Precisa de terapia? Na África Ocidental, cabeleireiras podem ajudar


Uma iniciativa para formar cabeleireiros em aconselhamento de saúde mental está proporcionando alívio a centenas de clientes numa região com menos acesso à terapia no mundo

Por Elian Peltier

THE NEW YORK TIMES - Joseline de Lima vagueava pelos becos poeirentos do bairro de classe trabalhadora no qual vive na capital de Togo, Lomé, certo dia este ano, quando um pensamento perturbador lhe veio à mente: quem cuidaria de seus dois filhos se sua depressão piorasse e ela não estivesse mais por perto para cuidar deles?

Lima, uma mãe solo de luto pela morte recente do irmão e que acabava de perder o emprego numa padaria, sabia que precisava de ajuda. Mas terapia estava fora de questão. “Formal e caro demais”, pensou ela, segundo seu relato.

A ajuda veio de uma conselheira inesperada: a cabeleireira de Lima, que tinha notado suas caminhadas erráticas pela vizinhança e abriu um espaço seguro para ela falar de suas dificuldades entre os apliques encaracolados expostos nas coloridas prateleiras sob a luz neon de seu pequeno salão em Lomé.

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Madame Valerie cuida do cabelo de Joseline de Lima em Lomé, Togo, no dia 8 de novembro de 2023 Foto: Yagazie Emezi/NYT

A cabeleireira, Tele da Silveira, é uma das cerca de 150 mulheres que receberam treinamento em saúde mental em cidades da África Ocidental e Central de uma ONG que tenta suprir um lapso crítico: fornecer assistência de saúde mental em uma das regiões mais pobres do mundo, onde fazer terapia continua praticamente inacessível e mal aceito socialmente.

Silveira começou com perguntas gentis e palavras de encorajamento à medida que fazia tranças e usava o secador nas madeixas preto e branco de Lima. Os ouvidos atentos da profissional continuaram a escutar, e ela sugeria à cliente estilos, cortes e penteados enquanto a aconselhava a caminhar à beira de uma lagoa nas proximidades — o que Lima descreveu como uma “terapia que salva vidas”.

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“As pessoas precisam de atenção neste mundo”, afirmou Silveira. “Precisam conversar.”

Togo e muitos outros países africanos enfrentam uma necessidade urgente de mais acesso a terapias mentais e tratamentos melhores: a Organização Mundial da Saúde classifica a África como a região que apresenta um dos índices de suicídio mais elevados do mundo e que menos gasta em assistência de saúde mental. A região tem em média 1,6 agente de saúde mental a cada 100 mil habitantes, enquanto a média mundial é 13, segundo a OMS.

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As crises no setor da saúde mental são exacerbadas por conflitos violentos em países como Sudão, Somália, República Democrática do Congo, Etiópia e na região do Sahel; pelo crescente uso de drogas em muitas cidades grandes; e pelo desemprego generalizado entre os jovens, deslocamentos causados por efeitos extremos das mudanças climáticas e inflações galopantes.

Com sua equipe disponível, Adaku Adama cuida do cabelo de uma cliente em seu salão em Lomé, Togo, em 7 de novembro de 2023. Adaku é a representante dos cerca de 45 cabeleireiros que foram treinados em Lomé como embaixadores de saúde mental  Foto: Yagazie Emezi/NYT

Em Togo, uma pequena nação costeira no Golfo da Guiné, há pouco conhecimento a respeito de terapias mentais tanto na capital à beira-mar quanto nos vilarejos do norte montanhoso. O país com mais de 8 milhões de habitantes conta com apenas 5 psiquiatras. Famílias em busca de tratamento para parentes que sofrem de variados tipos de problemas de saúde mental com frequência apelam para remédios tradicionais ou isolamentos forçados, que incluem confinamentos de pacientes de esquizofrenia algemados em centros religiosos ou clínicas.

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“Muitas das pessoas que nos procuram o fazem como um último recurso, depois de curandeiros e charlatães tomarem seu dinheiro”, afirmou Daméga Wouenkourama, um dos cinco psiquiatras de Togo. “Saúde mental continua um conceito estrangeiro para a maioria das pessoas, incluindo nossos líderes e colegas médicos.”

