Enquanto a oposição venezuelana acertava com aliados internacionais a entrega de ajuda humanitária na Venezuela para pressionar as Forças Armadas a romper com o presidente Nicolás Maduro, o chavismo reforçou nesta quarta-feira a segurança em pelo menos um posto de fronteira no Estado de Táchira, na fronteira com a Colômbia.
Segundo analistas de dentro e de fora da Venezuela, a iniciativa é a segunda etapa da estratégia da oposição, articulada com os Estados Unidos, para provocar cisões entre os militares chavistas e derrubar o presidente Maduro. Com isso, o líder chavista terá de lidar com uma escolha difícil: negar a ajuda, prejudicando ainda mais seu isolamento internacional, ou aceitá-la, concedendo uma vitória política à oposição. Nas duas opções, ainda de acordo com especialistas, ele sai enfraquecido.
“A primeira etapa dessa estratégia foi asfixiar as importações venezuelanas com as sanções ao petróleo, que atingem os negócios dos generais”, diz o professor de relações internacionais da ESPM Leonardo Trevisan. “Na segunda etapa, os militares, que controlam a fronteira e não participam dos negócios da cúpula, olham para situação e pensam: ‘vamos deixar entrar remédios.’”
Ao longo de seu governo, Maduro hipotecou áreas do governo e de empresas estatais para os generais. Hoje, o Exército controla a distribuição de alimentos importados dentro do país e chefia a estatal perolífera PDVSA, responsável por 96% da receita em dólares do Estado venezuelano, além de denúncias de envolvimento com narcotráfico e contrabando.
Com isso, a cúpula militar segue fiel a Maduro, apesar de relatos de insatisfação, principalmente entre o baixo oficialato, que sofre mais com a hiperinflação e a escassez. São os soldados que trabalham na fronteira que são o alvo das investidas do líder opositor, Juan Guaidó, que se declarou presidente interino no mês passado após a Assembleia Nacional, de maioria opositora, considerar a eleição que reelegeu Maduro fraudulenta.
“Uma nova ordem às Forças Armadas: que permitam o ingresso de ajuda humanitária para atender a suas famílias que certamente precisam de alimentos e remédios”, afirmou Guaidó.
O impasse é agravado pelo fato de a oposição não controlar nenhuma parte do território venezuelano. “A abordagem da oposição e dos EUA é uma estratégia intervencionista, que fere princípios de direito internacional”, acrescenta Trevisan.
“A Guerra dos Bálcãs e a da Síria deixaram isso claro: é muito difícil fazer a distinção entre um corredor humanitário e uma intervenção militar. E, quando o corredor é utilizado, há uma tendência de que isso ocorra sob a égide da ONU.”
Ainda não está claro, no entanto, o nível de coesão das Forças Armadas, nem seu grau de lealdade a Maduro. Apenas um general e um coronel romperam publicamente com o governo nos últimos dias.
“O problema é que o Exército é uma caixa-preta. Ninguém sabe o que acontece lá dentro”, avalia Luis Vicente León, do Instituto Datanálisis, sobre as chances de cisão militar. “A oposição tenta com as sanções e com a oferta de ajuda provocar o governo: ou aceita a ajuda ou impede à força sua entrada, provocando os Estados Unidos.”
Para o coordenador da área internacional do partido de oposição Voluntad Popular, Manuel Avendaño, a entrada de ajuda servirá para medir o grau de lealdade dos generais a Maduro. A resposta, disse ele ao Estado, virá ainda esta semana.
A aposta é na insatisfação dos escalões médios e inferiores da Força. “O momento é agora, soldado da pátria!”, diz um tuíte da Assembleia Nacional. “Vai negar ajuda humanitária, inclusive a sua mãe? Se tem dúvidas, pergunte à sua família. O que é correto? Ajudem a salvar a vida de venezuelanos, que como vocês sofrem de fome e morrem à míngua pelo regime.”
Nesta quarta-feira, militares fecharam a passagem na ponte de Tienditas, que liga as cidades de Cúcuta, na Colômbia, e Ureña, na Venezuela, com o auxílio de uma cerca improvisada e de carrocerias de caminhões. Maduro nega a possibilidade de aceitar ajuda internacional, considerando-a uma “desculpa” para iniciar uma intervenção militar.
Entidades de ajuda humanitária, como o Comitê Internacional da Cruz Vermelha, pediram nesta quarta-feira que a entrega de alimentos e remédios não seja politizada pelos envolvidos na crise.