Kamala Harris claramente escolheu um argumento final: Donald Trump é um fascista que “chama os americanos que discordam dele de ‘inimigos internos’” e diz que, como comandante em chefe, “ele usaria os militares para persegui-los”. Esta é a estratégia desesperada e desonesta de uma campanha que deve acreditar que está perdendo.
Como escrevi muitas vezes nestas páginas, não acho que os americanos devam chamar nossos adversários políticos de inimigos — seja quem quer que o faça. A Coreia do Norte é nossa inimiga. A Rússia é nossa inimiga. Os compatriotas americanos que discordam de nós não são.
Mas também é errado distorcer e deturpar o que um adversário diz. Quando Trump usou a frase “inimigos internos” em um comício neste mês em Coachella, Califórnia, ele estava se referindo especificamente ao “desonesto Adam Schiff” — também conhecido como o democrata Adam Schiff, deputado pela Califórnia e ex-presidente do Comitê de Inteligência da Câmara, que não é uma pessoa que simplesmente discorda de Trump.
Schiff, na verdade, passou anos dizendo aos americanos que tinha visto informações secretas indicando que Trump era um fantoche do presidente russo Vladimir Putin, o que acabou se revelando uma difamação cruel. Em uma entrevista de 2017 no “Meet the Press”, Schiff declarou: “Não posso entrar em detalhes, mas há mais do que evidências circunstanciais agora” de que Trump teria conspirado com a Rússia. Quando perguntado por Jake Tapper, da CNN, em uma entrevista de 2018 se os democratas viram evidências de conluio, Schiff respondeu: “Sim, vimos”. Poucos meses depois, ele disse à ABC que o conluio de Trump com a Rússia era um escândalo de “um tamanho e escopo provavelmente maiores que o Watergate”.
O deputado democrata Eric Swalwell (Califórnia), membro do Comitê de Inteligência, foi questionado pelo apresentador da MSNBC Chris Matthews: “Você acredita que [Trump], nesse momento, tem sido um agente dos russos?” Swalwell respondeu: “Sim, acho que há mais evidências de que ele seria um agente”. Incrédulo, Matthews o pressionou: “Um agente como nos anos 1940, quando havia pessoas que eram ‘vermelhas’, para usar um termo antigo? Nesse sentido? Em outras palavras, trabalhando para uma potência estrangeira?” Swalwell respondeu: “Ele está trabalhando em nome dos russos, sim.”
Um “inimigo de dentro”, em outras palavras. Isso não é tudo. O então senador democrata Harry M. Reid (Nevada) alegou que o FBI tinha “informações explosivas a respeito de laços estreitos e coordenação entre Donald Trump, seus principais conselheiros e o governo russo.” O senador democrata Ron Wyden (Oregon), membro do Comitê de Inteligência, disse: “Não há mais dúvidas de que esta campanha buscou conspirar com uma potência estrangeira hostil para subverter a democracia dos Estados Unidos”. O senador Mark R. Warner (Virgínia), então o principal democrata no comitê de inteligência, declarou haver “enormes quantidades de evidências” de conluio entre Trump e a Rússia.
Todos eles acusaram Trump de ser um inimigo interno — literalmente — trabalhando em nome de uma potência estrangeira. Então, tudo explodiu na cara deles quando o procurador especial Robert S. Mueller III emitiu seu relatório descobrindo que as evidências “não estabeleciam que membros da campanha de Trump conspiraram ou coordenaram suas ações com o governo russo”.
Inimigos
Em seu miasma de indignação, os democratas parecem ter esquecido que vêm demonizando os republicanos como “inimigos” há anos. Durante seu discurso nocivo de 2022 em Atlanta, o presidente Joe Biden acusou os republicanos que se opuseram à sua proposta de controle federal das eleições americanas de apoiar traidores como o presidente confederado Jefferson Davis e os chamou explicitamente de “inimigos” dos EUA, trovejando: “Defenderei o direito de votar e nossa democracia contra todos os inimigos — estrangeiros e, sim, domésticos”. Barack Obama declarou: “Vamos punir nossos inimigos e recompensar nossos amigos que estão conosco em questões que são importantes para nós” (mais tarde, ele admitiu que deveria ter usado a palavra “adversários” em vez disso).
Trump tampouco disse, como Kamala afirma, que usaria o exército americano para perseguir seus adversários políticos. Em seus comícios, Kamala reproduz um clipe editado seletivamente de Trump dizendo em uma entrevista com Maria Bartiromo, da Fox News: “Temos algumas pessoas muito más, temos algumas pessoas doentes, lunáticos radicais de esquerda, e eu acho que eles são os… e isso deve ser facilmente resolvido, se necessário, pela Guarda Nacional ou, se realmente necessário, pelos militares.” Ela então diz aos eleitores: “Então, vocês ouviram as palavras dele. ... Ele está falando sobre considerar qualquer um que não o apoie ou que não se curve à sua vontade um inimigo do nosso país. ... Ele está dizendo que usaria os militares para persegui-los”.
Não, ele não está dizendo isso. As palavras “em termos do dia da eleição” são omitidas do clipe que ela reproduz, para mascarar o fato de que Trump estava respondendo a uma pergunta a respeito de uma possível agitação no dia da eleição — que ele disse que poderia ser “facilmente resolvida” pela Guarda Nacional. Ela tira a fala dele do contexto para fazer parecer que ele está afirmando algo diferente do que realmente está.
Saiba mais
Isso não é apenas desonesto, é hipócrita. Pelo que me lembro, foram os democratas que acusaram Trump de violar seu juramento de posse por não ter enviado a Guarda Nacional para proteger o Capitólio em 6 de janeiro de 2021.
Vamos deixar claro: eu preferiria que Trump não falasse dessa forma. Além de ser ruim para o país, é ruim para a política: essa retórica é como cravar as unhas no quadro-negro para influenciar os eleitores. Mas deturpar suas palavras para sugerir que Trump usaria os militares para atingir os americanos comuns que se opõem a ele é muito mais ofensivo do que isso. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL