Opinião|Posição do Brasil na crise na Venezuela reflete o perigo de amizades problemáticas na geopolítica


Por mais que o posicionamento oficial da diplomacia brasileira esteja mais próximo do pragmatismo, o presidente demonstrou mais de uma vez um compromisso com o regime chavista

Por Daniel Buarque*

As relações internacionais costumam ser definidas como um jogo político em que não há amigos ou inimigos, apenas interesses. A situação global em 2024 mostra que a regra não está sendo seguida à risca por muitos Estados importantes, que enfrentam dificuldades em suas políticas externas por conta de “amizades” problemáticas. Países como Brasil, Estados Unidos e China mergulham em dilemas sem saída fácil por conta de relações que parecem não ter tanto a ver com seus interesses reais.

Frequentemente atribuída ao americano Henry Kissinger, a declaração da impessoalidade e pragmatismo das relações entre Estados tem um registro histórico em discurso de Henry Temple, que viria a se tornar premiê britânico, no Parlamento em 1848. “Não temos aliados eternos nem inimigos perpétuos. Nossos interesses são eternos e perpétuos, e é nosso dever segui-los”, disse.

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É difícil ver tamanho pragmatismo no posicionamento atual do Brasil em relação à crise na Venezuela, dos EUA sobre a guerra de Israel na Faixa de Gaza e da China ao tratar da guerra russa na Ucrânia. Nenhum dos três casos parece refletir os interesses dos países, mas os governos da vez estão presos em situações complexas por conta do que figura como uma amizade entre os países — ou inimizade com outros atores.

O ditador da Venezuela, Nicolás Maduro, participa de uma reunião com o presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, em São Vicente e Granadinas  Foto: Ricardo Stuckert /Presidência da República

O caso mais próximo da realidade brasileira é a atual crise política na Venezuela. Em sua primeira declaração pública desde as eleições sob suspeita que indicaram vitória do ditador Nicolás Maduro, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi infeliz ao tratar a escalada do autoritarismo como algo normal.

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Por mais que o posicionamento oficial da diplomacia brasileira esteja mais próximo do pragmatismo ao exigir as atas de votação antes de reconhecer o resultado, o presidente demonstrou mais de uma vez um compromisso com o regime chavista e uma crença na democracia do país que só podem ser justificados como uma amizade pessoal entre Lula e Maduro.

A proximidade entre os dois líderes coloca o Brasil em uma situação difícil, pois o país é visto como um ator fundamental na tentativa de dar fim à longa crise política e econômica na Venezuela, mas não consegue atuar de forma eficiente. Por conta da “amizade”, Lula evita adotar uma postura mais dura que pudesse pressionar pela defesa da democracia no país, e acaba engolindo o autoritarismo de Maduro. Isso faz com que o Brasil deixe de se comportar como um líder regional em defesa da democracia, adotando uma postura que atrapalha os interesses do Estado brasileiro – que seria uma estabilidade política, social e econômica na sua vizinhança.

O presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, participa de um evento no Palácio do Planalto, em Brasília  Foto: Eraldo Peres/AP
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A questão da Venezuela, na verdade, historicamente carece de pragmatismo por parte do Brasil por todos os lados da atual polarização. Durante o governo de Jair Bolsonaro, de forma inversa, o país se comportou como se o regime chavista fosse inimigo e rompeu as relações diplomáticas, o que também não refletia os interesses do Estado.

Como indicado antes, entretanto, esta não é uma questão unicamente brasileira, nem depende exclusivamente de amizades pessoais entre líderes políticos. Os casos dos EUA e da China refletem situação parecida e têm um risco de gerar repercussões ainda maiores na política global.

Às vésperas de uma eleição presidencial muito disputada, o governo de Joe Biden enfrenta o dilema de continuar apoiando Israel na guerra contra o Hamas na Faixa de Gaza e em meio à escalada da violência no Oriente Médio. A comunidade internacional tem se colocado de forma cada vez mais crítica em relação ao governo de Binyamin Netanyahu, enquanto os EUA continuam sendo seu principal fiador no resto do mundo.

