetown.

THE NEW YORK TIMES — Por 35 anos, eu dediquei minha vida profissional a políticas de paz e resolução de conflitos e planejamento para os Estados Unidos — entre a ex-União Soviética, a Alemanha reunificada e o Iraque pós-guerra. Mas nada me preocupou mais do que encontrar uma solução pacífica e duradoura para Israel e os palestinos.

No passado, eu poderia ter apoiado um cessar-fogo com o Hamas durante um conflito com Israel. Mas hoje é claro para mim que a paz não será possível neste momento nem no futuro enquanto o Hamas permanecer intacto e no controle de Gaza. O poder do Hamas e sua capacidade de ameaçar Israel — e sujeitar os civis de Gaza a cada vez mais rodadas de violência — devem acabar.

Depois de 7 de outubro, muitos israelenses passaram a acreditar que a sobrevivência de seu Estado está em jogo. Isso pode parecer um exagero, mas não para eles. Se persistir enquanto força militar e ainda governar Gaza depois que a guerra terminar, o Hamas atacará Israel novamente. E o Hezbollah, abrindo ou não um segundo front real a partir do Líbano neste conflito, também atacará Israel no futuro. O objetivo desses grupos, ambos apoiados pelo Irã, é tornar a vida em Israel impossível e fazer israelenses deixarem o país: ainda que Teerã tenha negado envolvimento no ataque do Hamas, o líder supremo, Ali Khamenei, diz há muito tempo que Israel não sobreviverá mais 25 anos, e sua estratégia tem sido usar esses militantes apoiados por seu regime para alcançar esse objetivo.

Corpo é retirado dos escombros após ataque aéreo israelense em Khan Younis, no sul da Faixa de Gaza.  Foto: Yousef Masoud/The New York Times

Dada a magnitude da força militar de Israel — de longe a mais poderosa na região os objetivos do Irã e seus colaboradores parecia implausível poucas semanas atrás. Mas os eventos de 7 de outubro mudaram tudo. Como disse um comandante militar israelense, “Se não derrotarmos o Hamas, nós não conseguiremos sobreviver por aqui”.

O Estado de Israel não é o único a acreditar que deve derrotar o Hamas. Ao longo das duas semanas recentes, quando conversei com autoridades árabes em toda a região que conheço há muito tempo, todas me disseram que o Hamas deve ser destruído em Gaza, deixando claro que, se o Hamas for percebido de alguma maneira como vencedor, isso validará a ideologia do grupo de rejeição, dará peso e impulso ao Irã e seus colaboradores e colocará seus próprios governos na defensiva.

Mas as autoridades árabes falam isso privadamente. Seus posicionamentos públicos têm sido bem diferentes. Poucos Estados árabes condenaram abertamente o massacre do Hamas de mais de 1,4 mil pessoas em Israel. Por quê? Porque os líderes árabes entenderam que, conforme Israel retaliasse e as baixas e o sofrimento dos palestinos aumentassem, seus próprios cidadãos ficariam ultrajados, e eles precisam ser vistos como defensores dos palestinos — pelo menos retoricamente.

Em nenhum episódio o instinto de atender ao humor das ruas foi mais vividamente revelado do que nas imediatas denúncias contra Israel ocorridas após o Hamas alegar que os israelenses bombardearam o Hospital Al-Ahli em Gaza. Israel negou ter atingido o hospital, mas em vários países árabes as alegações do Hamas foram aceitas. Agora agências de inteligência de vários países afirmam que provavelmente foi um foguete palestino que atingiu o hospital.

Não obstante, pessoas de toda a região — e de todo o planeta — viam Israel bombardeando Gaza e estavam prontas para acreditar que essa ocorrência também era deliberada. Até os Emirados Árabes Unidos, que tinham condenado o ataque do Hamas, emitiram uma declaração em repúdio ao “ataque israelense que atingiu o Hospital Batista de Al-Ahli, matando e ferindo centenas de pessoas”. A declaração emiradense pediu que “a comunidade internacional intensifique esforços para alcançar um cessar-fogo imediato para evitar mais mortes”.

Conforme o ritmo dos bombardeios aéreos de Israel se intensifica e o número de baixas civis aumenta, proliferam-se os pedidos internacionais por um cessar-fogo imediato. Alguns pedem que Israel desista de sua invasão terrestre. Mas terminar a guerra agora significaria uma vitória para o Hamas. Neste momento, a estrutura militar do grupo ainda existe, sua liderança permanece em grande medida intacta e seu controle político sobre Gaza não é contestado. A exemplo do que fez após conflitos com Israel em 2009, 2012, 2014 e 2021, o Hamas quase certamente vai se rearmar e recompor. Será capaz de incrementar seu sistema de túneis sob o enclave. A Faixa continuará empobrecida, a rodada seguinte de guerra será inevitável e os civis de Gaza, tanto quanto o restante do Oriente Médio, ficarão reféns dos objetivos do Hamas.

