Comunidade brasileira em Portugal é imensa e está em crescimento, diz vice-chanceler


Em entrevista ao ‘Estadão’, o vice-chanceler Francisco André afirma que casos de discriminação são pontuais e imigração brasileira tem papel importante no desenvolvimento econômico do país

Por Felipe Frazão
Atualização:
Foto: Felipe Frazão
Entrevista comFrancisco AndréSecretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Cooperação de Portugal

BRASÍLIA - O governo de Portugal regularizou neste ano a situação migratória de mais de 100 mil brasileiros que aguardavam autorização de residência no país, disse ao Estadão Francisco André, secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Cooperação. Ao todo, 110.621 cidadãos brasileiros haviam sido beneficiados, conforme dados atualizados até a segunda-feira passada, dia 19.

Em entrevista ao jornal durante visita a Brasília, ele afirmou que o número é resultado de uma série de instrumentos para agilizar o processo, entre eles a autorizarão automática de residência por até um ano, adotada em março. O documento de residência permite aos imigrantes a abertura de contas bancárias, formalização de emprego e aluguel de imóveis.

No ano passado, foram aprovadas as regras do Acordo de Mobilidade entre os Estados-membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), o que facilitou o trânsito de e para Portugal.

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Francisco André, secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Cooperação de Portugal, posa na embaixada com o retrato do presidente Marcelo Rebelo de Sousa Foto: Felipe Frazão

O secretário de Estado, cargo equivalente ao de um vice-chanceler, afirma que o Brasil segue como maior contingente no país e que espera que a comunidade continue a crescer. “Se os números da economia portuguesa são hoje muito positivos, com a economia a crescer com um desemprego diminuto, isso também se deve ao contributo dessa comunidade brasileira. São todos muito bem-vindos”, disse Francisco André.

Conforme os dados oficiais mais recentes, há 244 mil registrados pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) português e 275 mil no relatório consular de comunidades brasileiras do Itamaraty. Em ambos os casos, os dados foram coletados em 2021. Ainda segundo o órgão português, a comunidade brasileira passou a representar 29% do total de estrangeiros em Portugal, o patamar mais elevado desde 2012.

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O embaixador Leonardo Gorgulho, secretário de Comunidades Brasileiras e Assuntos Consulares e Jurídicos, voltou recentemente de Portugal e diz que as estimativas mais recentes do governo federal consideram de 350 mil a 400 mil brasileiros. Os dados oficiais são menores, segundo ele, porque excluem recém-chegados em regularização, os ilegais e quem tem cidadania europeia.

André associou episódios de discriminação relatados no Brasil com grande repercussão a movimentos populistas de direita em Portugal e disse que forças democráticas desse campo não podem se associar a radicais. A extrema direita portuguesa está fortalecendo conexão com o bolsonarismo. E a direita é favorita nas eleições antecipadas da vizinha Espanha, o que pode impactar inclusive as negociações de um acordo comercial entre Mercosul e União Europeia.

O secretário de Estado português disse que uma negociação tão longa tem momentos de avanço maior e menor, mas que os diplomatas devem se concentrar em trabalhar para solucionar dúvidas de cada parte e que o mais importante para o avanço é a “vontade política” dos governantes.

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“Não devemos nesta fase estar a fazer a interpretação de sinais. Nosso papel é trabalhar para tentar concluir este acordo o mais rapidamente possível a bem dos cidadãos dos nossos países”. disse ele a respeito do acordo, apesar das reações negativas do governo Luiz Inácio Lula da Silva nas últimas semanas.

Em raro momento de divergência com Lula, ele afirmou que a guerra “selvagem” da Ucrânia não deveria ser tratada como “conflito”, termo preferencial da diplomacia brasileira, e disse que a única saída para a paz é a retirada das tropas de Moscou.

“Todos os esforços no sentido contribuir para a paz são sempre positivos. Mas do ponto de vista de Portugal só há um único caminho e ele passa por terminar de imediato esta agressão russa, retirar as forças russas do território ucraniano e por fim imediato a esta destruição e a esta perda de vidas que temos vindo a assistir. Esse é o caminho imediato, eficaz e claro para a paz”, afirmou.

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Nascido em Leiria, em 1976, Francisco André é advogado formado em Direito na Universidade de Lisboa. Entre outros cargos na administração portuguesa, foi chefe de gabinete do primeiro-ministro, António Costa, entre 2018 e 2020, e conselheiro nas representações do país junto à União Europeia e à OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico).

O secretário de Estado português Francisco André ressalta que forças democráticas, mesmo de direita, não devem se associar a populistas para chegar ao poder Foto: Felipe Frazão

Leia a seguir os principais trechos da entrevista:

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Atualmente 4,5 milhões de brasileiros vivem no exterior. Portugal tem a segunda maior comunidade, com 275 mil pessoas, segundo a estatística oficial de 2021, mas estimativas mais recentes do Itamaraty indicam entre 300 mil e 400 mil. Recentemente houve adoção de um protocolo de residência automática por um ano. Qual foi o impacto?

A comunidade brasileira em Portugal é imensa e está em crescimento. É a comunidade que mais cresce em Portugal e, somente neste ano, já houve uma regularização da residência de mais de 100 mil cidadãos brasileiros, pelas diversas formas de autorização da residência que nós temos em Portugal. Havia muitos milhares de brasileiros que já se encontravam em Portugal e que necessitavam realizar a sua situação, a autorização de residência.

Não podemos esquecer os muitos milhares de brasileiros que também têm nacionalidade portuguesa. É uma comunidade muito bem integrada, que gosta muito de viver em Portugal e, o que é mais importante sublinhar, é uma comunidade que contribui decisivamente para um desenvolvimento econômico e social do nosso país. Se os números da economia portuguesa são hoje muito positivos, com a economia a crescer com um desemprego diminuto, isso também se deve ao contributo dessa comunidade brasileira.

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Há vários instrumentos que permitiram o crescimento da comunidade brasileira em Portugal e temos que fazer melhor uso destes instrumentos. Nós temos cidadãos brasileiros que vão para Portugal reencontrar-se com as suas famílias, trabalhar, estudar e como investidores, vão montar os seus negócios e que escolhem em Portugal como o país onde devem querem continuar as suas vidas. São todos bem-vindos.

Apesar desses laços todos, nem sempre a convivência é tão harmoniosa. Temos muitos relatos de brasileiros que se queixam de xenofobia, de racismo. Há casos muito conhecidos em universidades. Um estudo Casa do Brasil de Lisboa cita que 91% dos brasileiros entrevistados por eles relataram algum tipo de discriminação. Como o governo português aborda esse problema? Existe alguma política específica para que a inserção na sociedade portuguesa seja melhor do que tem sido?

Não conheço o estudo em causa, mas posso dizer que casos como esses, quando existem, são casos apenas pontuais. Há de fato hoje uma grande convivência entre cidadãos brasileiros e cidadãos portugueses em todas as instituições de ensino superior em Portugal. Há muitos docentes brasileiros nas instituições do ensino superior em Portugal, muitos pesquisadores universitários e, portanto, é importante ter consciência que esses casos são pontuais e que, mesmo assim, as instituições atuam para corrigir qualquer comportamento menos correto ou negativo que possa existir.

Esses casos pontuais não refletem a generalidade e a realidade daquilo que se vive. O importante é haver mecanismos para, quando ocorrer - e são raras as vezes-, alertar e, se puder, tomarem as medidas necessárias e corrigir.

Temos grande orgulho nesta forma como convivemos tão bem entre os dois países e como a comunidade brasileira é uma comunidade tão bem integrada no nosso país. Os casos negativos e pontuais quando existem têm que ser corrigidos e as medidas têm que ser tomadas. Mas não confundamos um caso que acontece raramente com aquilo que acontece todos os dias.

Citei as universidades porque os casos tiveram muita repercussão aqui no Brasil. Teve também uma celebridade pública que reclamou de um tratamento na rua. Embora o caso possa ser pontual, a queixa tem sido recorrente.

Nunca podemos cair no erro de tornar generalizar casos que acontecem uma única vez e torná-las como se fossem a generalidade. Não é isso que acontece e, portanto, não podemos cair nesse erro. Isso é o que fazem outros movimentos com os quais profundamente e abertamente. São teorias veiculadas por movimentos populistas que gostam de incitar a divisão e que gostam de desrespeitar a diferença.

Como o senhor avalia a realidade política local e europeia, sobretudo o crescimento da direita, que vimos em eleições na França, na Espanha, na Itália, em Portugal? Houve uma recente reunião entre o deputado André Ventura, do Chega, e o deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP). Podemos esperar uma conexão e uma influência real entre quem representa hoje a direita no Brasil e quem representa em Portugal?

Nós democratas temos assistido com muita preocupação o surgimento de movimentos populistas por todo o mundo, movimentos que se alimentam sobretudo do medo, da falta de respeito pela diferença, de uma realidade paralela que não existe, num discurso político totalmente alicerçado em notícias falsas e que têm dado origem a líderes populistas. Tudo o que têm feito é criar instabilidade instabilidade em cada um dos seus países e também têm tentado criar a instabilidade à escala global. Cada país tem que encontrar as melhores formas de combater esses movimentos populistas.

O Brasil tem um presidente da República popular e temos que combater os populistas. O populismo aqui no Brasil já teve consequências trágicas quanto ao funcionamento da democracia e também no campo da segurança e sobretudo consequências políticas. Nós todos vimos com muita preocupação aquilo que aconteceu em janeiro deste ano aqui no Brasil e que mereceu uma condenação imediata e uma expressão solidariedade total da parte do primeiro-ministro de Portugal ao presidente Lula. O Brasil está a fazer o seu caminho nesse combate ao populismo, conseguiu ultrapassar uma fase bastante complexa, e, portanto o Brasil desse ponto de vista não recebe lições de ninguém.

A direita portuguesa fez uma manifestação hostil durante a passagem de Lula pelo parlamento.

Fez várias manifestações de caráter populista, muitas vezes xenófobo, e o que nós temos que fazer é combater esse mesmo fenômeno, esta forma errada, vergonhosa mesmo, de fazer política sem respeitar a verdade e a ciência, que é como esses movimentos têm atuado. Temos sobretudo de falar a verdade e explicar aos eleitores o que está em causa em cada momento, até para impedir que muitos políticos democráticos caiam na armadilha de unir forças com essas movimentos.

O explica na sua visão o crescimento global e esse respaldo eleitoral do fenômeno do populismo de direita?

São movimentos que se alimentam muito do medo, da polarização e da necessidade de estar sempre dividido, de encontrar um inimigo, um adversário fictício para fazer aquilo que mais querem. Não haja nenhum engano: o objetivo de todos esses movimentos é sempre destruir a democracia.

A direita é favorita nas eleições da Espanha, que foram antecipadas, e vimos também o crescimento da extrema-direita local, o Vox. Também há favoritismo desse grupo na eleição da Argentina. Que impactos essa vitória da direita teria no acordo que se negocia entre Mercosul e a União Europeia há mais de 20 anos?

O importante é continuarmos a trabalhar para que esta acordo possa ser concluído. Tivemos uma reunião do presidente Lula com a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, numa atmosfera amistosa e positiva e com uma grande vontade de trabalhar. Num acordo desta dimensão e desta complexidade, o mais importante é vontade política de ir em frente e de fazer o acordo. E isso ficou expresso. Cabe agora aos negociadores de cada país continuarem a trabalhar para irem ao encontro daquela que é à vontade política das suas lideranças. A vontade política é de fato de que se possa concluir este acordo que será um marco fundamental no relacionamento entre duas regiões tão importantes no mundo e sobretudo dentro de duas regiões partilham tanto em termos de princípios, de valores, da forma como veem o mundo. É por isso que esse acordo é importante do ponto de vista econômico e também tem uma dimensão geoestratégica muito relevante. Cabe a nós todos continuarmos a trabalhar para concluir esse acordo mais rapidamente possível.

Havia expectativa de conclusão do acordo em julho, mas após o encontro a representante europeia falou no fim do ano, um anticlímax. Lula, por sua vez, disse que se a Europa não desistir de acessar as compras de governamentais brasileiras, hoje uma reserva de mercado, “não terá acordo”. Isso significaria rediscutir o que já foi negociado. Não inviabiliza a assinatura?

Este é um acordo sem precedentes. A única declaração responsável que um responsável político pode fazer é que um acordo desta escala tem uma negociação longa, intensa e com vários momentos em que avançamos mais e outros em que avançamos menos. Todos os responsáveis diplomáticos de qualquer país sabem que o que verdadeiramente preside a capacidade de sucesso da conclusão de um acordo é a vontade política de concluir esse acordo e essa vontade já foi expressa.

Há sempre dificuldades na negociação do acordo desta dimensão e portanto o que nos cabe o que nos cabe agora como trabalho como tarefa é o máximo empenho de cada parte para podermos ultrapassar essas dificuldades. Não conheço na história nenhum acordo diplomático que se faça sem negociação e sem ultrapassar dificuldades ou dúvidas de cada uma das partes.

Não sendo otimista, não sendo pessimista, mas sendo objetivo e responsável: é um acordo que vai ter benefícios muito relevantes para todos os países e isso já foi assumido por muitos países da União Europeia e por vários países do Mercosul.

Foram sinais ruins o fato de Lula ter cancelado presença na cúpula dos chefes do Estado da Celac (Comunidade de Estados Latino-americanos e Caribenhos) com União Europeia em Bruxelas e a aprovação de um veto ao acordo por ampla maioria no parlamento francês?

Não devemos nesta fase estar a fazer a interpretação de sinais. Nosso papel é trabalhar para tentar concluir este acordo o mais rapidamente possível a bem dos cidadãos dos nossos países.

O Brasil reagiu mal às exigências ambientais adicionais propostas pela UE, que podem virar sanções ao País, e também viu problemas na lei anti-desmatamento recentemente adotada.

O processo negocial está em curso. O essencial é que o Brasil, desde a chegada do presidente Lula da Silva, tem manifestado uma grande sintonia com países da União Europeia sobre todos os nossos objetivos centrais e urgentes de combate aos efeitos das alterações climáticas. O Brasil joga papel fulcral nesta discussão e no combate às consequências de mudanças climáticas.

