Por que os partidos dos EUA não conseguem produzir novas lideranças para as eleições?


Trumpismo e erros de cálculo explicam como as eleições americanas deste ano se tornaram uma revanche de Joe Biden e Donald Trump

Por Carolina Marins

As eleições dos Estados Unidos deste ano parecem um déjà vu da disputa de 2020. De um lado o democrata e atual presidente Joe Biden, do outro o republicano Donald Trump, em uma revanche que expõe a dificuldade dos partidos americanos de trazer novos nomes para a disputa. Esta também será, novamente, a eleição com os candidatos mais velhos da história americana, com Biden com seus 81 anos e Trump com 77.

Os motivos para um segundo round da disputa anterior podem ser muitos, mas parecem se resumir em dois fenômenos: uma centralidade do trumpismo dentro do partido Republicano e, novamente, o partido Democrata fazendo erros de cálculo e tomando seus eleitores como garantidos, apontam analistas.

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A crise parece ainda maior entre os democratas, que haviam prometido um nome diferente de Biden para 2024, mas ninguém ganhou destaque suficiente para substituí-lo, apesar de sua baixa popularidade.

Entre os republicanos, ainda houve ofertas de nomes que conseguiram projeção, talvez mirando eleições futuras, como o governador Ron DeSantis e a ex-embaixadora na ONU Nikki Haley. Os dois, no entanto, não foram capazes de furar a bolha trumpista para a disputa deste ano.

Montagem de fotos do atual presidente dos EUA, Joe Biden, e seu antecessor e atual rival, Donald Trump Foto: AP
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Promessa não cumprida

Durante a campanha para as eleições de 2020, Biden havia prometido não concorrer para um segundo mandato, caso fosse eleito, pois sua idade já era uma preocupação dos eleitores naquela época. Sua intenção, dizia, era projetar sua atual vice, Kamala Harris, para ser sua substituta.

A promessa não se cumpriu e já no ano passado o democrata anunciou que buscaria a reeleição. Apesar da intenção, sua vice não conseguiu reunir o carisma necessário para substituir o atual mandatário. Harris tem uma média de aprovação de 37%, segundo o site Thirty Five Eight, contra 39% de Biden.

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“Biden só se tornou candidato justamente porque não apareceu uma alternativa”, observa Carlos Gustavo Poggio, professor no Berea College, no Kentucky. “Se tivesse uma alternativa forte dentro do partido teria havido muito mais pressão para ele não se candidatar”.

Mesmo outros nomes que disputaram as primárias democratas de 2020 e foram considerados competitivos até certo ponto, desapareceram, como a senadora Elizabeth Warren, o secretário de Transportes Pete Buttigieg e o senador e também octogenário Bernie Sanders. Até mesmo o nome da ex-primeira-dama Michelle Obama chegou a ser soprado entre eleitores.

“Dois cenários podem explicam a manutenção de Biden como candidato democrata: o primeiro é a falta de competência de potenciais desafiantes, porque o sistema de primárias oferece tudo para que desafiantes apareçam e eles não apareceram; o segundo é a própria personalização da política, algo potencializado pelas redes sociais”, explica o professor de relações internacionais da FAAP e da FGV Vinicius Vieira.

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A mesma pergunta é feita pelos autores John Judis e Ruy Teixeira no livro “Where Have All the Democrats Gone?” (‘Para onde foram todos os democratas?’, em tradução livre), publicado em novembro do ano passado. Os mesmos autores previram, em 2002, no livro “The Emerging Democratic Majority” (A emergente maioria democrata), a dominação do partido na política nacional. Dois anos depois da publicação, Barack Obama foi eleito.

Na obra de novembro, os autores argumentam que o partido perdeu o mote que o conectava à maioria dos americanos: a proximidade com as classes trabalhadoras. “Os democratas precisam se olhar no espelho e examinar até que ponto os seus próprios fracassos contribuíram para o surgimento das tendências mais tóxicas da direita”, escrevem.

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Erro de cálculo

“Novas lideranças não estão surgindo porque o Biden insiste que sua reeleição é o que vai ser importante para os Estados Unidos”, afirma o cientista político e internacionalista do Ibmec-BH Christopher Mendonça. “Biden está no poder há quatro anos e isso dá uma vantagem para ele dentro do partido. Reeleger é sempre mais tranquilo, em tese”.