Uma campanha terrestre de Israel teria um custo extremamente elevado. Se a invasão ocorrer, soldados israelenses certamente perderão suas vidas e haverá ainda mais baixas palestinas, uma tragédia que o Hamas garantiu ao instalar integrantes e capacidades militares nas comunidades de Gaza, usando hospitais, mesquitas e escolas para estocar sua munição. Mas é impossível derrotar o Hamas somente com ataques aéreos estratégicos, da mesma forma que nos foi impossível arrancar o Estado Islâmico de Mossul, no Iraque, ou Raqqa, na Síria, apenas com bombardeios aéreos. Naqueles combates, os EUA contaram com parceiros locais que travaram as terríveis e custosas batalhas terrestres nas cidades enquanto nossas forças as devastavam com ataques aéreos.

O que significaria uma derrota do Hamas? A destruição quase completa de sua infraestrutura militar, grande parte dela conectada fisicamente à infraestrutura civil, e a aniquilação de sua liderança, deixando o grupo sem capacidade de impedir uma fórmula de reconstrução no sentido da desmilitarização de Gaza, como no passado. Na essência, isso significaria que não haveria nenhuma capacidade de guerra em Gaza e que essa capacidade não poderia ser reconstruída.

Essa fórmula deve orientar a realidade do dia seguinte em Gaza, o que exigiria de Israel permanecer no enclave após o fim dos combates até que possa entregar sua administração para um governo interino que evite o vácuo e inicie a enorme tarefa de reconstrução. Esse governo deve ser administrado principalmente por tecnocratas palestinos — de Gaza, da Cisjordânia e da diáspora — sob um guarda-chuva internacional que deveria incluir nações árabes e não árabes. Os EUA precisariam organizar e mobilizar o esforço, possivelmente usando um guarda-chuva como o Comitê Ad Hoc de Articulação das Nações Unidas de doações para os palestinos ou até agindo segundo a proposta do presidente francês, Emmanuel Macron, de usar a coalizão internacional anti-Estado Islâmico para enfrentar o Hamas. Uma aliança desse tipo poderia ajudar a criar a divisão de trabalho necessária.

Por exemplo, Marrocos, Egito, Emirados Árabes Unidos e Bahrein poderiam fornecer forças policiais — não militares — para garantir a segurança do novo governo civil e dos indivíduos responsáveis pela reconstrução de Gaza. Arábia Saudita, EAU e Catar poderiam fornecer a maior parte dos recursos para a reconstrução justificando seu papel como necessário para aliviar o sofrimento dos palestinos em Gaza e ajudá-los a se recuperar. Canadá e outros países poderiam fornecer mecanismos de monitoramento para garantir que a assistência cumpra os objetivos pretendidos.

Evidentemente, o humor em Gaza após os combates será lúgubre e furioso. Milhares de civis foram mortos, de acordo com o Ministério da Saúde de Gaza, controlado pelo Hamas. Vastas áreas do enclave estão inabitáveis. Mas vale notar que pesquisas realizadas pouco antes do ataque de 7 de outubro revelaram que 62% dos cidadãos de Gaza eram contra o Hamas romper o cessar-fogo com Israel naquele momento. Levar ajuda a Gaza rapidamente e iniciar o esforço de reconstrução assim que os combates terminarem ajudará a mostrar aos moradores que a vida poderá melhorar quando o Hamas deixar de impedir a reconstrução de Gaza.

A maneira que Israel conduzir uma campanha terrestre influenciará isso tudo, assim como a possibilidade desse dia seguinte se materializar-se. Para reduzir a pressão de seus vizinhos e da comunidade internacional para cessar seu ataque, Israel deve demonstrar mais convincentemente que está combatendo o Hamas, não tentando punir os civis palestinos. Israel tem de criar corredores seguros para entrada de ajuda humanitária também a partir do território israelense, através do posto fronteiriço de Kerem Shalom. Para aliviar o sofrimento, Israel deve permitir que grupos internacionais, como os Médicos sem Fronteiras, operem com segurança em Gaza e incluir médicos israelenses capazes de montar hospitais de campanha, o que eles fizeram na Síria e na Ucrânia.

Os líderes políticos israelenses precisam enfatizar claramente e publicamente que Israel sairá de Gaza e porá fim ao cerco após o Hamas ser derrotado militarmente e despojado da maioria de suas armas. Eles devem transmitir que compreendem a necessidade de uma resolução política mais genérica com os palestinos. Não é esta a mensagem que o primeiro-ministro Binyamin Netanyahu transmite neste momento, dado o choque em Israel e a composição de seu governo. Mas é esta a mensagem que os parceiros de Israel na região precisam escutar — e logo.

Não existe solução fácil para Gaza, mas há apenas um caminho adiante nesta guerra. Um desfecho que deixe o Hamas no controle condenará não apenas Gaza, mas também grande parte do Oriente Médio. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

*Dennis Ross é um ex-enviado dos EUA para o Oriente Médio, conselheiro do Washington Institute for Near East Policy e professor Universidade de Georgetown.