Há alguma influência nessa negociação do posicionamento que o Brasil adota em relação ao conflito na Ucrânia?

Não. Quero desfazer alguns equívocos. O que se passa no Ucrânia não é um conflito é uma guerra, que se caracteriza por ser ilegal, inaceitável e injustificável e muitas vezes selvagem, como nós vemos todos os dias através das imagens que nos entram em casa pela televisão.

A diplomacia brasileira, no governo Lula, em geral descreve como “conflito” e evita a palavra “guerra”.

A diplomacia portuguesa utiliza a palavra guerra, como bem sabemos. O Brasil e Portugal condenam a violação da integridade territorial da Ucrânia, ambos os países condenam a destruição estruturas da Ucrânia, condenam esta mortandade horrível que está a ser infringida pela Rússia à Ucrânia e têm votado nesse mesmo sentido - já o fizeram em quatro resoluções - no âmbito das Nações Unidas.

Portanto, nos momentos centrais que são verdadeiramente importantes do ponto de vista político ou diplomático nas Nações Unidas cada vez que tanto o Brasil como Portugal são chamadas a pronunciar-se sobre o que está em causa temos tido posições semelhantes.

Apesar de ter sido convidado para uma Cúpula da Paz pelo governo da Ucrânia e de sugerir que possa mediar um acordo de paz, Lula tem compartilhado a impressão de que neste momento nenhum dos lados quer verdadeiramente ceder. Ele está correto? Existe essa mesma impressão em Portugal?

Todos os esforços no sentido contribuir para a paz são sempre positivos. Mas do ponto de vista de Portugal só há um único caminho e ele passa por terminar de imediato esta agressão russa, retirar as forças russas do território ucraniano e por fim imediato a esta destruição e a esta perda de vidas que temos vindo a assistir. Esse é o caminho imediato, eficaz e claro para a paz.

Portugal continuará a apoiar o Ucrânia e a defender a sua integridade territorial enquanto for preciso. E Portugal vai fazê-lo nos vários planos. Desde logo no plano humanitário a prestar assistência e a acolher ucranianos que têm encontrado um refúgio em Portugal enquanto o seu país está a ser atacado pela Rússia. Portugal já acolheu cerca de 60.000 ucranianos - e desses um grande número de crianças se encontram a estudar nas escolas portuguesas. Também apoiamos e vamos continuar do ponto de vista financeiro em várias vertentes contribuindo para os vários fundos, mas apoiando bilateralmente a Ucrânia do ponto de vista financeiro e até já com um compromisso assumido de participarmos na reconstrução da escolas na Ucrânia. E apoiamos também militarmente, através da formação das Forças Armadas ucranianas quando necessário e do fornecimento de material militar.

Portugal comprou cinco aviões da Embraer KC-390. Um já foi entregue, tem mais um ano que vem e os demais até 2027. É o suficiente, tendo em perspectiva que muitos países europeus estão fazendo revisões das suas capacidades de defesa, em face da guerra na Ucrânia?

Nós estamos nesta fase muito satisfeitos com este projeto comum, com a aquisição destas aeronaves. Tem um grande significado para Portugal até por serem adquiridos a uma empresa brasileira. Quanto às questões que se colocam relativamente ao futuro, vamos continuar a trabalhar e analisá-las em cada momento.

Houve avanço no acordo para fabricação dos aviões da Embraer Super Tucanos em Portugal? A expectativa brasileira é que isso sirva como porta de entrada para acessar o mercado da Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte).

As empresas estão muito empenhadas e que já houve até visitas da parte portuguesa ao Brasil no mês passado. Todos os sinais são positivos para isto avançar o mais rapidamente possível. É também essa a expectativa da parte portuguesa. No fundo reflete a forma como dois países que são tão próximas podem olhar para o mundo aproveitar cada vez mais e melhor as sinergias de cada um em cada espaço na Europa e noutros continentes.

Desde a vitória de Lula, houve uma aproximação intensa com Portugal, com duas visitas dele ao país, uma cúpula há dois meses, contatos de alto nível, ministros circulando entre Brasília e Lisboa nesta semana. Agora a sua visita e de outras autoridades até o fim de junho. A mudança de ares se deve somente à afinidade política entre os governantes?

Acho que devemos olhar para este momento muito bom com bastante satisfação, da parte de Portugal e da parte do Brasil. É isso que eu sinto dos interlocutores brasileiros. Há de fato uma grande retomada no relacionamento a mais alto nível entre Brasil e Portugal. Tivemos um intervalo de vários anos desde a cimeira (cúpula) anterior. Era necessário fazer corresponder o relacionamento político àquilo que já é a ligação de amizade familiar que existe tão forte entre os nossos dois países. O presidente Lula, enquanto presidente eleito, visitou Portugal ainda em novembro de 2022, naquela que foi a sua primeira viagem. Desde então temos vindo a trabalhar para este resultado tão importante que foi esta semana de abril. Tivemos uma visita de Estado a convite do presidente da República de Portugal (Marcelo Rebelo de Sousa) seguida de uma cimeira entre os dois governos, do presidente Lula e do do primeiro ministro, António Costa. Foi uma visita excelente e uma cimeira absolutamente excecional em termos de resultados. Decorreu num clima de grande alegria de podermos voltar a encontrar dessa forma tão próxima e fraterna entre os dois países e entre as autoridades políticas dos dois países, num clima de grande cumplicidade entre o governo do Brasil e o governo de Portugal. A chegada do presidente Lula de fato deu um impulso significativo no relançar do relacionamento entre os dois países. Li muitas vezes que “o Brasil está de volta”. Portugal está muito satisfeito de ter o Brasil de volta e, como disse o primeiro ministro António Costa, “o Brasil está de volta e Portugal não quer deixar-se ir”.

Foram assinados 13 acordos. O que o senhor pode atualizar em termos de avanços desde então?

Não é normal nestas cimeiras conseguirmos concluir e assinar 13 acordos. Isso mostra bem o nível, a densidade e a profundidade do relacionamento. Houve três componentes distintas, mas todas concorrem para o mesmo objetivo que é esta excelência na relação. Uma primeira é a componente política ou diplomática, onde se retomaram os contatos, mas sobretudo com a capacidade de podermos organizar trabalho conjunto e objetivos.

Teve uma segunda vertente econômica muito relevante, uma grande vontade de Brasil e Portugal olharem um para o outro como dois países com imensas oportunidades para oferecer às suas empresas. Enfrentamos hoje desafios complexos do ponto de vista econômico e é nosso entendimento que dois países tão amigos, países-irmãos, se trabalharem em conjunto, podem enfrentar melhor esses desafios e tornarmo-nos mais mais resilientes a este choques que têm vindo a afligir a economia global. Um resultado essencial é que a Apex-Brasil vai abrir em Lisboa o seu primeiro escritório na Europa, e vai fazê-lo já este ano. Na semana passada houve um fórum empresarial aqui em Brasília e eu mesmo mantive encontro com o empresários em São Paulo, visitei uma grande feira de vinhos.

E teve uma dimensão absolutamente fundamental que foi a dimensão cultural. Este ano fizemos 49 anos do 25 de abril de Portugal, data da revolução que trouxe a democracia para Portugal e isso teve um grande significado também nesta visita. Teve momentos únicos dos quais eu destaco um absolutamente marcante, que vai ficar na história dos nossos dois países, que foi finalmente depois de alguns anos de intervalo a entrega do Prêmio Camões ao Chico Buarque. Ocorreu de forma muito emotiva e familiar. Chico Buarque é um vulto da cultura brasileira, adorado em Portugal e, se me permitem a ousadia de pedir o Chico Buarque emprestado, é também já um vulto da cultura portuguesa. Nós bem sabemos que Chico Buarque, através de uma das suas obras, foi quem melhor interpretou a revolução de abril.

Há planos de expansão da cátedras Camões?

Eu desloquei-me ao Brasil para participar do encontro anual de Cátedras de Camões aqui no Brasil. Nós já temos oito cátedras no Brasil, é o segundo país do mundo com mais cátedras do Camões. O número tende a aumentar. Temos planos de expansão, porque sentimos da parte da academia brasileira grande interesse em trabalhar mais em conjunto. E nós estamos disponíveis e com muita vontade de fazer esse caminho. Aliás, tem uma recém-criada instituição brasileira, o Instituto Guimarães Rosa, com quem nós queremos também trabalhar.

Na semana passada anunciamos que no próximo ano, em 2024, vamos também ter o primeiro encontro mundial de cátedras do Camões e decidimos anunciá-lo aqui no Brasil porque sabemos que o contributo do Brasil para este tipo de políticas públicas a promoção das nossas culturas é absolutamente decisivo e essencial.

BRASÍLIA - O governo de Portugal regularizou neste ano a situação migratória de mais de 100 mil brasileiros que aguardavam autorização de residência no país, disse ao Estadão Francisco André, secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Cooperação. Ao todo, 110.621 cidadãos brasileiros haviam sido beneficiados, conforme dados atualizados até a segunda-feira passada, dia 19.

Em entrevista ao jornal durante visita a Brasília, ele afirmou que o número é resultado de uma série de instrumentos para agilizar o processo, entre eles a autorizarão automática de residência por até um ano, adotada em março. O documento de residência permite aos imigrantes a abertura de contas bancárias, formalização de emprego e aluguel de imóveis.

No ano passado, foram aprovadas as regras do Acordo de Mobilidade entre os Estados-membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), o que facilitou o trânsito de e para Portugal.

Francisco André, secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Cooperação de Portugal, posa na embaixada com o retrato do presidente Marcelo Rebelo de Sousa Foto: Felipe Frazão

O secretário de Estado, cargo equivalente ao de um vice-chanceler, afirma que o Brasil segue como maior contingente no país e que espera que a comunidade continue a crescer. “Se os números da economia portuguesa são hoje muito positivos, com a economia a crescer com um desemprego diminuto, isso também se deve ao contributo dessa comunidade brasileira. São todos muito bem-vindos”, disse Francisco André.

Conforme os dados oficiais mais recentes, há 244 mil registrados pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) português e 275 mil no relatório consular de comunidades brasileiras do Itamaraty. Em ambos os casos, os dados foram coletados em 2021. Ainda segundo o órgão português, a comunidade brasileira passou a representar 29% do total de estrangeiros em Portugal, o patamar mais elevado desde 2012.

O embaixador Leonardo Gorgulho, secretário de Comunidades Brasileiras e Assuntos Consulares e Jurídicos, voltou recentemente de Portugal e diz que as estimativas mais recentes do governo federal consideram de 350 mil a 400 mil brasileiros. Os dados oficiais são menores, segundo ele, porque excluem recém-chegados em regularização, os ilegais e quem tem cidadania europeia.

André associou episódios de discriminação relatados no Brasil com grande repercussão a movimentos populistas de direita em Portugal e disse que forças democráticas desse campo não podem se associar a radicais. A extrema direita portuguesa está fortalecendo conexão com o bolsonarismo. E a direita é favorita nas eleições antecipadas da vizinha Espanha, o que pode impactar inclusive as negociações de um acordo comercial entre Mercosul e União Europeia.

O secretário de Estado português disse que uma negociação tão longa tem momentos de avanço maior e menor, mas que os diplomatas devem se concentrar em trabalhar para solucionar dúvidas de cada parte e que o mais importante para o avanço é a “vontade política” dos governantes.

“Não devemos nesta fase estar a fazer a interpretação de sinais. Nosso papel é trabalhar para tentar concluir este acordo o mais rapidamente possível a bem dos cidadãos dos nossos países”. disse ele a respeito do acordo, apesar das reações negativas do governo Luiz Inácio Lula da Silva nas últimas semanas.

Em raro momento de divergência com Lula, ele afirmou que a guerra “selvagem” da Ucrânia não deveria ser tratada como “conflito”, termo preferencial da diplomacia brasileira, e disse que a única saída para a paz é a retirada das tropas de Moscou.

“Todos os esforços no sentido contribuir para a paz são sempre positivos. Mas do ponto de vista de Portugal só há um único caminho e ele passa por terminar de imediato esta agressão russa, retirar as forças russas do território ucraniano e por fim imediato a esta destruição e a esta perda de vidas que temos vindo a assistir. Esse é o caminho imediato, eficaz e claro para a paz”, afirmou.

Nascido em Leiria, em 1976, Francisco André é advogado formado em Direito na Universidade de Lisboa. Entre outros cargos na administração portuguesa, foi chefe de gabinete do primeiro-ministro, António Costa, entre 2018 e 2020, e conselheiro nas representações do país junto à União Europeia e à OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico).

O secretário de Estado português Francisco André ressalta que forças democráticas, mesmo de direita, não devem se associar a populistas para chegar ao poder Foto: Felipe Frazão

Leia a seguir os principais trechos da entrevista:

Atualmente 4,5 milhões de brasileiros vivem no exterior. Portugal tem a segunda maior comunidade, com 275 mil pessoas, segundo a estatística oficial de 2021, mas estimativas mais recentes do Itamaraty indicam entre 300 mil e 400 mil. Recentemente houve adoção de um protocolo de residência automática por um ano. Qual foi o impacto?

A comunidade brasileira em Portugal é imensa e está em crescimento. É a comunidade que mais cresce em Portugal e, somente neste ano, já houve uma regularização da residência de mais de 100 mil cidadãos brasileiros, pelas diversas formas de autorização da residência que nós temos em Portugal. Havia muitos milhares de brasileiros que já se encontravam em Portugal e que necessitavam realizar a sua situação, a autorização de residência.

Não podemos esquecer os muitos milhares de brasileiros que também têm nacionalidade portuguesa. É uma comunidade muito bem integrada, que gosta muito de viver em Portugal e, o que é mais importante sublinhar, é uma comunidade que contribui decisivamente para um desenvolvimento econômico e social do nosso país. Se os números da economia portuguesa são hoje muito positivos, com a economia a crescer com um desemprego diminuto, isso também se deve ao contributo dessa comunidade brasileira.

Há vários instrumentos que permitiram o crescimento da comunidade brasileira em Portugal e temos que fazer melhor uso destes instrumentos. Nós temos cidadãos brasileiros que vão para Portugal reencontrar-se com as suas famílias, trabalhar, estudar e como investidores, vão montar os seus negócios e que escolhem em Portugal como o país onde devem querem continuar as suas vidas. São todos bem-vindos.

Apesar desses laços todos, nem sempre a convivência é tão harmoniosa. Temos muitos relatos de brasileiros que se queixam de xenofobia, de racismo. Há casos muito conhecidos em universidades. Um estudo Casa do Brasil de Lisboa cita que 91% dos brasileiros entrevistados por eles relataram algum tipo de discriminação. Como o governo português aborda esse problema? Existe alguma política específica para que a inserção na sociedade portuguesa seja melhor do que tem sido?

Não conheço o estudo em causa, mas posso dizer que casos como esses, quando existem, são casos apenas pontuais. Há de fato hoje uma grande convivência entre cidadãos brasileiros e cidadãos portugueses em todas as instituições de ensino superior em Portugal. Há muitos docentes brasileiros nas instituições do ensino superior em Portugal, muitos pesquisadores universitários e, portanto, é importante ter consciência que esses casos são pontuais e que, mesmo assim, as instituições atuam para corrigir qualquer comportamento menos correto ou negativo que possa existir.

Esses casos pontuais não refletem a generalidade e a realidade daquilo que se vive. O importante é haver mecanismos para, quando ocorrer - e são raras as vezes-, alertar e, se puder, tomarem as medidas necessárias e corrigir.

Temos grande orgulho nesta forma como convivemos tão bem entre os dois países e como a comunidade brasileira é uma comunidade tão bem integrada no nosso país. Os casos negativos e pontuais quando existem têm que ser corrigidos e as medidas têm que ser tomadas. Mas não confundamos um caso que acontece raramente com aquilo que acontece todos os dias.

Citei as universidades porque os casos tiveram muita repercussão aqui no Brasil. Teve também uma celebridade pública que reclamou de um tratamento na rua. Embora o caso possa ser pontual, a queixa tem sido recorrente.

Nunca podemos cair no erro de tornar generalizar casos que acontecem uma única vez e torná-las como se fossem a generalidade. Não é isso que acontece e, portanto, não podemos cair nesse erro. Isso é o que fazem outros movimentos com os quais profundamente e abertamente. São teorias veiculadas por movimentos populistas que gostam de incitar a divisão e que gostam de desrespeitar a diferença.

Como o senhor avalia a realidade política local e europeia, sobretudo o crescimento da direita, que vimos em eleições na França, na Espanha, na Itália, em Portugal? Houve uma recente reunião entre o deputado André Ventura, do Chega, e o deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP). Podemos esperar uma conexão e uma influência real entre quem representa hoje a direita no Brasil e quem representa em Portugal?

Nós democratas temos assistido com muita preocupação o surgimento de movimentos populistas por todo o mundo, movimentos que se alimentam sobretudo do medo, da falta de respeito pela diferença, de uma realidade paralela que não existe, num discurso político totalmente alicerçado em notícias falsas e que têm dado origem a líderes populistas. Tudo o que têm feito é criar instabilidade instabilidade em cada um dos seus países e também têm tentado criar a instabilidade à escala global. Cada país tem que encontrar as melhores formas de combater esses movimentos populistas.

O Brasil tem um presidente da República popular e temos que combater os populistas. O populismo aqui no Brasil já teve consequências trágicas quanto ao funcionamento da democracia e também no campo da segurança e sobretudo consequências políticas. Nós todos vimos com muita preocupação aquilo que aconteceu em janeiro deste ano aqui no Brasil e que mereceu uma condenação imediata e uma expressão solidariedade total da parte do primeiro-ministro de Portugal ao presidente Lula. O Brasil está a fazer o seu caminho nesse combate ao populismo, conseguiu ultrapassar uma fase bastante complexa, e, portanto o Brasil desse ponto de vista não recebe lições de ninguém.

A direita portuguesa fez uma manifestação hostil durante a passagem de Lula pelo parlamento.

Fez várias manifestações de caráter populista, muitas vezes xenófobo, e o que nós temos que fazer é combater esse mesmo fenômeno, esta forma errada, vergonhosa mesmo, de fazer política sem respeitar a verdade e a ciência, que é como esses movimentos têm atuado. Temos sobretudo de falar a verdade e explicar aos eleitores o que está em causa em cada momento, até para impedir que muitos políticos democráticos caiam na armadilha de unir forças com essas movimentos.

O explica na sua visão o crescimento global e esse respaldo eleitoral do fenômeno do populismo de direita?

São movimentos que se alimentam muito do medo, da polarização e da necessidade de estar sempre dividido, de encontrar um inimigo, um adversário fictício para fazer aquilo que mais querem. Não haja nenhum engano: o objetivo de todos esses movimentos é sempre destruir a democracia.

A direita é favorita nas eleições da Espanha, que foram antecipadas, e vimos também o crescimento da extrema-direita local, o Vox. Também há favoritismo desse grupo na eleição da Argentina. Que impactos essa vitória da direita teria no acordo que se negocia entre Mercosul e a União Europeia há mais de 20 anos?

O importante é continuarmos a trabalhar para que esta acordo possa ser concluído. Tivemos uma reunião do presidente Lula com a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, numa atmosfera amistosa e positiva e com uma grande vontade de trabalhar. Num acordo desta dimensão e desta complexidade, o mais importante é vontade política de ir em frente e de fazer o acordo. E isso ficou expresso. Cabe agora aos negociadores de cada país continuarem a trabalhar para irem ao encontro daquela que é à vontade política das suas lideranças. A vontade política é de fato de que se possa concluir este acordo que será um marco fundamental no relacionamento entre duas regiões tão importantes no mundo e sobretudo dentro de duas regiões partilham tanto em termos de princípios, de valores, da forma como veem o mundo. É por isso que esse acordo é importante do ponto de vista econômico e também tem uma dimensão geoestratégica muito relevante. Cabe a nós todos continuarmos a trabalhar para concluir esse acordo mais rapidamente possível.

Havia expectativa de conclusão do acordo em julho, mas após o encontro a representante europeia falou no fim do ano, um anticlímax. Lula, por sua vez, disse que se a Europa não desistir de acessar as compras de governamentais brasileiras, hoje uma reserva de mercado, “não terá acordo”. Isso significaria rediscutir o que já foi negociado. Não inviabiliza a assinatura?

Este é um acordo sem precedentes. A única declaração responsável que um responsável político pode fazer é que um acordo desta escala tem uma negociação longa, intensa e com vários momentos em que avançamos mais e outros em que avançamos menos. Todos os responsáveis diplomáticos de qualquer país sabem que o que verdadeiramente preside a capacidade de sucesso da conclusão de um acordo é a vontade política de concluir esse acordo e essa vontade já foi expressa.

Há sempre dificuldades na negociação do acordo desta dimensão e portanto o que nos cabe o que nos cabe agora como trabalho como tarefa é o máximo empenho de cada parte para podermos ultrapassar essas dificuldades. Não conheço na história nenhum acordo diplomático que se faça sem negociação e sem ultrapassar dificuldades ou dúvidas de cada uma das partes.

Não sendo otimista, não sendo pessimista, mas sendo objetivo e responsável: é um acordo que vai ter benefícios muito relevantes para todos os países e isso já foi assumido por muitos países da União Europeia e por vários países do Mercosul.

Foram sinais ruins o fato de Lula ter cancelado presença na cúpula dos chefes do Estado da Celac (Comunidade de Estados Latino-americanos e Caribenhos) com União Europeia em Bruxelas e a aprovação de um veto ao acordo por ampla maioria no parlamento francês?

Não devemos nesta fase estar a fazer a interpretação de sinais. Nosso papel é trabalhar para tentar concluir este acordo o mais rapidamente possível a bem dos cidadãos dos nossos países.

O Brasil reagiu mal às exigências ambientais adicionais propostas pela UE, que podem virar sanções ao País, e também viu problemas na lei anti-desmatamento recentemente adotada.

O processo negocial está em curso. O essencial é que o Brasil, desde a chegada do presidente Lula da Silva, tem manifestado uma grande sintonia com países da União Europeia sobre todos os nossos objetivos centrais e urgentes de combate aos efeitos das alterações climáticas. O Brasil joga papel fulcral nesta discussão e no combate às consequências de mudanças climáticas.

Há alguma influência nessa negociação do posicionamento que o Brasil adota em relação ao conflito na Ucrânia?

Não. Quero desfazer alguns equívocos. O que se passa no Ucrânia não é um conflito é uma guerra, que se caracteriza por ser ilegal, inaceitável e injustificável e muitas vezes selvagem, como nós vemos todos os dias através das imagens que nos entram em casa pela televisão.

A diplomacia brasileira, no governo Lula, em geral descreve como “conflito” e evita a palavra “guerra”.

A diplomacia portuguesa utiliza a palavra guerra, como bem sabemos. O Brasil e Portugal condenam a violação da integridade territorial da Ucrânia, ambos os países condenam a destruição estruturas da Ucrânia, condenam esta mortandade horrível que está a ser infringida pela Rússia à Ucrânia e têm votado nesse mesmo sentido - já o fizeram em quatro resoluções - no âmbito das Nações Unidas.

Portanto, nos momentos centrais que são verdadeiramente importantes do ponto de vista político ou diplomático nas Nações Unidas cada vez que tanto o Brasil como Portugal são chamadas a pronunciar-se sobre o que está em causa temos tido posições semelhantes.

Apesar de ter sido convidado para uma Cúpula da Paz pelo governo da Ucrânia e de sugerir que possa mediar um acordo de paz, Lula tem compartilhado a impressão de que neste momento nenhum dos lados quer verdadeiramente ceder. Ele está correto? Existe essa mesma impressão em Portugal?

Todos os esforços no sentido contribuir para a paz são sempre positivos. Mas do ponto de vista de Portugal só há um único caminho e ele passa por terminar de imediato esta agressão russa, retirar as forças russas do território ucraniano e por fim imediato a esta destruição e a esta perda de vidas que temos vindo a assistir. Esse é o caminho imediato, eficaz e claro para a paz.

Portugal continuará a apoiar o Ucrânia e a defender a sua integridade territorial enquanto for preciso. E Portugal vai fazê-lo nos vários planos. Desde logo no plano humanitário a prestar assistência e a acolher ucranianos que têm encontrado um refúgio em Portugal enquanto o seu país está a ser atacado pela Rússia. Portugal já acolheu cerca de 60.000 ucranianos - e desses um grande número de crianças se encontram a estudar nas escolas portuguesas. Também apoiamos e vamos continuar do ponto de vista financeiro em várias vertentes contribuindo para os vários fundos, mas apoiando bilateralmente a Ucrânia do ponto de vista financeiro e até já com um compromisso assumido de participarmos na reconstrução da escolas na Ucrânia. E apoiamos também militarmente, através da formação das Forças Armadas ucranianas quando necessário e do fornecimento de material militar.

Portugal comprou cinco aviões da Embraer KC-390. Um já foi entregue, tem mais um ano que vem e os demais até 2027. É o suficiente, tendo em perspectiva que muitos países europeus estão fazendo revisões das suas capacidades de defesa, em face da guerra na Ucrânia?

Nós estamos nesta fase muito satisfeitos com este projeto comum, com a aquisição destas aeronaves. Tem um grande significado para Portugal até por serem adquiridos a uma empresa brasileira. Quanto às questões que se colocam relativamente ao futuro, vamos continuar a trabalhar e analisá-las em cada momento.

Houve avanço no acordo para fabricação dos aviões da Embraer Super Tucanos em Portugal? A expectativa brasileira é que isso sirva como porta de entrada para acessar o mercado da Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte).

As empresas estão muito empenhadas e que já houve até visitas da parte portuguesa ao Brasil no mês passado. Todos os sinais são positivos para isto avançar o mais rapidamente possível. É também essa a expectativa da parte portuguesa. No fundo reflete a forma como dois países que são tão próximas podem olhar para o mundo aproveitar cada vez mais e melhor as sinergias de cada um em cada espaço na Europa e noutros continentes.

Desde a vitória de Lula, houve uma aproximação intensa com Portugal, com duas visitas dele ao país, uma cúpula há dois meses, contatos de alto nível, ministros circulando entre Brasília e Lisboa nesta semana. Agora a sua visita e de outras autoridades até o fim de junho. A mudança de ares se deve somente à afinidade política entre os governantes?

Acho que devemos olhar para este momento muito bom com bastante satisfação, da parte de Portugal e da parte do Brasil. É isso que eu sinto dos interlocutores brasileiros. Há de fato uma grande retomada no relacionamento a mais alto nível entre Brasil e Portugal. Tivemos um intervalo de vários anos desde a cimeira (cúpula) anterior. Era necessário fazer corresponder o relacionamento político àquilo que já é a ligação de amizade familiar que existe tão forte entre os nossos dois países. O presidente Lula, enquanto presidente eleito, visitou Portugal ainda em novembro de 2022, naquela que foi a sua primeira viagem. Desde então temos vindo a trabalhar para este resultado tão importante que foi esta semana de abril. Tivemos uma visita de Estado a convite do presidente da República de Portugal (Marcelo Rebelo de Sousa) seguida de uma cimeira entre os dois governos, do presidente Lula e do do primeiro ministro, António Costa. Foi uma visita excelente e uma cimeira absolutamente excecional em termos de resultados. Decorreu num clima de grande alegria de podermos voltar a encontrar dessa forma tão próxima e fraterna entre os dois países e entre as autoridades políticas dos dois países, num clima de grande cumplicidade entre o governo do Brasil e o governo de Portugal. A chegada do presidente Lula de fato deu um impulso significativo no relançar do relacionamento entre os dois países. Li muitas vezes que “o Brasil está de volta”. Portugal está muito satisfeito de ter o Brasil de volta e, como disse o primeiro ministro António Costa, “o Brasil está de volta e Portugal não quer deixar-se ir”.

Foram assinados 13 acordos. O que o senhor pode atualizar em termos de avanços desde então?

Não é normal nestas cimeiras conseguirmos concluir e assinar 13 acordos. Isso mostra bem o nível, a densidade e a profundidade do relacionamento. Houve três componentes distintas, mas todas concorrem para o mesmo objetivo que é esta excelência na relação. Uma primeira é a componente política ou diplomática, onde se retomaram os contatos, mas sobretudo com a capacidade de podermos organizar trabalho conjunto e objetivos.

Teve uma segunda vertente econômica muito relevante, uma grande vontade de Brasil e Portugal olharem um para o outro como dois países com imensas oportunidades para oferecer às suas empresas. Enfrentamos hoje desafios complexos do ponto de vista econômico e é nosso entendimento que dois países tão amigos, países-irmãos, se trabalharem em conjunto, podem enfrentar melhor esses desafios e tornarmo-nos mais mais resilientes a este choques que têm vindo a afligir a economia global. Um resultado essencial é que a Apex-Brasil vai abrir em Lisboa o seu primeiro escritório na Europa, e vai fazê-lo já este ano. Na semana passada houve um fórum empresarial aqui em Brasília e eu mesmo mantive encontro com o empresários em São Paulo, visitei uma grande feira de vinhos.

E teve uma dimensão absolutamente fundamental que foi a dimensão cultural. Este ano fizemos 49 anos do 25 de abril de Portugal, data da revolução que trouxe a democracia para Portugal e isso teve um grande significado também nesta visita. Teve momentos únicos dos quais eu destaco um absolutamente marcante, que vai ficar na história dos nossos dois países, que foi finalmente depois de alguns anos de intervalo a entrega do Prêmio Camões ao Chico Buarque. Ocorreu de forma muito emotiva e familiar. Chico Buarque é um vulto da cultura brasileira, adorado em Portugal e, se me permitem a ousadia de pedir o Chico Buarque emprestado, é também já um vulto da cultura portuguesa. Nós bem sabemos que Chico Buarque, através de uma das suas obras, foi quem melhor interpretou a revolução de abril.

Há planos de expansão da cátedras Camões?

Eu desloquei-me ao Brasil para participar do encontro anual de Cátedras de Camões aqui no Brasil. Nós já temos oito cátedras no Brasil, é o segundo país do mundo com mais cátedras do Camões. O número tende a aumentar. Temos planos de expansão, porque sentimos da parte da academia brasileira grande interesse em trabalhar mais em conjunto. E nós estamos disponíveis e com muita vontade de fazer esse caminho. Aliás, tem uma recém-criada instituição brasileira, o Instituto Guimarães Rosa, com quem nós queremos também trabalhar.

Na semana passada anunciamos que no próximo ano, em 2024, vamos também ter o primeiro encontro mundial de cátedras do Camões e decidimos anunciá-lo aqui no Brasil porque sabemos que o contributo do Brasil para este tipo de políticas públicas a promoção das nossas culturas é absolutamente decisivo e essencial.

BRASÍLIA - O governo de Portugal regularizou neste ano a situação migratória de mais de 100 mil brasileiros que aguardavam autorização de residência no país, disse ao Estadão Francisco André, secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Cooperação. Ao todo, 110.621 cidadãos brasileiros haviam sido beneficiados, conforme dados atualizados até a segunda-feira passada, dia 19.

Em entrevista ao jornal durante visita a Brasília, ele afirmou que o número é resultado de uma série de instrumentos para agilizar o processo, entre eles a autorizarão automática de residência por até um ano, adotada em março. O documento de residência permite aos imigrantes a abertura de contas bancárias, formalização de emprego e aluguel de imóveis.

No ano passado, foram aprovadas as regras do Acordo de Mobilidade entre os Estados-membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), o que facilitou o trânsito de e para Portugal.

Francisco André, secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Cooperação de Portugal, posa na embaixada com o retrato do presidente Marcelo Rebelo de Sousa Foto: Felipe Frazão

O secretário de Estado, cargo equivalente ao de um vice-chanceler, afirma que o Brasil segue como maior contingente no país e que espera que a comunidade continue a crescer. “Se os números da economia portuguesa são hoje muito positivos, com a economia a crescer com um desemprego diminuto, isso também se deve ao contributo dessa comunidade brasileira. São todos muito bem-vindos”, disse Francisco André.

Conforme os dados oficiais mais recentes, há 244 mil registrados pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) português e 275 mil no relatório consular de comunidades brasileiras do Itamaraty. Em ambos os casos, os dados foram coletados em 2021. Ainda segundo o órgão português, a comunidade brasileira passou a representar 29% do total de estrangeiros em Portugal, o patamar mais elevado desde 2012.

O embaixador Leonardo Gorgulho, secretário de Comunidades Brasileiras e Assuntos Consulares e Jurídicos, voltou recentemente de Portugal e diz que as estimativas mais recentes do governo federal consideram de 350 mil a 400 mil brasileiros. Os dados oficiais são menores, segundo ele, porque excluem recém-chegados em regularização, os ilegais e quem tem cidadania europeia.

André associou episódios de discriminação relatados no Brasil com grande repercussão a movimentos populistas de direita em Portugal e disse que forças democráticas desse campo não podem se associar a radicais. A extrema direita portuguesa está fortalecendo conexão com o bolsonarismo. E a direita é favorita nas eleições antecipadas da vizinha Espanha, o que pode impactar inclusive as negociações de um acordo comercial entre Mercosul e União Europeia.

O secretário de Estado português disse que uma negociação tão longa tem momentos de avanço maior e menor, mas que os diplomatas devem se concentrar em trabalhar para solucionar dúvidas de cada parte e que o mais importante para o avanço é a “vontade política” dos governantes.

“Não devemos nesta fase estar a fazer a interpretação de sinais. Nosso papel é trabalhar para tentar concluir este acordo o mais rapidamente possível a bem dos cidadãos dos nossos países”. disse ele a respeito do acordo, apesar das reações negativas do governo Luiz Inácio Lula da Silva nas últimas semanas.

Em raro momento de divergência com Lula, ele afirmou que a guerra “selvagem” da Ucrânia não deveria ser tratada como “conflito”, termo preferencial da diplomacia brasileira, e disse que a única saída para a paz é a retirada das tropas de Moscou.

“Todos os esforços no sentido contribuir para a paz são sempre positivos. Mas do ponto de vista de Portugal só há um único caminho e ele passa por terminar de imediato esta agressão russa, retirar as forças russas do território ucraniano e por fim imediato a esta destruição e a esta perda de vidas que temos vindo a assistir. Esse é o caminho imediato, eficaz e claro para a paz”, afirmou.

Nascido em Leiria, em 1976, Francisco André é advogado formado em Direito na Universidade de Lisboa. Entre outros cargos na administração portuguesa, foi chefe de gabinete do primeiro-ministro, António Costa, entre 2018 e 2020, e conselheiro nas representações do país junto à União Europeia e à OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico).

O secretário de Estado português Francisco André ressalta que forças democráticas, mesmo de direita, não devem se associar a populistas para chegar ao poder Foto: Felipe Frazão

Leia a seguir os principais trechos da entrevista:

Atualmente 4,5 milhões de brasileiros vivem no exterior. Portugal tem a segunda maior comunidade, com 275 mil pessoas, segundo a estatística oficial de 2021, mas estimativas mais recentes do Itamaraty indicam entre 300 mil e 400 mil. Recentemente houve adoção de um protocolo de residência automática por um ano. Qual foi o impacto?

A comunidade brasileira em Portugal é imensa e está em crescimento. É a comunidade que mais cresce em Portugal e, somente neste ano, já houve uma regularização da residência de mais de 100 mil cidadãos brasileiros, pelas diversas formas de autorização da residência que nós temos em Portugal. Havia muitos milhares de brasileiros que já se encontravam em Portugal e que necessitavam realizar a sua situação, a autorização de residência.

Não podemos esquecer os muitos milhares de brasileiros que também têm nacionalidade portuguesa. É uma comunidade muito bem integrada, que gosta muito de viver em Portugal e, o que é mais importante sublinhar, é uma comunidade que contribui decisivamente para um desenvolvimento econômico e social do nosso país. Se os números da economia portuguesa são hoje muito positivos, com a economia a crescer com um desemprego diminuto, isso também se deve ao contributo dessa comunidade brasileira.

Há vários instrumentos que permitiram o crescimento da comunidade brasileira em Portugal e temos que fazer melhor uso destes instrumentos. Nós temos cidadãos brasileiros que vão para Portugal reencontrar-se com as suas famílias, trabalhar, estudar e como investidores, vão montar os seus negócios e que escolhem em Portugal como o país onde devem querem continuar as suas vidas. São todos bem-vindos.

Apesar desses laços todos, nem sempre a convivência é tão harmoniosa. Temos muitos relatos de brasileiros que se queixam de xenofobia, de racismo. Há casos muito conhecidos em universidades. Um estudo Casa do Brasil de Lisboa cita que 91% dos brasileiros entrevistados por eles relataram algum tipo de discriminação. Como o governo português aborda esse problema? Existe alguma política específica para que a inserção na sociedade portuguesa seja melhor do que tem sido?

Não conheço o estudo em causa, mas posso dizer que casos como esses, quando existem, são casos apenas pontuais. Há de fato hoje uma grande convivência entre cidadãos brasileiros e cidadãos portugueses em todas as instituições de ensino superior em Portugal. Há muitos docentes brasileiros nas instituições do ensino superior em Portugal, muitos pesquisadores universitários e, portanto, é importante ter consciência que esses casos são pontuais e que, mesmo assim, as instituições atuam para corrigir qualquer comportamento menos correto ou negativo que possa existir.

Esses casos pontuais não refletem a generalidade e a realidade daquilo que se vive. O importante é haver mecanismos para, quando ocorrer - e são raras as vezes-, alertar e, se puder, tomarem as medidas necessárias e corrigir.

Temos grande orgulho nesta forma como convivemos tão bem entre os dois países e como a comunidade brasileira é uma comunidade tão bem integrada no nosso país. Os casos negativos e pontuais quando existem têm que ser corrigidos e as medidas têm que ser tomadas. Mas não confundamos um caso que acontece raramente com aquilo que acontece todos os dias.

Citei as universidades porque os casos tiveram muita repercussão aqui no Brasil. Teve também uma celebridade pública que reclamou de um tratamento na rua. Embora o caso possa ser pontual, a queixa tem sido recorrente.

Nunca podemos cair no erro de tornar generalizar casos que acontecem uma única vez e torná-las como se fossem a generalidade. Não é isso que acontece e, portanto, não podemos cair nesse erro. Isso é o que fazem outros movimentos com os quais profundamente e abertamente. São teorias veiculadas por movimentos populistas que gostam de incitar a divisão e que gostam de desrespeitar a diferença.

Como o senhor avalia a realidade política local e europeia, sobretudo o crescimento da direita, que vimos em eleições na França, na Espanha, na Itália, em Portugal? Houve uma recente reunião entre o deputado André Ventura, do Chega, e o deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP). Podemos esperar uma conexão e uma influência real entre quem representa hoje a direita no Brasil e quem representa em Portugal?

Nós democratas temos assistido com muita preocupação o surgimento de movimentos populistas por todo o mundo, movimentos que se alimentam sobretudo do medo, da falta de respeito pela diferença, de uma realidade paralela que não existe, num discurso político totalmente alicerçado em notícias falsas e que têm dado origem a líderes populistas. Tudo o que têm feito é criar instabilidade instabilidade em cada um dos seus países e também têm tentado criar a instabilidade à escala global. Cada país tem que encontrar as melhores formas de combater esses movimentos populistas.

O Brasil tem um presidente da República popular e temos que combater os populistas. O populismo aqui no Brasil já teve consequências trágicas quanto ao funcionamento da democracia e também no campo da segurança e sobretudo consequências políticas. Nós todos vimos com muita preocupação aquilo que aconteceu em janeiro deste ano aqui no Brasil e que mereceu uma condenação imediata e uma expressão solidariedade total da parte do primeiro-ministro de Portugal ao presidente Lula. O Brasil está a fazer o seu caminho nesse combate ao populismo, conseguiu ultrapassar uma fase bastante complexa, e, portanto o Brasil desse ponto de vista não recebe lições de ninguém.

A direita portuguesa fez uma manifestação hostil durante a passagem de Lula pelo parlamento.

Fez várias manifestações de caráter populista, muitas vezes xenófobo, e o que nós temos que fazer é combater esse mesmo fenômeno, esta forma errada, vergonhosa mesmo, de fazer política sem respeitar a verdade e a ciência, que é como esses movimentos têm atuado. Temos sobretudo de falar a verdade e explicar aos eleitores o que está em causa em cada momento, até para impedir que muitos políticos democráticos caiam na armadilha de unir forças com essas movimentos.

O explica na sua visão o crescimento global e esse respaldo eleitoral do fenômeno do populismo de direita?

São movimentos que se alimentam muito do medo, da polarização e da necessidade de estar sempre dividido, de encontrar um inimigo, um adversário fictício para fazer aquilo que mais querem. Não haja nenhum engano: o objetivo de todos esses movimentos é sempre destruir a democracia.

A direita é favorita nas eleições da Espanha, que foram antecipadas, e vimos também o crescimento da extrema-direita local, o Vox. Também há favoritismo desse grupo na eleição da Argentina. Que impactos essa vitória da direita teria no acordo que se negocia entre Mercosul e a União Europeia há mais de 20 anos?

O importante é continuarmos a trabalhar para que esta acordo possa ser concluído. Tivemos uma reunião do presidente Lula com a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, numa atmosfera amistosa e positiva e com uma grande vontade de trabalhar. Num acordo desta dimensão e desta complexidade, o mais importante é vontade política de ir em frente e de fazer o acordo. E isso ficou expresso. Cabe agora aos negociadores de cada país continuarem a trabalhar para irem ao encontro daquela que é à vontade política das suas lideranças. A vontade política é de fato de que se possa concluir este acordo que será um marco fundamental no relacionamento entre duas regiões tão importantes no mundo e sobretudo dentro de duas regiões partilham tanto em termos de princípios, de valores, da forma como veem o mundo. É por isso que esse acordo é importante do ponto de vista econômico e também tem uma dimensão geoestratégica muito relevante. Cabe a nós todos continuarmos a trabalhar para concluir esse acordo mais rapidamente possível.

