Apoio a palestinos aumenta em todo o Oriente Médio durante a guerra de Israel


Escalada evidencia as limitações dos acordos diplomáticos entre Israel e governos árabes enquanto o conflito continua; ‘Nós lhe avisamos’, afirma um acadêmico saudita

Por Vivian Nereim
Atualização:

The New York Times – Quando Emirados Árabes Unidos, Bahrein e Marrocos anunciaram que estavam estabelecendo relações com Israel, em 2020, autoridades dos emirados afirmaram que os acordos eram símbolos de paz e tolerância, enquanto o então presidente Donald Trump anunciou “a aurora de um novo Oriente Médio”.

Mas essas palavras pareceram vazias para muitos na região. Mesmo nos países que assinaram o pacto, batizado de Acordos de Abraão, o apoio aos palestinos – e inimizade em relação a Israel em razão das décadas de ocupação de seu território – continuou forte, particularmente conforme o governo israelense expandiu seus assentamentos coloniais na Cisjordânia palestina depois dos acordos.

No sábado, quando atiradores palestinos do território bloqueado de Gaza apareceram dentro de Israel, realizando o ataque mais ousado contra o país em décadas houve celebrações – mesmo enquanto centenas de israelenses e palestinos eram mortos e o primeiro-ministro de Israel, Binyamin Netanyahu, ameaçava uma “guerra longa e difícil” adiante.

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Estudantes libaneses da Universidade Americana de Beirute levantam cartazes em apoio aos palestinos Foto: ANWAR AMRO/AFP - 09/10/23

“É a primeira vez que nos alegramos desta maneira por nossos irmãos palestinos”, afirmou Abdul Majeed Abdullah Hassan, de 70 anos, que se uniu a uma manifestação de centenas de pessoas no reino insular do Bahrein. No contexto da ocupação e do bloqueio praticados por Israel, a operação do Hamas “aqueceu nossos corações”, afirmou ele, qualificando o acordo de seu governo com os israelenses como “vergonhoso”.

Manifestações em solidariedade aos palestinos ocorreram por toda a região, incluindo no Bahrein, no Marrocos, na Turquia, no Iêmen, na Tunísia e no Kuwait. No Líbano, Hashem Safieddin, chefe do conselho executivo do Hezbollah, uma milícia apoiada pelo Irã, pronunciou um discurso inflamado glorificando “a era da resistência armada”. E na cidade costeira de Alexandria, no Egito, um policial abriu fogo contra turistas de Israel, matando dois israelenses e um egípcio.

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As reverberações que emanam de Gaza enfatizam o que autoridades, acadêmicos e cidadãos da região têm afirmado há décadas: a causa palestina ainda é sentida profundamente como um grito de união que molda os contornos do Oriente Médio, e a posição de Israel na região continuará instável enquanto seu conflito com os palestinos não se resolver.

Acordos de “normalização” diplomática entre Israel e governos árabes – mesmo envolvendo a potência Arábia Saudita, onde autoridades americanos têm tentado pressionar recentemente por normalização – farão pouco para mudar esse quadro, afirmam muitos analistas especializados na região.

Área da faixa de Gaza destruída após ação de Israel em resposta ao ataque terrorista do Hamas Foto: Mahmud Hams/AFP
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“A atual guerra é um lembrete cruel de que uma paz e prosperidade duradoura na região só será possível após a resolução do conflito israelo-palestino”, afirmou o professor Bader al-Saif, da Universidade do Kuwait. “Nenhuma exibição de força ou acrobacia que lide com Israel em outros registros pode escantear ou apagar este simples fato.”

Muitas nações árabes, incluindo Arábia Saudita, insistem há muito que o preço do reconhecimento de Israel tem de ser a criação do Estado palestino. Mas ao longo da década recente, esse cálculo mudou, conforme líderes autoritários comparam o impacto negativo de uma relação com Israel aos benefícios econômicos e em segurança que o movimento poderia oferecer – e ao que eles podem conseguir dos Estados Unidos em troca.