Em tese porque não foi o caso de Donald Trump em 2020. E parece que os democratas consideraram que esta seria a regra para 2024. Depois da derrota que sofreu e dos ataques ao Capitólio em 6 de janeiro de 2021, Trump foi descartado aos olhos democratas para a disputa seguinte, especialmente com cada vez mais processos judiciais contra ele.

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Não foi e não parece que vai ser o caso. Trump não só será candidato, como desponta em muitas pesquisas de intenção de votos.

Joe Biden durante coletiva de imprensa na Casa Branca em 10 de abril Foto: Alex Brandon/AP

“A ação do partido Democrata foi achar que a fatura de 2024 seria liquidada pela ausência do Trump, o que não aconteceu”, indica Vieira. “Acharam que os republicanos não teriam um candidato forte para esta eleição, mas acabou que eles têm um candidato forte e esse candidato é Trump, porque o trumpismo é um fenômeno”.

Com a permanência de Trump no páreo, não restou outra opção aos democratas do que lançar a mesma cartada que o derrotou na eleição anterior. O desafio, porém, é que embora o cargo de incumbente traga a vantagem de que “é mais fácil reeleger”, também traz o ônus das críticas aos resultados do governo. E elas têm sido muitas.

“E uma série de erros em cascata que acaba agora deixando o partido Democrata sem grandes alternativas, se não ir com Biden para um segundo mandado”, completa o professor da FGV.

É tudo sobre Trump

Se Trump responde, em partes, a pergunta para o partido Democrata, ele responde integralmente no caso republicano. Como afirmou Vieira, o trumpismo é um fenômeno, e superá-lo não será tarefa fácil nem mesmo para o futuro.

DeSantis tentou quando Trump começou a se enrolar em seu emaranhado de processos. Haley tentou se colocar como “menos radical”. Até seu ex-vice, Mike Pence, considerou se lançar para a disputa. Ninguém teve sucesso.

“Trump quer fazer a revanche e acabou sendo interessante para o partido Republicano”, reflete Mendonça. “Os outros candidatos que estavam na disputa pré-eleitoral, acabaram vendo que não tinham condições nenhuma de enfrentar Trump dentro do partido”.

“A maioria dos republicanos foi para um lado desse estilo de populismo a la Trump, o que reduz as chances de que um novo nome se apresente”, concorda Vieira.

O ex-presidente e candidato pelo partido Republicano, Donald Trump, em 10 de abril em Atlanta Foto: Jason Allen/AP

A idade como fator

A dificuldade de formar novas lideranças não parece restrita só ao cargo presidencial, o que seria o ápice de uma carreira política. Mas demonstra ser uma dificuldade também geracional. Segundo uma análise de dados da NBC News, o Congresso e o Senado americanos vem envelhecendo nos últimos 40 anos, sendo este o segundo Senado mais velho desde 1789 e o terceiro Congresso mais velho desde a mesma época.

“Existe aquilo que se chama nos EUA de ‘o poder da incumbência’. A taxa de renovação é muito baixa porque é muito custoso ser candidato nos EUA”, afirma Poggio. “Você precisa dominar um número de recursos muito grande que muitas vezes está disponível apenas quando você consegue construir um determinado capital político e econômico”.

O fenômeno não é restrito aos EUA, embora chame atenção por ser a mais antiga democracia do mundo. A própria eleição brasileira de 2022 elegeu Luiz Inácio Lula da Silva, que na época tinha 76 anos.

“O sistema presidencialista tende a produzir líderes mais velhos que o parlamentarista”, analisa Poggio. “E isso tem a ver um pouco com o fato de que no sistema parlamentarista os partidos têm muito mais controle do que no sistema presidencialista. Dito isso, no caso dos EUA, eu acho que os partidos perderam completamente o controle.”

“Um dado concreto aqui é que eleitores mais velhos tendem a votar muito mais que eleitores mais jovens, e eleitores mais velhos tendem a votar em candidatos mais velhos. E isso é mais evidente em uma eleição que tem o sistema de primárias que tem aqui”, completa.

O tema da idade chegou com força para as eleições deste ano, com questionamentos sobre capacidade física e mental de liderança muito mais voltados a Biden que a Trump, embora este seja um pouco mais de 4 anos mais novo que aquele.

O que acontece depois?

Justamente pelo tema da idade, não se pode esperar que ambos os nomes permaneçam para sempre à frente de seus partidos. A questão é: o que vem depois?