THE NEW YORK TIMES — Por 35 anos, eu dediquei minha vida profissional a políticas de paz e resolução de conflitos e planejamento para os Estados Unidos — entre a ex-União Soviética, a Alemanha reunificada e o Iraque pós-guerra. Mas nada me preocupou mais do que encontrar uma solução pacífica e duradoura para Israel e os palestinos.

No passado, eu poderia ter apoiado um cessar-fogo com o Hamas durante um conflito com Israel. Mas hoje é claro para mim que a paz não será possível neste momento nem no futuro enquanto o Hamas permanecer intacto e no controle de Gaza. O poder do Hamas e sua capacidade de ameaçar Israel — e sujeitar os civis de Gaza a cada vez mais rodadas de violência — devem acabar.

Depois de 7 de outubro, muitos israelenses passaram a acreditar que a sobrevivência de seu Estado está em jogo. Isso pode parecer um exagero, mas não para eles. Se persistir enquanto força militar e ainda governar Gaza depois que a guerra terminar, o Hamas atacará Israel novamente. E o Hezbollah, abrindo ou não um segundo front real a partir do Líbano neste conflito, também atacará Israel no futuro. O objetivo desses grupos, ambos apoiados pelo Irã, é tornar a vida em Israel impossível e fazer israelenses deixarem o país: ainda que Teerã tenha negado envolvimento no ataque do Hamas, o líder supremo, Ali Khamenei, diz há muito tempo que Israel não sobreviverá mais 25 anos, e sua estratégia tem sido usar esses militantes apoiados por seu regime para alcançar esse objetivo.

Corpo é retirado dos escombros após ataque aéreo israelense em Khan Younis, no sul da Faixa de Gaza.  Foto: Yousef Masoud/The New York Times

Dada a magnitude da força militar de Israel — de longe a mais poderosa na região os objetivos do Irã e seus colaboradores parecia implausível poucas semanas atrás. Mas os eventos de 7 de outubro mudaram tudo. Como disse um comandante militar israelense, “Se não derrotarmos o Hamas, nós não conseguiremos sobreviver por aqui”.

O Estado de Israel não é o único a acreditar que deve derrotar o Hamas. Ao longo das duas semanas recentes, quando conversei com autoridades árabes em toda a região que conheço há muito tempo, todas me disseram que o Hamas deve ser destruído em Gaza, deixando claro que, se o Hamas for percebido de alguma maneira como vencedor, isso validará a ideologia do grupo de rejeição, dará peso e impulso ao Irã e seus colaboradores e colocará seus próprios governos na defensiva.

Mas as autoridades árabes falam isso privadamente. Seus posicionamentos públicos têm sido bem diferentes. Poucos Estados árabes condenaram abertamente o massacre do Hamas de mais de 1,4 mil pessoas em Israel. Por quê? Porque os líderes árabes entenderam que, conforme Israel retaliasse e as baixas e o sofrimento dos palestinos aumentassem, seus próprios cidadãos ficariam ultrajados, e eles precisam ser vistos como defensores dos palestinos — pelo menos retoricamente.

Em nenhum episódio o instinto de atender ao humor das ruas foi mais vividamente revelado do que nas imediatas denúncias contra Israel ocorridas após o Hamas alegar que os israelenses bombardearam o Hospital Al-Ahli em Gaza. Israel negou ter atingido o hospital, mas em vários países árabes as alegações do Hamas foram aceitas. Agora agências de inteligência de vários países afirmam que provavelmente foi um foguete palestino que atingiu o hospital.

Não obstante, pessoas de toda a região — e de todo o planeta — viam Israel bombardeando Gaza e estavam prontas para acreditar que essa ocorrência também era deliberada. Até os Emirados Árabes Unidos, que tinham condenado o ataque do Hamas, emitiram uma declaração em repúdio ao “ataque israelense que atingiu o Hospital Batista de Al-Ahli, matando e ferindo centenas de pessoas”. A declaração emiradense pediu que “a comunidade internacional intensifique esforços para alcançar um cessar-fogo imediato para evitar mais mortes”.

Conforme o ritmo dos bombardeios aéreos de Israel se intensifica e o número de baixas civis aumenta, proliferam-se os pedidos internacionais por um cessar-fogo imediato. Alguns pedem que Israel desista de sua invasão terrestre. Mas terminar a guerra agora significaria uma vitória para o Hamas. Neste momento, a estrutura militar do grupo ainda existe, sua liderança permanece em grande medida intacta e seu controle político sobre Gaza não é contestado. A exemplo do que fez após conflitos com Israel em 2009, 2012, 2014 e 2021, o Hamas quase certamente vai se rearmar e recompor. Será capaz de incrementar seu sistema de túneis sob o enclave. A Faixa continuará empobrecida, a rodada seguinte de guerra será inevitável e os civis de Gaza, tanto quanto o restante do Oriente Médio, ficarão reféns dos objetivos do Hamas.