O governo Biden tem pressionado por um acordo que pretende estabelecer relações entre Israel e Arábia Saudita em troca de concessões significativas para o reino. Autoridades sauditas têm exigido garantias de segurança dos EUA e apoio para um programa civil de energia nuclear.

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No mês passado, o príncipe-herdeiro da Arábia Saudita, Mohammed bin Salman, referiu-se publicamente às negociações pela primeira vez, afirmando numa entrevista à Fox News que as conversas pareciam “reais” pela primeira vez. E no início de outubro, os jornais do reino – que operam sob uma liberdade de imprensa limitada – começaram a publicar uma série de colunas que sutilmente ou abertamente favoráveis à normalização.

Os meios de comunicação sauditas também fizeram comentários do rei da Jordânia, Abdullah II, numa entrevista coletiva em Nova York, no mês passado, parecerem premonitórios: “Essa convicção de alguns na região de que é possível ignorar a Palestina – acertar-se primeiro com os árabes e procurar os palestinos depois – não funciona”, afirmou, ele.

De fato, alguns acadêmicos e autoridades árabes queixam-se de que seus alertas sobre acordos de normalização que não lidem sinceramente com o conflito israelo-palestino podem ter caído em ouvidos moucos.

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Os eventos em Gaza, segundo escreveu o proeminente acadêmico saudita Khalid al-Dakhil na rede social X, são como os árabes dizendo, “Nós lhe avisamos”, para o presidente americano. “Ignorar o que é correto na busca de uma solução justa para a causa palestina cria uma armadilha para a região e ameaça a paz”, afirmou ele.

Autoridades americanas afirmam que a normalização é um passo crítico no sentido de um Oriente Médio mais integrado, com implicações positivas para a segurança regional e os interesses de defesa dos EUA.

“Há na verdade dois caminhos diante da região”, afirmou no domingo o secretário de Estado americano, Antony Blinken, no programa “Face the Nation”, da rede CBS. “Há o caminho de uma integração maior e mais estabilidade, incluindo, criticamente, garantir que israelenses e palestinos resolvam suas diferenças; ou há o caminho do terror em que o Hamas está envolvido, que não melhorou a vida de ninguém.”

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Ele acrescentou: “Nós afirmamos desde o primeiro dia que, mesmo que estejamos trabalhando no sentido da normalização entre Israel e Arábia Saudita, isso não pode substituir a resolução das diferenças entre israelenses e palestinos”.

Mas muitos na região afirmam que essa normalização tem sabor de traição: o triunfo de governos e elites empresariais sobre a vontade de seu povo.

A causa palestina “é algo com que nós fomos criados desde pequenos e se tornou uma bússola para mostrar-nos o que é correto e justo”, afirmou Reem Maraj, de 34 anos, que participou de um simpósio no Bahrein, no sábado, que discutiu o resultado dos Acordos de Abraão três anos depois. “Se eu pudesse escolher, apagaria este pacto da história do meu país”, afirmou ela.

Pesquisas mostram que mesmo nos países árabes que mantêm relações com Israel, a maioria dos habitantes vê os Acordos de Abraão negativamente. “Nós defendemos completamente os direitos do povo palestino de libertar seu território”, afirmou Hassan Bennajeh, um dos organizadores dos protestos no Marrocos. “Nós estamos pedindo o fim da normalização porque ela não reflete a opinião dos marroquinos.”

O Ministério de Relações Exteriores do Catar emitiu um comunicado afirmando que considera o Estado de Israel “o único responsável pela atual escalada em razão de suas contínuas violações dos direitos do povo palestino”.

O governo do Irã, que há anos trava com Israel uma guerra nas sombras e dá apoio ao Hamas, comemorou o ataque do grupo no sábado.

