Por que o Peru, antes um exemplo econômico para a América Latina, enfrenta uma derrocada? Entenda


Fragmentações sociais transformaram a política em uma briga por espólios, drenando o potencial produtivo do país, escreve um ex-ministro de Economia e Finanças

Por Alfredo E. Thorne

LIMA — Para a maioria, é difícil entender a transformação que o Peru experimentou desde 2016. Politicamente, nós tivemos sete presidentes em sete anos, e a nossa economia deu uma volta de 180 graus, do rápido crescimento à recessão, na primeira metade de 2023. Identificar os fundamentos desta mudança é uma tarefa desafiadora.

Há um grupo que se sobressai particularmente como merecedor de culpa. A corrupção das empresas de construção expôs, desde 2001, quase todos os ex-presidentes desde Alejandro Toledo (2001-06), distorcendo nosso sistema político e nossos partidos, que se tornaram instrumentos para obtenção de rendas no Estado, empurrando o Peru para o capitalismo clientelista.

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Piorando a podridão há um sistema político disfuncional. Distritos eleitorais são grandes demais, rompendo a ligação entre os representantes e a população. Falta ao nosso sistema unicameral uma Câmara Alta para revisar decisões tomadas pela Câmara Baixa, e um sistema que mistura parlamentarismo e presidencialismo engendra conflitos entre o Congresso e o Executivo. O Peru aprovou nova legislação em 2019 introduzindo primárias abertas dentro dos partidos políticos e limites sobre contribuições para campanhas eleitorais. A primeira alteração está prevista para começar a vigorar nas eleições gerais de 2026, a segunda vigora desde 2021. Contudo, tem sido mais difícil implementar uma proibição para candidatos condenados pela Justiça concorrerem em eleições, e muitos políticos corruptos acabaram no Congresso ou em outros cargos eletivos.

Policiais peruanos prendem uma mulher durante protestos contra a presidente do Peru, Dina Baluarte  Foto: Ernesto Benavides/ AFP

Enquanto tudo isso é verdadeiro, nós podemos nos perguntar: isso é tudo? É difícil evitar a sensação de que algo mais profundo está errado com a economia e a sociedade do Peru. O país tem sido muito bem-sucedido desde os anos 90 em estabilizar a economia e construir fundações para um crescimento sólido. A evidência demonstra-se por seu rápido crescimento per capita desde 2002, em média de 4,5% até 2016 — e no sucesso dos nossos programas de combate à pobreza, tirando da pobreza mais de um terço da população.

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Um desafio social mais profundo

Este crescimento econômico, porém, foi desigual. De acordo com estudos do Banco Mundial, a maioria das pessoas retiradas da pobreza aderiu ao segmento “vulnerável” e não conseguiu acessar empregos permanentes. Dos 17 milhões de peruanos economicamente ativos, apenas 4,5 milhões trabalham com registro formal e acesso pleno a seguridade social. Finalmente, há um lapso de igualdade significativo entre Lima, a capital, e o restante do país, que cria dois mundos — nós podemos chamá-los de Estado moderno e Estado informal, respectivamente.

A sustentabilidade de um modelo econômico como o do Peru depende de educação de alta qualidade, de uma rede de seguridade social e de programas de combate à pobreza para garantir que os benefícios do crescimento econômico alcancem também os grupos desfavorecidos. Mas esforços para assegurar isso fracassaram. Conforme a política se transformou em um mundo de confrontos entre os dois lados da sociedade peruana, governos desde Pedro Pablo Kuczynski (2016-18) empreenderam populismo econômico, concedendo novos benefícios principalmente para grupos de renda média e minando impulsionadores de crescimentos que sustentaram a rápida expansão econômica dos anos 2000.

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Com a maior parte da população vivendo nesse Estado informal, nossos representantes vêm desse mundo, e o país, durante o governo de Pedro Castillo, ameaçou se transformar em um Estado falido: o Peru quase virou a nova Venezuela.

A presidente do Peru, Dina Boluarte, discursa na Assembleia-Geral da ONU em Nova York, Estados Unidos  Foto: Dave Sanders/NYT

Enquanto isso, houve pouco foco em reformas estruturais capazes de incrementar aumento em produtividade. O desfecho foi um declínio acentuado no potencial de elevação no índice de crescimento do país, a taxa a que a economia poderia crescer se tivessem sido usados seus fatores de produção em total capacidade, que chegou a apenas 2,6%, de mais de 5% no início dos anos 2000. Com a economia desacelerando, a informalidade aumentou à medida que as diferenças entre Lima e as Províncias se ampliaram, empresas pequenas e médias sofreram e demandas por apoio do governo aumentaram. Investigações de corrupção paralisaram quase completamente o Estado, e cada vez mais recursos do governo foram alocados para cobrir gastos de orçamento.

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Boluarte precisa de legitimidade

Empossada presidente após a remoção de Castillo, que se seguiu à sua tentativa de golpe de Estado, em dezembro, Dina Boluarte herdou um sistema político e uma economia complicados — mas também cometeu erros essenciais, como não ter nomeado uma comissão independente para investigar as mortes nos protestos ocorridos após a remoção de Castillo. Os maiores fracassos de Boluarte foram perder essa oportunidade de obter legitimidade e não conectar-se com a população. Ela foi exposta a pressão do Congresso e de outros grupos por esta razão. E enquanto isso, pareceu mais preocupada em garantir sua permanência no governo até julho de 2026 — quando estão previstas as próximas eleições gerais — do que em lidar com temas prementes, como a desaceleração da economia e a segurança precária.