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O primeiro-ministro de Israel, Binyamin Netanyahu, participa de uma reunião na Casa Branca com o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden  Foto: Kenny Holston/NYT

O risco de uma guerra regional tem se ampliado com a tensão crescente entre o governo de Tel Aviv, o Líbano e o Irã, e os Estados Unidos têm tido dificuldade em controlar os movimentos israelenses enquanto parecem se sentir forçados a defender a histórica amizade com Israel.

O caso da China talvez seja menos evidente, já que Pequim costuma se projetar internacionalmente com um discurso que pretende fugir de ideologias. Mas a declaração de aliança “sem limites” entre Pequim e Moscou durante a guerra na Ucrânia mergulhou o governo chinês em um dilema parecido: o país se recusa a denunciar a agressão russa enquanto os efeitos do conflito na economia global vão contra muitos dos seus interesses econômicos.

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A contaminação ideológica nesses dois casos também pode ser percebida como guiada por inimizades. Além da proximidade histórica, os EUA continuam ligados a Israel por conta do papel que o país tem na região ao lidar com países vistos como rivais, como o Irã. No caso chinês, o apoio à Rússia pode ser interpretado como uma aliança que visa opor os dois países ao Ocidente e aos EUA, rivais no tabuleiro geopolítico global.

Em todas as instâncias, o que se vê é um comportamento de política externa que deveria ser pautado pelo pragmatismo e pelos interesses do país como um todo, mas que acaba sendo guiado por interpretações subjetivas de quem é amigo ou inimigo. Para evitar este tipo de problema, os países precisam tentar adotar a máxima de Temple, esquecer laços afetivos e pensar no que é mais importante para seu próprio país.

As relações internacionais costumam ser definidas como um jogo político em que não há amigos ou inimigos, apenas interesses. A situação global em 2024 mostra que a regra não está sendo seguida à risca por muitos Estados importantes, que enfrentam dificuldades em suas políticas externas por conta de “amizades” problemáticas. Países como Brasil, Estados Unidos e China mergulham em dilemas sem saída fácil por conta de relações que parecem não ter tanto a ver com seus interesses reais.

Frequentemente atribuída ao americano Henry Kissinger, a declaração da impessoalidade e pragmatismo das relações entre Estados tem um registro histórico em discurso de Henry Temple, que viria a se tornar premiê britânico, no Parlamento em 1848. “Não temos aliados eternos nem inimigos perpétuos. Nossos interesses são eternos e perpétuos, e é nosso dever segui-los”, disse.

É difícil ver tamanho pragmatismo no posicionamento atual do Brasil em relação à crise na Venezuela, dos EUA sobre a guerra de Israel na Faixa de Gaza e da China ao tratar da guerra russa na Ucrânia. Nenhum dos três casos parece refletir os interesses dos países, mas os governos da vez estão presos em situações complexas por conta do que figura como uma amizade entre os países — ou inimizade com outros atores.

O ditador da Venezuela, Nicolás Maduro, participa de uma reunião com o presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, em São Vicente e Granadinas  Foto: Ricardo Stuckert /Presidência da República

O caso mais próximo da realidade brasileira é a atual crise política na Venezuela. Em sua primeira declaração pública desde as eleições sob suspeita que indicaram vitória do ditador Nicolás Maduro, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi infeliz ao tratar a escalada do autoritarismo como algo normal.

Por mais que o posicionamento oficial da diplomacia brasileira esteja mais próximo do pragmatismo ao exigir as atas de votação antes de reconhecer o resultado, o presidente demonstrou mais de uma vez um compromisso com o regime chavista e uma crença na democracia do país que só podem ser justificados como uma amizade pessoal entre Lula e Maduro.

