THE NEW YORK TIMES - Muitos analistas políticos passaram anos alertando que o Partido Republicano estava virando um grupo extremista e antidemocrático.
Muito antes de os republicanos indicarem Donald Trump para concorrer à presidência — e muito antes de Trump se recusar a reconhecer sua derrota eleitoral — os estudiosos do Congresso Thomas Mann e Norman Ornstein declararam que o partido havia se tornado “uma aberração insurgente”, que rejeita “fatos, evidências e a ciência” e não aceita a legitimidade da oposição política.
Em 2019, em uma pesquisa internacional, especialistas graduaram partidos de todo o mundo em relação ao seu comprometimento sobre princípios básicos da democracia e direitos de minorias. Constatou-se que o Partido Republicano não tem nada a ver com partidos de centro-direita de outros países ocidentais. Ele é parecido, em vez disso, a partidos autoritários, como o húngaro Fidesz ou o turco AKP.
Tais análises com frequência foram rejeitadas, classificadas como exageradas e alarmistas. Mesmo neste momento, em que republicanos expressam abertamente admiração pelo governo de partido único de Viktor Orbán, encontro pessoas insistindo que o Partido Republicano não é comparável ao Fidesz. (Por que não? Os republicanos têm manipulado legislaturas estaduais para assegurar seu controle mesmo se perderem feio no voto popular, o que segue diretamente a cartilha de Orbán.) Além disso, como apontou recentemente Edward Luce no Financial Times, “em cada encruzilhada ao longo dos últimos 20 anos, os ‘alarmistas’ dos Estados Unidos estiveram corretos”.
E nos dias recentes recebemos ainda mais lembretes do grau de extremismo que passou a acometer os republicanos. As audiências sobre o 6 de Janeiro têm constatado, em abundante detalhe, que o ataque contra o Capitólio foi parte de um esquema maior destinado a reverter o resultado da eleição, comandado de cima. Uma Suprema Corte repleta de republicanos tem produzido um legado de decisões partidárias sobre aborto e controle de armas de fogo. E mais choques podem estar a caminho — atente para o que a corte tende a fazer a respeito da capacidade do governo de proteger o meio ambiente.
A dúvida que tem me incomodado — à parte a dúvida sobre a própria sobrevivência da democracia americana — é por quê. De onde vem esse extremismo?
Comparações com a ascensão do fascismo na Europa do entreguerras são inevitáveis, mas não muito úteis. Primeiramente, por pior que tenha sido, Trump não foi outro Hitler, nem mesmo outro Mussolini. É verdade que republicanos como Marco Rubio rotineiramente qualificam os democratas — que são basicamente social-democratas-padrão — como marxistas, e é tentador coincidir com sua hipérbole. A realidade, no entanto, já é ruim o suficiente e não precisa ser exagerada.
E há outro problema com comparações à ascensão do fascismo. O extremismo de direita na Europa do entreguerras irrompeu de cinzas de catástrofes nacionais: a derrota na 1.ª Guerra — ou, no caso da Itália, uma vitória pírrica com sabor de derrota; hiperinflação; e recessão.
Nada disso aconteceu por aqui. Sim, tivemos uma grave crise financeira em 2008, seguida por uma recuperação indolente. Sim, temos visto divergências econômicas regionais com algumas consequências terríveis — desemprego, declínio social, até suicídios e vício em drogas — nas regiões deixadas para trás. Mas os EUA já enfrentaram coisa muito pior no passado sem ver um de seus grandes partidos virar as costas para a democracia.
Além disso, a guinada dos republicanos ao extremismo começou na década de 90. Muita gente, acredito, se esqueceu da piração política nos anos de Bill Clinton — caças a bruxas e delirantes teorias de conspiração (Hillary assassinou Vince Foster!); as tentativas de chantagear Clinton para que ele fizesse concessões políticas fechando o governo; e mais. E tudo isso aconteceu em um período amplamente considerado bom, com a maioria dos americanos considerando que o país estava no rumo certo.
É um enigma. Ultimamente passei muito tempo procurando precedentes na história — casos em que o extremismo de direita ascendeu mesmo em face a paz e prosperidade. E acho que encontrei um: a ascensão da Ku Klux Klan nos anos 1920.
É importante perceber que, ainda que essa organização tenha tomado o nome do grupo pós-Guerra Civil, ela era na verdade um movimento novo — um movimento nacionalista branco, certamente, no entanto muito mais amplamente aceito e do que uma organização puramente terrorista. E ela chegou ao pico de seu poder — efetivamente controlando vários Estados — em um ambiente de paz e crescimento econômico.
Do que trata essa nova KKK? Andei lendo “The Second Coming of the KKK: The Ku Klux Klan of the 1920s and the American Political Tradition” (A segunda vinda da KKK: A Ku Klux Klan da década de 1920 e a tradição política americana), de Linda Gordon, que retrata uma “política do ressentimento”, impulsionada pela revolta dos americanos brancos, rurais e habitantes de cidades pequenas contra um país em transformação. A KKK odiava imigrantes e “elites urbanas”; caracterizava-se por “suspeitar da ciência” e por “um anti-intelectualismo maior”. Soa familiar?
OK, o Partido Republicano não é tão ruim quanto a KKK reencarnada. Mas o extremismo republicano obtém grande parte de sua energia dessas mesmas fontes.
E em razão do extremismo republicano ser alimentado por ressentimento contra as mesmíssimas coisas que, da maneira que vejo, verdadeiramente tornam os EUA um grande país — nossa diversidade, nossa tolerância à diferença — não pode haver nenhum tipo de apaziguamento ou concessão. A única alternativa é derrotá-lo. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO