Opinião|Por que os protestos nas universidades americanas ajudam Donald Trump


Protestos reforçam a dinâmica de classes que minou perspectivas do Partido Democrata nas últimas décadas

Por David Brooks

Ando pensando muito em Donald Trump nesses dias. Quando saem os relatórios econômicos do mês, penso: Isso vai ajudar a eleger Donald Trump? E, confesso, comecei a me fazer a mesma pergunta assistindo à atual agitação nos câmpus universitários americanos por causa de Israel e Gaza.

Preciso dizer que parto do pressuposto de que a maioria dos manifestantes esteja agindo com a melhor das intenções: aliviar o sofrimento do povo palestino.

Mas os protestos têm consequências políticas inesperadas. Na década de 1960, por exemplo, milhões de jovens protestaram contra a guerra no Vietnã, e a história justificou sua posição. Mas os republicanos souberam usar os excessos do movimento estudantil a seu favor. Em 1966, Ronald Reagan prometeu “limpar a bagunça de Berkeley” e foi eleito governador da Califórnia. Em 1968, Richard Nixon celebrou os “americanos esquecidos – os que não gritam, os que não se manifestam” e foi eleito presidente. Longe de levar a uma nova era progressista, as revoltas da época deram início àquilo que foi, sem dúvida, o período mais conservador da história americana.

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Protesto pró-palestinos em frente a New Yor University, em Manhattan, 3 de maio de 2024.  Foto: Spencer Platt/AFP

Esse tipo de reação adversa não é incomum. Para seu último livro, If We Burn [algo como “Se queimarmos”, em tradução livre], o jornalista progressista Vincent Bevins pesquisou dez movimentos de protesto que ocorreram entre 2010 e 2020 em lugares como Egito, Turquia, Brasil, Ucrânia e Hong Kong. Ele concluiu que, em sete desses casos, os resultados foram “piores que o fracasso. As coisas retrocederam”.

No Egito, em 2011, cerca de um milhão de manifestantes se reuniram na Praça Tahrir, emocionando o mundo com seus apelos por reformas e liberdade. O presidente Hosni Mubarak foi deposto, mas depois de seu governo autocrático não veio a democracia. O que veio foi a Irmandade Muçulmana.

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Em junho de 2013, milhões de brasileiros saíram às ruas exigindo melhores escolas, transporte público mais barato e reforma política. Mas, lamenta Bevins, “poucos anos mais tarde, o país seria governado pelo líder eleito mais radicalmente de direita do mundo, um homem que clamava abertamente por um retorno à ditadura e à violência em massa” – a figura über-trumpiana chamada Jair Bolsonaro.

Por que essas revoltas populares tantas vezes saem pela culatra? Em seu livro, Bevins aponta falhas na forma como os manifestantes se organizam. Ele observa que há diferentes maneiras de estruturar os movimentos. Existe a forma leninista, na qual o poder é concentrado no líder supremo e em seu aparato. Existe o método usado no movimento pelos direitos civis dos Estados Unidos, no qual uma rede de instituições organizadas hierarquicamente trabalha em conjunto por objetivos comuns, onde fica claro quem são os líderes e quem são os seguidores.

E existe também o tipo de movimento que temos na era da internet. Muitos desses manifestantes do mundo todo desconfiam de linhas de autoridade verticais: eles não querem que líderes autoproclamados lhes digam o que fazer. Eles preferem multidões sem líderes, descentralizadas e coordenadas digitalmente, nas quais os participantes podem improvisar as próprias ações.

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Esse método horizontal e anárquico permite que massas populares se mobilizem rapidamente, mesmo que as pessoas não se conheçam. Mas se baseia no frágil pressuposto de que, se muitas pessoas comparecerem, então, de alguma forma, o movimento vai magicamente alcançar seus objetivos.

Infelizmente, um movimento desorganizado e descentralizado vai ser bom em perturbar a realidade, mas não em construir uma nova. Como afirma Bevins: “Um grupo difuso de indivíduos que sai às ruas por razões muito diferentes não consegue simplesmente tomar o poder”. E grupos que têm estruturas organizacionais tradicionais – como líderes populistas – ascendem prometendo acabar com a anarquia e restaurar a ordem.