A proximidade entre os dois líderes coloca o Brasil em uma situação difícil, pois o país é visto como um ator fundamental na tentativa de dar fim à longa crise política e econômica na Venezuela, mas não consegue atuar de forma eficiente. Por conta da “amizade”, Lula evita adotar uma postura mais dura que pudesse pressionar pela defesa da democracia no país, e acaba engolindo o autoritarismo de Maduro. Isso faz com que o Brasil deixe de se comportar como um líder regional em defesa da democracia, adotando uma postura que atrapalha os interesses do Estado brasileiro – que seria uma estabilidade política, social e econômica na sua vizinhança.

O presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, participa de um evento no Palácio do Planalto, em Brasília  Foto: Eraldo Peres/AP

A questão da Venezuela, na verdade, historicamente carece de pragmatismo por parte do Brasil por todos os lados da atual polarização. Durante o governo de Jair Bolsonaro, de forma inversa, o país se comportou como se o regime chavista fosse inimigo e rompeu as relações diplomáticas, o que também não refletia os interesses do Estado.

Como indicado antes, entretanto, esta não é uma questão unicamente brasileira, nem depende exclusivamente de amizades pessoais entre líderes políticos. Os casos dos EUA e da China refletem situação parecida e têm um risco de gerar repercussões ainda maiores na política global.

Às vésperas de uma eleição presidencial muito disputada, o governo de Joe Biden enfrenta o dilema de continuar apoiando Israel na guerra contra o Hamas na Faixa de Gaza e em meio à escalada da violência no Oriente Médio. A comunidade internacional tem se colocado de forma cada vez mais crítica em relação ao governo de Binyamin Netanyahu, enquanto os EUA continuam sendo seu principal fiador no resto do mundo.

O primeiro-ministro de Israel, Binyamin Netanyahu, participa de uma reunião na Casa Branca com o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden  Foto: Kenny Holston/NYT

O risco de uma guerra regional tem se ampliado com a tensão crescente entre o governo de Tel Aviv, o Líbano e o Irã, e os Estados Unidos têm tido dificuldade em controlar os movimentos israelenses enquanto parecem se sentir forçados a defender a histórica amizade com Israel.

O caso da China talvez seja menos evidente, já que Pequim costuma se projetar internacionalmente com um discurso que pretende fugir de ideologias. Mas a declaração de aliança “sem limites” entre Pequim e Moscou durante a guerra na Ucrânia mergulhou o governo chinês em um dilema parecido: o país se recusa a denunciar a agressão russa enquanto os efeitos do conflito na economia global vão contra muitos dos seus interesses econômicos.

A contaminação ideológica nesses dois casos também pode ser percebida como guiada por inimizades. Além da proximidade histórica, os EUA continuam ligados a Israel por conta do papel que o país tem na região ao lidar com países vistos como rivais, como o Irã. No caso chinês, o apoio à Rússia pode ser interpretado como uma aliança que visa opor os dois países ao Ocidente e aos EUA, rivais no tabuleiro geopolítico global.

Em todas as instâncias, o que se vê é um comportamento de política externa que deveria ser pautado pelo pragmatismo e pelos interesses do país como um todo, mas que acaba sendo guiado por interpretações subjetivas de quem é amigo ou inimigo. Para evitar este tipo de problema, os países precisam tentar adotar a máxima de Temple, esquecer laços afetivos e pensar no que é mais importante para seu próprio país.

As relações internacionais costumam ser definidas como um jogo político em que não há amigos ou inimigos, apenas interesses. A situação global em 2024 mostra que a regra não está sendo seguida à risca por muitos Estados importantes, que enfrentam dificuldades em suas políticas externas por conta de “amizades” problemáticas. Países como Brasil, Estados Unidos e China mergulham em dilemas sem saída fácil por conta de relações que parecem não ter tanto a ver com seus interesses reais.

Frequentemente atribuída ao americano Henry Kissinger, a declaração da impessoalidade e pragmatismo das relações entre Estados tem um registro histórico em discurso de Henry Temple, que viria a se tornar premiê britânico, no Parlamento em 1848. “Não temos aliados eternos nem inimigos perpétuos. Nossos interesses são eternos e perpétuos, e é nosso dever segui-los”, disse.

