Há um arco de destruição que ameaça 100 milhões de hectares da Floresta Amazônica agora. Cerca de 10 milhões de hectares estão protegidos do desmatamento, impulsionados pelo mercado de carbono voluntário. Durante a cúpula do clima, na quinta-feira, 22, o presidente Jair Bolsonaro fez dois anúncios importantes, mas o Brasil precisará mudar de postura e executar de forma firme e eficiente o que promete: ser carbono zero em 2050 e acabar com o desmatamento ilegal ainda nesta década, em 2030. Estas duas iniciativas, aliás, estão – ou deveriam estar – intimamente ligadas, sobretudo quando acabamos de bater um recorde de desmatamento, no último mês de março, segundo dados do PRODES.
Ocorre que a implementação do mercado de carbono pré-finalização do Acordo de Paris está com a agenda muito atrasada no Brasil. Não temos um mercado interno regulado, a exemplo de países como Chile e Canadá, que trabalham inclusive com valores para a tCO2e. E essa é a única defesa que a floresta tem: remunerar seus fazendeiros com o crédito de carbono para manter as árvores em pé e interromper o desmatamento, sem que as áreas sejam destinadas à pecuária. Somente isso fará com que os donos de terras substituam o gado, a soja ou outras culturas no uso econômico da terra.
O mercado de créditos de carbono foi estabelecido a partir da ratificação do Protocolo de Kyoto, em 2005. Foram anos de experiências positivas com acertos e ajustes, culminando no seu término em 2012. Por sua vez, o mercado de carbono voluntário surgiu paralelamente ao mercado regulado, para as iniciativas voluntárias, envolvendo empresas, por exemplo, que querem neutralizar suas emissões. Este mercado continua acontecendo independentemente de acordos mundiais.
O Brasil sempre teve um protagonismo muito grande nesta agenda ambiental e recebe críticas contundentes por ainda não ter avançado no tema. Hoje, houve uma sinalização de mudança de postura e tentativa de resgate desta liderança, um alinhamento com as metas com outros líderes globais, de ser carbono neutro em 2050 – e não mais em 2060 -, mas os mecanismos de compensação sugeridos por Bolsonaro em seu pronunciamento estão caminhando a passos lentos, com muita promessa e poucas ações concretas.
Ele até reconhece a complexidade do tema e diz que apoia o movimento da iniciativa privada, mas precisará apresentar uma série de políticas públicas para isso. Faltam planos de incentivo às populações locais para que possam ter alternativa de exploração da floresta que não a venda de madeiras e a pecuária; falta uma cooperação com o setor privado no estabelecimento de um mercado de carbono que incentive empresas a reduzirem suas emissões, englobando soluções como os projetos REDD+, de preservação da floresta.
Barrar o desmatamento na Amazônia é uma questão de custo de oportunidade.
O desmatamento ocorre hoje porque proprietários das áreas e as comunidades locais não têm claras alternativas de atividades econômicas. Felizmente, o sistema de geração de créditos de carbono para evitar desmatamentos já é uma realidade com o mercado voluntário – e por isso é importante que as empresas emissoras (todos nós emitimos gases GHG) optem por neutralizar suas emissões. São elas que fomentam o mercado de créditos de carbono, injetando dinheiro na economia local, o que traz um grande incentivo aos proprietários de terra a não desmatar, independente da atuação do governo.
A cúpula que começamos a acompanhar hoje é uma prévia do que será a COP 26, em novembro, em Glasgow, e não poderemos apresentar de novo um discurso vazio, somente com promessas.
* Janaína Dallan é engenheira florestal, membro do time de especialistas da ONU para Mudanças Climáticas (RIT) e CEO da Carbonext.