Ainda assim, a economia reteve três âncoras positivas de longo prazo. A independência do Banco Central tornou-se uma âncora da estabilidade monetária. O comprometimento com disciplina fiscal foi adotado pela maioria dos governantes independentemente de ideologia — incluindo o esquerdista Castillo. Finalmente, um setor privado vibrante permaneceu intacto. Esse comprometimento com disciplina de mercado é compartilhado até por pequenos produtores que veem sua prosperidade conectando-se às cadeias globais de fornecimento. Os múltiplos acordos comerciais do Peru ajudaram o país a se conectar com o restante do mundo. O novo Porto Chancay, no norte de Lima, conectando-nos com países asiáticos, a ser inaugurado durante as reuniões da APEC de 2024, poderia catapultar-nos ainda mais nessa direção.

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Essas âncoras poderiam colaborar com um possível governo pró-mercado caso algum vença a eleição geral de 2026, permitindo uma retomada das reformas econômicas que ocasionaram o rápido crescimento de 2001-17. Com sorte, dessa vez, uma reforma social igualmente importante o acompanhe.

No curto prazo, essas forças positivas não evitaram que a economia caísse em recessão técnica no primeiro semestre, quando o produto interno bruto real contraiu-se a um índice anual de 0,5%. O governo fez pouco para induzir uma recuperação. Até julho, em relação a 2022, o gasto público caiu 3,4%, e o investimento, 2,4%. O relatório do PIB preciso de julho lançado recentemente confirmou que a economia contraiu 1,3% e deu poucos sinais de recuperação no atual trimestre. Autoridades atribuíram os problemas continuados a choques exógenos, incluindo protestos e o El Niño.

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Na verdade a contração é mais profunda do que muitos quiseram reconhecer: o consumo privado e o investimento desaceleraram acentuadamente, num movimento estimulado pelas expectativas negativas relacionadas à instabilidade política. A maioria antecipa mais efeitos do El Niño a partir de novembro e durando até março. Mas nós esperamos uma recuperação no segundo semestre (crescimento de 1,1%) decorrente principalmente de efeitos de base. Nesta semana, nós cortamos nossa previsão de crescimento de PIB real para apenas 0,4% em 2023 (de 0,8%) e 2% (de 2,6%), menos do que a revisão para baixo do Banco Central, de 0,9% e 3%, respectivamente.

Boluarte enfrenta o desafio de ganhar legitimidade confrontando problemas que acometem a maioria da população. Mas seu isolamento pode torná-la uma presidente pata-manca, vulnerável àqueles que ainda tentam extrair rendas do Estado para si mesmos e seus apoiadores: um processo que já custou muito a esta nação antes próspera e promissora. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

* Thorne é diretor-presidente da Thorne & Associates, uma firma de consultoria de Lima. Ele foi ministro das Finanças e Economia do Peru de 2016 a 2017 e, antes disso, diretor do Banco Mundial e do BID para o Peru. Anteriormente ele trabalhou como diretor independente da Bolsa de Valores de Lima.

LIMA — Para a maioria, é difícil entender a transformação que o Peru experimentou desde 2016. Politicamente, nós tivemos sete presidentes em sete anos, e a nossa economia deu uma volta de 180 graus, do rápido crescimento à recessão, na primeira metade de 2023. Identificar os fundamentos desta mudança é uma tarefa desafiadora.

Há um grupo que se sobressai particularmente como merecedor de culpa. A corrupção das empresas de construção expôs, desde 2001, quase todos os ex-presidentes desde Alejandro Toledo (2001-06), distorcendo nosso sistema político e nossos partidos, que se tornaram instrumentos para obtenção de rendas no Estado, empurrando o Peru para o capitalismo clientelista.

Piorando a podridão há um sistema político disfuncional. Distritos eleitorais são grandes demais, rompendo a ligação entre os representantes e a população. Falta ao nosso sistema unicameral uma Câmara Alta para revisar decisões tomadas pela Câmara Baixa, e um sistema que mistura parlamentarismo e presidencialismo engendra conflitos entre o Congresso e o Executivo. O Peru aprovou nova legislação em 2019 introduzindo primárias abertas dentro dos partidos políticos e limites sobre contribuições para campanhas eleitorais. A primeira alteração está prevista para começar a vigorar nas eleições gerais de 2026, a segunda vigora desde 2021. Contudo, tem sido mais difícil implementar uma proibição para candidatos condenados pela Justiça concorrerem em eleições, e muitos políticos corruptos acabaram no Congresso ou em outros cargos eletivos.