Uma campanha terrestre de Israel teria um custo extremamente elevado. Se a invasão ocorrer, soldados israelenses certamente perderão suas vidas e haverá ainda mais baixas palestinas, uma tragédia que o Hamas garantiu ao instalar integrantes e capacidades militares nas comunidades de Gaza, usando hospitais, mesquitas e escolas para estocar sua munição. Mas é impossível derrotar o Hamas somente com ataques aéreos estratégicos, da mesma forma que nos foi impossível arrancar o Estado Islâmico de Mossul, no Iraque, ou Raqqa, na Síria, apenas com bombardeios aéreos. Naqueles combates, os EUA contaram com parceiros locais que travaram as terríveis e custosas batalhas terrestres nas cidades enquanto nossas forças as devastavam com ataques aéreos.

O que significaria uma derrota do Hamas? A destruição quase completa de sua infraestrutura militar, grande parte dela conectada fisicamente à infraestrutura civil, e a aniquilação de sua liderança, deixando o grupo sem capacidade de impedir uma fórmula de reconstrução no sentido da desmilitarização de Gaza, como no passado. Na essência, isso significaria que não haveria nenhuma capacidade de guerra em Gaza e que essa capacidade não poderia ser reconstruída.

Essa fórmula deve orientar a realidade do dia seguinte em Gaza, o que exigiria de Israel permanecer no enclave após o fim dos combates até que possa entregar sua administração para um governo interino que evite o vácuo e inicie a enorme tarefa de reconstrução. Esse governo deve ser administrado principalmente por tecnocratas palestinos — de Gaza, da Cisjordânia e da diáspora — sob um guarda-chuva internacional que deveria incluir nações árabes e não árabes. Os EUA precisariam organizar e mobilizar o esforço, possivelmente usando um guarda-chuva como o Comitê Ad Hoc de Articulação das Nações Unidas de doações para os palestinos ou até agindo segundo a proposta do presidente francês, Emmanuel Macron, de usar a coalizão internacional anti-Estado Islâmico para enfrentar o Hamas. Uma aliança desse tipo poderia ajudar a criar a divisão de trabalho necessária.

Por exemplo, Marrocos, Egito, Emirados Árabes Unidos e Bahrein poderiam fornecer forças policiais — não militares — para garantir a segurança do novo governo civil e dos indivíduos responsáveis pela reconstrução de Gaza. Arábia Saudita, EAU e Catar poderiam fornecer a maior parte dos recursos para a reconstrução justificando seu papel como necessário para aliviar o sofrimento dos palestinos em Gaza e ajudá-los a se recuperar. Canadá e outros países poderiam fornecer mecanismos de monitoramento para garantir que a assistência cumpra os objetivos pretendidos.

Evidentemente, o humor em Gaza após os combates será lúgubre e furioso. Milhares de civis foram mortos, de acordo com o Ministério da Saúde de Gaza, controlado pelo Hamas. Vastas áreas do enclave estão inabitáveis. Mas vale notar que pesquisas realizadas pouco antes do ataque de 7 de outubro revelaram que 62% dos cidadãos de Gaza eram contra o Hamas romper o cessar-fogo com Israel naquele momento. Levar ajuda a Gaza rapidamente e iniciar o esforço de reconstrução assim que os combates terminarem ajudará a mostrar aos moradores que a vida poderá melhorar quando o Hamas deixar de impedir a reconstrução de Gaza.

A maneira que Israel conduzir uma campanha terrestre influenciará isso tudo, assim como a possibilidade desse dia seguinte se materializar-se. Para reduzir a pressão de seus vizinhos e da comunidade internacional para cessar seu ataque, Israel deve demonstrar mais convincentemente que está combatendo o Hamas, não tentando punir os civis palestinos. Israel tem de criar corredores seguros para entrada de ajuda humanitária também a partir do território israelense, através do posto fronteiriço de Kerem Shalom. Para aliviar o sofrimento, Israel deve permitir que grupos internacionais, como os Médicos sem Fronteiras, operem com segurança em Gaza e incluir médicos israelenses capazes de montar hospitais de campanha, o que eles fizeram na Síria e na Ucrânia.

Os líderes políticos israelenses precisam enfatizar claramente e publicamente que Israel sairá de Gaza e porá fim ao cerco após o Hamas ser derrotado militarmente e despojado da maioria de suas armas. Eles devem transmitir que compreendem a necessidade de uma resolução política mais genérica com os palestinos. Não é esta a mensagem que o primeiro-ministro Binyamin Netanyahu transmite neste momento, dado o choque em Israel e a composição de seu governo. Mas é esta a mensagem que os parceiros de Israel na região precisam escutar — e logo.

Não existe solução fácil para Gaza, mas há apenas um caminho adiante nesta guerra. Um desfecho que deixe o Hamas no controle condenará não apenas Gaza, mas também grande parte do Oriente Médio. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

*Dennis Ross é um ex-enviado dos EUA para o Oriente Médio, conselheiro do Washington Institute for Near East Policy e professor Universidade de Georgetown.