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Os manifestantes nos câmpus de hoje demonstram essa fraqueza. Quando você não tem uma estrutura organizacional formal, não consegue controlar a mensagem. E assim são os comentários mais bizarros – “Os sionistas não merecem viver” – que acabam chamando mais atenção. Quando você não tem uma estrutura organizacional formal, não consegue ter clareza sobre posições básicas. Por exemplo: o movimento acredita em uma solução de dois Estados, ou quer eliminar Israel e promover uma limpeza étnica na região?

Pior ainda, os protestos reforçam a dinâmica de classe que minou as perspectivas do Partido Democrata nas últimas décadas. Como se sabe, os democratas se tornaram o partido da elite cultural, e os republicanos viraram o partido das massas menos instruídas. Os estudantes que frequentam lugares como a Universidade de Columbia e a Universidade do Sul da Califórnia estão no topo dos privilégios culturais.

Se você vive em círculos altamente instruídos, é fácil ter a impressão de que os jovens estão apaixonadamente engajados na questão de Gaza. Mas uma pesquisa recente da Harvard Youth Poll perguntou aos americanos de 18 a 29 anos quais eram as questões mais importantes para eles. “Israel/Palestina” ficou em 15º lugar entre 16 temas listados. A maioria dos jovens americanos respondeu que tópicos como inflação, emprego, moradia, assistência médica e violência com armas eram muito mais urgentes.

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Especialmente desde 2016, ficou claro que, se você mora em uma cidade universitária ou em uma das muitas cidades das costas leste ou oeste onde as pessoas com alto grau de instrução tendem a se concentrar, você não pode usar sua experiência pessoal para fazer generalizações sobre a política americana. Na verdade, se você se guiar por instintos e valores cultivados nesses lugares, talvez não seja sensível às formas como seu movimento está afastando eleitores de classe trabalhadora de regiões como Pensilvânia, Wisconsin, Michigan e Geórgia. Eles provavelmente acham que você é uma criança privilegiada que está quebrando as regras e saindo impune.

Fora da New York University, manifestantes pressionam instituição por investimentos e posição sobre Israel pela guerra em Gaza, 3 de maio de 2024.  Foto: Spencer Platt/AFP

Nas últimas décadas, muitas universidades ficaram mais ideologicamente homogêneas e mais distantes do resto do país. Como meu colega Ross Douthat observou, os alunos da Universidade de Columbia que estudam o pensamento do século 20 no “currículo básico” são alimentados com uma dieta constante de escritores como Frantz Fanon e Michel Foucault lidos a partir de uma única perspectiva ideológica.

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Em um artigo na revista The Atlantic, George Packer citou a carta que um estudante de Columbia escreveu a um de seus professores: “Acho que as universidades basicamente pararam de cuidar da lojinha, pararam de se envolver em qualquer tipo de debate ou mesmo de conversa com as ideologias que aos poucos se infiltraram em todos os cantos da vida universitária, sem que um número suficiente de pessoas de boa consciência tenha coragem o bastante para questionar todas as ortodoxias. Portanto, se você chegar em Columbia acreditando em ‘decolonização’ ou no que quer que seja, sinceramente não me parece que algum dia você terá de refletir ou questionar essa crença”.

Esses círculos se isolaram tanto que as lutas progressistas de hoje tendem a ocorrer dentro de espaços progressistas, com jovens progressistas tentando derrubar reitores de universidades ou diretores de organizações um pouco menos progressistas. Essas lutas invariavelmente dividem a esquerda e unificam a direita.

Protestos contra a guerra do Vietnã em frente na frente da Casa Branca, 19 de janeiro de 1968. Foto: Library Of Congress/via Reuters

Ao longo da minha carreira de jornalista, aprendi que, quando você está cobrindo uma manifestação, não deve pensar apenas nos manifestantes: pense em todas as pessoas que jamais apareceriam ali e que estão desaprovando tudo em silêncio. Se você estivesse cobrindo os protestos do final dos anos 60, por exemplo, teria aprendido muito mais sobre as décadas seguintes falando com George W. Bush do que entrevistando uma das celebridades dos protestos da época, como Abbie Hoffman. Hoffman rendia uma foto melhor na época, mas Bush e todos aqueles que passaram longe dos protestos acabaram se tornando mais importantes.