E Ahmed Abu Zeid, porta-voz do Ministério de Relações Exteriores do Egito, afirmou em uma TV local na noite de ontem que seu país “vinha alertando, havia meses, a respeito do perigo das práticas provocativas” de Israel.

“A ocupação e desumanização dos palestinos transcorre explicitamente há décadas e forjou a maneira que os árabes percebem o conflito”, afirmou Al-Saif, o professor do Kuwait. “A Palestina é prioridade nas ruas árabes.”

Mesmo assim, o cientista político Abdulkhaleq Abdulla, dos EAU, previu que o acordo entre sauditas, americanos e israelenses deverá avançar. “Eu apostaria meu dinheiro nisso”, afirmou ele. “Se os americano pagarem o preço certo, eu acho que os sauditas colocarão seu interesse nacional em primeiro lugar.”

A violência em Israel “pode tirar as coisas dos trilhos por um tempo, mas não vai reverter o apetite por normalização com Israel e desescalada: um novo Oriente Médio”, afirmou ele.

Na manhã do domingo, outro sinal evidenciou-se em um grande jornal saudita, Asharq al-Awsat. Numa coluna, o ex-editor do diário Tariq Alhomayed criticou o Hamas e as facções palestinas por lançar o que ele qualificou como uma “guerra inútil”. Alhomayed acusou-os de servir aos seus apoiadores iranianos à custa do povo palestino. “O Irã não quer ver paz real; nem, especificamente, uma paz entre sauditas e israelenses”, escreveu ele. “Porque se essa paz acontecer, ela mudará a cara da região.” / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

The New York Times – Quando Emirados Árabes Unidos, Bahrein e Marrocos anunciaram que estavam estabelecendo relações com Israel, em 2020, autoridades dos emirados afirmaram que os acordos eram símbolos de paz e tolerância, enquanto o então presidente Donald Trump anunciou “a aurora de um novo Oriente Médio”.

Mas essas palavras pareceram vazias para muitos na região. Mesmo nos países que assinaram o pacto, batizado de Acordos de Abraão, o apoio aos palestinos – e inimizade em relação a Israel em razão das décadas de ocupação de seu território – continuou forte, particularmente conforme o governo israelense expandiu seus assentamentos coloniais na Cisjordânia palestina depois dos acordos.

No sábado, quando atiradores palestinos do território bloqueado de Gaza apareceram dentro de Israel, realizando o ataque mais ousado contra o país em décadas houve celebrações – mesmo enquanto centenas de israelenses e palestinos eram mortos e o primeiro-ministro de Israel, Binyamin Netanyahu, ameaçava uma “guerra longa e difícil” adiante.

Estudantes libaneses da Universidade Americana de Beirute levantam cartazes em apoio aos palestinos Foto: ANWAR AMRO/AFP - 09/10/23

“É a primeira vez que nos alegramos desta maneira por nossos irmãos palestinos”, afirmou Abdul Majeed Abdullah Hassan, de 70 anos, que se uniu a uma manifestação de centenas de pessoas no reino insular do Bahrein. No contexto da ocupação e do bloqueio praticados por Israel, a operação do Hamas “aqueceu nossos corações”, afirmou ele, qualificando o acordo de seu governo com os israelenses como “vergonhoso”.

Manifestações em solidariedade aos palestinos ocorreram por toda a região, incluindo no Bahrein, no Marrocos, na Turquia, no Iêmen, na Tunísia e no Kuwait. No Líbano, Hashem Safieddin, chefe do conselho executivo do Hezbollah, uma milícia apoiada pelo Irã, pronunciou um discurso inflamado glorificando “a era da resistência armada”. E na cidade costeira de Alexandria, no Egito, um policial abriu fogo contra turistas de Israel, matando dois israelenses e um egípcio.

As reverberações que emanam de Gaza enfatizam o que autoridades, acadêmicos e cidadãos da região têm afirmado há décadas: a causa palestina ainda é sentida profundamente como um grito de união que molda os contornos do Oriente Médio, e a posição de Israel na região continuará instável enquanto seu conflito com os palestinos não se resolver.