Policiais peruanos prendem uma mulher durante protestos contra a presidente do Peru, Dina Baluarte  Foto: Ernesto Benavides/ AFP

Enquanto tudo isso é verdadeiro, nós podemos nos perguntar: isso é tudo? É difícil evitar a sensação de que algo mais profundo está errado com a economia e a sociedade do Peru. O país tem sido muito bem-sucedido desde os anos 90 em estabilizar a economia e construir fundações para um crescimento sólido. A evidência demonstra-se por seu rápido crescimento per capita desde 2002, em média de 4,5% até 2016 — e no sucesso dos nossos programas de combate à pobreza, tirando da pobreza mais de um terço da população.

Um desafio social mais profundo

Este crescimento econômico, porém, foi desigual. De acordo com estudos do Banco Mundial, a maioria das pessoas retiradas da pobreza aderiu ao segmento “vulnerável” e não conseguiu acessar empregos permanentes. Dos 17 milhões de peruanos economicamente ativos, apenas 4,5 milhões trabalham com registro formal e acesso pleno a seguridade social. Finalmente, há um lapso de igualdade significativo entre Lima, a capital, e o restante do país, que cria dois mundos — nós podemos chamá-los de Estado moderno e Estado informal, respectivamente.

A sustentabilidade de um modelo econômico como o do Peru depende de educação de alta qualidade, de uma rede de seguridade social e de programas de combate à pobreza para garantir que os benefícios do crescimento econômico alcancem também os grupos desfavorecidos. Mas esforços para assegurar isso fracassaram. Conforme a política se transformou em um mundo de confrontos entre os dois lados da sociedade peruana, governos desde Pedro Pablo Kuczynski (2016-18) empreenderam populismo econômico, concedendo novos benefícios principalmente para grupos de renda média e minando impulsionadores de crescimentos que sustentaram a rápida expansão econômica dos anos 2000.

Com a maior parte da população vivendo nesse Estado informal, nossos representantes vêm desse mundo, e o país, durante o governo de Pedro Castillo, ameaçou se transformar em um Estado falido: o Peru quase virou a nova Venezuela.

A presidente do Peru, Dina Boluarte, discursa na Assembleia-Geral da ONU em Nova York, Estados Unidos  Foto: Dave Sanders/NYT

Enquanto isso, houve pouco foco em reformas estruturais capazes de incrementar aumento em produtividade. O desfecho foi um declínio acentuado no potencial de elevação no índice de crescimento do país, a taxa a que a economia poderia crescer se tivessem sido usados seus fatores de produção em total capacidade, que chegou a apenas 2,6%, de mais de 5% no início dos anos 2000. Com a economia desacelerando, a informalidade aumentou à medida que as diferenças entre Lima e as Províncias se ampliaram, empresas pequenas e médias sofreram e demandas por apoio do governo aumentaram. Investigações de corrupção paralisaram quase completamente o Estado, e cada vez mais recursos do governo foram alocados para cobrir gastos de orçamento.

Boluarte precisa de legitimidade

Empossada presidente após a remoção de Castillo, que se seguiu à sua tentativa de golpe de Estado, em dezembro, Dina Boluarte herdou um sistema político e uma economia complicados — mas também cometeu erros essenciais, como não ter nomeado uma comissão independente para investigar as mortes nos protestos ocorridos após a remoção de Castillo. Os maiores fracassos de Boluarte foram perder essa oportunidade de obter legitimidade e não conectar-se com a população. Ela foi exposta a pressão do Congresso e de outros grupos por esta razão. E enquanto isso, pareceu mais preocupada em garantir sua permanência no governo até julho de 2026 — quando estão previstas as próximas eleições gerais — do que em lidar com temas prementes, como a desaceleração da economia e a segurança precária.

Ainda assim, a economia reteve três âncoras positivas de longo prazo. A independência do Banco Central tornou-se uma âncora da estabilidade monetária. O comprometimento com disciplina fiscal foi adotado pela maioria dos governantes independentemente de ideologia — incluindo o esquerdista Castillo. Finalmente, um setor privado vibrante permaneceu intacto. Esse comprometimento com disciplina de mercado é compartilhado até por pequenos produtores que veem sua prosperidade conectando-se às cadeias globais de fornecimento. Os múltiplos acordos comerciais do Peru ajudaram o país a se conectar com o restante do mundo. O novo Porto Chancay, no norte de Lima, conectando-nos com países asiáticos, a ser inaugurado durante as reuniões da APEC de 2024, poderia catapultar-nos ainda mais nessa direção.

Essas âncoras poderiam colaborar com um possível governo pró-mercado caso algum vença a eleição geral de 2026, permitindo uma retomada das reformas econômicas que ocasionaram o rápido crescimento de 2001-17. Com sorte, dessa vez, uma reforma social igualmente importante o acompanhe.

No curto prazo, essas forças positivas não evitaram que a economia caísse em recessão técnica no primeiro semestre, quando o produto interno bruto real contraiu-se a um índice anual de 0,5%. O governo fez pouco para induzir uma recuperação. Até julho, em relação a 2022, o gasto público caiu 3,4%, e o investimento, 2,4%. O relatório do PIB preciso de julho lançado recentemente confirmou que a economia contraiu 1,3% e deu poucos sinais de recuperação no atual trimestre. Autoridades atribuíram os problemas continuados a choques exógenos, incluindo protestos e o El Niño.