THE NEW YORK TIMES — Por 35 anos, eu dediquei minha vida profissional a políticas de paz e resolução de conflitos e planejamento para os Estados Unidos — entre a ex-União Soviética, a Alemanha reunificada e o Iraque pós-guerra. Mas nada me preocupou mais do que encontrar uma solução pacífica e duradoura para Israel e os palestinos.

No passado, eu poderia ter apoiado um cessar-fogo com o Hamas durante um conflito com Israel. Mas hoje é claro para mim que a paz não será possível neste momento nem no futuro enquanto o Hamas permanecer intacto e no controle de Gaza. O poder do Hamas e sua capacidade de ameaçar Israel — e sujeitar os civis de Gaza a cada vez mais rodadas de violência — devem acabar.

Depois de 7 de outubro, muitos israelenses passaram a acreditar que a sobrevivência de seu Estado está em jogo. Isso pode parecer um exagero, mas não para eles. Se persistir enquanto força militar e ainda governar Gaza depois que a guerra terminar, o Hamas atacará Israel novamente. E o Hezbollah, abrindo ou não um segundo front real a partir do Líbano neste conflito, também atacará Israel no futuro. O objetivo desses grupos, ambos apoiados pelo Irã, é tornar a vida em Israel impossível e fazer israelenses deixarem o país: ainda que Teerã tenha negado envolvimento no ataque do Hamas, o líder supremo, Ali Khamenei, diz há muito tempo que Israel não sobreviverá mais 25 anos, e sua estratégia tem sido usar esses militantes apoiados por seu regime para alcançar esse objetivo.

Corpo é retirado dos escombros após ataque aéreo israelense em Khan Younis, no sul da Faixa de Gaza.  Foto: Yousef Masoud/The New York Times

Dada a magnitude da força militar de Israel — de longe a mais poderosa na região os objetivos do Irã e seus colaboradores parecia implausível poucas semanas atrás. Mas os eventos de 7 de outubro mudaram tudo. Como disse um comandante militar israelense, “Se não derrotarmos o Hamas, nós não conseguiremos sobreviver por aqui”.

O Estado de Israel não é o único a acreditar que deve derrotar o Hamas. Ao longo das duas semanas recentes, quando conversei com autoridades árabes em toda a região que conheço há muito tempo, todas me disseram que o Hamas deve ser destruído em Gaza, deixando claro que, se o Hamas for percebido de alguma maneira como vencedor, isso validará a ideologia do grupo de rejeição, dará peso e impulso ao Irã e seus colaboradores e colocará seus próprios governos na defensiva.

Mas as autoridades árabes falam isso privadamente. Seus posicionamentos públicos têm sido bem diferentes. Poucos Estados árabes condenaram abertamente o massacre do Hamas de mais de 1,4 mil pessoas em Israel. Por quê? Porque os líderes árabes entenderam que, conforme Israel retaliasse e as baixas e o sofrimento dos palestinos aumentassem, seus próprios cidadãos ficariam ultrajados, e eles precisam ser vistos como defensores dos palestinos — pelo menos retoricamente.

Em nenhum episódio o instinto de atender ao humor das ruas foi mais vividamente revelado do que nas imediatas denúncias contra Israel ocorridas após o Hamas alegar que os israelenses bombardearam o Hospital Al-Ahli em Gaza. Israel negou ter atingido o hospital, mas em vários países árabes as alegações do Hamas foram aceitas. Agora agências de inteligência de vários países afirmam que provavelmente foi um foguete palestino que atingiu o hospital.

Não obstante, pessoas de toda a região — e de todo o planeta — viam Israel bombardeando Gaza e estavam prontas para acreditar que essa ocorrência também era deliberada. Até os Emirados Árabes Unidos, que tinham condenado o ataque do Hamas, emitiram uma declaração em repúdio ao “ataque israelense que atingiu o Hospital Batista de Al-Ahli, matando e ferindo centenas de pessoas”. A declaração emiradense pediu que “a comunidade internacional intensifique esforços para alcançar um cessar-fogo imediato para evitar mais mortes”.

Conforme o ritmo dos bombardeios aéreos de Israel se intensifica e o número de baixas civis aumenta, proliferam-se os pedidos internacionais por um cessar-fogo imediato. Alguns pedem que Israel desista de sua invasão terrestre. Mas terminar a guerra agora significaria uma vitória para o Hamas. Neste momento, a estrutura militar do grupo ainda existe, sua liderança permanece em grande medida intacta e seu controle político sobre Gaza não é contestado. A exemplo do que fez após conflitos com Israel em 2009, 2012, 2014 e 2021, o Hamas quase certamente vai se rearmar e recompor. Será capaz de incrementar seu sistema de túneis sob o enclave. A Faixa continuará empobrecida, a rodada seguinte de guerra será inevitável e os civis de Gaza, tanto quanto o restante do Oriente Médio, ficarão reféns dos objetivos do Hamas.