Acordos de “normalização” diplomática entre Israel e governos árabes – mesmo envolvendo a potência Arábia Saudita, onde autoridades americanos têm tentado pressionar recentemente por normalização – farão pouco para mudar esse quadro, afirmam muitos analistas especializados na região.

Área da faixa de Gaza destruída após ação de Israel em resposta ao ataque terrorista do Hamas Foto: Mahmud Hams/AFP

“A atual guerra é um lembrete cruel de que uma paz e prosperidade duradoura na região só será possível após a resolução do conflito israelo-palestino”, afirmou o professor Bader al-Saif, da Universidade do Kuwait. “Nenhuma exibição de força ou acrobacia que lide com Israel em outros registros pode escantear ou apagar este simples fato.”

Muitas nações árabes, incluindo Arábia Saudita, insistem há muito que o preço do reconhecimento de Israel tem de ser a criação do Estado palestino. Mas ao longo da década recente, esse cálculo mudou, conforme líderes autoritários comparam o impacto negativo de uma relação com Israel aos benefícios econômicos e em segurança que o movimento poderia oferecer – e ao que eles podem conseguir dos Estados Unidos em troca.

O governo Biden tem pressionado por um acordo que pretende estabelecer relações entre Israel e Arábia Saudita em troca de concessões significativas para o reino. Autoridades sauditas têm exigido garantias de segurança dos EUA e apoio para um programa civil de energia nuclear.

No mês passado, o príncipe-herdeiro da Arábia Saudita, Mohammed bin Salman, referiu-se publicamente às negociações pela primeira vez, afirmando numa entrevista à Fox News que as conversas pareciam “reais” pela primeira vez. E no início de outubro, os jornais do reino – que operam sob uma liberdade de imprensa limitada – começaram a publicar uma série de colunas que sutilmente ou abertamente favoráveis à normalização.

Os meios de comunicação sauditas também fizeram comentários do rei da Jordânia, Abdullah II, numa entrevista coletiva em Nova York, no mês passado, parecerem premonitórios: “Essa convicção de alguns na região de que é possível ignorar a Palestina – acertar-se primeiro com os árabes e procurar os palestinos depois – não funciona”, afirmou, ele.

De fato, alguns acadêmicos e autoridades árabes queixam-se de que seus alertas sobre acordos de normalização que não lidem sinceramente com o conflito israelo-palestino podem ter caído em ouvidos moucos.

Os eventos em Gaza, segundo escreveu o proeminente acadêmico saudita Khalid al-Dakhil na rede social X, são como os árabes dizendo, “Nós lhe avisamos”, para o presidente americano. “Ignorar o que é correto na busca de uma solução justa para a causa palestina cria uma armadilha para a região e ameaça a paz”, afirmou ele.

Autoridades americanas afirmam que a normalização é um passo crítico no sentido de um Oriente Médio mais integrado, com implicações positivas para a segurança regional e os interesses de defesa dos EUA.

“Há na verdade dois caminhos diante da região”, afirmou no domingo o secretário de Estado americano, Antony Blinken, no programa “Face the Nation”, da rede CBS. “Há o caminho de uma integração maior e mais estabilidade, incluindo, criticamente, garantir que israelenses e palestinos resolvam suas diferenças; ou há o caminho do terror em que o Hamas está envolvido, que não melhorou a vida de ninguém.”

Ele acrescentou: “Nós afirmamos desde o primeiro dia que, mesmo que estejamos trabalhando no sentido da normalização entre Israel e Arábia Saudita, isso não pode substituir a resolução das diferenças entre israelenses e palestinos”.

Mas muitos na região afirmam que essa normalização tem sabor de traição: o triunfo de governos e elites empresariais sobre a vontade de seu povo.