Para lidar com o que a OMS descreve como um “lapso em saúde mental” em países em desenvolvimento, ONGs locais e entidades internacionais que atuam na África estão treinando enfermeiros, clínicos-gerais e até avós para identificar problemas de saúde mental nas pessoas, dos sinais iniciais de depressão a distúrbios de estresse pós-traumático.

Joseline de Lima caminha pelo seu bairro em Lomé, Togo, no dia 8 de novembro de 2023 Foto: Yagazie Emezi/NYT
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Na África Ocidental e Central, as cabeleireiras foram as mais recentes colaboradoras a juntar-se a essa luta. Os salões de beleza são usados há muito tempo por ONGs e grupos comunitários como centros para difundir conhecimento sobre questões como saúde reprodutiva entre clientes e aprendizes. O valor da visita é baixo — às vezes US$ 2 — e o salão é um ponto de encontro considerado agradável pelas mulheres.

Profissionais de saúde mental estão oferecendo treinamentos de três dias para as cabeleireiras, nos quais elas aprendem como fazer perguntas sobre feridas abertas, identificar sinais não verbais de aflição, como dores de cabeça ou roupas desgrenhadas, e, criticamente, como não fofocar sobre a situação da cliente nem lhe dar conselhos prejudiciais.

Em entrevistas, seis cabeleireiras afirmaram que enquanto suas clientes fazem e desfazem as tranças ou acrescentam extensões capilares muitas falam de suas dificuldades econômicas e dores emocionais em torno da perda de entes queridos. Com mais frequência, porém, elas falam de seus “problemas no lar” — um eufemismo para violência doméstica.

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“As clientes choram na nossa frente, nós as ouvimos”, afirmou a vibrante cabeleireira Adama Adaku, com um sorriso enorme na cara e tranças de lã vermelha nos cabelos, que passou pelo treinamento em saúde mental.

Sonia Kanekatoua, uma das cinco psiquiatras do Togo, em Lomé, Togo, no dia 7 de novembro de 2023 Foto: Yagazie Emezi/NYT

O treinamento é organizado pela Fundação Bluemind, criada pela empreendedora franco-camaronesa Marie-Alix de Putter, que passou por anos de tratamento psiquiátrico depois que seu marido, professor e agente humanitário, foi morto em 2012, quando o casal vivia em Camarões. A cabeleireira de Putter ficou ao lado dela nas horas que se seguiram à morte de seu marido, disse ela em entrevista, em Lomé, no mês passado.

Quando projetou o programa, em 2018, Putter colocou foco nos locais onde as africanas passam o tempo. “A sociedade espera que elas sejam lindas, e o cabelo com frequência vem em primeiro lugar”, afirmou. “Nós vamos aonde as mulheres estão.”

Cerca de 150 cabeleireiras receberam o título-honorário de “embaixadora da saúde mental” da organização de Putter até aqui, depois de passar por treinamento em Lomé, na Costa do Marfim e em Camarões. Gana, Ruanda e Senegal são os próximos.

Já que não são terapeutas capacitadas, as cabeleireiras com frequência encaminham as clientes para profissionais da área da saúde mental. Mas a maioria das cabeleireiras disse que suas clientes acharam a terapia caro demais — uma sessão custa pelo menos US$ 15, num país em que mais de um quarto da população vive com menos de US$ 2,15 por dia e onde o acesso aos seguros-saúde é desigual.

Vários países africanos prometeram na década recente lidar melhor com distúrbios de saúde mental. No ano passado, o Ministério da Saúde de Uganda informou que quase 1 a cada 3 ugandenses tem problemas de saúde mental. Nações como Serra Leoa e Gana prometeram substituir as algemas por tratamentos profissionais. A saúde mental nesses países fica em último lugar — ou é inteiramente negligenciada — como em muitos outros Estados do sul global.