Na verdade a contração é mais profunda do que muitos quiseram reconhecer: o consumo privado e o investimento desaceleraram acentuadamente, num movimento estimulado pelas expectativas negativas relacionadas à instabilidade política. A maioria antecipa mais efeitos do El Niño a partir de novembro e durando até março. Mas nós esperamos uma recuperação no segundo semestre (crescimento de 1,1%) decorrente principalmente de efeitos de base. Nesta semana, nós cortamos nossa previsão de crescimento de PIB real para apenas 0,4% em 2023 (de 0,8%) e 2% (de 2,6%), menos do que a revisão para baixo do Banco Central, de 0,9% e 3%, respectivamente.

Boluarte enfrenta o desafio de ganhar legitimidade confrontando problemas que acometem a maioria da população. Mas seu isolamento pode torná-la uma presidente pata-manca, vulnerável àqueles que ainda tentam extrair rendas do Estado para si mesmos e seus apoiadores: um processo que já custou muito a esta nação antes próspera e promissora. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

* Thorne é diretor-presidente da Thorne & Associates, uma firma de consultoria de Lima. Ele foi ministro das Finanças e Economia do Peru de 2016 a 2017 e, antes disso, diretor do Banco Mundial e do BID para o Peru. Anteriormente ele trabalhou como diretor independente da Bolsa de Valores de Lima.

LIMA — Para a maioria, é difícil entender a transformação que o Peru experimentou desde 2016. Politicamente, nós tivemos sete presidentes em sete anos, e a nossa economia deu uma volta de 180 graus, do rápido crescimento à recessão, na primeira metade de 2023. Identificar os fundamentos desta mudança é uma tarefa desafiadora.

Há um grupo que se sobressai particularmente como merecedor de culpa. A corrupção das empresas de construção expôs, desde 2001, quase todos os ex-presidentes desde Alejandro Toledo (2001-06), distorcendo nosso sistema político e nossos partidos, que se tornaram instrumentos para obtenção de rendas no Estado, empurrando o Peru para o capitalismo clientelista.

Piorando a podridão há um sistema político disfuncional. Distritos eleitorais são grandes demais, rompendo a ligação entre os representantes e a população. Falta ao nosso sistema unicameral uma Câmara Alta para revisar decisões tomadas pela Câmara Baixa, e um sistema que mistura parlamentarismo e presidencialismo engendra conflitos entre o Congresso e o Executivo. O Peru aprovou nova legislação em 2019 introduzindo primárias abertas dentro dos partidos políticos e limites sobre contribuições para campanhas eleitorais. A primeira alteração está prevista para começar a vigorar nas eleições gerais de 2026, a segunda vigora desde 2021. Contudo, tem sido mais difícil implementar uma proibição para candidatos condenados pela Justiça concorrerem em eleições, e muitos políticos corruptos acabaram no Congresso ou em outros cargos eletivos.

Policiais peruanos prendem uma mulher durante protestos contra a presidente do Peru, Dina Baluarte  Foto: Ernesto Benavides/ AFP

Enquanto tudo isso é verdadeiro, nós podemos nos perguntar: isso é tudo? É difícil evitar a sensação de que algo mais profundo está errado com a economia e a sociedade do Peru. O país tem sido muito bem-sucedido desde os anos 90 em estabilizar a economia e construir fundações para um crescimento sólido. A evidência demonstra-se por seu rápido crescimento per capita desde 2002, em média de 4,5% até 2016 — e no sucesso dos nossos programas de combate à pobreza, tirando da pobreza mais de um terço da população.

Um desafio social mais profundo

Este crescimento econômico, porém, foi desigual. De acordo com estudos do Banco Mundial, a maioria das pessoas retiradas da pobreza aderiu ao segmento “vulnerável” e não conseguiu acessar empregos permanentes. Dos 17 milhões de peruanos economicamente ativos, apenas 4,5 milhões trabalham com registro formal e acesso pleno a seguridade social. Finalmente, há um lapso de igualdade significativo entre Lima, a capital, e o restante do país, que cria dois mundos — nós podemos chamá-los de Estado moderno e Estado informal, respectivamente.

A sustentabilidade de um modelo econômico como o do Peru depende de educação de alta qualidade, de uma rede de seguridade social e de programas de combate à pobreza para garantir que os benefícios do crescimento econômico alcancem também os grupos desfavorecidos. Mas esforços para assegurar isso fracassaram. Conforme a política se transformou em um mundo de confrontos entre os dois lados da sociedade peruana, governos desde Pedro Pablo Kuczynski (2016-18) empreenderam populismo econômico, concedendo novos benefícios principalmente para grupos de renda média e minando impulsionadores de crescimentos que sustentaram a rápida expansão econômica dos anos 2000.

Com a maior parte da população vivendo nesse Estado informal, nossos representantes vêm desse mundo, e o país, durante o governo de Pedro Castillo, ameaçou se transformar em um Estado falido: o Peru quase virou a nova Venezuela.