Havia expectativa de conclusão do acordo em julho, mas após o encontro a representante europeia falou no fim do ano, um anticlímax. Lula, por sua vez, disse que se a Europa não desistir de acessar as compras de governamentais brasileiras, hoje uma reserva de mercado, “não terá acordo”. Isso significaria rediscutir o que já foi negociado. Não inviabiliza a assinatura?

Este é um acordo sem precedentes. A única declaração responsável que um responsável político pode fazer é que um acordo desta escala tem uma negociação longa, intensa e com vários momentos em que avançamos mais e outros em que avançamos menos. Todos os responsáveis diplomáticos de qualquer país sabem que o que verdadeiramente preside a capacidade de sucesso da conclusão de um acordo é a vontade política de concluir esse acordo e essa vontade já foi expressa.

Há sempre dificuldades na negociação do acordo desta dimensão e portanto o que nos cabe o que nos cabe agora como trabalho como tarefa é o máximo empenho de cada parte para podermos ultrapassar essas dificuldades. Não conheço na história nenhum acordo diplomático que se faça sem negociação e sem ultrapassar dificuldades ou dúvidas de cada uma das partes.

Não sendo otimista, não sendo pessimista, mas sendo objetivo e responsável: é um acordo que vai ter benefícios muito relevantes para todos os países e isso já foi assumido por muitos países da União Europeia e por vários países do Mercosul.

Foram sinais ruins o fato de Lula ter cancelado presença na cúpula dos chefes do Estado da Celac (Comunidade de Estados Latino-americanos e Caribenhos) com União Europeia em Bruxelas e a aprovação de um veto ao acordo por ampla maioria no parlamento francês?

Não devemos nesta fase estar a fazer a interpretação de sinais. Nosso papel é trabalhar para tentar concluir este acordo o mais rapidamente possível a bem dos cidadãos dos nossos países.

O Brasil reagiu mal às exigências ambientais adicionais propostas pela UE, que podem virar sanções ao País, e também viu problemas na lei anti-desmatamento recentemente adotada.

O processo negocial está em curso. O essencial é que o Brasil, desde a chegada do presidente Lula da Silva, tem manifestado uma grande sintonia com países da União Europeia sobre todos os nossos objetivos centrais e urgentes de combate aos efeitos das alterações climáticas. O Brasil joga papel fulcral nesta discussão e no combate às consequências de mudanças climáticas.

Há alguma influência nessa negociação do posicionamento que o Brasil adota em relação ao conflito na Ucrânia?

Não. Quero desfazer alguns equívocos. O que se passa no Ucrânia não é um conflito é uma guerra, que se caracteriza por ser ilegal, inaceitável e injustificável e muitas vezes selvagem, como nós vemos todos os dias através das imagens que nos entram em casa pela televisão.

A diplomacia brasileira, no governo Lula, em geral descreve como “conflito” e evita a palavra “guerra”.

A diplomacia portuguesa utiliza a palavra guerra, como bem sabemos. O Brasil e Portugal condenam a violação da integridade territorial da Ucrânia, ambos os países condenam a destruição estruturas da Ucrânia, condenam esta mortandade horrível que está a ser infringida pela Rússia à Ucrânia e têm votado nesse mesmo sentido - já o fizeram em quatro resoluções - no âmbito das Nações Unidas.

Portanto, nos momentos centrais que são verdadeiramente importantes do ponto de vista político ou diplomático nas Nações Unidas cada vez que tanto o Brasil como Portugal são chamadas a pronunciar-se sobre o que está em causa temos tido posições semelhantes.

Apesar de ter sido convidado para uma Cúpula da Paz pelo governo da Ucrânia e de sugerir que possa mediar um acordo de paz, Lula tem compartilhado a impressão de que neste momento nenhum dos lados quer verdadeiramente ceder. Ele está correto? Existe essa mesma impressão em Portugal?

Todos os esforços no sentido contribuir para a paz são sempre positivos. Mas do ponto de vista de Portugal só há um único caminho e ele passa por terminar de imediato esta agressão russa, retirar as forças russas do território ucraniano e por fim imediato a esta destruição e a esta perda de vidas que temos vindo a assistir. Esse é o caminho imediato, eficaz e claro para a paz.

Portugal continuará a apoiar o Ucrânia e a defender a sua integridade territorial enquanto for preciso. E Portugal vai fazê-lo nos vários planos. Desde logo no plano humanitário a prestar assistência e a acolher ucranianos que têm encontrado um refúgio em Portugal enquanto o seu país está a ser atacado pela Rússia. Portugal já acolheu cerca de 60.000 ucranianos - e desses um grande número de crianças se encontram a estudar nas escolas portuguesas. Também apoiamos e vamos continuar do ponto de vista financeiro em várias vertentes contribuindo para os vários fundos, mas apoiando bilateralmente a Ucrânia do ponto de vista financeiro e até já com um compromisso assumido de participarmos na reconstrução da escolas na Ucrânia. E apoiamos também militarmente, através da formação das Forças Armadas ucranianas quando necessário e do fornecimento de material militar.

Portugal comprou cinco aviões da Embraer KC-390. Um já foi entregue, tem mais um ano que vem e os demais até 2027. É o suficiente, tendo em perspectiva que muitos países europeus estão fazendo revisões das suas capacidades de defesa, em face da guerra na Ucrânia?

Nós estamos nesta fase muito satisfeitos com este projeto comum, com a aquisição destas aeronaves. Tem um grande significado para Portugal até por serem adquiridos a uma empresa brasileira. Quanto às questões que se colocam relativamente ao futuro, vamos continuar a trabalhar e analisá-las em cada momento.

Houve avanço no acordo para fabricação dos aviões da Embraer Super Tucanos em Portugal? A expectativa brasileira é que isso sirva como porta de entrada para acessar o mercado da Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte).

As empresas estão muito empenhadas e que já houve até visitas da parte portuguesa ao Brasil no mês passado. Todos os sinais são positivos para isto avançar o mais rapidamente possível. É também essa a expectativa da parte portuguesa. No fundo reflete a forma como dois países que são tão próximas podem olhar para o mundo aproveitar cada vez mais e melhor as sinergias de cada um em cada espaço na Europa e noutros continentes.

Desde a vitória de Lula, houve uma aproximação intensa com Portugal, com duas visitas dele ao país, uma cúpula há dois meses, contatos de alto nível, ministros circulando entre Brasília e Lisboa nesta semana. Agora a sua visita e de outras autoridades até o fim de junho. A mudança de ares se deve somente à afinidade política entre os governantes?

Acho que devemos olhar para este momento muito bom com bastante satisfação, da parte de Portugal e da parte do Brasil. É isso que eu sinto dos interlocutores brasileiros. Há de fato uma grande retomada no relacionamento a mais alto nível entre Brasil e Portugal. Tivemos um intervalo de vários anos desde a cimeira (cúpula) anterior. Era necessário fazer corresponder o relacionamento político àquilo que já é a ligação de amizade familiar que existe tão forte entre os nossos dois países. O presidente Lula, enquanto presidente eleito, visitou Portugal ainda em novembro de 2022, naquela que foi a sua primeira viagem. Desde então temos vindo a trabalhar para este resultado tão importante que foi esta semana de abril. Tivemos uma visita de Estado a convite do presidente da República de Portugal (Marcelo Rebelo de Sousa) seguida de uma cimeira entre os dois governos, do presidente Lula e do do primeiro ministro, António Costa. Foi uma visita excelente e uma cimeira absolutamente excecional em termos de resultados. Decorreu num clima de grande alegria de podermos voltar a encontrar dessa forma tão próxima e fraterna entre os dois países e entre as autoridades políticas dos dois países, num clima de grande cumplicidade entre o governo do Brasil e o governo de Portugal. A chegada do presidente Lula de fato deu um impulso significativo no relançar do relacionamento entre os dois países. Li muitas vezes que “o Brasil está de volta”. Portugal está muito satisfeito de ter o Brasil de volta e, como disse o primeiro ministro António Costa, “o Brasil está de volta e Portugal não quer deixar-se ir”.

Foram assinados 13 acordos. O que o senhor pode atualizar em termos de avanços desde então?

Não é normal nestas cimeiras conseguirmos concluir e assinar 13 acordos. Isso mostra bem o nível, a densidade e a profundidade do relacionamento. Houve três componentes distintas, mas todas concorrem para o mesmo objetivo que é esta excelência na relação. Uma primeira é a componente política ou diplomática, onde se retomaram os contatos, mas sobretudo com a capacidade de podermos organizar trabalho conjunto e objetivos.

Teve uma segunda vertente econômica muito relevante, uma grande vontade de Brasil e Portugal olharem um para o outro como dois países com imensas oportunidades para oferecer às suas empresas. Enfrentamos hoje desafios complexos do ponto de vista econômico e é nosso entendimento que dois países tão amigos, países-irmãos, se trabalharem em conjunto, podem enfrentar melhor esses desafios e tornarmo-nos mais mais resilientes a este choques que têm vindo a afligir a economia global. Um resultado essencial é que a Apex-Brasil vai abrir em Lisboa o seu primeiro escritório na Europa, e vai fazê-lo já este ano. Na semana passada houve um fórum empresarial aqui em Brasília e eu mesmo mantive encontro com o empresários em São Paulo, visitei uma grande feira de vinhos.

E teve uma dimensão absolutamente fundamental que foi a dimensão cultural. Este ano fizemos 49 anos do 25 de abril de Portugal, data da revolução que trouxe a democracia para Portugal e isso teve um grande significado também nesta visita. Teve momentos únicos dos quais eu destaco um absolutamente marcante, que vai ficar na história dos nossos dois países, que foi finalmente depois de alguns anos de intervalo a entrega do Prêmio Camões ao Chico Buarque. Ocorreu de forma muito emotiva e familiar. Chico Buarque é um vulto da cultura brasileira, adorado em Portugal e, se me permitem a ousadia de pedir o Chico Buarque emprestado, é também já um vulto da cultura portuguesa. Nós bem sabemos que Chico Buarque, através de uma das suas obras, foi quem melhor interpretou a revolução de abril.

Há planos de expansão da cátedras Camões?

Eu desloquei-me ao Brasil para participar do encontro anual de Cátedras de Camões aqui no Brasil. Nós já temos oito cátedras no Brasil, é o segundo país do mundo com mais cátedras do Camões. O número tende a aumentar. Temos planos de expansão, porque sentimos da parte da academia brasileira grande interesse em trabalhar mais em conjunto. E nós estamos disponíveis e com muita vontade de fazer esse caminho. Aliás, tem uma recém-criada instituição brasileira, o Instituto Guimarães Rosa, com quem nós queremos também trabalhar.

Na semana passada anunciamos que no próximo ano, em 2024, vamos também ter o primeiro encontro mundial de cátedras do Camões e decidimos anunciá-lo aqui no Brasil porque sabemos que o contributo do Brasil para este tipo de políticas públicas a promoção das nossas culturas é absolutamente decisivo e essencial.

BRASÍLIA - O governo de Portugal regularizou neste ano a situação migratória de mais de 100 mil brasileiros que aguardavam autorização de residência no país, disse ao Estadão Francisco André, secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Cooperação. Ao todo, 110.621 cidadãos brasileiros haviam sido beneficiados, conforme dados atualizados até a segunda-feira passada, dia 19.

Em entrevista ao jornal durante visita a Brasília, ele afirmou que o número é resultado de uma série de instrumentos para agilizar o processo, entre eles a autorizarão automática de residência por até um ano, adotada em março. O documento de residência permite aos imigrantes a abertura de contas bancárias, formalização de emprego e aluguel de imóveis.

No ano passado, foram aprovadas as regras do Acordo de Mobilidade entre os Estados-membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), o que facilitou o trânsito de e para Portugal.

Francisco André, secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Cooperação de Portugal, posa na embaixada com o retrato do presidente Marcelo Rebelo de Sousa Foto: Felipe Frazão

O secretário de Estado, cargo equivalente ao de um vice-chanceler, afirma que o Brasil segue como maior contingente no país e que espera que a comunidade continue a crescer. “Se os números da economia portuguesa são hoje muito positivos, com a economia a crescer com um desemprego diminuto, isso também se deve ao contributo dessa comunidade brasileira. São todos muito bem-vindos”, disse Francisco André.

Conforme os dados oficiais mais recentes, há 244 mil registrados pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) português e 275 mil no relatório consular de comunidades brasileiras do Itamaraty. Em ambos os casos, os dados foram coletados em 2021. Ainda segundo o órgão português, a comunidade brasileira passou a representar 29% do total de estrangeiros em Portugal, o patamar mais elevado desde 2012.

O embaixador Leonardo Gorgulho, secretário de Comunidades Brasileiras e Assuntos Consulares e Jurídicos, voltou recentemente de Portugal e diz que as estimativas mais recentes do governo federal consideram de 350 mil a 400 mil brasileiros. Os dados oficiais são menores, segundo ele, porque excluem recém-chegados em regularização, os ilegais e quem tem cidadania europeia.

André associou episódios de discriminação relatados no Brasil com grande repercussão a movimentos populistas de direita em Portugal e disse que forças democráticas desse campo não podem se associar a radicais. A extrema direita portuguesa está fortalecendo conexão com o bolsonarismo. E a direita é favorita nas eleições antecipadas da vizinha Espanha, o que pode impactar inclusive as negociações de um acordo comercial entre Mercosul e União Europeia.

O secretário de Estado português disse que uma negociação tão longa tem momentos de avanço maior e menor, mas que os diplomatas devem se concentrar em trabalhar para solucionar dúvidas de cada parte e que o mais importante para o avanço é a “vontade política” dos governantes.