“As pessoas estão tomando consciência a respeito da existência dos problemas de saúde mental”, afirmou a única psiquiatra mulher de Togo, Sonia Kanékatoua. “Mas o estigma social persiste.”

Vistas das ruas tranquilas de Lomé, Togo, em 8 de novembro de 2023 Foto: Yagazie Emezi/NYT

Numa manhã recente, Kanékatoua e outros três psiquiatras de Togo viajaram para uma área rural duas horas ao norte da capital para montar uma clínica aberta que é organizada duas vezes ao ano. Eles conversam com pacientes em salas de consulta ou sob enormes mangueiras, em um quintal poeirento. Por horas, os psiquiatras atendem pessoas sofrendo de depressão, estresse, vícios e outros problemas.

De volta a Lomé, Lima passou a frequentar algumas vezes ao mês ao salão de beleza de Silveira, a uma quadra de sua casa. Lima, de 54 anos, seguiu o conselho de sua cabeleireira para ouvir música religiosa — ambas são cristãs — e retomou as caminhadas relaxantes até a lagoa nas proximidades, que antes ela não tinha energia para realizar. Lima afirmou que espera vender um terreno para usar parte do dinheiro para pagar por terapia, sob recomendação de sua cabeleireira.

“Ela viu que tinha algo dentro de mim que eu não conseguia resolver”, afirmou Lima, usando um vestido florido enquanto Silveira penteava seu cabelo.

Dar esse aconselhamento exige um preço da saúde mental de algumas de algumas cabeleireiras, mesmo que elas também façam terapia mensalmente, como cortesia da Fundação Bluemind.

“Eu consigo ouvir e falar até certo ponto, mas chega uma hora que não aguento mais”, afirmou Silveira numa manhã recente, sentada diante de seu salão. Ela disse que tem depressão.

Filhotes de cachorro brincavam com um tufo de aplique aos seus pés. Uma cliente aguardava dentro. Com um sorriso suave, Silveira perguntou, “Por que parece que todo mundo sofre de algum distúrbio mental?”. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

Madame Valerie cuida do cabelo de Joseline de Lima em Lomé, Togo, no dia 8 de novembro de 2023 Foto: Yagazie Emezi/NYT

THE NEW YORK TIMES - Joseline de Lima vagueava pelos becos poeirentos do bairro de classe trabalhadora no qual vive na capital de Togo, Lomé, certo dia este ano, quando um pensamento perturbador lhe veio à mente: quem cuidaria de seus dois filhos se sua depressão piorasse e ela não estivesse mais por perto para cuidar deles?

Lima, uma mãe solo de luto pela morte recente do irmão e que acabava de perder o emprego numa padaria, sabia que precisava de ajuda. Mas terapia estava fora de questão. “Formal e caro demais”, pensou ela, segundo seu relato.

A ajuda veio de uma conselheira inesperada: a cabeleireira de Lima, que tinha notado suas caminhadas erráticas pela vizinhança e abriu um espaço seguro para ela falar de suas dificuldades entre os apliques encaracolados expostos nas coloridas prateleiras sob a luz neon de seu pequeno salão em Lomé.

Madame Valerie cuida do cabelo de Joseline de Lima em Lomé, Togo, no dia 8 de novembro de 2023 Foto: Yagazie Emezi/NYT

A cabeleireira, Tele da Silveira, é uma das cerca de 150 mulheres que receberam treinamento em saúde mental em cidades da África Ocidental e Central de uma ONG que tenta suprir um lapso crítico: fornecer assistência de saúde mental em uma das regiões mais pobres do mundo, onde fazer terapia continua praticamente inacessível e mal aceito socialmente.

Silveira começou com perguntas gentis e palavras de encorajamento à medida que fazia tranças e usava o secador nas madeixas preto e branco de Lima. Os ouvidos atentos da profissional continuaram a escutar, e ela sugeria à cliente estilos, cortes e penteados enquanto a aconselhava a caminhar à beira de uma lagoa nas proximidades — o que Lima descreveu como uma “terapia que salva vidas”.

“As pessoas precisam de atenção neste mundo”, afirmou Silveira. “Precisam conversar.”