No caso dos democratas, a rota já parece estar sendo recalculada. Só não se sabe ainda para onde. Em seu livro, os autores John Judis e Ruy Teixeira argumentam que os democratas deveriam retornar aos seus motes pró-classe-média trabalhadora - o que parece ter sido muito bem capturado por Trump - e buscar menos se colocar como o outro extremo ao partido Republicano.

“Argumentamos no livro que os democratas se saíram melhor historicamente quando foram vistos como o partido do povo, do homem e da mulher comuns, do americano comum. Cada vez mais não tem sido esse o caso no último meio século”, afirmou Teixeira em entrevista à revista Time.

Segundo os analistas, novos nomes dentro do partido tendem a surgir naturalmente conforme Biden fizer essa transição. Nomes que devem abraçar as causas ideológicas que conectam diferentes alas da legenda. Entre eles, o governador da Califórnia, Gavin Newsom, tem sido uma aposta.

“O partido Democrata já está mudando algumas diretrizes a começar pela mudança de tom com Israel”, afirma Christopher Mendonça. “Outros temas importantes que Biden tem como mote de campanha são a questão racial, o tema LGBT e principalmente a migração. Essas me parecem ser os caminhos da nova diretriz democrata”.

A dificuldade maior será no partido republicano, cujas forças trumpistas dão sinais de transcender o próprio Trump.

“O partido Republicano hoje é completamente dominado pelo trumpismo”, opina Poggio. “É um partido completamente distinto daquele que disputou as eleições até 2016. Esse é um fenômeno inteiramente novo, que não tem precedente para poder entender o que que vai ser do trumpismo sem o Trump. É como perguntar qual vai ser o futuro do PT sem o Lula”.

As eleições dos Estados Unidos deste ano parecem um déjà vu da disputa de 2020. De um lado o democrata e atual presidente Joe Biden, do outro o republicano Donald Trump, em uma revanche que expõe a dificuldade dos partidos americanos de trazer novos nomes para a disputa. Esta também será, novamente, a eleição com os candidatos mais velhos da história americana, com Biden com seus 81 anos e Trump com 77.

Os motivos para um segundo round da disputa anterior podem ser muitos, mas parecem se resumir em dois fenômenos: uma centralidade do trumpismo dentro do partido Republicano e, novamente, o partido Democrata fazendo erros de cálculo e tomando seus eleitores como garantidos, apontam analistas.

A crise parece ainda maior entre os democratas, que haviam prometido um nome diferente de Biden para 2024, mas ninguém ganhou destaque suficiente para substituí-lo, apesar de sua baixa popularidade.

Entre os republicanos, ainda houve ofertas de nomes que conseguiram projeção, talvez mirando eleições futuras, como o governador Ron DeSantis e a ex-embaixadora na ONU Nikki Haley. Os dois, no entanto, não foram capazes de furar a bolha trumpista para a disputa deste ano.

Montagem de fotos do atual presidente dos EUA, Joe Biden, e seu antecessor e atual rival, Donald Trump Foto: AP

Promessa não cumprida

Durante a campanha para as eleições de 2020, Biden havia prometido não concorrer para um segundo mandato, caso fosse eleito, pois sua idade já era uma preocupação dos eleitores naquela época. Sua intenção, dizia, era projetar sua atual vice, Kamala Harris, para ser sua substituta.

A promessa não se cumpriu e já no ano passado o democrata anunciou que buscaria a reeleição. Apesar da intenção, sua vice não conseguiu reunir o carisma necessário para substituir o atual mandatário. Harris tem uma média de aprovação de 37%, segundo o site Thirty Five Eight, contra 39% de Biden.

“Biden só se tornou candidato justamente porque não apareceu uma alternativa”, observa Carlos Gustavo Poggio, professor no Berea College, no Kentucky. “Se tivesse uma alternativa forte dentro do partido teria havido muito mais pressão para ele não se candidatar”.

Mesmo outros nomes que disputaram as primárias democratas de 2020 e foram considerados competitivos até certo ponto, desapareceram, como a senadora Elizabeth Warren, o secretário de Transportes Pete Buttigieg e o senador e também octogenário Bernie Sanders. Até mesmo o nome da ex-primeira-dama Michelle Obama chegou a ser soprado entre eleitores.

“Dois cenários podem explicam a manutenção de Biden como candidato democrata: o primeiro é a falta de competência de potenciais desafiantes, porque o sistema de primárias oferece tudo para que desafiantes apareçam e eles não apareceram; o segundo é a própria personalização da política, algo potencializado pelas redes sociais”, explica o professor de relações internacionais da FAAP e da FGV Vinicius Vieira.