Nos últimos dias, a Casa Branca e o senador Chuck Schumer fizeram críticas mais severas aos protestos que infringem a lei. Eles provavelmente precisarão fazer muito mais se quisermos evitar Trump 2: A missão./ TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

Ando pensando muito em Donald Trump nesses dias. Quando saem os relatórios econômicos do mês, penso: Isso vai ajudar a eleger Donald Trump? E, confesso, comecei a me fazer a mesma pergunta assistindo à atual agitação nos câmpus universitários americanos por causa de Israel e Gaza.

Preciso dizer que parto do pressuposto de que a maioria dos manifestantes esteja agindo com a melhor das intenções: aliviar o sofrimento do povo palestino.

Mas os protestos têm consequências políticas inesperadas. Na década de 1960, por exemplo, milhões de jovens protestaram contra a guerra no Vietnã, e a história justificou sua posição. Mas os republicanos souberam usar os excessos do movimento estudantil a seu favor. Em 1966, Ronald Reagan prometeu “limpar a bagunça de Berkeley” e foi eleito governador da Califórnia. Em 1968, Richard Nixon celebrou os “americanos esquecidos – os que não gritam, os que não se manifestam” e foi eleito presidente. Longe de levar a uma nova era progressista, as revoltas da época deram início àquilo que foi, sem dúvida, o período mais conservador da história americana.

Protesto pró-palestinos em frente a New Yor University, em Manhattan, 3 de maio de 2024.  Foto: Spencer Platt/AFP

Esse tipo de reação adversa não é incomum. Para seu último livro, If We Burn [algo como “Se queimarmos”, em tradução livre], o jornalista progressista Vincent Bevins pesquisou dez movimentos de protesto que ocorreram entre 2010 e 2020 em lugares como Egito, Turquia, Brasil, Ucrânia e Hong Kong. Ele concluiu que, em sete desses casos, os resultados foram “piores que o fracasso. As coisas retrocederam”.

No Egito, em 2011, cerca de um milhão de manifestantes se reuniram na Praça Tahrir, emocionando o mundo com seus apelos por reformas e liberdade. O presidente Hosni Mubarak foi deposto, mas depois de seu governo autocrático não veio a democracia. O que veio foi a Irmandade Muçulmana.

Em junho de 2013, milhões de brasileiros saíram às ruas exigindo melhores escolas, transporte público mais barato e reforma política. Mas, lamenta Bevins, “poucos anos mais tarde, o país seria governado pelo líder eleito mais radicalmente de direita do mundo, um homem que clamava abertamente por um retorno à ditadura e à violência em massa” – a figura über-trumpiana chamada Jair Bolsonaro.

Por que essas revoltas populares tantas vezes saem pela culatra? Em seu livro, Bevins aponta falhas na forma como os manifestantes se organizam. Ele observa que há diferentes maneiras de estruturar os movimentos. Existe a forma leninista, na qual o poder é concentrado no líder supremo e em seu aparato. Existe o método usado no movimento pelos direitos civis dos Estados Unidos, no qual uma rede de instituições organizadas hierarquicamente trabalha em conjunto por objetivos comuns, onde fica claro quem são os líderes e quem são os seguidores.

E existe também o tipo de movimento que temos na era da internet. Muitos desses manifestantes do mundo todo desconfiam de linhas de autoridade verticais: eles não querem que líderes autoproclamados lhes digam o que fazer. Eles preferem multidões sem líderes, descentralizadas e coordenadas digitalmente, nas quais os participantes podem improvisar as próprias ações.

Esse método horizontal e anárquico permite que massas populares se mobilizem rapidamente, mesmo que as pessoas não se conheçam. Mas se baseia no frágil pressuposto de que, se muitas pessoas comparecerem, então, de alguma forma, o movimento vai magicamente alcançar seus objetivos.

Infelizmente, um movimento desorganizado e descentralizado vai ser bom em perturbar a realidade, mas não em construir uma nova. Como afirma Bevins: “Um grupo difuso de indivíduos que sai às ruas por razões muito diferentes não consegue simplesmente tomar o poder”. E grupos que têm estruturas organizacionais tradicionais – como líderes populistas – ascendem prometendo acabar com a anarquia e restaurar a ordem.

Os manifestantes nos câmpus de hoje demonstram essa fraqueza. Quando você não tem uma estrutura organizacional formal, não consegue controlar a mensagem. E assim são os comentários mais bizarros – “Os sionistas não merecem viver” – que acabam chamando mais atenção. Quando você não tem uma estrutura organizacional formal, não consegue ter clareza sobre posições básicas. Por exemplo: o movimento acredita em uma solução de dois Estados, ou quer eliminar Israel e promover uma limpeza étnica na região?