É difícil ver tamanho pragmatismo no posicionamento atual do Brasil em relação à crise na Venezuela, dos EUA sobre a guerra de Israel na Faixa de Gaza e da China ao tratar da guerra russa na Ucrânia. Nenhum dos três casos parece refletir os interesses dos países, mas os governos da vez estão presos em situações complexas por conta do que figura como uma amizade entre os países — ou inimizade com outros atores.

O ditador da Venezuela, Nicolás Maduro, participa de uma reunião com o presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, em São Vicente e Granadinas  Foto: Ricardo Stuckert /Presidência da República

O caso mais próximo da realidade brasileira é a atual crise política na Venezuela. Em sua primeira declaração pública desde as eleições sob suspeita que indicaram vitória do ditador Nicolás Maduro, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi infeliz ao tratar a escalada do autoritarismo como algo normal.

Por mais que o posicionamento oficial da diplomacia brasileira esteja mais próximo do pragmatismo ao exigir as atas de votação antes de reconhecer o resultado, o presidente demonstrou mais de uma vez um compromisso com o regime chavista e uma crença na democracia do país que só podem ser justificados como uma amizade pessoal entre Lula e Maduro.

A proximidade entre os dois líderes coloca o Brasil em uma situação difícil, pois o país é visto como um ator fundamental na tentativa de dar fim à longa crise política e econômica na Venezuela, mas não consegue atuar de forma eficiente. Por conta da “amizade”, Lula evita adotar uma postura mais dura que pudesse pressionar pela defesa da democracia no país, e acaba engolindo o autoritarismo de Maduro. Isso faz com que o Brasil deixe de se comportar como um líder regional em defesa da democracia, adotando uma postura que atrapalha os interesses do Estado brasileiro – que seria uma estabilidade política, social e econômica na sua vizinhança.

O presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, participa de um evento no Palácio do Planalto, em Brasília  Foto: Eraldo Peres/AP

A questão da Venezuela, na verdade, historicamente carece de pragmatismo por parte do Brasil por todos os lados da atual polarização. Durante o governo de Jair Bolsonaro, de forma inversa, o país se comportou como se o regime chavista fosse inimigo e rompeu as relações diplomáticas, o que também não refletia os interesses do Estado.

Como indicado antes, entretanto, esta não é uma questão unicamente brasileira, nem depende exclusivamente de amizades pessoais entre líderes políticos. Os casos dos EUA e da China refletem situação parecida e têm um risco de gerar repercussões ainda maiores na política global.

Às vésperas de uma eleição presidencial muito disputada, o governo de Joe Biden enfrenta o dilema de continuar apoiando Israel na guerra contra o Hamas na Faixa de Gaza e em meio à escalada da violência no Oriente Médio. A comunidade internacional tem se colocado de forma cada vez mais crítica em relação ao governo de Binyamin Netanyahu, enquanto os EUA continuam sendo seu principal fiador no resto do mundo.

O primeiro-ministro de Israel, Binyamin Netanyahu, participa de uma reunião na Casa Branca com o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden  Foto: Kenny Holston/NYT

O risco de uma guerra regional tem se ampliado com a tensão crescente entre o governo de Tel Aviv, o Líbano e o Irã, e os Estados Unidos têm tido dificuldade em controlar os movimentos israelenses enquanto parecem se sentir forçados a defender a histórica amizade com Israel.

O caso da China talvez seja menos evidente, já que Pequim costuma se projetar internacionalmente com um discurso que pretende fugir de ideologias. Mas a declaração de aliança “sem limites” entre Pequim e Moscou durante a guerra na Ucrânia mergulhou o governo chinês em um dilema parecido: o país se recusa a denunciar a agressão russa enquanto os efeitos do conflito na economia global vão contra muitos dos seus interesses econômicos.

