CARACAS, Venezuela — O número de venezuelanos que fugiram do colapso político, econômico e social do estado socialista nos últimos oito anos já ultrapassou 7 milhões, de acordo com a agência de refugiados da ONU. A maioria se estabeleceu em países vizinhos, onde, desde 2020, eles têm enfrentado isolamentos por causa do coronavírus, instabilidade econômica e crescente hostilidade contra os imigrantes.
Agora, muitos estão tomando outra decisão potencialmente arriscada e que pode mudar sua vida: Eles estão retornando ao país do qual fugiram.
Trezentos mil venezuelanos têm retornado à nação sul-americana, segundo informou o governo do presidente autoritário Nicolás Maduro em janeiro, mais de 30 mil deles com a ajuda de um programa de repatriação chamado Retorno à Pátria.
A dolarização da economia venezuelana trouxe um boom de alimentos importados e novos restaurantes, tornando a capital mais atraente. Mas, fora da bolha da elite, o país ainda é assolado por falta de energia elétrica, insuficiência de água, instabilidade política e uma taxa de inflação que atingiu 234% em 2022.
No entanto, os venezuelanos que retornaram dizem que essa foi a melhor opção para eles.
Dificuldades econômicas no exterior
Depois que a mãe de Yessica Barajas morreu em 2019, ela decidiu que era hora de seguir seu irmão para fora do país. Com quatro filhos no colo, ela cruzou a fronteira com a Colômbia, o destino mais comum para os venezuelanos que fogem, um país com o qual compartilha o idioma, a história e a cultura — um lugar onde ela se sentiu em casa.
Em Bogotá, ela trabalhou em um restaurante e em um supermercado, ganhando apenas o suficiente para sobreviver a cada mês. Então veio o coronavírus. A Colômbia impôs algumas das regras de quarentena mais rigorosas da região, e Yessica perdeu seu emprego. “Eu não tinha mais dinheiro para pagar as contas”, disse ela. “Com quatro filhos, eu estava desesperada. Não conseguia comprar comida.”
Ela viajou de volta em setembro de 2020, seguindo a rota pela qual havia saído. “Voltamos com a ajuda do caminho humanitário administrado pela ONU”, disse ela. “Ficamos em seis tendas diferentes, esperando para atravessar.”
“Foi uma das coisas mais difíceis que tive de fazer”, disse ela. “Mas agora, um ano depois que voltei para minha segurança e estabilidade, trouxe meu pai e minha irmã de volta para a Venezuela conosco.”
E ela diz que não planeja mais ir embora. “Tenho uma casa aqui. Conheço as pessoas do meu bairro. É mais fácil encontrar um emprego, ajuda; e meus filhos estão felizes.”
“Mais do que felizes”, disse ela. “Eu me sinto em paz.”
“Eu me sentia muito sozinha”
Com um filho recém-nascido, Ana Francheska Palomino foi para a Colômbia em 2018 para se reunir com o pai de seu filho. Fugindo de um país onde as fraldas e o leite em pó para bebês eram escassos, ela se mudou para Bogotá para trabalhar em qualquer emprego que pudesse encontrar.
“Um dia, decidi voltar”, disse ela. “Sou muito próxima de minha mãe e me sentia muito sozinha sem ela.” Cuidar de um bebê sem o apoio da família também pressionou o casal. Seu marido ficou na Colômbia. Ela voltou para a Venezuela, onde planeja continuar seus estudos em administração de empresas.
“Eu me sinto muito bem aqui. Não deixaria minha família e meu país novamente — eu me sentia muito sozinha”, disse ela. “Aqui tenho o apoio de minha família”.
Franklin García deixou a Venezuela em 2018 para escapar das longas filas de comida do lado de fora dos supermercados vazios e das manifestações de rua que às vezes eram violentamente reprimidas — e para compartilhar sua mágica com o mundo.
Como mágico, García viajou para a República Dominicana. Ele trabalhou em uma loja de carros e em um bar antes de conseguir um show em um cruzeiro.
A pandemia interrompeu os cruzeiros, e García voltou para casa para visitar sua família. Ele ficou impressionado com o quanto a Venezuela havia mudado.
“No começo, fiquei em choque”, disse ele. “De repente, os supermercados estavam cheios. As pessoas também mudaram.”
“Voltei e tudo tinha de ser pago em dólares”, disse ele. “Mas voltar, foi a decisão certa.”