Uma campanha terrestre de Israel teria um custo extremamente elevado. Se a invasão ocorrer, soldados israelenses certamente perderão suas vidas e haverá ainda mais baixas palestinas, uma tragédia que o Hamas garantiu ao instalar integrantes e capacidades militares nas comunidades de Gaza, usando hospitais, mesquitas e escolas para estocar sua munição. Mas é impossível derrotar o Hamas somente com ataques aéreos estratégicos, da mesma forma que nos foi impossível arrancar o Estado Islâmico de Mossul, no Iraque, ou Raqqa, na Síria, apenas com bombardeios aéreos. Naqueles combates, os EUA contaram com parceiros locais que travaram as terríveis e custosas batalhas terrestres nas cidades enquanto nossas forças as devastavam com ataques aéreos.

O que significaria uma derrota do Hamas? A destruição quase completa de sua infraestrutura militar, grande parte dela conectada fisicamente à infraestrutura civil, e a aniquilação de sua liderança, deixando o grupo sem capacidade de impedir uma fórmula de reconstrução no sentido da desmilitarização de Gaza, como no passado. Na essência, isso significaria que não haveria nenhuma capacidade de guerra em Gaza e que essa capacidade não poderia ser reconstruída.

Essa fórmula deve orientar a realidade do dia seguinte em Gaza, o que exigiria de Israel permanecer no enclave após o fim dos combates até que possa entregar sua administração para um governo interino que evite o vácuo e inicie a enorme tarefa de reconstrução. Esse governo deve ser administrado principalmente por tecnocratas palestinos — de Gaza, da Cisjordânia e da diáspora — sob um guarda-chuva internacional que deveria incluir nações árabes e não árabes. Os EUA precisariam organizar e mobilizar o esforço, possivelmente usando um guarda-chuva como o Comitê Ad Hoc de Articulação das Nações Unidas de doações para os palestinos ou até agindo segundo a proposta do presidente francês, Emmanuel Macron, de usar a coalizão internacional anti-Estado Islâmico para enfrentar o Hamas. Uma aliança desse tipo poderia ajudar a criar a divisão de trabalho necessária.

Por exemplo, Marrocos, Egito, Emirados Árabes Unidos e Bahrein poderiam fornecer forças policiais — não militares — para garantir a segurança do novo governo civil e dos indivíduos responsáveis pela reconstrução de Gaza. Arábia Saudita, EAU e Catar poderiam fornecer a maior parte dos recursos para a reconstrução justificando seu papel como necessário para aliviar o sofrimento dos palestinos em Gaza e ajudá-los a se recuperar. Canadá e outros países poderiam fornecer mecanismos de monitoramento para garantir que a assistência cumpra os objetivos pretendidos.

Evidentemente, o humor em Gaza após os combates será lúgubre e furioso. Milhares de civis foram mortos, de acordo com o Ministério da Saúde de Gaza, controlado pelo Hamas. Vastas áreas do enclave estão inabitáveis. Mas vale notar que pesquisas realizadas pouco antes do ataque de 7 de outubro revelaram que 62% dos cidadãos de Gaza eram contra o Hamas romper o cessar-fogo com Israel naquele momento. Levar ajuda a Gaza rapidamente e iniciar o esforço de reconstrução assim que os combates terminarem ajudará a mostrar aos moradores que a vida poderá melhorar quando o Hamas deixar de impedir a reconstrução de Gaza.

A maneira que Israel conduzir uma campanha terrestre influenciará isso tudo, assim como a possibilidade desse dia seguinte se materializar-se. Para reduzir a pressão de seus vizinhos e da comunidade internacional para cessar seu ataque, Israel deve demonstrar mais convincentemente que está combatendo o Hamas, não tentando punir os civis palestinos. Israel tem de criar corredores seguros para entrada de ajuda humanitária também a partir do território israelense, através do posto fronteiriço de Kerem Shalom. Para aliviar o sofrimento, Israel deve permitir que grupos internacionais, como os Médicos sem Fronteiras, operem com segurança em Gaza e incluir médicos israelenses capazes de montar hospitais de campanha, o que eles fizeram na Síria e na Ucrânia.

Os líderes políticos israelenses precisam enfatizar claramente e publicamente que Israel sairá de Gaza e porá fim ao cerco após o Hamas ser derrotado militarmente e despojado da maioria de suas armas. Eles devem transmitir que compreendem a necessidade de uma resolução política mais genérica com os palestinos. Não é esta a mensagem que o primeiro-ministro Binyamin Netanyahu transmite neste momento, dado o choque em Israel e a composição de seu governo. Mas é esta a mensagem que os parceiros de Israel na região precisam escutar — e logo.

Não existe solução fácil para Gaza, mas há apenas um caminho adiante nesta guerra. Um desfecho que deixe o Hamas no controle condenará não apenas Gaza, mas também grande parte do Oriente Médio. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

*Dennis Ross é um ex-enviado dos EUA para o Oriente Médio, conselheiro do Washington Institute for Near East Policy e professor Universidade de Georgetown.