“Não devemos nesta fase estar a fazer a interpretação de sinais. Nosso papel é trabalhar para tentar concluir este acordo o mais rapidamente possível a bem dos cidadãos dos nossos países”. disse ele a respeito do acordo, apesar das reações negativas do governo Luiz Inácio Lula da Silva nas últimas semanas.

Em raro momento de divergência com Lula, ele afirmou que a guerra “selvagem” da Ucrânia não deveria ser tratada como “conflito”, termo preferencial da diplomacia brasileira, e disse que a única saída para a paz é a retirada das tropas de Moscou.

“Todos os esforços no sentido contribuir para a paz são sempre positivos. Mas do ponto de vista de Portugal só há um único caminho e ele passa por terminar de imediato esta agressão russa, retirar as forças russas do território ucraniano e por fim imediato a esta destruição e a esta perda de vidas que temos vindo a assistir. Esse é o caminho imediato, eficaz e claro para a paz”, afirmou.

Nascido em Leiria, em 1976, Francisco André é advogado formado em Direito na Universidade de Lisboa. Entre outros cargos na administração portuguesa, foi chefe de gabinete do primeiro-ministro, António Costa, entre 2018 e 2020, e conselheiro nas representações do país junto à União Europeia e à OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico).

O secretário de Estado português Francisco André ressalta que forças democráticas, mesmo de direita, não devem se associar a populistas para chegar ao poder Foto: Felipe Frazão

Leia a seguir os principais trechos da entrevista:

Atualmente 4,5 milhões de brasileiros vivem no exterior. Portugal tem a segunda maior comunidade, com 275 mil pessoas, segundo a estatística oficial de 2021, mas estimativas mais recentes do Itamaraty indicam entre 300 mil e 400 mil. Recentemente houve adoção de um protocolo de residência automática por um ano. Qual foi o impacto?

A comunidade brasileira em Portugal é imensa e está em crescimento. É a comunidade que mais cresce em Portugal e, somente neste ano, já houve uma regularização da residência de mais de 100 mil cidadãos brasileiros, pelas diversas formas de autorização da residência que nós temos em Portugal. Havia muitos milhares de brasileiros que já se encontravam em Portugal e que necessitavam realizar a sua situação, a autorização de residência.

Não podemos esquecer os muitos milhares de brasileiros que também têm nacionalidade portuguesa. É uma comunidade muito bem integrada, que gosta muito de viver em Portugal e, o que é mais importante sublinhar, é uma comunidade que contribui decisivamente para um desenvolvimento econômico e social do nosso país. Se os números da economia portuguesa são hoje muito positivos, com a economia a crescer com um desemprego diminuto, isso também se deve ao contributo dessa comunidade brasileira.

Há vários instrumentos que permitiram o crescimento da comunidade brasileira em Portugal e temos que fazer melhor uso destes instrumentos. Nós temos cidadãos brasileiros que vão para Portugal reencontrar-se com as suas famílias, trabalhar, estudar e como investidores, vão montar os seus negócios e que escolhem em Portugal como o país onde devem querem continuar as suas vidas. São todos bem-vindos.

Apesar desses laços todos, nem sempre a convivência é tão harmoniosa. Temos muitos relatos de brasileiros que se queixam de xenofobia, de racismo. Há casos muito conhecidos em universidades. Um estudo Casa do Brasil de Lisboa cita que 91% dos brasileiros entrevistados por eles relataram algum tipo de discriminação. Como o governo português aborda esse problema? Existe alguma política específica para que a inserção na sociedade portuguesa seja melhor do que tem sido?

Não conheço o estudo em causa, mas posso dizer que casos como esses, quando existem, são casos apenas pontuais. Há de fato hoje uma grande convivência entre cidadãos brasileiros e cidadãos portugueses em todas as instituições de ensino superior em Portugal. Há muitos docentes brasileiros nas instituições do ensino superior em Portugal, muitos pesquisadores universitários e, portanto, é importante ter consciência que esses casos são pontuais e que, mesmo assim, as instituições atuam para corrigir qualquer comportamento menos correto ou negativo que possa existir.

Esses casos pontuais não refletem a generalidade e a realidade daquilo que se vive. O importante é haver mecanismos para, quando ocorrer - e são raras as vezes-, alertar e, se puder, tomarem as medidas necessárias e corrigir.

Temos grande orgulho nesta forma como convivemos tão bem entre os dois países e como a comunidade brasileira é uma comunidade tão bem integrada no nosso país. Os casos negativos e pontuais quando existem têm que ser corrigidos e as medidas têm que ser tomadas. Mas não confundamos um caso que acontece raramente com aquilo que acontece todos os dias.

Citei as universidades porque os casos tiveram muita repercussão aqui no Brasil. Teve também uma celebridade pública que reclamou de um tratamento na rua. Embora o caso possa ser pontual, a queixa tem sido recorrente.

Nunca podemos cair no erro de tornar generalizar casos que acontecem uma única vez e torná-las como se fossem a generalidade. Não é isso que acontece e, portanto, não podemos cair nesse erro. Isso é o que fazem outros movimentos com os quais profundamente e abertamente. São teorias veiculadas por movimentos populistas que gostam de incitar a divisão e que gostam de desrespeitar a diferença.

Como o senhor avalia a realidade política local e europeia, sobretudo o crescimento da direita, que vimos em eleições na França, na Espanha, na Itália, em Portugal? Houve uma recente reunião entre o deputado André Ventura, do Chega, e o deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP). Podemos esperar uma conexão e uma influência real entre quem representa hoje a direita no Brasil e quem representa em Portugal?

Nós democratas temos assistido com muita preocupação o surgimento de movimentos populistas por todo o mundo, movimentos que se alimentam sobretudo do medo, da falta de respeito pela diferença, de uma realidade paralela que não existe, num discurso político totalmente alicerçado em notícias falsas e que têm dado origem a líderes populistas. Tudo o que têm feito é criar instabilidade instabilidade em cada um dos seus países e também têm tentado criar a instabilidade à escala global. Cada país tem que encontrar as melhores formas de combater esses movimentos populistas.

O Brasil tem um presidente da República popular e temos que combater os populistas. O populismo aqui no Brasil já teve consequências trágicas quanto ao funcionamento da democracia e também no campo da segurança e sobretudo consequências políticas. Nós todos vimos com muita preocupação aquilo que aconteceu em janeiro deste ano aqui no Brasil e que mereceu uma condenação imediata e uma expressão solidariedade total da parte do primeiro-ministro de Portugal ao presidente Lula. O Brasil está a fazer o seu caminho nesse combate ao populismo, conseguiu ultrapassar uma fase bastante complexa, e, portanto o Brasil desse ponto de vista não recebe lições de ninguém.

A direita portuguesa fez uma manifestação hostil durante a passagem de Lula pelo parlamento.

Fez várias manifestações de caráter populista, muitas vezes xenófobo, e o que nós temos que fazer é combater esse mesmo fenômeno, esta forma errada, vergonhosa mesmo, de fazer política sem respeitar a verdade e a ciência, que é como esses movimentos têm atuado. Temos sobretudo de falar a verdade e explicar aos eleitores o que está em causa em cada momento, até para impedir que muitos políticos democráticos caiam na armadilha de unir forças com essas movimentos.

O explica na sua visão o crescimento global e esse respaldo eleitoral do fenômeno do populismo de direita?

São movimentos que se alimentam muito do medo, da polarização e da necessidade de estar sempre dividido, de encontrar um inimigo, um adversário fictício para fazer aquilo que mais querem. Não haja nenhum engano: o objetivo de todos esses movimentos é sempre destruir a democracia.

A direita é favorita nas eleições da Espanha, que foram antecipadas, e vimos também o crescimento da extrema-direita local, o Vox. Também há favoritismo desse grupo na eleição da Argentina. Que impactos essa vitória da direita teria no acordo que se negocia entre Mercosul e a União Europeia há mais de 20 anos?

O importante é continuarmos a trabalhar para que esta acordo possa ser concluído. Tivemos uma reunião do presidente Lula com a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, numa atmosfera amistosa e positiva e com uma grande vontade de trabalhar. Num acordo desta dimensão e desta complexidade, o mais importante é vontade política de ir em frente e de fazer o acordo. E isso ficou expresso. Cabe agora aos negociadores de cada país continuarem a trabalhar para irem ao encontro daquela que é à vontade política das suas lideranças. A vontade política é de fato de que se possa concluir este acordo que será um marco fundamental no relacionamento entre duas regiões tão importantes no mundo e sobretudo dentro de duas regiões partilham tanto em termos de princípios, de valores, da forma como veem o mundo. É por isso que esse acordo é importante do ponto de vista econômico e também tem uma dimensão geoestratégica muito relevante. Cabe a nós todos continuarmos a trabalhar para concluir esse acordo mais rapidamente possível.

Havia expectativa de conclusão do acordo em julho, mas após o encontro a representante europeia falou no fim do ano, um anticlímax. Lula, por sua vez, disse que se a Europa não desistir de acessar as compras de governamentais brasileiras, hoje uma reserva de mercado, “não terá acordo”. Isso significaria rediscutir o que já foi negociado. Não inviabiliza a assinatura?

Este é um acordo sem precedentes. A única declaração responsável que um responsável político pode fazer é que um acordo desta escala tem uma negociação longa, intensa e com vários momentos em que avançamos mais e outros em que avançamos menos. Todos os responsáveis diplomáticos de qualquer país sabem que o que verdadeiramente preside a capacidade de sucesso da conclusão de um acordo é a vontade política de concluir esse acordo e essa vontade já foi expressa.

Há sempre dificuldades na negociação do acordo desta dimensão e portanto o que nos cabe o que nos cabe agora como trabalho como tarefa é o máximo empenho de cada parte para podermos ultrapassar essas dificuldades. Não conheço na história nenhum acordo diplomático que se faça sem negociação e sem ultrapassar dificuldades ou dúvidas de cada uma das partes.

Não sendo otimista, não sendo pessimista, mas sendo objetivo e responsável: é um acordo que vai ter benefícios muito relevantes para todos os países e isso já foi assumido por muitos países da União Europeia e por vários países do Mercosul.

Foram sinais ruins o fato de Lula ter cancelado presença na cúpula dos chefes do Estado da Celac (Comunidade de Estados Latino-americanos e Caribenhos) com União Europeia em Bruxelas e a aprovação de um veto ao acordo por ampla maioria no parlamento francês?

Não devemos nesta fase estar a fazer a interpretação de sinais. Nosso papel é trabalhar para tentar concluir este acordo o mais rapidamente possível a bem dos cidadãos dos nossos países.

O Brasil reagiu mal às exigências ambientais adicionais propostas pela UE, que podem virar sanções ao País, e também viu problemas na lei anti-desmatamento recentemente adotada.

O processo negocial está em curso. O essencial é que o Brasil, desde a chegada do presidente Lula da Silva, tem manifestado uma grande sintonia com países da União Europeia sobre todos os nossos objetivos centrais e urgentes de combate aos efeitos das alterações climáticas. O Brasil joga papel fulcral nesta discussão e no combate às consequências de mudanças climáticas.

Há alguma influência nessa negociação do posicionamento que o Brasil adota em relação ao conflito na Ucrânia?

Não. Quero desfazer alguns equívocos. O que se passa no Ucrânia não é um conflito é uma guerra, que se caracteriza por ser ilegal, inaceitável e injustificável e muitas vezes selvagem, como nós vemos todos os dias através das imagens que nos entram em casa pela televisão.

A diplomacia brasileira, no governo Lula, em geral descreve como “conflito” e evita a palavra “guerra”.

A diplomacia portuguesa utiliza a palavra guerra, como bem sabemos. O Brasil e Portugal condenam a violação da integridade territorial da Ucrânia, ambos os países condenam a destruição estruturas da Ucrânia, condenam esta mortandade horrível que está a ser infringida pela Rússia à Ucrânia e têm votado nesse mesmo sentido - já o fizeram em quatro resoluções - no âmbito das Nações Unidas.

Portanto, nos momentos centrais que são verdadeiramente importantes do ponto de vista político ou diplomático nas Nações Unidas cada vez que tanto o Brasil como Portugal são chamadas a pronunciar-se sobre o que está em causa temos tido posições semelhantes.

Apesar de ter sido convidado para uma Cúpula da Paz pelo governo da Ucrânia e de sugerir que possa mediar um acordo de paz, Lula tem compartilhado a impressão de que neste momento nenhum dos lados quer verdadeiramente ceder. Ele está correto? Existe essa mesma impressão em Portugal?

Todos os esforços no sentido contribuir para a paz são sempre positivos. Mas do ponto de vista de Portugal só há um único caminho e ele passa por terminar de imediato esta agressão russa, retirar as forças russas do território ucraniano e por fim imediato a esta destruição e a esta perda de vidas que temos vindo a assistir. Esse é o caminho imediato, eficaz e claro para a paz.

Portugal continuará a apoiar o Ucrânia e a defender a sua integridade territorial enquanto for preciso. E Portugal vai fazê-lo nos vários planos. Desde logo no plano humanitário a prestar assistência e a acolher ucranianos que têm encontrado um refúgio em Portugal enquanto o seu país está a ser atacado pela Rússia. Portugal já acolheu cerca de 60.000 ucranianos - e desses um grande número de crianças se encontram a estudar nas escolas portuguesas. Também apoiamos e vamos continuar do ponto de vista financeiro em várias vertentes contribuindo para os vários fundos, mas apoiando bilateralmente a Ucrânia do ponto de vista financeiro e até já com um compromisso assumido de participarmos na reconstrução da escolas na Ucrânia. E apoiamos também militarmente, através da formação das Forças Armadas ucranianas quando necessário e do fornecimento de material militar.

Portugal comprou cinco aviões da Embraer KC-390. Um já foi entregue, tem mais um ano que vem e os demais até 2027. É o suficiente, tendo em perspectiva que muitos países europeus estão fazendo revisões das suas capacidades de defesa, em face da guerra na Ucrânia?

Nós estamos nesta fase muito satisfeitos com este projeto comum, com a aquisição destas aeronaves. Tem um grande significado para Portugal até por serem adquiridos a uma empresa brasileira. Quanto às questões que se colocam relativamente ao futuro, vamos continuar a trabalhar e analisá-las em cada momento.