A contaminação ideológica nesses dois casos também pode ser percebida como guiada por inimizades. Além da proximidade histórica, os EUA continuam ligados a Israel por conta do papel que o país tem na região ao lidar com países vistos como rivais, como o Irã. No caso chinês, o apoio à Rússia pode ser interpretado como uma aliança que visa opor os dois países ao Ocidente e aos EUA, rivais no tabuleiro geopolítico global.

Em todas as instâncias, o que se vê é um comportamento de política externa que deveria ser pautado pelo pragmatismo e pelos interesses do país como um todo, mas que acaba sendo guiado por interpretações subjetivas de quem é amigo ou inimigo. Para evitar este tipo de problema, os países precisam tentar adotar a máxima de Temple, esquecer laços afetivos e pensar no que é mais importante para seu próprio país.

As relações internacionais costumam ser definidas como um jogo político em que não há amigos ou inimigos, apenas interesses. A situação global em 2024 mostra que a regra não está sendo seguida à risca por muitos Estados importantes, que enfrentam dificuldades em suas políticas externas por conta de “amizades” problemáticas. Países como Brasil, Estados Unidos e China mergulham em dilemas sem saída fácil por conta de relações que parecem não ter tanto a ver com seus interesses reais.

Frequentemente atribuída ao americano Henry Kissinger, a declaração da impessoalidade e pragmatismo das relações entre Estados tem um registro histórico em discurso de Henry Temple, que viria a se tornar premiê britânico, no Parlamento em 1848. “Não temos aliados eternos nem inimigos perpétuos. Nossos interesses são eternos e perpétuos, e é nosso dever segui-los”, disse.

É difícil ver tamanho pragmatismo no posicionamento atual do Brasil em relação à crise na Venezuela, dos EUA sobre a guerra de Israel na Faixa de Gaza e da China ao tratar da guerra russa na Ucrânia. Nenhum dos três casos parece refletir os interesses dos países, mas os governos da vez estão presos em situações complexas por conta do que figura como uma amizade entre os países — ou inimizade com outros atores.

O ditador da Venezuela, Nicolás Maduro, participa de uma reunião com o presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, em São Vicente e Granadinas  Foto: Ricardo Stuckert /Presidência da República

O caso mais próximo da realidade brasileira é a atual crise política na Venezuela. Em sua primeira declaração pública desde as eleições sob suspeita que indicaram vitória do ditador Nicolás Maduro, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi infeliz ao tratar a escalada do autoritarismo como algo normal.

Por mais que o posicionamento oficial da diplomacia brasileira esteja mais próximo do pragmatismo ao exigir as atas de votação antes de reconhecer o resultado, o presidente demonstrou mais de uma vez um compromisso com o regime chavista e uma crença na democracia do país que só podem ser justificados como uma amizade pessoal entre Lula e Maduro.

A proximidade entre os dois líderes coloca o Brasil em uma situação difícil, pois o país é visto como um ator fundamental na tentativa de dar fim à longa crise política e econômica na Venezuela, mas não consegue atuar de forma eficiente. Por conta da “amizade”, Lula evita adotar uma postura mais dura que pudesse pressionar pela defesa da democracia no país, e acaba engolindo o autoritarismo de Maduro. Isso faz com que o Brasil deixe de se comportar como um líder regional em defesa da democracia, adotando uma postura que atrapalha os interesses do Estado brasileiro – que seria uma estabilidade política, social e econômica na sua vizinhança.

O presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, participa de um evento no Palácio do Planalto, em Brasília  Foto: Eraldo Peres/AP

A questão da Venezuela, na verdade, historicamente carece de pragmatismo por parte do Brasil por todos os lados da atual polarização. Durante o governo de Jair Bolsonaro, de forma inversa, o país se comportou como se o regime chavista fosse inimigo e rompeu as relações diplomáticas, o que também não refletia os interesses do Estado.

Como indicado antes, entretanto, esta não é uma questão unicamente brasileira, nem depende exclusivamente de amizades pessoais entre líderes políticos. Os casos dos EUA e da China refletem situação parecida e têm um risco de gerar repercussões ainda maiores na política global.