A mesma pergunta é feita pelos autores John Judis e Ruy Teixeira no livro “Where Have All the Democrats Gone?” (‘Para onde foram todos os democratas?’, em tradução livre), publicado em novembro do ano passado. Os mesmos autores previram, em 2002, no livro “The Emerging Democratic Majority” (A emergente maioria democrata), a dominação do partido na política nacional. Dois anos depois da publicação, Barack Obama foi eleito.

Na obra de novembro, os autores argumentam que o partido perdeu o mote que o conectava à maioria dos americanos: a proximidade com as classes trabalhadoras. “Os democratas precisam se olhar no espelho e examinar até que ponto os seus próprios fracassos contribuíram para o surgimento das tendências mais tóxicas da direita”, escrevem.

Erro de cálculo

“Novas lideranças não estão surgindo porque o Biden insiste que sua reeleição é o que vai ser importante para os Estados Unidos”, afirma o cientista político e internacionalista do Ibmec-BH Christopher Mendonça. “Biden está no poder há quatro anos e isso dá uma vantagem para ele dentro do partido. Reeleger é sempre mais tranquilo, em tese”.

Em tese porque não foi o caso de Donald Trump em 2020. E parece que os democratas consideraram que esta seria a regra para 2024. Depois da derrota que sofreu e dos ataques ao Capitólio em 6 de janeiro de 2021, Trump foi descartado aos olhos democratas para a disputa seguinte, especialmente com cada vez mais processos judiciais contra ele.

Não foi e não parece que vai ser o caso. Trump não só será candidato, como desponta em muitas pesquisas de intenção de votos.

Joe Biden durante coletiva de imprensa na Casa Branca em 10 de abril Foto: Alex Brandon/AP

“A ação do partido Democrata foi achar que a fatura de 2024 seria liquidada pela ausência do Trump, o que não aconteceu”, indica Vieira. “Acharam que os republicanos não teriam um candidato forte para esta eleição, mas acabou que eles têm um candidato forte e esse candidato é Trump, porque o trumpismo é um fenômeno”.

Com a permanência de Trump no páreo, não restou outra opção aos democratas do que lançar a mesma cartada que o derrotou na eleição anterior. O desafio, porém, é que embora o cargo de incumbente traga a vantagem de que “é mais fácil reeleger”, também traz o ônus das críticas aos resultados do governo. E elas têm sido muitas.

“E uma série de erros em cascata que acaba agora deixando o partido Democrata sem grandes alternativas, se não ir com Biden para um segundo mandado”, completa o professor da FGV.

É tudo sobre Trump

Se Trump responde, em partes, a pergunta para o partido Democrata, ele responde integralmente no caso republicano. Como afirmou Vieira, o trumpismo é um fenômeno, e superá-lo não será tarefa fácil nem mesmo para o futuro.

DeSantis tentou quando Trump começou a se enrolar em seu emaranhado de processos. Haley tentou se colocar como “menos radical”. Até seu ex-vice, Mike Pence, considerou se lançar para a disputa. Ninguém teve sucesso.

“Trump quer fazer a revanche e acabou sendo interessante para o partido Republicano”, reflete Mendonça. “Os outros candidatos que estavam na disputa pré-eleitoral, acabaram vendo que não tinham condições nenhuma de enfrentar Trump dentro do partido”.

“A maioria dos republicanos foi para um lado desse estilo de populismo a la Trump, o que reduz as chances de que um novo nome se apresente”, concorda Vieira.

O ex-presidente e candidato pelo partido Republicano, Donald Trump, em 10 de abril em Atlanta Foto: Jason Allen/AP

A idade como fator

A dificuldade de formar novas lideranças não parece restrita só ao cargo presidencial, o que seria o ápice de uma carreira política. Mas demonstra ser uma dificuldade também geracional. Segundo uma análise de dados da NBC News, o Congresso e o Senado americanos vem envelhecendo nos últimos 40 anos, sendo este o segundo Senado mais velho desde 1789 e o terceiro Congresso mais velho desde a mesma época.

“Existe aquilo que se chama nos EUA de ‘o poder da incumbência’. A taxa de renovação é muito baixa porque é muito custoso ser candidato nos EUA”, afirma Poggio. “Você precisa dominar um número de recursos muito grande que muitas vezes está disponível apenas quando você consegue construir um determinado capital político e econômico”.