A causa palestina “é algo com que nós fomos criados desde pequenos e se tornou uma bússola para mostrar-nos o que é correto e justo”, afirmou Reem Maraj, de 34 anos, que participou de um simpósio no Bahrein, no sábado, que discutiu o resultado dos Acordos de Abraão três anos depois. “Se eu pudesse escolher, apagaria este pacto da história do meu país”, afirmou ela.

Pesquisas mostram que mesmo nos países árabes que mantêm relações com Israel, a maioria dos habitantes vê os Acordos de Abraão negativamente. “Nós defendemos completamente os direitos do povo palestino de libertar seu território”, afirmou Hassan Bennajeh, um dos organizadores dos protestos no Marrocos. “Nós estamos pedindo o fim da normalização porque ela não reflete a opinião dos marroquinos.”

O Ministério de Relações Exteriores do Catar emitiu um comunicado afirmando que considera o Estado de Israel “o único responsável pela atual escalada em razão de suas contínuas violações dos direitos do povo palestino”.

O governo do Irã, que há anos trava com Israel uma guerra nas sombras e dá apoio ao Hamas, comemorou o ataque do grupo no sábado.

E Ahmed Abu Zeid, porta-voz do Ministério de Relações Exteriores do Egito, afirmou em uma TV local na noite de ontem que seu país “vinha alertando, havia meses, a respeito do perigo das práticas provocativas” de Israel.

“A ocupação e desumanização dos palestinos transcorre explicitamente há décadas e forjou a maneira que os árabes percebem o conflito”, afirmou Al-Saif, o professor do Kuwait. “A Palestina é prioridade nas ruas árabes.”

Mesmo assim, o cientista político Abdulkhaleq Abdulla, dos EAU, previu que o acordo entre sauditas, americanos e israelenses deverá avançar. “Eu apostaria meu dinheiro nisso”, afirmou ele. “Se os americano pagarem o preço certo, eu acho que os sauditas colocarão seu interesse nacional em primeiro lugar.”

A violência em Israel “pode tirar as coisas dos trilhos por um tempo, mas não vai reverter o apetite por normalização com Israel e desescalada: um novo Oriente Médio”, afirmou ele.

Na manhã do domingo, outro sinal evidenciou-se em um grande jornal saudita, Asharq al-Awsat. Numa coluna, o ex-editor do diário Tariq Alhomayed criticou o Hamas e as facções palestinas por lançar o que ele qualificou como uma “guerra inútil”. Alhomayed acusou-os de servir aos seus apoiadores iranianos à custa do povo palestino. “O Irã não quer ver paz real; nem, especificamente, uma paz entre sauditas e israelenses”, escreveu ele. “Porque se essa paz acontecer, ela mudará a cara da região.” / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

The New York Times – Quando Emirados Árabes Unidos, Bahrein e Marrocos anunciaram que estavam estabelecendo relações com Israel, em 2020, autoridades dos emirados afirmaram que os acordos eram símbolos de paz e tolerância, enquanto o então presidente Donald Trump anunciou “a aurora de um novo Oriente Médio”.

Mas essas palavras pareceram vazias para muitos na região. Mesmo nos países que assinaram o pacto, batizado de Acordos de Abraão, o apoio aos palestinos – e inimizade em relação a Israel em razão das décadas de ocupação de seu território – continuou forte, particularmente conforme o governo israelense expandiu seus assentamentos coloniais na Cisjordânia palestina depois dos acordos.

No sábado, quando atiradores palestinos do território bloqueado de Gaza apareceram dentro de Israel, realizando o ataque mais ousado contra o país em décadas houve celebrações – mesmo enquanto centenas de israelenses e palestinos eram mortos e o primeiro-ministro de Israel, Binyamin Netanyahu, ameaçava uma “guerra longa e difícil” adiante.