Às vésperas de uma eleição presidencial muito disputada, o governo de Joe Biden enfrenta o dilema de continuar apoiando Israel na guerra contra o Hamas na Faixa de Gaza e em meio à escalada da violência no Oriente Médio. A comunidade internacional tem se colocado de forma cada vez mais crítica em relação ao governo de Binyamin Netanyahu, enquanto os EUA continuam sendo seu principal fiador no resto do mundo.

O primeiro-ministro de Israel, Binyamin Netanyahu, participa de uma reunião na Casa Branca com o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden  Foto: Kenny Holston/NYT

O risco de uma guerra regional tem se ampliado com a tensão crescente entre o governo de Tel Aviv, o Líbano e o Irã, e os Estados Unidos têm tido dificuldade em controlar os movimentos israelenses enquanto parecem se sentir forçados a defender a histórica amizade com Israel.

O caso da China talvez seja menos evidente, já que Pequim costuma se projetar internacionalmente com um discurso que pretende fugir de ideologias. Mas a declaração de aliança “sem limites” entre Pequim e Moscou durante a guerra na Ucrânia mergulhou o governo chinês em um dilema parecido: o país se recusa a denunciar a agressão russa enquanto os efeitos do conflito na economia global vão contra muitos dos seus interesses econômicos.

A contaminação ideológica nesses dois casos também pode ser percebida como guiada por inimizades. Além da proximidade histórica, os EUA continuam ligados a Israel por conta do papel que o país tem na região ao lidar com países vistos como rivais, como o Irã. No caso chinês, o apoio à Rússia pode ser interpretado como uma aliança que visa opor os dois países ao Ocidente e aos EUA, rivais no tabuleiro geopolítico global.

Em todas as instâncias, o que se vê é um comportamento de política externa que deveria ser pautado pelo pragmatismo e pelos interesses do país como um todo, mas que acaba sendo guiado por interpretações subjetivas de quem é amigo ou inimigo. Para evitar este tipo de problema, os países precisam tentar adotar a máxima de Temple, esquecer laços afetivos e pensar no que é mais importante para seu próprio país.

As relações internacionais costumam ser definidas como um jogo político em que não há amigos ou inimigos, apenas interesses. A situação global em 2024 mostra que a regra não está sendo seguida à risca por muitos Estados importantes, que enfrentam dificuldades em suas políticas externas por conta de “amizades” problemáticas. Países como Brasil, Estados Unidos e China mergulham em dilemas sem saída fácil por conta de relações que parecem não ter tanto a ver com seus interesses reais.

Frequentemente atribuída ao americano Henry Kissinger, a declaração da impessoalidade e pragmatismo das relações entre Estados tem um registro histórico em discurso de Henry Temple, que viria a se tornar premiê britânico, no Parlamento em 1848. “Não temos aliados eternos nem inimigos perpétuos. Nossos interesses são eternos e perpétuos, e é nosso dever segui-los”, disse.

É difícil ver tamanho pragmatismo no posicionamento atual do Brasil em relação à crise na Venezuela, dos EUA sobre a guerra de Israel na Faixa de Gaza e da China ao tratar da guerra russa na Ucrânia. Nenhum dos três casos parece refletir os interesses dos países, mas os governos da vez estão presos em situações complexas por conta do que figura como uma amizade entre os países — ou inimizade com outros atores.

O ditador da Venezuela, Nicolás Maduro, participa de uma reunião com o presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, em São Vicente e Granadinas  Foto: Ricardo Stuckert /Presidência da República

O caso mais próximo da realidade brasileira é a atual crise política na Venezuela. Em sua primeira declaração pública desde as eleições sob suspeita que indicaram vitória do ditador Nicolás Maduro, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi infeliz ao tratar a escalada do autoritarismo como algo normal.

Por mais que o posicionamento oficial da diplomacia brasileira esteja mais próximo do pragmatismo ao exigir as atas de votação antes de reconhecer o resultado, o presidente demonstrou mais de uma vez um compromisso com o regime chavista e uma crença na democracia do país que só podem ser justificados como uma amizade pessoal entre Lula e Maduro.