O fenômeno não é restrito aos EUA, embora chame atenção por ser a mais antiga democracia do mundo. A própria eleição brasileira de 2022 elegeu Luiz Inácio Lula da Silva, que na época tinha 76 anos.

“O sistema presidencialista tende a produzir líderes mais velhos que o parlamentarista”, analisa Poggio. “E isso tem a ver um pouco com o fato de que no sistema parlamentarista os partidos têm muito mais controle do que no sistema presidencialista. Dito isso, no caso dos EUA, eu acho que os partidos perderam completamente o controle.”

“Um dado concreto aqui é que eleitores mais velhos tendem a votar muito mais que eleitores mais jovens, e eleitores mais velhos tendem a votar em candidatos mais velhos. E isso é mais evidente em uma eleição que tem o sistema de primárias que tem aqui”, completa.

O tema da idade chegou com força para as eleições deste ano, com questionamentos sobre capacidade física e mental de liderança muito mais voltados a Biden que a Trump, embora este seja um pouco mais de 4 anos mais novo que aquele.

O que acontece depois?

Justamente pelo tema da idade, não se pode esperar que ambos os nomes permaneçam para sempre à frente de seus partidos. A questão é: o que vem depois?

No caso dos democratas, a rota já parece estar sendo recalculada. Só não se sabe ainda para onde. Em seu livro, os autores John Judis e Ruy Teixeira argumentam que os democratas deveriam retornar aos seus motes pró-classe-média trabalhadora - o que parece ter sido muito bem capturado por Trump - e buscar menos se colocar como o outro extremo ao partido Republicano.

“Argumentamos no livro que os democratas se saíram melhor historicamente quando foram vistos como o partido do povo, do homem e da mulher comuns, do americano comum. Cada vez mais não tem sido esse o caso no último meio século”, afirmou Teixeira em entrevista à revista Time.

Segundo os analistas, novos nomes dentro do partido tendem a surgir naturalmente conforme Biden fizer essa transição. Nomes que devem abraçar as causas ideológicas que conectam diferentes alas da legenda. Entre eles, o governador da Califórnia, Gavin Newsom, tem sido uma aposta.

“O partido Democrata já está mudando algumas diretrizes a começar pela mudança de tom com Israel”, afirma Christopher Mendonça. “Outros temas importantes que Biden tem como mote de campanha são a questão racial, o tema LGBT e principalmente a migração. Essas me parecem ser os caminhos da nova diretriz democrata”.

A dificuldade maior será no partido republicano, cujas forças trumpistas dão sinais de transcender o próprio Trump.

“O partido Republicano hoje é completamente dominado pelo trumpismo”, opina Poggio. “É um partido completamente distinto daquele que disputou as eleições até 2016. Esse é um fenômeno inteiramente novo, que não tem precedente para poder entender o que que vai ser do trumpismo sem o Trump. É como perguntar qual vai ser o futuro do PT sem o Lula”.

As eleições dos Estados Unidos deste ano parecem um déjà vu da disputa de 2020. De um lado o democrata e atual presidente Joe Biden, do outro o republicano Donald Trump, em uma revanche que expõe a dificuldade dos partidos americanos de trazer novos nomes para a disputa. Esta também será, novamente, a eleição com os candidatos mais velhos da história americana, com Biden com seus 81 anos e Trump com 77.

Os motivos para um segundo round da disputa anterior podem ser muitos, mas parecem se resumir em dois fenômenos: uma centralidade do trumpismo dentro do partido Republicano e, novamente, o partido Democrata fazendo erros de cálculo e tomando seus eleitores como garantidos, apontam analistas.

A crise parece ainda maior entre os democratas, que haviam prometido um nome diferente de Biden para 2024, mas ninguém ganhou destaque suficiente para substituí-lo, apesar de sua baixa popularidade.

Entre os republicanos, ainda houve ofertas de nomes que conseguiram projeção, talvez mirando eleições futuras, como o governador Ron DeSantis e a ex-embaixadora na ONU Nikki Haley. Os dois, no entanto, não foram capazes de furar a bolha trumpista para a disputa deste ano.