Togo e muitos outros países africanos enfrentam uma necessidade urgente de mais acesso a terapias mentais e tratamentos melhores: a Organização Mundial da Saúde classifica a África como a região que apresenta um dos índices de suicídio mais elevados do mundo e que menos gasta em assistência de saúde mental. A região tem em média 1,6 agente de saúde mental a cada 100 mil habitantes, enquanto a média mundial é 13, segundo a OMS.

As crises no setor da saúde mental são exacerbadas por conflitos violentos em países como Sudão, Somália, República Democrática do Congo, Etiópia e na região do Sahel; pelo crescente uso de drogas em muitas cidades grandes; e pelo desemprego generalizado entre os jovens, deslocamentos causados por efeitos extremos das mudanças climáticas e inflações galopantes.

Com sua equipe disponível, Adaku Adama cuida do cabelo de uma cliente em seu salão em Lomé, Togo, em 7 de novembro de 2023. Adaku é a representante dos cerca de 45 cabeleireiros que foram treinados em Lomé como embaixadores de saúde mental  Foto: Yagazie Emezi/NYT

Em Togo, uma pequena nação costeira no Golfo da Guiné, há pouco conhecimento a respeito de terapias mentais tanto na capital à beira-mar quanto nos vilarejos do norte montanhoso. O país com mais de 8 milhões de habitantes conta com apenas 5 psiquiatras. Famílias em busca de tratamento para parentes que sofrem de variados tipos de problemas de saúde mental com frequência apelam para remédios tradicionais ou isolamentos forçados, que incluem confinamentos de pacientes de esquizofrenia algemados em centros religiosos ou clínicas.

“Muitas das pessoas que nos procuram o fazem como um último recurso, depois de curandeiros e charlatães tomarem seu dinheiro”, afirmou Daméga Wouenkourama, um dos cinco psiquiatras de Togo. “Saúde mental continua um conceito estrangeiro para a maioria das pessoas, incluindo nossos líderes e colegas médicos.”

Para lidar com o que a OMS descreve como um “lapso em saúde mental” em países em desenvolvimento, ONGs locais e entidades internacionais que atuam na África estão treinando enfermeiros, clínicos-gerais e até avós para identificar problemas de saúde mental nas pessoas, dos sinais iniciais de depressão a distúrbios de estresse pós-traumático.

Joseline de Lima caminha pelo seu bairro em Lomé, Togo, no dia 8 de novembro de 2023 Foto: Yagazie Emezi/NYT

Na África Ocidental e Central, as cabeleireiras foram as mais recentes colaboradoras a juntar-se a essa luta. Os salões de beleza são usados há muito tempo por ONGs e grupos comunitários como centros para difundir conhecimento sobre questões como saúde reprodutiva entre clientes e aprendizes. O valor da visita é baixo — às vezes US$ 2 — e o salão é um ponto de encontro considerado agradável pelas mulheres.

Profissionais de saúde mental estão oferecendo treinamentos de três dias para as cabeleireiras, nos quais elas aprendem como fazer perguntas sobre feridas abertas, identificar sinais não verbais de aflição, como dores de cabeça ou roupas desgrenhadas, e, criticamente, como não fofocar sobre a situação da cliente nem lhe dar conselhos prejudiciais.

Em entrevistas, seis cabeleireiras afirmaram que enquanto suas clientes fazem e desfazem as tranças ou acrescentam extensões capilares muitas falam de suas dificuldades econômicas e dores emocionais em torno da perda de entes queridos. Com mais frequência, porém, elas falam de seus “problemas no lar” — um eufemismo para violência doméstica.

“As clientes choram na nossa frente, nós as ouvimos”, afirmou a vibrante cabeleireira Adama Adaku, com um sorriso enorme na cara e tranças de lã vermelha nos cabelos, que passou pelo treinamento em saúde mental.