Carlos Alvarado, um comediante, estava acostumado a migrar para trabalhar. Em 2013, ele se mudou para o Panamá, onde encontrou uma comunidade de venezuelanos ansiosos para celebrar suas raízes através das risadas.
“Foi uma boa decisão. Tive bons shows”, disse Alvarado. “Mas depois de seis meses, quase todos os venezuelanos tinham visto meu show e decidi fazer uma turnê em meu próprio país.”
Em 2015, ele se mudou novamente, dessa vez para a Colômbia. “Não foi fácil”, disse ele. “Tive que trabalhar vendendo perfumes na rua, como porteiro em um bar, garçom, vendendo café — e só então comecei a encontrar lugares para me apresentar.” Um término de relacionamento o levou a retornar à Venezuela em 2019 sem planos. Naquele ano, o país sofreu uma falta de energia elétrica de cinco dias que chocou o país. Em seguida, a escassez de gás em todo o país deixou muitos presos no local.
Alvarado foi um deles.
“Tudo isso me forçou a me reinventar”, disse ele. Ele abriu uma empresa de entrega de hambúrgueres com amigos chamada El Perezoso — The Lazy One —, apresentou-se pelo Zoom e ofereceu cursos de comédia on-line. Agora ele planeja viver na Venezuela, mas talvez continue viajando.
“Sou filho único e percebi que minha mãe é a única pessoa que tenho, e eu sou a única pessoa que ela tem”, disse ele. “Não sei se algum dia voltarei a morar no exterior. Mas quero conhecer novos lugares e me apresentar em outros países da América do Sul, Europa e Estados Unidos.”
Leia também
Stefan Licheri viaja desde os 17 anos de idade. Como músico profissional, estudou violão clássico e música na Venezuela, França e Alemanha, onde permaneceu por 11 anos. Ele vivenciou as dores de seu próprio país e a sorte de um sistema estável em outros. Depois de concluir um mestrado na Europa em 2021, ele decidiu retornar à Venezuela para passar um tempo com a família.
Depois de dois anos, ele não tem planos de partir.
“Quero devolver todas as coisas que aprendi no exterior”, disse ele. “Queria dar algo de volta ao meu país.”
Licheri disse que seu principal motivo para ficar é a família, mas também uma ideia de negócio que está desenvolvendo com um grupo de engenheiros da Universidade Central da Venezuela. O objetivo, segundo ele, é criar instrumentos experimentais para exportar.
Enquanto isso, ele ensina alemão.
“Há tantas coisas na Venezuela que eu adoro”, disse ele. “Não apenas minha família, o clima, a comida; a oportunidade de desenvolver novas ideias e produzir os instrumentos musicais aqui. Isso seria incrível.”
Trauma de separação
Yamileth Galindo cruzava a fronteira da Venezuela com a Colômbia sempre que precisava encontrar comida ou pasta de dente. Durante os anos de grande escassez, a Colômbia oferecia o que muitos venezuelanos não tinham. A cada três meses, segundo ela, pegava uma pequena mala e se mudava para o país vizinho por um tempo, e depois voltava.
Mas da última vez ela foi surpreendida com uma grande notícia: A Venezuela havia fechado a fronteira com a Colômbia por causa da covid-19, e ela não podia voltar para casa.
“Eu havia deixado meu filho na Venezuela e estava em Barranquilla”, disse ela. “Peguei covid lá e fiquei com muito medo. Chorei o tempo todo. Minha mãe estava muito preocupada.”
Assim que pôde, em um daqueles raros dias em que as pessoas puderam sair às ruas, ela pegou suas coisas e, junto com sua irmã, decidiu voltar.
“Foi horrível. Uma experiência horrível. Tivemos que atravessar o rio com a ajuda de alguns caras que pagamos”, disse ela. “Atravessamos em uma motocicleta por estradas de terra, com medo de que os guardas colombianos nos parassem.”
“Depois disso, um cara nos cobrou US$ 100 cada um para nos levar a Maracaibo”, disse ela.
Quando voltou para casa, disse ela, a chuva estava caindo, escorrendo pelas ruas. “Fiquei ali e deixei a chuva cair sobre mim, como um milagre”, disse ela.
Ela abraçou seu filho, sua família e decidiu ficar para sempre.
“Não quero mais ir embora; minha família é tudo”, disse ela. “Ficar longe deles era muito difícil. Estou feliz aqui.”