Pior ainda, os protestos reforçam a dinâmica de classe que minou as perspectivas do Partido Democrata nas últimas décadas. Como se sabe, os democratas se tornaram o partido da elite cultural, e os republicanos viraram o partido das massas menos instruídas. Os estudantes que frequentam lugares como a Universidade de Columbia e a Universidade do Sul da Califórnia estão no topo dos privilégios culturais.

Se você vive em círculos altamente instruídos, é fácil ter a impressão de que os jovens estão apaixonadamente engajados na questão de Gaza. Mas uma pesquisa recente da Harvard Youth Poll perguntou aos americanos de 18 a 29 anos quais eram as questões mais importantes para eles. “Israel/Palestina” ficou em 15º lugar entre 16 temas listados. A maioria dos jovens americanos respondeu que tópicos como inflação, emprego, moradia, assistência médica e violência com armas eram muito mais urgentes.

Especialmente desde 2016, ficou claro que, se você mora em uma cidade universitária ou em uma das muitas cidades das costas leste ou oeste onde as pessoas com alto grau de instrução tendem a se concentrar, você não pode usar sua experiência pessoal para fazer generalizações sobre a política americana. Na verdade, se você se guiar por instintos e valores cultivados nesses lugares, talvez não seja sensível às formas como seu movimento está afastando eleitores de classe trabalhadora de regiões como Pensilvânia, Wisconsin, Michigan e Geórgia. Eles provavelmente acham que você é uma criança privilegiada que está quebrando as regras e saindo impune.

Fora da New York University, manifestantes pressionam instituição por investimentos e posição sobre Israel pela guerra em Gaza, 3 de maio de 2024.  Foto: Spencer Platt/AFP

Nas últimas décadas, muitas universidades ficaram mais ideologicamente homogêneas e mais distantes do resto do país. Como meu colega Ross Douthat observou, os alunos da Universidade de Columbia que estudam o pensamento do século 20 no “currículo básico” são alimentados com uma dieta constante de escritores como Frantz Fanon e Michel Foucault lidos a partir de uma única perspectiva ideológica.

Em um artigo na revista The Atlantic, George Packer citou a carta que um estudante de Columbia escreveu a um de seus professores: “Acho que as universidades basicamente pararam de cuidar da lojinha, pararam de se envolver em qualquer tipo de debate ou mesmo de conversa com as ideologias que aos poucos se infiltraram em todos os cantos da vida universitária, sem que um número suficiente de pessoas de boa consciência tenha coragem o bastante para questionar todas as ortodoxias. Portanto, se você chegar em Columbia acreditando em ‘decolonização’ ou no que quer que seja, sinceramente não me parece que algum dia você terá de refletir ou questionar essa crença”.

Esses círculos se isolaram tanto que as lutas progressistas de hoje tendem a ocorrer dentro de espaços progressistas, com jovens progressistas tentando derrubar reitores de universidades ou diretores de organizações um pouco menos progressistas. Essas lutas invariavelmente dividem a esquerda e unificam a direita.

Protestos contra a guerra do Vietnã em frente na frente da Casa Branca, 19 de janeiro de 1968. Foto: Library Of Congress/via Reuters

Ao longo da minha carreira de jornalista, aprendi que, quando você está cobrindo uma manifestação, não deve pensar apenas nos manifestantes: pense em todas as pessoas que jamais apareceriam ali e que estão desaprovando tudo em silêncio. Se você estivesse cobrindo os protestos do final dos anos 60, por exemplo, teria aprendido muito mais sobre as décadas seguintes falando com George W. Bush do que entrevistando uma das celebridades dos protestos da época, como Abbie Hoffman. Hoffman rendia uma foto melhor na época, mas Bush e todos aqueles que passaram longe dos protestos acabaram se tornando mais importantes.

Nos últimos dias, a Casa Branca e o senador Chuck Schumer fizeram críticas mais severas aos protestos que infringem a lei. Eles provavelmente precisarão fazer muito mais se quisermos evitar Trump 2: A missão./ TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

Ando pensando muito em Donald Trump nesses dias. Quando saem os relatórios econômicos do mês, penso: Isso vai ajudar a eleger Donald Trump? E, confesso, comecei a me fazer a mesma pergunta assistindo à atual agitação nos câmpus universitários americanos por causa de Israel e Gaza.