Houve avanço no acordo para fabricação dos aviões da Embraer Super Tucanos em Portugal? A expectativa brasileira é que isso sirva como porta de entrada para acessar o mercado da Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte).

As empresas estão muito empenhadas e que já houve até visitas da parte portuguesa ao Brasil no mês passado. Todos os sinais são positivos para isto avançar o mais rapidamente possível. É também essa a expectativa da parte portuguesa. No fundo reflete a forma como dois países que são tão próximas podem olhar para o mundo aproveitar cada vez mais e melhor as sinergias de cada um em cada espaço na Europa e noutros continentes.

Desde a vitória de Lula, houve uma aproximação intensa com Portugal, com duas visitas dele ao país, uma cúpula há dois meses, contatos de alto nível, ministros circulando entre Brasília e Lisboa nesta semana. Agora a sua visita e de outras autoridades até o fim de junho. A mudança de ares se deve somente à afinidade política entre os governantes?

Acho que devemos olhar para este momento muito bom com bastante satisfação, da parte de Portugal e da parte do Brasil. É isso que eu sinto dos interlocutores brasileiros. Há de fato uma grande retomada no relacionamento a mais alto nível entre Brasil e Portugal. Tivemos um intervalo de vários anos desde a cimeira (cúpula) anterior. Era necessário fazer corresponder o relacionamento político àquilo que já é a ligação de amizade familiar que existe tão forte entre os nossos dois países. O presidente Lula, enquanto presidente eleito, visitou Portugal ainda em novembro de 2022, naquela que foi a sua primeira viagem. Desde então temos vindo a trabalhar para este resultado tão importante que foi esta semana de abril. Tivemos uma visita de Estado a convite do presidente da República de Portugal (Marcelo Rebelo de Sousa) seguida de uma cimeira entre os dois governos, do presidente Lula e do do primeiro ministro, António Costa. Foi uma visita excelente e uma cimeira absolutamente excecional em termos de resultados. Decorreu num clima de grande alegria de podermos voltar a encontrar dessa forma tão próxima e fraterna entre os dois países e entre as autoridades políticas dos dois países, num clima de grande cumplicidade entre o governo do Brasil e o governo de Portugal. A chegada do presidente Lula de fato deu um impulso significativo no relançar do relacionamento entre os dois países. Li muitas vezes que “o Brasil está de volta”. Portugal está muito satisfeito de ter o Brasil de volta e, como disse o primeiro ministro António Costa, “o Brasil está de volta e Portugal não quer deixar-se ir”.

Foram assinados 13 acordos. O que o senhor pode atualizar em termos de avanços desde então?

Não é normal nestas cimeiras conseguirmos concluir e assinar 13 acordos. Isso mostra bem o nível, a densidade e a profundidade do relacionamento. Houve três componentes distintas, mas todas concorrem para o mesmo objetivo que é esta excelência na relação. Uma primeira é a componente política ou diplomática, onde se retomaram os contatos, mas sobretudo com a capacidade de podermos organizar trabalho conjunto e objetivos.

Teve uma segunda vertente econômica muito relevante, uma grande vontade de Brasil e Portugal olharem um para o outro como dois países com imensas oportunidades para oferecer às suas empresas. Enfrentamos hoje desafios complexos do ponto de vista econômico e é nosso entendimento que dois países tão amigos, países-irmãos, se trabalharem em conjunto, podem enfrentar melhor esses desafios e tornarmo-nos mais mais resilientes a este choques que têm vindo a afligir a economia global. Um resultado essencial é que a Apex-Brasil vai abrir em Lisboa o seu primeiro escritório na Europa, e vai fazê-lo já este ano. Na semana passada houve um fórum empresarial aqui em Brasília e eu mesmo mantive encontro com o empresários em São Paulo, visitei uma grande feira de vinhos.

E teve uma dimensão absolutamente fundamental que foi a dimensão cultural. Este ano fizemos 49 anos do 25 de abril de Portugal, data da revolução que trouxe a democracia para Portugal e isso teve um grande significado também nesta visita. Teve momentos únicos dos quais eu destaco um absolutamente marcante, que vai ficar na história dos nossos dois países, que foi finalmente depois de alguns anos de intervalo a entrega do Prêmio Camões ao Chico Buarque. Ocorreu de forma muito emotiva e familiar. Chico Buarque é um vulto da cultura brasileira, adorado em Portugal e, se me permitem a ousadia de pedir o Chico Buarque emprestado, é também já um vulto da cultura portuguesa. Nós bem sabemos que Chico Buarque, através de uma das suas obras, foi quem melhor interpretou a revolução de abril.

Há planos de expansão da cátedras Camões?

Eu desloquei-me ao Brasil para participar do encontro anual de Cátedras de Camões aqui no Brasil. Nós já temos oito cátedras no Brasil, é o segundo país do mundo com mais cátedras do Camões. O número tende a aumentar. Temos planos de expansão, porque sentimos da parte da academia brasileira grande interesse em trabalhar mais em conjunto. E nós estamos disponíveis e com muita vontade de fazer esse caminho. Aliás, tem uma recém-criada instituição brasileira, o Instituto Guimarães Rosa, com quem nós queremos também trabalhar.

Na semana passada anunciamos que no próximo ano, em 2024, vamos também ter o primeiro encontro mundial de cátedras do Camões e decidimos anunciá-lo aqui no Brasil porque sabemos que o contributo do Brasil para este tipo de políticas públicas a promoção das nossas culturas é absolutamente decisivo e essencial.

BRASÍLIA - O governo de Portugal regularizou neste ano a situação migratória de mais de 100 mil brasileiros que aguardavam autorização de residência no país, disse ao Estadão Francisco André, secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Cooperação. Ao todo, 110.621 cidadãos brasileiros haviam sido beneficiados, conforme dados atualizados até a segunda-feira passada, dia 19.

Em entrevista ao jornal durante visita a Brasília, ele afirmou que o número é resultado de uma série de instrumentos para agilizar o processo, entre eles a autorizarão automática de residência por até um ano, adotada em março. O documento de residência permite aos imigrantes a abertura de contas bancárias, formalização de emprego e aluguel de imóveis.

No ano passado, foram aprovadas as regras do Acordo de Mobilidade entre os Estados-membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), o que facilitou o trânsito de e para Portugal.

Francisco André, secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Cooperação de Portugal, posa na embaixada com o retrato do presidente Marcelo Rebelo de Sousa Foto: Felipe Frazão

O secretário de Estado, cargo equivalente ao de um vice-chanceler, afirma que o Brasil segue como maior contingente no país e que espera que a comunidade continue a crescer. “Se os números da economia portuguesa são hoje muito positivos, com a economia a crescer com um desemprego diminuto, isso também se deve ao contributo dessa comunidade brasileira. São todos muito bem-vindos”, disse Francisco André.

Conforme os dados oficiais mais recentes, há 244 mil registrados pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) português e 275 mil no relatório consular de comunidades brasileiras do Itamaraty. Em ambos os casos, os dados foram coletados em 2021. Ainda segundo o órgão português, a comunidade brasileira passou a representar 29% do total de estrangeiros em Portugal, o patamar mais elevado desde 2012.

O embaixador Leonardo Gorgulho, secretário de Comunidades Brasileiras e Assuntos Consulares e Jurídicos, voltou recentemente de Portugal e diz que as estimativas mais recentes do governo federal consideram de 350 mil a 400 mil brasileiros. Os dados oficiais são menores, segundo ele, porque excluem recém-chegados em regularização, os ilegais e quem tem cidadania europeia.

André associou episódios de discriminação relatados no Brasil com grande repercussão a movimentos populistas de direita em Portugal e disse que forças democráticas desse campo não podem se associar a radicais. A extrema direita portuguesa está fortalecendo conexão com o bolsonarismo. E a direita é favorita nas eleições antecipadas da vizinha Espanha, o que pode impactar inclusive as negociações de um acordo comercial entre Mercosul e União Europeia.

O secretário de Estado português disse que uma negociação tão longa tem momentos de avanço maior e menor, mas que os diplomatas devem se concentrar em trabalhar para solucionar dúvidas de cada parte e que o mais importante para o avanço é a “vontade política” dos governantes.

“Não devemos nesta fase estar a fazer a interpretação de sinais. Nosso papel é trabalhar para tentar concluir este acordo o mais rapidamente possível a bem dos cidadãos dos nossos países”. disse ele a respeito do acordo, apesar das reações negativas do governo Luiz Inácio Lula da Silva nas últimas semanas.

Em raro momento de divergência com Lula, ele afirmou que a guerra “selvagem” da Ucrânia não deveria ser tratada como “conflito”, termo preferencial da diplomacia brasileira, e disse que a única saída para a paz é a retirada das tropas de Moscou.

“Todos os esforços no sentido contribuir para a paz são sempre positivos. Mas do ponto de vista de Portugal só há um único caminho e ele passa por terminar de imediato esta agressão russa, retirar as forças russas do território ucraniano e por fim imediato a esta destruição e a esta perda de vidas que temos vindo a assistir. Esse é o caminho imediato, eficaz e claro para a paz”, afirmou.

Nascido em Leiria, em 1976, Francisco André é advogado formado em Direito na Universidade de Lisboa. Entre outros cargos na administração portuguesa, foi chefe de gabinete do primeiro-ministro, António Costa, entre 2018 e 2020, e conselheiro nas representações do país junto à União Europeia e à OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico).

O secretário de Estado português Francisco André ressalta que forças democráticas, mesmo de direita, não devem se associar a populistas para chegar ao poder Foto: Felipe Frazão

Leia a seguir os principais trechos da entrevista:

Atualmente 4,5 milhões de brasileiros vivem no exterior. Portugal tem a segunda maior comunidade, com 275 mil pessoas, segundo a estatística oficial de 2021, mas estimativas mais recentes do Itamaraty indicam entre 300 mil e 400 mil. Recentemente houve adoção de um protocolo de residência automática por um ano. Qual foi o impacto?

A comunidade brasileira em Portugal é imensa e está em crescimento. É a comunidade que mais cresce em Portugal e, somente neste ano, já houve uma regularização da residência de mais de 100 mil cidadãos brasileiros, pelas diversas formas de autorização da residência que nós temos em Portugal. Havia muitos milhares de brasileiros que já se encontravam em Portugal e que necessitavam realizar a sua situação, a autorização de residência.

Não podemos esquecer os muitos milhares de brasileiros que também têm nacionalidade portuguesa. É uma comunidade muito bem integrada, que gosta muito de viver em Portugal e, o que é mais importante sublinhar, é uma comunidade que contribui decisivamente para um desenvolvimento econômico e social do nosso país. Se os números da economia portuguesa são hoje muito positivos, com a economia a crescer com um desemprego diminuto, isso também se deve ao contributo dessa comunidade brasileira.

Há vários instrumentos que permitiram o crescimento da comunidade brasileira em Portugal e temos que fazer melhor uso destes instrumentos. Nós temos cidadãos brasileiros que vão para Portugal reencontrar-se com as suas famílias, trabalhar, estudar e como investidores, vão montar os seus negócios e que escolhem em Portugal como o país onde devem querem continuar as suas vidas. São todos bem-vindos.

Apesar desses laços todos, nem sempre a convivência é tão harmoniosa. Temos muitos relatos de brasileiros que se queixam de xenofobia, de racismo. Há casos muito conhecidos em universidades. Um estudo Casa do Brasil de Lisboa cita que 91% dos brasileiros entrevistados por eles relataram algum tipo de discriminação. Como o governo português aborda esse problema? Existe alguma política específica para que a inserção na sociedade portuguesa seja melhor do que tem sido?

Não conheço o estudo em causa, mas posso dizer que casos como esses, quando existem, são casos apenas pontuais. Há de fato hoje uma grande convivência entre cidadãos brasileiros e cidadãos portugueses em todas as instituições de ensino superior em Portugal. Há muitos docentes brasileiros nas instituições do ensino superior em Portugal, muitos pesquisadores universitários e, portanto, é importante ter consciência que esses casos são pontuais e que, mesmo assim, as instituições atuam para corrigir qualquer comportamento menos correto ou negativo que possa existir.

Esses casos pontuais não refletem a generalidade e a realidade daquilo que se vive. O importante é haver mecanismos para, quando ocorrer - e são raras as vezes-, alertar e, se puder, tomarem as medidas necessárias e corrigir.

Temos grande orgulho nesta forma como convivemos tão bem entre os dois países e como a comunidade brasileira é uma comunidade tão bem integrada no nosso país. Os casos negativos e pontuais quando existem têm que ser corrigidos e as medidas têm que ser tomadas. Mas não confundamos um caso que acontece raramente com aquilo que acontece todos os dias.

Citei as universidades porque os casos tiveram muita repercussão aqui no Brasil. Teve também uma celebridade pública que reclamou de um tratamento na rua. Embora o caso possa ser pontual, a queixa tem sido recorrente.

Nunca podemos cair no erro de tornar generalizar casos que acontecem uma única vez e torná-las como se fossem a generalidade. Não é isso que acontece e, portanto, não podemos cair nesse erro. Isso é o que fazem outros movimentos com os quais profundamente e abertamente. São teorias veiculadas por movimentos populistas que gostam de incitar a divisão e que gostam de desrespeitar a diferença.

Como o senhor avalia a realidade política local e europeia, sobretudo o crescimento da direita, que vimos em eleições na França, na Espanha, na Itália, em Portugal? Houve uma recente reunião entre o deputado André Ventura, do Chega, e o deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP). Podemos esperar uma conexão e uma influência real entre quem representa hoje a direita no Brasil e quem representa em Portugal?

Nós democratas temos assistido com muita preocupação o surgimento de movimentos populistas por todo o mundo, movimentos que se alimentam sobretudo do medo, da falta de respeito pela diferença, de uma realidade paralela que não existe, num discurso político totalmente alicerçado em notícias falsas e que têm dado origem a líderes populistas. Tudo o que têm feito é criar instabilidade instabilidade em cada um dos seus países e também têm tentado criar a instabilidade à escala global. Cada país tem que encontrar as melhores formas de combater esses movimentos populistas.