A presidente do Peru, Dina Boluarte, discursa na Assembleia-Geral da ONU em Nova York, Estados Unidos  Foto: Dave Sanders/NYT

Enquanto isso, houve pouco foco em reformas estruturais capazes de incrementar aumento em produtividade. O desfecho foi um declínio acentuado no potencial de elevação no índice de crescimento do país, a taxa a que a economia poderia crescer se tivessem sido usados seus fatores de produção em total capacidade, que chegou a apenas 2,6%, de mais de 5% no início dos anos 2000. Com a economia desacelerando, a informalidade aumentou à medida que as diferenças entre Lima e as Províncias se ampliaram, empresas pequenas e médias sofreram e demandas por apoio do governo aumentaram. Investigações de corrupção paralisaram quase completamente o Estado, e cada vez mais recursos do governo foram alocados para cobrir gastos de orçamento.

Boluarte precisa de legitimidade

Empossada presidente após a remoção de Castillo, que se seguiu à sua tentativa de golpe de Estado, em dezembro, Dina Boluarte herdou um sistema político e uma economia complicados — mas também cometeu erros essenciais, como não ter nomeado uma comissão independente para investigar as mortes nos protestos ocorridos após a remoção de Castillo. Os maiores fracassos de Boluarte foram perder essa oportunidade de obter legitimidade e não conectar-se com a população. Ela foi exposta a pressão do Congresso e de outros grupos por esta razão. E enquanto isso, pareceu mais preocupada em garantir sua permanência no governo até julho de 2026 — quando estão previstas as próximas eleições gerais — do que em lidar com temas prementes, como a desaceleração da economia e a segurança precária.

Ainda assim, a economia reteve três âncoras positivas de longo prazo. A independência do Banco Central tornou-se uma âncora da estabilidade monetária. O comprometimento com disciplina fiscal foi adotado pela maioria dos governantes independentemente de ideologia — incluindo o esquerdista Castillo. Finalmente, um setor privado vibrante permaneceu intacto. Esse comprometimento com disciplina de mercado é compartilhado até por pequenos produtores que veem sua prosperidade conectando-se às cadeias globais de fornecimento. Os múltiplos acordos comerciais do Peru ajudaram o país a se conectar com o restante do mundo. O novo Porto Chancay, no norte de Lima, conectando-nos com países asiáticos, a ser inaugurado durante as reuniões da APEC de 2024, poderia catapultar-nos ainda mais nessa direção.

Essas âncoras poderiam colaborar com um possível governo pró-mercado caso algum vença a eleição geral de 2026, permitindo uma retomada das reformas econômicas que ocasionaram o rápido crescimento de 2001-17. Com sorte, dessa vez, uma reforma social igualmente importante o acompanhe.

No curto prazo, essas forças positivas não evitaram que a economia caísse em recessão técnica no primeiro semestre, quando o produto interno bruto real contraiu-se a um índice anual de 0,5%. O governo fez pouco para induzir uma recuperação. Até julho, em relação a 2022, o gasto público caiu 3,4%, e o investimento, 2,4%. O relatório do PIB preciso de julho lançado recentemente confirmou que a economia contraiu 1,3% e deu poucos sinais de recuperação no atual trimestre. Autoridades atribuíram os problemas continuados a choques exógenos, incluindo protestos e o El Niño.

Na verdade a contração é mais profunda do que muitos quiseram reconhecer: o consumo privado e o investimento desaceleraram acentuadamente, num movimento estimulado pelas expectativas negativas relacionadas à instabilidade política. A maioria antecipa mais efeitos do El Niño a partir de novembro e durando até março. Mas nós esperamos uma recuperação no segundo semestre (crescimento de 1,1%) decorrente principalmente de efeitos de base. Nesta semana, nós cortamos nossa previsão de crescimento de PIB real para apenas 0,4% em 2023 (de 0,8%) e 2% (de 2,6%), menos do que a revisão para baixo do Banco Central, de 0,9% e 3%, respectivamente.

Boluarte enfrenta o desafio de ganhar legitimidade confrontando problemas que acometem a maioria da população. Mas seu isolamento pode torná-la uma presidente pata-manca, vulnerável àqueles que ainda tentam extrair rendas do Estado para si mesmos e seus apoiadores: um processo que já custou muito a esta nação antes próspera e promissora. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

* Thorne é diretor-presidente da Thorne & Associates, uma firma de consultoria de Lima. Ele foi ministro das Finanças e Economia do Peru de 2016 a 2017 e, antes disso, diretor do Banco Mundial e do BID para o Peru. Anteriormente ele trabalhou como diretor independente da Bolsa de Valores de Lima.

LIMA — Para a maioria, é difícil entender a transformação que o Peru experimentou desde 2016. Politicamente, nós tivemos sete presidentes em sete anos, e a nossa economia deu uma volta de 180 graus, do rápido crescimento à recessão, na primeira metade de 2023. Identificar os fundamentos desta mudança é uma tarefa desafiadora.

Há um grupo que se sobressai particularmente como merecedor de culpa. A corrupção das empresas de construção expôs, desde 2001, quase todos os ex-presidentes desde Alejandro Toledo (2001-06), distorcendo nosso sistema político e nossos partidos, que se tornaram instrumentos para obtenção de rendas no Estado, empurrando o Peru para o capitalismo clientelista.