A proximidade entre os dois líderes coloca o Brasil em uma situação difícil, pois o país é visto como um ator fundamental na tentativa de dar fim à longa crise política e econômica na Venezuela, mas não consegue atuar de forma eficiente. Por conta da “amizade”, Lula evita adotar uma postura mais dura que pudesse pressionar pela defesa da democracia no país, e acaba engolindo o autoritarismo de Maduro. Isso faz com que o Brasil deixe de se comportar como um líder regional em defesa da democracia, adotando uma postura que atrapalha os interesses do Estado brasileiro – que seria uma estabilidade política, social e econômica na sua vizinhança.

O presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, participa de um evento no Palácio do Planalto, em Brasília  Foto: Eraldo Peres/AP

A questão da Venezuela, na verdade, historicamente carece de pragmatismo por parte do Brasil por todos os lados da atual polarização. Durante o governo de Jair Bolsonaro, de forma inversa, o país se comportou como se o regime chavista fosse inimigo e rompeu as relações diplomáticas, o que também não refletia os interesses do Estado.

Como indicado antes, entretanto, esta não é uma questão unicamente brasileira, nem depende exclusivamente de amizades pessoais entre líderes políticos. Os casos dos EUA e da China refletem situação parecida e têm um risco de gerar repercussões ainda maiores na política global.

Às vésperas de uma eleição presidencial muito disputada, o governo de Joe Biden enfrenta o dilema de continuar apoiando Israel na guerra contra o Hamas na Faixa de Gaza e em meio à escalada da violência no Oriente Médio. A comunidade internacional tem se colocado de forma cada vez mais crítica em relação ao governo de Binyamin Netanyahu, enquanto os EUA continuam sendo seu principal fiador no resto do mundo.

O primeiro-ministro de Israel, Binyamin Netanyahu, participa de uma reunião na Casa Branca com o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden  Foto: Kenny Holston/NYT

O risco de uma guerra regional tem se ampliado com a tensão crescente entre o governo de Tel Aviv, o Líbano e o Irã, e os Estados Unidos têm tido dificuldade em controlar os movimentos israelenses enquanto parecem se sentir forçados a defender a histórica amizade com Israel.

O caso da China talvez seja menos evidente, já que Pequim costuma se projetar internacionalmente com um discurso que pretende fugir de ideologias. Mas a declaração de aliança “sem limites” entre Pequim e Moscou durante a guerra na Ucrânia mergulhou o governo chinês em um dilema parecido: o país se recusa a denunciar a agressão russa enquanto os efeitos do conflito na economia global vão contra muitos dos seus interesses econômicos.

A contaminação ideológica nesses dois casos também pode ser percebida como guiada por inimizades. Além da proximidade histórica, os EUA continuam ligados a Israel por conta do papel que o país tem na região ao lidar com países vistos como rivais, como o Irã. No caso chinês, o apoio à Rússia pode ser interpretado como uma aliança que visa opor os dois países ao Ocidente e aos EUA, rivais no tabuleiro geopolítico global.

Em todas as instâncias, o que se vê é um comportamento de política externa que deveria ser pautado pelo pragmatismo e pelos interesses do país como um todo, mas que acaba sendo guiado por interpretações subjetivas de quem é amigo ou inimigo. Para evitar este tipo de problema, os países precisam tentar adotar a máxima de Temple, esquecer laços afetivos e pensar no que é mais importante para seu próprio país.

Opinião por Daniel Buarque*

*Editor-executivo do portal Interesse Nacional. Jornalista e doutor em Relações Internacionais pelo programa de PhD conjunto do King’s College London (KCL) e do IRI/USP. Mestre pelo KCL e autor dos livros Brazil’s international status and recognition as an emerging power: inconsistencies and complexities (Palgrave Macmillan), Brazil, um país do presente (Alameda Editorial), O Brazil é um país sério? (Pioneira) e O Brasil voltou? (Pioneira)

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