As manifestações dos aposentados têm sido uma constante na Argentina sob Javier Milei. Toda quarta-feira eles se reúnem em frente ao Congresso, no centro de Buenos Aires, para reivindicar o aumento das pensões, que estão abaixo da classificação de pobreza para aqueles que recebem o piso. Nesta quarta, contudo, as torcidas organizadas se uniram ao protesto, que terminou em confrontos violentos com a polícia.
A adesão dos “barra brava” ao movimento ocorreu uma semana depois que um aposentado de 75 anos, torcedor do Chacarita Juniors, foi agredido pela polícia. Isso pode indicar uma mudança de ânimo dos argentinos, que têm demonstrado certa paciência com o “remédio amargo” de Javier Milei para a crise.
“As manifestações têm ocorrido em menor escala do que o esperado, em parte devido à forte repressão liderada pela ministra (Patricia) Bullrich”, observa Matheus Pereira, professor de relações internacionais da FAAP. “Nesse sentido, a adesão das torcidas pode indicar uma mudança real no humor do país”, acrescenta, ponderando que será preciso aguardar os desdobramentos dos protestos.

Os manifestantes incendiaram carros e atiraram pedras contra a polícia, que lançou balas de borracha, bombas de gás e canhões de água contra a multidão. Dezenas de pessoas ficaram feridas, incluindo o fotógrafo Pablo Grillo, que sofreu uma fratura no crânio e foi internado em estado grave.
Alvo de críticas pela repressão, o governo saiu em defesa da ministra da Segurança, Patricia Bullrich, responsável pelo protocolo contra os protestos. E classificou as manifestações como uma “espécie de golpe de Estado”.
A exceção foi a vice-presidente Victoria Villarruel, que tem se distanciado de Javier Milei. Ela condenou a violência e se solidarizou com os feridos, especialmente os policiais, mas descartou a tese de golpe. Questionada pela imprensa se haveria uma tentativa de atacar o governo, respondeu: “Não, acho que é o exercício da democracia, mas a violência não é ferramenta para se manifestar ou para defender nenhuma causa”.
Para Matheus Pereira, a truculência policial cria uma fonte adicional de pressão sobre o governo, mas é difícil precisar o alcance desse efeito, considerando a complexa correlação de forças na Argentina.
“A repressão violenta é uma abordagem que que vem se afirmando como o padrão de resposta do governo Milei aos protestos sociais, inclusive dos aposentados”, afirma. “A escalada de truculência coincide com o momento em que a oposição buscava debater no congresso uma suspensão de parte dos poderes especiais delegados a Milei e a possibilidade de impeachment pela o caso da $LIBRA”.
Enquanto os aposentados e torcedores protestavam nos arredores do Congresso, a oposição conseguiu avançar para criar uma comissão de inquérito sobre o escândalo da criptomoeda. O ativo, divulgado por Javier Milei nas redes sociais, colapsou horas depois do lançamento, deixando investidores no prejuízo.
Em sessão tensa, marcada pela confusão dentro e fora do Congresso, a oposição conseguiu forçar o debate nos Comitês da Câmara sobre o pacote de medidas para investigar o escândalo da $LIBRA. A abertura do procedimento de impeachment defendido pelo peronismo, contudo, foi derrubada.
Mais sobre o caso $LIBRA
Aposentados são empurrados para pobreza
No meio desse caos estão os aposentados, que protestam toda semana pelo aumento das pensões. Para aqueles que recebem o piso, o benefício é de 349 mil pesos, já contando com o bônus de 70 mil que está congelado há um ano e chegaria 145 mil se fosse atualizado.
Enquanto a cesta básica para essa parcela da população ultrapassou 1,2 milhão de pesos, com alta de 75% no período de um ano, segundo dados da Defensoria da Terceira Idade. Ou seja, o piso das pensões não cobre nem 30% dos gastos.
A análise feita nos grandes centros urbanos, onde vive a maior parte dos idosos argentinos, leva em conta as despesas básicos como alimentação (279 mil), medicamentos (260 mil) e moradia (245 mil), além de transporte, vestuário, higiene e serviços.
Os reajustes que os aposentados receberam este ano correspondem basicamente a inflação mensal, que foi 2,2% em janeiro. No acumulado em um ano, contudo, o índice de preços ao consumidor teve alta de 84,5%. Nesse cenário, o aumento das pensões é considerado insuficiente para compensar a corrosão da renda dos idosos.
O reajuste também não é igual para todos. Com o bônus sobre o piso da aposentadora congelado em 70 mil pesos, o aumento para quem recebe o mínimo ficou em 5,9% nos primeiros três meses do ano. Abaixo da média de 7,5% no acumulado do trimestre (2,43% em janeiro; 2,7% em fevereiro; e 2,21% em março).
Para os 7,4 milhões de aposentados, que correspondem a 15% da população argentina, pesa ainda o corte de subsídios e a redução dos descontos sobre medicamentos.
Com isso, o número de aposentados vivendo na pobreza mais que dobrou entre o primeiro semestre de 2023 (13,2%) e o primeiro semestre de 2024 (30,8%), segundo levantamento publicado pelo Instituto Argentino para o Desenvolvimento Econômico no fim do ano passado. Isso significa que 542 mil aposentados argentinos entraram para pobreza no período de um ano.