Sonia Kanekatoua, uma das cinco psiquiatras do Togo, em Lomé, Togo, no dia 7 de novembro de 2023 Foto: Yagazie Emezi/NYT

O treinamento é organizado pela Fundação Bluemind, criada pela empreendedora franco-camaronesa Marie-Alix de Putter, que passou por anos de tratamento psiquiátrico depois que seu marido, professor e agente humanitário, foi morto em 2012, quando o casal vivia em Camarões. A cabeleireira de Putter ficou ao lado dela nas horas que se seguiram à morte de seu marido, disse ela em entrevista, em Lomé, no mês passado.

Quando projetou o programa, em 2018, Putter colocou foco nos locais onde as africanas passam o tempo. “A sociedade espera que elas sejam lindas, e o cabelo com frequência vem em primeiro lugar”, afirmou. “Nós vamos aonde as mulheres estão.”

Cerca de 150 cabeleireiras receberam o título-honorário de “embaixadora da saúde mental” da organização de Putter até aqui, depois de passar por treinamento em Lomé, na Costa do Marfim e em Camarões. Gana, Ruanda e Senegal são os próximos.

Já que não são terapeutas capacitadas, as cabeleireiras com frequência encaminham as clientes para profissionais da área da saúde mental. Mas a maioria das cabeleireiras disse que suas clientes acharam a terapia caro demais — uma sessão custa pelo menos US$ 15, num país em que mais de um quarto da população vive com menos de US$ 2,15 por dia e onde o acesso aos seguros-saúde é desigual.

Vários países africanos prometeram na década recente lidar melhor com distúrbios de saúde mental. No ano passado, o Ministério da Saúde de Uganda informou que quase 1 a cada 3 ugandenses tem problemas de saúde mental. Nações como Serra Leoa e Gana prometeram substituir as algemas por tratamentos profissionais. A saúde mental nesses países fica em último lugar — ou é inteiramente negligenciada — como em muitos outros Estados do sul global.

“As pessoas estão tomando consciência a respeito da existência dos problemas de saúde mental”, afirmou a única psiquiatra mulher de Togo, Sonia Kanékatoua. “Mas o estigma social persiste.”

Vistas das ruas tranquilas de Lomé, Togo, em 8 de novembro de 2023 Foto: Yagazie Emezi/NYT

Numa manhã recente, Kanékatoua e outros três psiquiatras de Togo viajaram para uma área rural duas horas ao norte da capital para montar uma clínica aberta que é organizada duas vezes ao ano. Eles conversam com pacientes em salas de consulta ou sob enormes mangueiras, em um quintal poeirento. Por horas, os psiquiatras atendem pessoas sofrendo de depressão, estresse, vícios e outros problemas.

De volta a Lomé, Lima passou a frequentar algumas vezes ao mês ao salão de beleza de Silveira, a uma quadra de sua casa. Lima, de 54 anos, seguiu o conselho de sua cabeleireira para ouvir música religiosa — ambas são cristãs — e retomou as caminhadas relaxantes até a lagoa nas proximidades, que antes ela não tinha energia para realizar. Lima afirmou que espera vender um terreno para usar parte do dinheiro para pagar por terapia, sob recomendação de sua cabeleireira.

“Ela viu que tinha algo dentro de mim que eu não conseguia resolver”, afirmou Lima, usando um vestido florido enquanto Silveira penteava seu cabelo.

Dar esse aconselhamento exige um preço da saúde mental de algumas de algumas cabeleireiras, mesmo que elas também façam terapia mensalmente, como cortesia da Fundação Bluemind.

“Eu consigo ouvir e falar até certo ponto, mas chega uma hora que não aguento mais”, afirmou Silveira numa manhã recente, sentada diante de seu salão. Ela disse que tem depressão.

Filhotes de cachorro brincavam com um tufo de aplique aos seus pés. Uma cliente aguardava dentro. Com um sorriso suave, Silveira perguntou, “Por que parece que todo mundo sofre de algum distúrbio mental?”. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

Madame Valerie cuida do cabelo de Joseline de Lima em Lomé, Togo, no dia 8 de novembro de 2023 Foto: Yagazie Emezi/NYT

THE NEW YORK TIMES - Joseline de Lima vagueava pelos becos poeirentos do bairro de classe trabalhadora no qual vive na capital de Togo, Lomé, certo dia este ano, quando um pensamento perturbador lhe veio à mente: quem cuidaria de seus dois filhos se sua depressão piorasse e ela não estivesse mais por perto para cuidar deles?