THE NEW YORK TIMES — Por 35 anos, eu dediquei minha vida profissional a políticas de paz e resolução de conflitos e planejamento para os Estados Unidos — entre a ex-União Soviética, a Alemanha reunificada e o Iraque pós-guerra. Mas nada me preocupou mais do que encontrar uma solução pacífica e duradoura para Israel e os palestinos.

No passado, eu poderia ter apoiado um cessar-fogo com o Hamas durante um conflito com Israel. Mas hoje é claro para mim que a paz não será possível neste momento nem no futuro enquanto o Hamas permanecer intacto e no controle de Gaza. O poder do Hamas e sua capacidade de ameaçar Israel — e sujeitar os civis de Gaza a cada vez mais rodadas de violência — devem acabar.

Depois de 7 de outubro, muitos israelenses passaram a acreditar que a sobrevivência de seu Estado está em jogo. Isso pode parecer um exagero, mas não para eles. Se persistir enquanto força militar e ainda governar Gaza depois que a guerra terminar, o Hamas atacará Israel novamente. E o Hezbollah, abrindo ou não um segundo front real a partir do Líbano neste conflito, também atacará Israel no futuro. O objetivo desses grupos, ambos apoiados pelo Irã, é tornar a vida em Israel impossível e fazer israelenses deixarem o país: ainda que Teerã tenha negado envolvimento no ataque do Hamas, o líder supremo, Ali Khamenei, diz há muito tempo que Israel não sobreviverá mais 25 anos, e sua estratégia tem sido usar esses militantes apoiados por seu regime para alcançar esse objetivo.

Corpo é retirado dos escombros após ataque aéreo israelense em Khan Younis, no sul da Faixa de Gaza.  Foto: Yousef Masoud/The New York Times

Dada a magnitude da força militar de Israel — de longe a mais poderosa na região os objetivos do Irã e seus colaboradores parecia implausível poucas semanas atrás. Mas os eventos de 7 de outubro mudaram tudo. Como disse um comandante militar israelense, “Se não derrotarmos o Hamas, nós não conseguiremos sobreviver por aqui”.

O Estado de Israel não é o único a acreditar que deve derrotar o Hamas. Ao longo das duas semanas recentes, quando conversei com autoridades árabes em toda a região que conheço há muito tempo, todas me disseram que o Hamas deve ser destruído em Gaza, deixando claro que, se o Hamas for percebido de alguma maneira como vencedor, isso validará a ideologia do grupo de rejeição, dará peso e impulso ao Irã e seus colaboradores e colocará seus próprios governos na defensiva.

Mas as autoridades árabes falam isso privadamente. Seus posicionamentos públicos têm sido bem diferentes. Poucos Estados árabes condenaram abertamente o massacre do Hamas de mais de 1,4 mil pessoas em Israel. Por quê? Porque os líderes árabes entenderam que, conforme Israel retaliasse e as baixas e o sofrimento dos palestinos aumentassem, seus próprios cidadãos ficariam ultrajados, e eles precisam ser vistos como defensores dos palestinos — pelo menos retoricamente.

Em nenhum episódio o instinto de atender ao humor das ruas foi mais vividamente revelado do que nas imediatas denúncias contra Israel ocorridas após o Hamas alegar que os israelenses bombardearam o Hospital Al-Ahli em Gaza. Israel negou ter atingido o hospital, mas em vários países árabes as alegações do Hamas foram aceitas. Agora agências de inteligência de vários países afirmam que provavelmente foi um foguete palestino que atingiu o hospital.

Não obstante, pessoas de toda a região — e de todo o planeta — viam Israel bombardeando Gaza e estavam prontas para acreditar que essa ocorrência também era deliberada. Até os Emirados Árabes Unidos, que tinham condenado o ataque do Hamas, emitiram uma declaração em repúdio ao “ataque israelense que atingiu o Hospital Batista de Al-Ahli, matando e ferindo centenas de pessoas”. A declaração emiradense pediu que “a comunidade internacional intensifique esforços para alcançar um cessar-fogo imediato para evitar mais mortes”.

Conforme o ritmo dos bombardeios aéreos de Israel se intensifica e o número de baixas civis aumenta, proliferam-se os pedidos internacionais por um cessar-fogo imediato. Alguns pedem que Israel desista de sua invasão terrestre. Mas terminar a guerra agora significaria uma vitória para o Hamas. Neste momento, a estrutura militar do grupo ainda existe, sua liderança permanece em grande medida intacta e seu controle político sobre Gaza não é contestado. A exemplo do que fez após conflitos com Israel em 2009, 2012, 2014 e 2021, o Hamas quase certamente vai se rearmar e recompor. Será capaz de incrementar seu sistema de túneis sob o enclave. A Faixa continuará empobrecida, a rodada seguinte de guerra será inevitável e os civis de Gaza, tanto quanto o restante do Oriente Médio, ficarão reféns dos objetivos do Hamas.