Estudantes libaneses da Universidade Americana de Beirute levantam cartazes em apoio aos palestinos Foto: ANWAR AMRO/AFP - 09/10/23

“É a primeira vez que nos alegramos desta maneira por nossos irmãos palestinos”, afirmou Abdul Majeed Abdullah Hassan, de 70 anos, que se uniu a uma manifestação de centenas de pessoas no reino insular do Bahrein. No contexto da ocupação e do bloqueio praticados por Israel, a operação do Hamas “aqueceu nossos corações”, afirmou ele, qualificando o acordo de seu governo com os israelenses como “vergonhoso”.

Manifestações em solidariedade aos palestinos ocorreram por toda a região, incluindo no Bahrein, no Marrocos, na Turquia, no Iêmen, na Tunísia e no Kuwait. No Líbano, Hashem Safieddin, chefe do conselho executivo do Hezbollah, uma milícia apoiada pelo Irã, pronunciou um discurso inflamado glorificando “a era da resistência armada”. E na cidade costeira de Alexandria, no Egito, um policial abriu fogo contra turistas de Israel, matando dois israelenses e um egípcio.

As reverberações que emanam de Gaza enfatizam o que autoridades, acadêmicos e cidadãos da região têm afirmado há décadas: a causa palestina ainda é sentida profundamente como um grito de união que molda os contornos do Oriente Médio, e a posição de Israel na região continuará instável enquanto seu conflito com os palestinos não se resolver.

Acordos de “normalização” diplomática entre Israel e governos árabes – mesmo envolvendo a potência Arábia Saudita, onde autoridades americanos têm tentado pressionar recentemente por normalização – farão pouco para mudar esse quadro, afirmam muitos analistas especializados na região.

Área da faixa de Gaza destruída após ação de Israel em resposta ao ataque terrorista do Hamas Foto: Mahmud Hams/AFP

“A atual guerra é um lembrete cruel de que uma paz e prosperidade duradoura na região só será possível após a resolução do conflito israelo-palestino”, afirmou o professor Bader al-Saif, da Universidade do Kuwait. “Nenhuma exibição de força ou acrobacia que lide com Israel em outros registros pode escantear ou apagar este simples fato.”

Muitas nações árabes, incluindo Arábia Saudita, insistem há muito que o preço do reconhecimento de Israel tem de ser a criação do Estado palestino. Mas ao longo da década recente, esse cálculo mudou, conforme líderes autoritários comparam o impacto negativo de uma relação com Israel aos benefícios econômicos e em segurança que o movimento poderia oferecer – e ao que eles podem conseguir dos Estados Unidos em troca.

O governo Biden tem pressionado por um acordo que pretende estabelecer relações entre Israel e Arábia Saudita em troca de concessões significativas para o reino. Autoridades sauditas têm exigido garantias de segurança dos EUA e apoio para um programa civil de energia nuclear.

No mês passado, o príncipe-herdeiro da Arábia Saudita, Mohammed bin Salman, referiu-se publicamente às negociações pela primeira vez, afirmando numa entrevista à Fox News que as conversas pareciam “reais” pela primeira vez. E no início de outubro, os jornais do reino – que operam sob uma liberdade de imprensa limitada – começaram a publicar uma série de colunas que sutilmente ou abertamente favoráveis à normalização.

Os meios de comunicação sauditas também fizeram comentários do rei da Jordânia, Abdullah II, numa entrevista coletiva em Nova York, no mês passado, parecerem premonitórios: “Essa convicção de alguns na região de que é possível ignorar a Palestina – acertar-se primeiro com os árabes e procurar os palestinos depois – não funciona”, afirmou, ele.

De fato, alguns acadêmicos e autoridades árabes queixam-se de que seus alertas sobre acordos de normalização que não lidem sinceramente com o conflito israelo-palestino podem ter caído em ouvidos moucos.