O Brasil tem um presidente da República popular e temos que combater os populistas. O populismo aqui no Brasil já teve consequências trágicas quanto ao funcionamento da democracia e também no campo da segurança e sobretudo consequências políticas. Nós todos vimos com muita preocupação aquilo que aconteceu em janeiro deste ano aqui no Brasil e que mereceu uma condenação imediata e uma expressão solidariedade total da parte do primeiro-ministro de Portugal ao presidente Lula. O Brasil está a fazer o seu caminho nesse combate ao populismo, conseguiu ultrapassar uma fase bastante complexa, e, portanto o Brasil desse ponto de vista não recebe lições de ninguém.

A direita portuguesa fez uma manifestação hostil durante a passagem de Lula pelo parlamento.

Fez várias manifestações de caráter populista, muitas vezes xenófobo, e o que nós temos que fazer é combater esse mesmo fenômeno, esta forma errada, vergonhosa mesmo, de fazer política sem respeitar a verdade e a ciência, que é como esses movimentos têm atuado. Temos sobretudo de falar a verdade e explicar aos eleitores o que está em causa em cada momento, até para impedir que muitos políticos democráticos caiam na armadilha de unir forças com essas movimentos.

O explica na sua visão o crescimento global e esse respaldo eleitoral do fenômeno do populismo de direita?

São movimentos que se alimentam muito do medo, da polarização e da necessidade de estar sempre dividido, de encontrar um inimigo, um adversário fictício para fazer aquilo que mais querem. Não haja nenhum engano: o objetivo de todos esses movimentos é sempre destruir a democracia.

A direita é favorita nas eleições da Espanha, que foram antecipadas, e vimos também o crescimento da extrema-direita local, o Vox. Também há favoritismo desse grupo na eleição da Argentina. Que impactos essa vitória da direita teria no acordo que se negocia entre Mercosul e a União Europeia há mais de 20 anos?

O importante é continuarmos a trabalhar para que esta acordo possa ser concluído. Tivemos uma reunião do presidente Lula com a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, numa atmosfera amistosa e positiva e com uma grande vontade de trabalhar. Num acordo desta dimensão e desta complexidade, o mais importante é vontade política de ir em frente e de fazer o acordo. E isso ficou expresso. Cabe agora aos negociadores de cada país continuarem a trabalhar para irem ao encontro daquela que é à vontade política das suas lideranças. A vontade política é de fato de que se possa concluir este acordo que será um marco fundamental no relacionamento entre duas regiões tão importantes no mundo e sobretudo dentro de duas regiões partilham tanto em termos de princípios, de valores, da forma como veem o mundo. É por isso que esse acordo é importante do ponto de vista econômico e também tem uma dimensão geoestratégica muito relevante. Cabe a nós todos continuarmos a trabalhar para concluir esse acordo mais rapidamente possível.

Havia expectativa de conclusão do acordo em julho, mas após o encontro a representante europeia falou no fim do ano, um anticlímax. Lula, por sua vez, disse que se a Europa não desistir de acessar as compras de governamentais brasileiras, hoje uma reserva de mercado, “não terá acordo”. Isso significaria rediscutir o que já foi negociado. Não inviabiliza a assinatura?

Este é um acordo sem precedentes. A única declaração responsável que um responsável político pode fazer é que um acordo desta escala tem uma negociação longa, intensa e com vários momentos em que avançamos mais e outros em que avançamos menos. Todos os responsáveis diplomáticos de qualquer país sabem que o que verdadeiramente preside a capacidade de sucesso da conclusão de um acordo é a vontade política de concluir esse acordo e essa vontade já foi expressa.

Há sempre dificuldades na negociação do acordo desta dimensão e portanto o que nos cabe o que nos cabe agora como trabalho como tarefa é o máximo empenho de cada parte para podermos ultrapassar essas dificuldades. Não conheço na história nenhum acordo diplomático que se faça sem negociação e sem ultrapassar dificuldades ou dúvidas de cada uma das partes.

Não sendo otimista, não sendo pessimista, mas sendo objetivo e responsável: é um acordo que vai ter benefícios muito relevantes para todos os países e isso já foi assumido por muitos países da União Europeia e por vários países do Mercosul.

Foram sinais ruins o fato de Lula ter cancelado presença na cúpula dos chefes do Estado da Celac (Comunidade de Estados Latino-americanos e Caribenhos) com União Europeia em Bruxelas e a aprovação de um veto ao acordo por ampla maioria no parlamento francês?

Não devemos nesta fase estar a fazer a interpretação de sinais. Nosso papel é trabalhar para tentar concluir este acordo o mais rapidamente possível a bem dos cidadãos dos nossos países.

O Brasil reagiu mal às exigências ambientais adicionais propostas pela UE, que podem virar sanções ao País, e também viu problemas na lei anti-desmatamento recentemente adotada.

O processo negocial está em curso. O essencial é que o Brasil, desde a chegada do presidente Lula da Silva, tem manifestado uma grande sintonia com países da União Europeia sobre todos os nossos objetivos centrais e urgentes de combate aos efeitos das alterações climáticas. O Brasil joga papel fulcral nesta discussão e no combate às consequências de mudanças climáticas.

Há alguma influência nessa negociação do posicionamento que o Brasil adota em relação ao conflito na Ucrânia?

Não. Quero desfazer alguns equívocos. O que se passa no Ucrânia não é um conflito é uma guerra, que se caracteriza por ser ilegal, inaceitável e injustificável e muitas vezes selvagem, como nós vemos todos os dias através das imagens que nos entram em casa pela televisão.

A diplomacia brasileira, no governo Lula, em geral descreve como “conflito” e evita a palavra “guerra”.

A diplomacia portuguesa utiliza a palavra guerra, como bem sabemos. O Brasil e Portugal condenam a violação da integridade territorial da Ucrânia, ambos os países condenam a destruição estruturas da Ucrânia, condenam esta mortandade horrível que está a ser infringida pela Rússia à Ucrânia e têm votado nesse mesmo sentido - já o fizeram em quatro resoluções - no âmbito das Nações Unidas.

Portanto, nos momentos centrais que são verdadeiramente importantes do ponto de vista político ou diplomático nas Nações Unidas cada vez que tanto o Brasil como Portugal são chamadas a pronunciar-se sobre o que está em causa temos tido posições semelhantes.

Apesar de ter sido convidado para uma Cúpula da Paz pelo governo da Ucrânia e de sugerir que possa mediar um acordo de paz, Lula tem compartilhado a impressão de que neste momento nenhum dos lados quer verdadeiramente ceder. Ele está correto? Existe essa mesma impressão em Portugal?

Todos os esforços no sentido contribuir para a paz são sempre positivos. Mas do ponto de vista de Portugal só há um único caminho e ele passa por terminar de imediato esta agressão russa, retirar as forças russas do território ucraniano e por fim imediato a esta destruição e a esta perda de vidas que temos vindo a assistir. Esse é o caminho imediato, eficaz e claro para a paz.

Portugal continuará a apoiar o Ucrânia e a defender a sua integridade territorial enquanto for preciso. E Portugal vai fazê-lo nos vários planos. Desde logo no plano humanitário a prestar assistência e a acolher ucranianos que têm encontrado um refúgio em Portugal enquanto o seu país está a ser atacado pela Rússia. Portugal já acolheu cerca de 60.000 ucranianos - e desses um grande número de crianças se encontram a estudar nas escolas portuguesas. Também apoiamos e vamos continuar do ponto de vista financeiro em várias vertentes contribuindo para os vários fundos, mas apoiando bilateralmente a Ucrânia do ponto de vista financeiro e até já com um compromisso assumido de participarmos na reconstrução da escolas na Ucrânia. E apoiamos também militarmente, através da formação das Forças Armadas ucranianas quando necessário e do fornecimento de material militar.

Portugal comprou cinco aviões da Embraer KC-390. Um já foi entregue, tem mais um ano que vem e os demais até 2027. É o suficiente, tendo em perspectiva que muitos países europeus estão fazendo revisões das suas capacidades de defesa, em face da guerra na Ucrânia?

Nós estamos nesta fase muito satisfeitos com este projeto comum, com a aquisição destas aeronaves. Tem um grande significado para Portugal até por serem adquiridos a uma empresa brasileira. Quanto às questões que se colocam relativamente ao futuro, vamos continuar a trabalhar e analisá-las em cada momento.

Houve avanço no acordo para fabricação dos aviões da Embraer Super Tucanos em Portugal? A expectativa brasileira é que isso sirva como porta de entrada para acessar o mercado da Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte).

As empresas estão muito empenhadas e que já houve até visitas da parte portuguesa ao Brasil no mês passado. Todos os sinais são positivos para isto avançar o mais rapidamente possível. É também essa a expectativa da parte portuguesa. No fundo reflete a forma como dois países que são tão próximas podem olhar para o mundo aproveitar cada vez mais e melhor as sinergias de cada um em cada espaço na Europa e noutros continentes.

Desde a vitória de Lula, houve uma aproximação intensa com Portugal, com duas visitas dele ao país, uma cúpula há dois meses, contatos de alto nível, ministros circulando entre Brasília e Lisboa nesta semana. Agora a sua visita e de outras autoridades até o fim de junho. A mudança de ares se deve somente à afinidade política entre os governantes?

Acho que devemos olhar para este momento muito bom com bastante satisfação, da parte de Portugal e da parte do Brasil. É isso que eu sinto dos interlocutores brasileiros. Há de fato uma grande retomada no relacionamento a mais alto nível entre Brasil e Portugal. Tivemos um intervalo de vários anos desde a cimeira (cúpula) anterior. Era necessário fazer corresponder o relacionamento político àquilo que já é a ligação de amizade familiar que existe tão forte entre os nossos dois países. O presidente Lula, enquanto presidente eleito, visitou Portugal ainda em novembro de 2022, naquela que foi a sua primeira viagem. Desde então temos vindo a trabalhar para este resultado tão importante que foi esta semana de abril. Tivemos uma visita de Estado a convite do presidente da República de Portugal (Marcelo Rebelo de Sousa) seguida de uma cimeira entre os dois governos, do presidente Lula e do do primeiro ministro, António Costa. Foi uma visita excelente e uma cimeira absolutamente excecional em termos de resultados. Decorreu num clima de grande alegria de podermos voltar a encontrar dessa forma tão próxima e fraterna entre os dois países e entre as autoridades políticas dos dois países, num clima de grande cumplicidade entre o governo do Brasil e o governo de Portugal. A chegada do presidente Lula de fato deu um impulso significativo no relançar do relacionamento entre os dois países. Li muitas vezes que “o Brasil está de volta”. Portugal está muito satisfeito de ter o Brasil de volta e, como disse o primeiro ministro António Costa, “o Brasil está de volta e Portugal não quer deixar-se ir”.

Foram assinados 13 acordos. O que o senhor pode atualizar em termos de avanços desde então?

Não é normal nestas cimeiras conseguirmos concluir e assinar 13 acordos. Isso mostra bem o nível, a densidade e a profundidade do relacionamento. Houve três componentes distintas, mas todas concorrem para o mesmo objetivo que é esta excelência na relação. Uma primeira é a componente política ou diplomática, onde se retomaram os contatos, mas sobretudo com a capacidade de podermos organizar trabalho conjunto e objetivos.

Teve uma segunda vertente econômica muito relevante, uma grande vontade de Brasil e Portugal olharem um para o outro como dois países com imensas oportunidades para oferecer às suas empresas. Enfrentamos hoje desafios complexos do ponto de vista econômico e é nosso entendimento que dois países tão amigos, países-irmãos, se trabalharem em conjunto, podem enfrentar melhor esses desafios e tornarmo-nos mais mais resilientes a este choques que têm vindo a afligir a economia global. Um resultado essencial é que a Apex-Brasil vai abrir em Lisboa o seu primeiro escritório na Europa, e vai fazê-lo já este ano. Na semana passada houve um fórum empresarial aqui em Brasília e eu mesmo mantive encontro com o empresários em São Paulo, visitei uma grande feira de vinhos.

E teve uma dimensão absolutamente fundamental que foi a dimensão cultural. Este ano fizemos 49 anos do 25 de abril de Portugal, data da revolução que trouxe a democracia para Portugal e isso teve um grande significado também nesta visita. Teve momentos únicos dos quais eu destaco um absolutamente marcante, que vai ficar na história dos nossos dois países, que foi finalmente depois de alguns anos de intervalo a entrega do Prêmio Camões ao Chico Buarque. Ocorreu de forma muito emotiva e familiar. Chico Buarque é um vulto da cultura brasileira, adorado em Portugal e, se me permitem a ousadia de pedir o Chico Buarque emprestado, é também já um vulto da cultura portuguesa. Nós bem sabemos que Chico Buarque, através de uma das suas obras, foi quem melhor interpretou a revolução de abril.

Há planos de expansão da cátedras Camões?

Eu desloquei-me ao Brasil para participar do encontro anual de Cátedras de Camões aqui no Brasil. Nós já temos oito cátedras no Brasil, é o segundo país do mundo com mais cátedras do Camões. O número tende a aumentar. Temos planos de expansão, porque sentimos da parte da academia brasileira grande interesse em trabalhar mais em conjunto. E nós estamos disponíveis e com muita vontade de fazer esse caminho. Aliás, tem uma recém-criada instituição brasileira, o Instituto Guimarães Rosa, com quem nós queremos também trabalhar.

Na semana passada anunciamos que no próximo ano, em 2024, vamos também ter o primeiro encontro mundial de cátedras do Camões e decidimos anunciá-lo aqui no Brasil porque sabemos que o contributo do Brasil para este tipo de políticas públicas a promoção das nossas culturas é absolutamente decisivo e essencial.

Entrevista por Felipe Frazão

Jornalista especializado em Política e Relações Exteriores. Realizou coberturas e reportagens especiais na Ásia, África, Oriente Médio, Europa e América Latina. Apresenta a coluna Sua Política na rádio Eldorado FM.

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