Piorando a podridão há um sistema político disfuncional. Distritos eleitorais são grandes demais, rompendo a ligação entre os representantes e a população. Falta ao nosso sistema unicameral uma Câmara Alta para revisar decisões tomadas pela Câmara Baixa, e um sistema que mistura parlamentarismo e presidencialismo engendra conflitos entre o Congresso e o Executivo. O Peru aprovou nova legislação em 2019 introduzindo primárias abertas dentro dos partidos políticos e limites sobre contribuições para campanhas eleitorais. A primeira alteração está prevista para começar a vigorar nas eleições gerais de 2026, a segunda vigora desde 2021. Contudo, tem sido mais difícil implementar uma proibição para candidatos condenados pela Justiça concorrerem em eleições, e muitos políticos corruptos acabaram no Congresso ou em outros cargos eletivos.

Policiais peruanos prendem uma mulher durante protestos contra a presidente do Peru, Dina Baluarte  Foto: Ernesto Benavides/ AFP

Enquanto tudo isso é verdadeiro, nós podemos nos perguntar: isso é tudo? É difícil evitar a sensação de que algo mais profundo está errado com a economia e a sociedade do Peru. O país tem sido muito bem-sucedido desde os anos 90 em estabilizar a economia e construir fundações para um crescimento sólido. A evidência demonstra-se por seu rápido crescimento per capita desde 2002, em média de 4,5% até 2016 — e no sucesso dos nossos programas de combate à pobreza, tirando da pobreza mais de um terço da população.

Um desafio social mais profundo

Este crescimento econômico, porém, foi desigual. De acordo com estudos do Banco Mundial, a maioria das pessoas retiradas da pobreza aderiu ao segmento “vulnerável” e não conseguiu acessar empregos permanentes. Dos 17 milhões de peruanos economicamente ativos, apenas 4,5 milhões trabalham com registro formal e acesso pleno a seguridade social. Finalmente, há um lapso de igualdade significativo entre Lima, a capital, e o restante do país, que cria dois mundos — nós podemos chamá-los de Estado moderno e Estado informal, respectivamente.

A sustentabilidade de um modelo econômico como o do Peru depende de educação de alta qualidade, de uma rede de seguridade social e de programas de combate à pobreza para garantir que os benefícios do crescimento econômico alcancem também os grupos desfavorecidos. Mas esforços para assegurar isso fracassaram. Conforme a política se transformou em um mundo de confrontos entre os dois lados da sociedade peruana, governos desde Pedro Pablo Kuczynski (2016-18) empreenderam populismo econômico, concedendo novos benefícios principalmente para grupos de renda média e minando impulsionadores de crescimentos que sustentaram a rápida expansão econômica dos anos 2000.

Com a maior parte da população vivendo nesse Estado informal, nossos representantes vêm desse mundo, e o país, durante o governo de Pedro Castillo, ameaçou se transformar em um Estado falido: o Peru quase virou a nova Venezuela.

A presidente do Peru, Dina Boluarte, discursa na Assembleia-Geral da ONU em Nova York, Estados Unidos  Foto: Dave Sanders/NYT

Enquanto isso, houve pouco foco em reformas estruturais capazes de incrementar aumento em produtividade. O desfecho foi um declínio acentuado no potencial de elevação no índice de crescimento do país, a taxa a que a economia poderia crescer se tivessem sido usados seus fatores de produção em total capacidade, que chegou a apenas 2,6%, de mais de 5% no início dos anos 2000. Com a economia desacelerando, a informalidade aumentou à medida que as diferenças entre Lima e as Províncias se ampliaram, empresas pequenas e médias sofreram e demandas por apoio do governo aumentaram. Investigações de corrupção paralisaram quase completamente o Estado, e cada vez mais recursos do governo foram alocados para cobrir gastos de orçamento.

Boluarte precisa de legitimidade

Empossada presidente após a remoção de Castillo, que se seguiu à sua tentativa de golpe de Estado, em dezembro, Dina Boluarte herdou um sistema político e uma economia complicados — mas também cometeu erros essenciais, como não ter nomeado uma comissão independente para investigar as mortes nos protestos ocorridos após a remoção de Castillo. Os maiores fracassos de Boluarte foram perder essa oportunidade de obter legitimidade e não conectar-se com a população. Ela foi exposta a pressão do Congresso e de outros grupos por esta razão. E enquanto isso, pareceu mais preocupada em garantir sua permanência no governo até julho de 2026 — quando estão previstas as próximas eleições gerais — do que em lidar com temas prementes, como a desaceleração da economia e a segurança precária.

Ainda assim, a economia reteve três âncoras positivas de longo prazo. A independência do Banco Central tornou-se uma âncora da estabilidade monetária. O comprometimento com disciplina fiscal foi adotado pela maioria dos governantes independentemente de ideologia — incluindo o esquerdista Castillo. Finalmente, um setor privado vibrante permaneceu intacto. Esse comprometimento com disciplina de mercado é compartilhado até por pequenos produtores que veem sua prosperidade conectando-se às cadeias globais de fornecimento. Os múltiplos acordos comerciais do Peru ajudaram o país a se conectar com o restante do mundo. O novo Porto Chancay, no norte de Lima, conectando-nos com países asiáticos, a ser inaugurado durante as reuniões da APEC de 2024, poderia catapultar-nos ainda mais nessa direção.