Preciso dizer que parto do pressuposto de que a maioria dos manifestantes esteja agindo com a melhor das intenções: aliviar o sofrimento do povo palestino.

Mas os protestos têm consequências políticas inesperadas. Na década de 1960, por exemplo, milhões de jovens protestaram contra a guerra no Vietnã, e a história justificou sua posição. Mas os republicanos souberam usar os excessos do movimento estudantil a seu favor. Em 1966, Ronald Reagan prometeu “limpar a bagunça de Berkeley” e foi eleito governador da Califórnia. Em 1968, Richard Nixon celebrou os “americanos esquecidos – os que não gritam, os que não se manifestam” e foi eleito presidente. Longe de levar a uma nova era progressista, as revoltas da época deram início àquilo que foi, sem dúvida, o período mais conservador da história americana.

Protesto pró-palestinos em frente a New Yor University, em Manhattan, 3 de maio de 2024.  Foto: Spencer Platt/AFP

Esse tipo de reação adversa não é incomum. Para seu último livro, If We Burn [algo como “Se queimarmos”, em tradução livre], o jornalista progressista Vincent Bevins pesquisou dez movimentos de protesto que ocorreram entre 2010 e 2020 em lugares como Egito, Turquia, Brasil, Ucrânia e Hong Kong. Ele concluiu que, em sete desses casos, os resultados foram “piores que o fracasso. As coisas retrocederam”.

No Egito, em 2011, cerca de um milhão de manifestantes se reuniram na Praça Tahrir, emocionando o mundo com seus apelos por reformas e liberdade. O presidente Hosni Mubarak foi deposto, mas depois de seu governo autocrático não veio a democracia. O que veio foi a Irmandade Muçulmana.

Em junho de 2013, milhões de brasileiros saíram às ruas exigindo melhores escolas, transporte público mais barato e reforma política. Mas, lamenta Bevins, “poucos anos mais tarde, o país seria governado pelo líder eleito mais radicalmente de direita do mundo, um homem que clamava abertamente por um retorno à ditadura e à violência em massa” – a figura über-trumpiana chamada Jair Bolsonaro.

Por que essas revoltas populares tantas vezes saem pela culatra? Em seu livro, Bevins aponta falhas na forma como os manifestantes se organizam. Ele observa que há diferentes maneiras de estruturar os movimentos. Existe a forma leninista, na qual o poder é concentrado no líder supremo e em seu aparato. Existe o método usado no movimento pelos direitos civis dos Estados Unidos, no qual uma rede de instituições organizadas hierarquicamente trabalha em conjunto por objetivos comuns, onde fica claro quem são os líderes e quem são os seguidores.

E existe também o tipo de movimento que temos na era da internet. Muitos desses manifestantes do mundo todo desconfiam de linhas de autoridade verticais: eles não querem que líderes autoproclamados lhes digam o que fazer. Eles preferem multidões sem líderes, descentralizadas e coordenadas digitalmente, nas quais os participantes podem improvisar as próprias ações.

Esse método horizontal e anárquico permite que massas populares se mobilizem rapidamente, mesmo que as pessoas não se conheçam. Mas se baseia no frágil pressuposto de que, se muitas pessoas comparecerem, então, de alguma forma, o movimento vai magicamente alcançar seus objetivos.

Infelizmente, um movimento desorganizado e descentralizado vai ser bom em perturbar a realidade, mas não em construir uma nova. Como afirma Bevins: “Um grupo difuso de indivíduos que sai às ruas por razões muito diferentes não consegue simplesmente tomar o poder”. E grupos que têm estruturas organizacionais tradicionais – como líderes populistas – ascendem prometendo acabar com a anarquia e restaurar a ordem.

Os manifestantes nos câmpus de hoje demonstram essa fraqueza. Quando você não tem uma estrutura organizacional formal, não consegue controlar a mensagem. E assim são os comentários mais bizarros – “Os sionistas não merecem viver” – que acabam chamando mais atenção. Quando você não tem uma estrutura organizacional formal, não consegue ter clareza sobre posições básicas. Por exemplo: o movimento acredita em uma solução de dois Estados, ou quer eliminar Israel e promover uma limpeza étnica na região?