Montagem de fotos do atual presidente dos EUA, Joe Biden, e seu antecessor e atual rival, Donald Trump Foto: AP

Promessa não cumprida

Durante a campanha para as eleições de 2020, Biden havia prometido não concorrer para um segundo mandato, caso fosse eleito, pois sua idade já era uma preocupação dos eleitores naquela época. Sua intenção, dizia, era projetar sua atual vice, Kamala Harris, para ser sua substituta.

A promessa não se cumpriu e já no ano passado o democrata anunciou que buscaria a reeleição. Apesar da intenção, sua vice não conseguiu reunir o carisma necessário para substituir o atual mandatário. Harris tem uma média de aprovação de 37%, segundo o site Thirty Five Eight, contra 39% de Biden.

“Biden só se tornou candidato justamente porque não apareceu uma alternativa”, observa Carlos Gustavo Poggio, professor no Berea College, no Kentucky. “Se tivesse uma alternativa forte dentro do partido teria havido muito mais pressão para ele não se candidatar”.

Mesmo outros nomes que disputaram as primárias democratas de 2020 e foram considerados competitivos até certo ponto, desapareceram, como a senadora Elizabeth Warren, o secretário de Transportes Pete Buttigieg e o senador e também octogenário Bernie Sanders. Até mesmo o nome da ex-primeira-dama Michelle Obama chegou a ser soprado entre eleitores.

“Dois cenários podem explicam a manutenção de Biden como candidato democrata: o primeiro é a falta de competência de potenciais desafiantes, porque o sistema de primárias oferece tudo para que desafiantes apareçam e eles não apareceram; o segundo é a própria personalização da política, algo potencializado pelas redes sociais”, explica o professor de relações internacionais da FAAP e da FGV Vinicius Vieira.

A mesma pergunta é feita pelos autores John Judis e Ruy Teixeira no livro “Where Have All the Democrats Gone?” (‘Para onde foram todos os democratas?’, em tradução livre), publicado em novembro do ano passado. Os mesmos autores previram, em 2002, no livro “The Emerging Democratic Majority” (A emergente maioria democrata), a dominação do partido na política nacional. Dois anos depois da publicação, Barack Obama foi eleito.

Na obra de novembro, os autores argumentam que o partido perdeu o mote que o conectava à maioria dos americanos: a proximidade com as classes trabalhadoras. “Os democratas precisam se olhar no espelho e examinar até que ponto os seus próprios fracassos contribuíram para o surgimento das tendências mais tóxicas da direita”, escrevem.

Erro de cálculo

“Novas lideranças não estão surgindo porque o Biden insiste que sua reeleição é o que vai ser importante para os Estados Unidos”, afirma o cientista político e internacionalista do Ibmec-BH Christopher Mendonça. “Biden está no poder há quatro anos e isso dá uma vantagem para ele dentro do partido. Reeleger é sempre mais tranquilo, em tese”.

Em tese porque não foi o caso de Donald Trump em 2020. E parece que os democratas consideraram que esta seria a regra para 2024. Depois da derrota que sofreu e dos ataques ao Capitólio em 6 de janeiro de 2021, Trump foi descartado aos olhos democratas para a disputa seguinte, especialmente com cada vez mais processos judiciais contra ele.

Não foi e não parece que vai ser o caso. Trump não só será candidato, como desponta em muitas pesquisas de intenção de votos.

Joe Biden durante coletiva de imprensa na Casa Branca em 10 de abril Foto: Alex Brandon/AP

“A ação do partido Democrata foi achar que a fatura de 2024 seria liquidada pela ausência do Trump, o que não aconteceu”, indica Vieira. “Acharam que os republicanos não teriam um candidato forte para esta eleição, mas acabou que eles têm um candidato forte e esse candidato é Trump, porque o trumpismo é um fenômeno”.

Com a permanência de Trump no páreo, não restou outra opção aos democratas do que lançar a mesma cartada que o derrotou na eleição anterior. O desafio, porém, é que embora o cargo de incumbente traga a vantagem de que “é mais fácil reeleger”, também traz o ônus das críticas aos resultados do governo. E elas têm sido muitas.

“E uma série de erros em cascata que acaba agora deixando o partido Democrata sem grandes alternativas, se não ir com Biden para um segundo mandado”, completa o professor da FGV.

É tudo sobre Trump

Se Trump responde, em partes, a pergunta para o partido Democrata, ele responde integralmente no caso republicano. Como afirmou Vieira, o trumpismo é um fenômeno, e superá-lo não será tarefa fácil nem mesmo para o futuro.