Essas âncoras poderiam colaborar com um possível governo pró-mercado caso algum vença a eleição geral de 2026, permitindo uma retomada das reformas econômicas que ocasionaram o rápido crescimento de 2001-17. Com sorte, dessa vez, uma reforma social igualmente importante o acompanhe.

No curto prazo, essas forças positivas não evitaram que a economia caísse em recessão técnica no primeiro semestre, quando o produto interno bruto real contraiu-se a um índice anual de 0,5%. O governo fez pouco para induzir uma recuperação. Até julho, em relação a 2022, o gasto público caiu 3,4%, e o investimento, 2,4%. O relatório do PIB preciso de julho lançado recentemente confirmou que a economia contraiu 1,3% e deu poucos sinais de recuperação no atual trimestre. Autoridades atribuíram os problemas continuados a choques exógenos, incluindo protestos e o El Niño.

Na verdade a contração é mais profunda do que muitos quiseram reconhecer: o consumo privado e o investimento desaceleraram acentuadamente, num movimento estimulado pelas expectativas negativas relacionadas à instabilidade política. A maioria antecipa mais efeitos do El Niño a partir de novembro e durando até março. Mas nós esperamos uma recuperação no segundo semestre (crescimento de 1,1%) decorrente principalmente de efeitos de base. Nesta semana, nós cortamos nossa previsão de crescimento de PIB real para apenas 0,4% em 2023 (de 0,8%) e 2% (de 2,6%), menos do que a revisão para baixo do Banco Central, de 0,9% e 3%, respectivamente.

Boluarte enfrenta o desafio de ganhar legitimidade confrontando problemas que acometem a maioria da população. Mas seu isolamento pode torná-la uma presidente pata-manca, vulnerável àqueles que ainda tentam extrair rendas do Estado para si mesmos e seus apoiadores: um processo que já custou muito a esta nação antes próspera e promissora. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

* Thorne é diretor-presidente da Thorne & Associates, uma firma de consultoria de Lima. Ele foi ministro das Finanças e Economia do Peru de 2016 a 2017 e, antes disso, diretor do Banco Mundial e do BID para o Peru. Anteriormente ele trabalhou como diretor independente da Bolsa de Valores de Lima.

LIMA — Para a maioria, é difícil entender a transformação que o Peru experimentou desde 2016. Politicamente, nós tivemos sete presidentes em sete anos, e a nossa economia deu uma volta de 180 graus, do rápido crescimento à recessão, na primeira metade de 2023. Identificar os fundamentos desta mudança é uma tarefa desafiadora.

Há um grupo que se sobressai particularmente como merecedor de culpa. A corrupção das empresas de construção expôs, desde 2001, quase todos os ex-presidentes desde Alejandro Toledo (2001-06), distorcendo nosso sistema político e nossos partidos, que se tornaram instrumentos para obtenção de rendas no Estado, empurrando o Peru para o capitalismo clientelista.

Piorando a podridão há um sistema político disfuncional. Distritos eleitorais são grandes demais, rompendo a ligação entre os representantes e a população. Falta ao nosso sistema unicameral uma Câmara Alta para revisar decisões tomadas pela Câmara Baixa, e um sistema que mistura parlamentarismo e presidencialismo engendra conflitos entre o Congresso e o Executivo. O Peru aprovou nova legislação em 2019 introduzindo primárias abertas dentro dos partidos políticos e limites sobre contribuições para campanhas eleitorais. A primeira alteração está prevista para começar a vigorar nas eleições gerais de 2026, a segunda vigora desde 2021. Contudo, tem sido mais difícil implementar uma proibição para candidatos condenados pela Justiça concorrerem em eleições, e muitos políticos corruptos acabaram no Congresso ou em outros cargos eletivos.

Policiais peruanos prendem uma mulher durante protestos contra a presidente do Peru, Dina Baluarte  Foto: Ernesto Benavides/ AFP

Enquanto tudo isso é verdadeiro, nós podemos nos perguntar: isso é tudo? É difícil evitar a sensação de que algo mais profundo está errado com a economia e a sociedade do Peru. O país tem sido muito bem-sucedido desde os anos 90 em estabilizar a economia e construir fundações para um crescimento sólido. A evidência demonstra-se por seu rápido crescimento per capita desde 2002, em média de 4,5% até 2016 — e no sucesso dos nossos programas de combate à pobreza, tirando da pobreza mais de um terço da população.

Um desafio social mais profundo

Este crescimento econômico, porém, foi desigual. De acordo com estudos do Banco Mundial, a maioria das pessoas retiradas da pobreza aderiu ao segmento “vulnerável” e não conseguiu acessar empregos permanentes. Dos 17 milhões de peruanos economicamente ativos, apenas 4,5 milhões trabalham com registro formal e acesso pleno a seguridade social. Finalmente, há um lapso de igualdade significativo entre Lima, a capital, e o restante do país, que cria dois mundos — nós podemos chamá-los de Estado moderno e Estado informal, respectivamente.