Os eventos em Gaza, segundo escreveu o proeminente acadêmico saudita Khalid al-Dakhil na rede social X, são como os árabes dizendo, “Nós lhe avisamos”, para o presidente americano. “Ignorar o que é correto na busca de uma solução justa para a causa palestina cria uma armadilha para a região e ameaça a paz”, afirmou ele.

Autoridades americanas afirmam que a normalização é um passo crítico no sentido de um Oriente Médio mais integrado, com implicações positivas para a segurança regional e os interesses de defesa dos EUA.

“Há na verdade dois caminhos diante da região”, afirmou no domingo o secretário de Estado americano, Antony Blinken, no programa “Face the Nation”, da rede CBS. “Há o caminho de uma integração maior e mais estabilidade, incluindo, criticamente, garantir que israelenses e palestinos resolvam suas diferenças; ou há o caminho do terror em que o Hamas está envolvido, que não melhorou a vida de ninguém.”

Ele acrescentou: “Nós afirmamos desde o primeiro dia que, mesmo que estejamos trabalhando no sentido da normalização entre Israel e Arábia Saudita, isso não pode substituir a resolução das diferenças entre israelenses e palestinos”.

Mas muitos na região afirmam que essa normalização tem sabor de traição: o triunfo de governos e elites empresariais sobre a vontade de seu povo.

A causa palestina “é algo com que nós fomos criados desde pequenos e se tornou uma bússola para mostrar-nos o que é correto e justo”, afirmou Reem Maraj, de 34 anos, que participou de um simpósio no Bahrein, no sábado, que discutiu o resultado dos Acordos de Abraão três anos depois. “Se eu pudesse escolher, apagaria este pacto da história do meu país”, afirmou ela.

Pesquisas mostram que mesmo nos países árabes que mantêm relações com Israel, a maioria dos habitantes vê os Acordos de Abraão negativamente. “Nós defendemos completamente os direitos do povo palestino de libertar seu território”, afirmou Hassan Bennajeh, um dos organizadores dos protestos no Marrocos. “Nós estamos pedindo o fim da normalização porque ela não reflete a opinião dos marroquinos.”

O Ministério de Relações Exteriores do Catar emitiu um comunicado afirmando que considera o Estado de Israel “o único responsável pela atual escalada em razão de suas contínuas violações dos direitos do povo palestino”.

O governo do Irã, que há anos trava com Israel uma guerra nas sombras e dá apoio ao Hamas, comemorou o ataque do grupo no sábado.

E Ahmed Abu Zeid, porta-voz do Ministério de Relações Exteriores do Egito, afirmou em uma TV local na noite de ontem que seu país “vinha alertando, havia meses, a respeito do perigo das práticas provocativas” de Israel.

“A ocupação e desumanização dos palestinos transcorre explicitamente há décadas e forjou a maneira que os árabes percebem o conflito”, afirmou Al-Saif, o professor do Kuwait. “A Palestina é prioridade nas ruas árabes.”

Mesmo assim, o cientista político Abdulkhaleq Abdulla, dos EAU, previu que o acordo entre sauditas, americanos e israelenses deverá avançar. “Eu apostaria meu dinheiro nisso”, afirmou ele. “Se os americano pagarem o preço certo, eu acho que os sauditas colocarão seu interesse nacional em primeiro lugar.”

A violência em Israel “pode tirar as coisas dos trilhos por um tempo, mas não vai reverter o apetite por normalização com Israel e desescalada: um novo Oriente Médio”, afirmou ele.

Na manhã do domingo, outro sinal evidenciou-se em um grande jornal saudita, Asharq al-Awsat. Numa coluna, o ex-editor do diário Tariq Alhomayed criticou o Hamas e as facções palestinas por lançar o que ele qualificou como uma “guerra inútil”. Alhomayed acusou-os de servir aos seus apoiadores iranianos à custa do povo palestino. “O Irã não quer ver paz real; nem, especificamente, uma paz entre sauditas e israelenses”, escreveu ele. “Porque se essa paz acontecer, ela mudará a cara da região.” / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

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