Lima, uma mãe solo de luto pela morte recente do irmão e que acabava de perder o emprego numa padaria, sabia que precisava de ajuda. Mas terapia estava fora de questão. “Formal e caro demais”, pensou ela, segundo seu relato.

A ajuda veio de uma conselheira inesperada: a cabeleireira de Lima, que tinha notado suas caminhadas erráticas pela vizinhança e abriu um espaço seguro para ela falar de suas dificuldades entre os apliques encaracolados expostos nas coloridas prateleiras sob a luz neon de seu pequeno salão em Lomé.

Madame Valerie cuida do cabelo de Joseline de Lima em Lomé, Togo, no dia 8 de novembro de 2023 Foto: Yagazie Emezi/NYT

A cabeleireira, Tele da Silveira, é uma das cerca de 150 mulheres que receberam treinamento em saúde mental em cidades da África Ocidental e Central de uma ONG que tenta suprir um lapso crítico: fornecer assistência de saúde mental em uma das regiões mais pobres do mundo, onde fazer terapia continua praticamente inacessível e mal aceito socialmente.

Silveira começou com perguntas gentis e palavras de encorajamento à medida que fazia tranças e usava o secador nas madeixas preto e branco de Lima. Os ouvidos atentos da profissional continuaram a escutar, e ela sugeria à cliente estilos, cortes e penteados enquanto a aconselhava a caminhar à beira de uma lagoa nas proximidades — o que Lima descreveu como uma “terapia que salva vidas”.

“As pessoas precisam de atenção neste mundo”, afirmou Silveira. “Precisam conversar.”

Togo e muitos outros países africanos enfrentam uma necessidade urgente de mais acesso a terapias mentais e tratamentos melhores: a Organização Mundial da Saúde classifica a África como a região que apresenta um dos índices de suicídio mais elevados do mundo e que menos gasta em assistência de saúde mental. A região tem em média 1,6 agente de saúde mental a cada 100 mil habitantes, enquanto a média mundial é 13, segundo a OMS.

As crises no setor da saúde mental são exacerbadas por conflitos violentos em países como Sudão, Somália, República Democrática do Congo, Etiópia e na região do Sahel; pelo crescente uso de drogas em muitas cidades grandes; e pelo desemprego generalizado entre os jovens, deslocamentos causados por efeitos extremos das mudanças climáticas e inflações galopantes.

Com sua equipe disponível, Adaku Adama cuida do cabelo de uma cliente em seu salão em Lomé, Togo, em 7 de novembro de 2023. Adaku é a representante dos cerca de 45 cabeleireiros que foram treinados em Lomé como embaixadores de saúde mental  Foto: Yagazie Emezi/NYT

Em Togo, uma pequena nação costeira no Golfo da Guiné, há pouco conhecimento a respeito de terapias mentais tanto na capital à beira-mar quanto nos vilarejos do norte montanhoso. O país com mais de 8 milhões de habitantes conta com apenas 5 psiquiatras. Famílias em busca de tratamento para parentes que sofrem de variados tipos de problemas de saúde mental com frequência apelam para remédios tradicionais ou isolamentos forçados, que incluem confinamentos de pacientes de esquizofrenia algemados em centros religiosos ou clínicas.

“Muitas das pessoas que nos procuram o fazem como um último recurso, depois de curandeiros e charlatães tomarem seu dinheiro”, afirmou Daméga Wouenkourama, um dos cinco psiquiatras de Togo. “Saúde mental continua um conceito estrangeiro para a maioria das pessoas, incluindo nossos líderes e colegas médicos.”

Para lidar com o que a OMS descreve como um “lapso em saúde mental” em países em desenvolvimento, ONGs locais e entidades internacionais que atuam na África estão treinando enfermeiros, clínicos-gerais e até avós para identificar problemas de saúde mental nas pessoas, dos sinais iniciais de depressão a distúrbios de estresse pós-traumático.