A sustentabilidade de um modelo econômico como o do Peru depende de educação de alta qualidade, de uma rede de seguridade social e de programas de combate à pobreza para garantir que os benefícios do crescimento econômico alcancem também os grupos desfavorecidos. Mas esforços para assegurar isso fracassaram. Conforme a política se transformou em um mundo de confrontos entre os dois lados da sociedade peruana, governos desde Pedro Pablo Kuczynski (2016-18) empreenderam populismo econômico, concedendo novos benefícios principalmente para grupos de renda média e minando impulsionadores de crescimentos que sustentaram a rápida expansão econômica dos anos 2000.

Com a maior parte da população vivendo nesse Estado informal, nossos representantes vêm desse mundo, e o país, durante o governo de Pedro Castillo, ameaçou se transformar em um Estado falido: o Peru quase virou a nova Venezuela.

A presidente do Peru, Dina Boluarte, discursa na Assembleia-Geral da ONU em Nova York, Estados Unidos  Foto: Dave Sanders/NYT

Enquanto isso, houve pouco foco em reformas estruturais capazes de incrementar aumento em produtividade. O desfecho foi um declínio acentuado no potencial de elevação no índice de crescimento do país, a taxa a que a economia poderia crescer se tivessem sido usados seus fatores de produção em total capacidade, que chegou a apenas 2,6%, de mais de 5% no início dos anos 2000. Com a economia desacelerando, a informalidade aumentou à medida que as diferenças entre Lima e as Províncias se ampliaram, empresas pequenas e médias sofreram e demandas por apoio do governo aumentaram. Investigações de corrupção paralisaram quase completamente o Estado, e cada vez mais recursos do governo foram alocados para cobrir gastos de orçamento.

Boluarte precisa de legitimidade

Empossada presidente após a remoção de Castillo, que se seguiu à sua tentativa de golpe de Estado, em dezembro, Dina Boluarte herdou um sistema político e uma economia complicados — mas também cometeu erros essenciais, como não ter nomeado uma comissão independente para investigar as mortes nos protestos ocorridos após a remoção de Castillo. Os maiores fracassos de Boluarte foram perder essa oportunidade de obter legitimidade e não conectar-se com a população. Ela foi exposta a pressão do Congresso e de outros grupos por esta razão. E enquanto isso, pareceu mais preocupada em garantir sua permanência no governo até julho de 2026 — quando estão previstas as próximas eleições gerais — do que em lidar com temas prementes, como a desaceleração da economia e a segurança precária.

Ainda assim, a economia reteve três âncoras positivas de longo prazo. A independência do Banco Central tornou-se uma âncora da estabilidade monetária. O comprometimento com disciplina fiscal foi adotado pela maioria dos governantes independentemente de ideologia — incluindo o esquerdista Castillo. Finalmente, um setor privado vibrante permaneceu intacto. Esse comprometimento com disciplina de mercado é compartilhado até por pequenos produtores que veem sua prosperidade conectando-se às cadeias globais de fornecimento. Os múltiplos acordos comerciais do Peru ajudaram o país a se conectar com o restante do mundo. O novo Porto Chancay, no norte de Lima, conectando-nos com países asiáticos, a ser inaugurado durante as reuniões da APEC de 2024, poderia catapultar-nos ainda mais nessa direção.

Essas âncoras poderiam colaborar com um possível governo pró-mercado caso algum vença a eleição geral de 2026, permitindo uma retomada das reformas econômicas que ocasionaram o rápido crescimento de 2001-17. Com sorte, dessa vez, uma reforma social igualmente importante o acompanhe.

No curto prazo, essas forças positivas não evitaram que a economia caísse em recessão técnica no primeiro semestre, quando o produto interno bruto real contraiu-se a um índice anual de 0,5%. O governo fez pouco para induzir uma recuperação. Até julho, em relação a 2022, o gasto público caiu 3,4%, e o investimento, 2,4%. O relatório do PIB preciso de julho lançado recentemente confirmou que a economia contraiu 1,3% e deu poucos sinais de recuperação no atual trimestre. Autoridades atribuíram os problemas continuados a choques exógenos, incluindo protestos e o El Niño.

Na verdade a contração é mais profunda do que muitos quiseram reconhecer: o consumo privado e o investimento desaceleraram acentuadamente, num movimento estimulado pelas expectativas negativas relacionadas à instabilidade política. A maioria antecipa mais efeitos do El Niño a partir de novembro e durando até março. Mas nós esperamos uma recuperação no segundo semestre (crescimento de 1,1%) decorrente principalmente de efeitos de base. Nesta semana, nós cortamos nossa previsão de crescimento de PIB real para apenas 0,4% em 2023 (de 0,8%) e 2% (de 2,6%), menos do que a revisão para baixo do Banco Central, de 0,9% e 3%, respectivamente.

Boluarte enfrenta o desafio de ganhar legitimidade confrontando problemas que acometem a maioria da população. Mas seu isolamento pode torná-la uma presidente pata-manca, vulnerável àqueles que ainda tentam extrair rendas do Estado para si mesmos e seus apoiadores: um processo que já custou muito a esta nação antes próspera e promissora. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

* Thorne é diretor-presidente da Thorne & Associates, uma firma de consultoria de Lima. Ele foi ministro das Finanças e Economia do Peru de 2016 a 2017 e, antes disso, diretor do Banco Mundial e do BID para o Peru. Anteriormente ele trabalhou como diretor independente da Bolsa de Valores de Lima.

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