Pior ainda, os protestos reforçam a dinâmica de classe que minou as perspectivas do Partido Democrata nas últimas décadas. Como se sabe, os democratas se tornaram o partido da elite cultural, e os republicanos viraram o partido das massas menos instruídas. Os estudantes que frequentam lugares como a Universidade de Columbia e a Universidade do Sul da Califórnia estão no topo dos privilégios culturais.

Se você vive em círculos altamente instruídos, é fácil ter a impressão de que os jovens estão apaixonadamente engajados na questão de Gaza. Mas uma pesquisa recente da Harvard Youth Poll perguntou aos americanos de 18 a 29 anos quais eram as questões mais importantes para eles. “Israel/Palestina” ficou em 15º lugar entre 16 temas listados. A maioria dos jovens americanos respondeu que tópicos como inflação, emprego, moradia, assistência médica e violência com armas eram muito mais urgentes.

Especialmente desde 2016, ficou claro que, se você mora em uma cidade universitária ou em uma das muitas cidades das costas leste ou oeste onde as pessoas com alto grau de instrução tendem a se concentrar, você não pode usar sua experiência pessoal para fazer generalizações sobre a política americana. Na verdade, se você se guiar por instintos e valores cultivados nesses lugares, talvez não seja sensível às formas como seu movimento está afastando eleitores de classe trabalhadora de regiões como Pensilvânia, Wisconsin, Michigan e Geórgia. Eles provavelmente acham que você é uma criança privilegiada que está quebrando as regras e saindo impune.

Fora da New York University, manifestantes pressionam instituição por investimentos e posição sobre Israel pela guerra em Gaza, 3 de maio de 2024.  Foto: Spencer Platt/AFP

Nas últimas décadas, muitas universidades ficaram mais ideologicamente homogêneas e mais distantes do resto do país. Como meu colega Ross Douthat observou, os alunos da Universidade de Columbia que estudam o pensamento do século 20 no “currículo básico” são alimentados com uma dieta constante de escritores como Frantz Fanon e Michel Foucault lidos a partir de uma única perspectiva ideológica.

Em um artigo na revista The Atlantic, George Packer citou a carta que um estudante de Columbia escreveu a um de seus professores: “Acho que as universidades basicamente pararam de cuidar da lojinha, pararam de se envolver em qualquer tipo de debate ou mesmo de conversa com as ideologias que aos poucos se infiltraram em todos os cantos da vida universitária, sem que um número suficiente de pessoas de boa consciência tenha coragem o bastante para questionar todas as ortodoxias. Portanto, se você chegar em Columbia acreditando em ‘decolonização’ ou no que quer que seja, sinceramente não me parece que algum dia você terá de refletir ou questionar essa crença”.

Esses círculos se isolaram tanto que as lutas progressistas de hoje tendem a ocorrer dentro de espaços progressistas, com jovens progressistas tentando derrubar reitores de universidades ou diretores de organizações um pouco menos progressistas. Essas lutas invariavelmente dividem a esquerda e unificam a direita.

Protestos contra a guerra do Vietnã em frente na frente da Casa Branca, 19 de janeiro de 1968. Foto: Library Of Congress/via Reuters

Ao longo da minha carreira de jornalista, aprendi que, quando você está cobrindo uma manifestação, não deve pensar apenas nos manifestantes: pense em todas as pessoas que jamais apareceriam ali e que estão desaprovando tudo em silêncio. Se você estivesse cobrindo os protestos do final dos anos 60, por exemplo, teria aprendido muito mais sobre as décadas seguintes falando com George W. Bush do que entrevistando uma das celebridades dos protestos da época, como Abbie Hoffman. Hoffman rendia uma foto melhor na época, mas Bush e todos aqueles que passaram longe dos protestos acabaram se tornando mais importantes.

Nos últimos dias, a Casa Branca e o senador Chuck Schumer fizeram críticas mais severas aos protestos que infringem a lei. Eles provavelmente precisarão fazer muito mais se quisermos evitar Trump 2: A missão./ TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

Opinião por David Brooks

David Brooks é colunista do Times desde 2003. Ele é autor do recente How to Know a Person: The Art of Seeing Others Deeply and Being Deeply Seen. @nytdavidbrooks.

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