DeSantis tentou quando Trump começou a se enrolar em seu emaranhado de processos. Haley tentou se colocar como “menos radical”. Até seu ex-vice, Mike Pence, considerou se lançar para a disputa. Ninguém teve sucesso.

“Trump quer fazer a revanche e acabou sendo interessante para o partido Republicano”, reflete Mendonça. “Os outros candidatos que estavam na disputa pré-eleitoral, acabaram vendo que não tinham condições nenhuma de enfrentar Trump dentro do partido”.

“A maioria dos republicanos foi para um lado desse estilo de populismo a la Trump, o que reduz as chances de que um novo nome se apresente”, concorda Vieira.

O ex-presidente e candidato pelo partido Republicano, Donald Trump, em 10 de abril em Atlanta Foto: Jason Allen/AP

A idade como fator

A dificuldade de formar novas lideranças não parece restrita só ao cargo presidencial, o que seria o ápice de uma carreira política. Mas demonstra ser uma dificuldade também geracional. Segundo uma análise de dados da NBC News, o Congresso e o Senado americanos vem envelhecendo nos últimos 40 anos, sendo este o segundo Senado mais velho desde 1789 e o terceiro Congresso mais velho desde a mesma época.

“Existe aquilo que se chama nos EUA de ‘o poder da incumbência’. A taxa de renovação é muito baixa porque é muito custoso ser candidato nos EUA”, afirma Poggio. “Você precisa dominar um número de recursos muito grande que muitas vezes está disponível apenas quando você consegue construir um determinado capital político e econômico”.

O fenômeno não é restrito aos EUA, embora chame atenção por ser a mais antiga democracia do mundo. A própria eleição brasileira de 2022 elegeu Luiz Inácio Lula da Silva, que na época tinha 76 anos.

“O sistema presidencialista tende a produzir líderes mais velhos que o parlamentarista”, analisa Poggio. “E isso tem a ver um pouco com o fato de que no sistema parlamentarista os partidos têm muito mais controle do que no sistema presidencialista. Dito isso, no caso dos EUA, eu acho que os partidos perderam completamente o controle.”

“Um dado concreto aqui é que eleitores mais velhos tendem a votar muito mais que eleitores mais jovens, e eleitores mais velhos tendem a votar em candidatos mais velhos. E isso é mais evidente em uma eleição que tem o sistema de primárias que tem aqui”, completa.

O tema da idade chegou com força para as eleições deste ano, com questionamentos sobre capacidade física e mental de liderança muito mais voltados a Biden que a Trump, embora este seja um pouco mais de 4 anos mais novo que aquele.

O que acontece depois?

Justamente pelo tema da idade, não se pode esperar que ambos os nomes permaneçam para sempre à frente de seus partidos. A questão é: o que vem depois?

No caso dos democratas, a rota já parece estar sendo recalculada. Só não se sabe ainda para onde. Em seu livro, os autores John Judis e Ruy Teixeira argumentam que os democratas deveriam retornar aos seus motes pró-classe-média trabalhadora - o que parece ter sido muito bem capturado por Trump - e buscar menos se colocar como o outro extremo ao partido Republicano.

“Argumentamos no livro que os democratas se saíram melhor historicamente quando foram vistos como o partido do povo, do homem e da mulher comuns, do americano comum. Cada vez mais não tem sido esse o caso no último meio século”, afirmou Teixeira em entrevista à revista Time.

Segundo os analistas, novos nomes dentro do partido tendem a surgir naturalmente conforme Biden fizer essa transição. Nomes que devem abraçar as causas ideológicas que conectam diferentes alas da legenda. Entre eles, o governador da Califórnia, Gavin Newsom, tem sido uma aposta.

“O partido Democrata já está mudando algumas diretrizes a começar pela mudança de tom com Israel”, afirma Christopher Mendonça. “Outros temas importantes que Biden tem como mote de campanha são a questão racial, o tema LGBT e principalmente a migração. Essas me parecem ser os caminhos da nova diretriz democrata”.

A dificuldade maior será no partido republicano, cujas forças trumpistas dão sinais de transcender o próprio Trump.

“O partido Republicano hoje é completamente dominado pelo trumpismo”, opina Poggio. “É um partido completamente distinto daquele que disputou as eleições até 2016. Esse é um fenômeno inteiramente novo, que não tem precedente para poder entender o que que vai ser do trumpismo sem o Trump. É como perguntar qual vai ser o futuro do PT sem o Lula”.

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