Uma campanha terrestre de Israel teria um custo extremamente elevado. Se a invasão ocorrer, soldados israelenses certamente perderão suas vidas e haverá ainda mais baixas palestinas, uma tragédia que o Hamas garantiu ao instalar integrantes e capacidades militares nas comunidades de Gaza, usando hospitais, mesquitas e escolas para estocar sua munição. Mas é impossível derrotar o Hamas somente com ataques aéreos estratégicos, da mesma forma que nos foi impossível arrancar o Estado Islâmico de Mossul, no Iraque, ou Raqqa, na Síria, apenas com bombardeios aéreos. Naqueles combates, os EUA contaram com parceiros locais que travaram as terríveis e custosas batalhas terrestres nas cidades enquanto nossas forças as devastavam com ataques aéreos.

O que significaria uma derrota do Hamas? A destruição quase completa de sua infraestrutura militar, grande parte dela conectada fisicamente à infraestrutura civil, e a aniquilação de sua liderança, deixando o grupo sem capacidade de impedir uma fórmula de reconstrução no sentido da desmilitarização de Gaza, como no passado. Na essência, isso significaria que não haveria nenhuma capacidade de guerra em Gaza e que essa capacidade não poderia ser reconstruída.

Essa fórmula deve orientar a realidade do dia seguinte em Gaza, o que exigiria de Israel permanecer no enclave após o fim dos combates até que possa entregar sua administração para um governo interino que evite o vácuo e inicie a enorme tarefa de reconstrução. Esse governo deve ser administrado principalmente por tecnocratas palestinos — de Gaza, da Cisjordânia e da diáspora — sob um guarda-chuva internacional que deveria incluir nações árabes e não árabes. Os EUA precisariam organizar e mobilizar o esforço, possivelmente usando um guarda-chuva como o Comitê Ad Hoc de Articulação das Nações Unidas de doações para os palestinos ou até agindo segundo a proposta do presidente francês, Emmanuel Macron, de usar a coalizão internacional anti-Estado Islâmico para enfrentar o Hamas. Uma aliança desse tipo poderia ajudar a criar a divisão de trabalho necessária.

Por exemplo, Marrocos, Egito, Emirados Árabes Unidos e Bahrein poderiam fornecer forças policiais — não militares — para garantir a segurança do novo governo civil e dos indivíduos responsáveis pela reconstrução de Gaza. Arábia Saudita, EAU e Catar poderiam fornecer a maior parte dos recursos para a reconstrução justificando seu papel como necessário para aliviar o sofrimento dos palestinos em Gaza e ajudá-los a se recuperar. Canadá e outros países poderiam fornecer mecanismos de monitoramento para garantir que a assistência cumpra os objetivos pretendidos.

Evidentemente, o humor em Gaza após os combates será lúgubre e furioso. Milhares de civis foram mortos, de acordo com o Ministério da Saúde de Gaza, controlado pelo Hamas. Vastas áreas do enclave estão inabitáveis. Mas vale notar que pesquisas realizadas pouco antes do ataque de 7 de outubro revelaram que 62% dos cidadãos de Gaza eram contra o Hamas romper o cessar-fogo com Israel naquele momento. Levar ajuda a Gaza rapidamente e iniciar o esforço de reconstrução assim que os combates terminarem ajudará a mostrar aos moradores que a vida poderá melhorar quando o Hamas deixar de impedir a reconstrução de Gaza.

A maneira que Israel conduzir uma campanha terrestre influenciará isso tudo, assim como a possibilidade desse dia seguinte se materializar-se. Para reduzir a pressão de seus vizinhos e da comunidade internacional para cessar seu ataque, Israel deve demonstrar mais convincentemente que está combatendo o Hamas, não tentando punir os civis palestinos. Israel tem de criar corredores seguros para entrada de ajuda humanitária também a partir do território israelense, através do posto fronteiriço de Kerem Shalom. Para aliviar o sofrimento, Israel deve permitir que grupos internacionais, como os Médicos sem Fronteiras, operem com segurança em Gaza e incluir médicos israelenses capazes de montar hospitais de campanha, o que eles fizeram na Síria e na Ucrânia.

Os líderes políticos israelenses precisam enfatizar claramente e publicamente que Israel sairá de Gaza e porá fim ao cerco após o Hamas ser derrotado militarmente e despojado da maioria de suas armas. Eles devem transmitir que compreendem a necessidade de uma resolução política mais genérica com os palestinos. Não é esta a mensagem que o primeiro-ministro Binyamin Netanyahu transmite neste momento, dado o choque em Israel e a composição de seu governo. Mas é esta a mensagem que os parceiros de Israel na região precisam escutar — e logo.

Não existe solução fácil para Gaza, mas há apenas um caminho adiante nesta guerra. Um desfecho que deixe o Hamas no controle condenará não apenas Gaza, mas também grande parte do Oriente Médio. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

*Dennis Ross é um ex-enviado dos EUA para o Oriente Médio, conselheiro do Washington Institute for Near East Policy e professor Universidade de Georgetown.

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