Joseline de Lima caminha pelo seu bairro em Lomé, Togo, no dia 8 de novembro de 2023 Foto: Yagazie Emezi/NYT

Na África Ocidental e Central, as cabeleireiras foram as mais recentes colaboradoras a juntar-se a essa luta. Os salões de beleza são usados há muito tempo por ONGs e grupos comunitários como centros para difundir conhecimento sobre questões como saúde reprodutiva entre clientes e aprendizes. O valor da visita é baixo — às vezes US$ 2 — e o salão é um ponto de encontro considerado agradável pelas mulheres.

Profissionais de saúde mental estão oferecendo treinamentos de três dias para as cabeleireiras, nos quais elas aprendem como fazer perguntas sobre feridas abertas, identificar sinais não verbais de aflição, como dores de cabeça ou roupas desgrenhadas, e, criticamente, como não fofocar sobre a situação da cliente nem lhe dar conselhos prejudiciais.

Em entrevistas, seis cabeleireiras afirmaram que enquanto suas clientes fazem e desfazem as tranças ou acrescentam extensões capilares muitas falam de suas dificuldades econômicas e dores emocionais em torno da perda de entes queridos. Com mais frequência, porém, elas falam de seus “problemas no lar” — um eufemismo para violência doméstica.

“As clientes choram na nossa frente, nós as ouvimos”, afirmou a vibrante cabeleireira Adama Adaku, com um sorriso enorme na cara e tranças de lã vermelha nos cabelos, que passou pelo treinamento em saúde mental.

Sonia Kanekatoua, uma das cinco psiquiatras do Togo, em Lomé, Togo, no dia 7 de novembro de 2023 Foto: Yagazie Emezi/NYT

O treinamento é organizado pela Fundação Bluemind, criada pela empreendedora franco-camaronesa Marie-Alix de Putter, que passou por anos de tratamento psiquiátrico depois que seu marido, professor e agente humanitário, foi morto em 2012, quando o casal vivia em Camarões. A cabeleireira de Putter ficou ao lado dela nas horas que se seguiram à morte de seu marido, disse ela em entrevista, em Lomé, no mês passado.

Quando projetou o programa, em 2018, Putter colocou foco nos locais onde as africanas passam o tempo. “A sociedade espera que elas sejam lindas, e o cabelo com frequência vem em primeiro lugar”, afirmou. “Nós vamos aonde as mulheres estão.”

Cerca de 150 cabeleireiras receberam o título-honorário de “embaixadora da saúde mental” da organização de Putter até aqui, depois de passar por treinamento em Lomé, na Costa do Marfim e em Camarões. Gana, Ruanda e Senegal são os próximos.

Já que não são terapeutas capacitadas, as cabeleireiras com frequência encaminham as clientes para profissionais da área da saúde mental. Mas a maioria das cabeleireiras disse que suas clientes acharam a terapia caro demais — uma sessão custa pelo menos US$ 15, num país em que mais de um quarto da população vive com menos de US$ 2,15 por dia e onde o acesso aos seguros-saúde é desigual.

Vários países africanos prometeram na década recente lidar melhor com distúrbios de saúde mental. No ano passado, o Ministério da Saúde de Uganda informou que quase 1 a cada 3 ugandenses tem problemas de saúde mental. Nações como Serra Leoa e Gana prometeram substituir as algemas por tratamentos profissionais. A saúde mental nesses países fica em último lugar — ou é inteiramente negligenciada — como em muitos outros Estados do sul global.

“As pessoas estão tomando consciência a respeito da existência dos problemas de saúde mental”, afirmou a única psiquiatra mulher de Togo, Sonia Kanékatoua. “Mas o estigma social persiste.”

Vistas das ruas tranquilas de Lomé, Togo, em 8 de novembro de 2023 Foto: Yagazie Emezi/NYT

Numa manhã recente, Kanékatoua e outros três psiquiatras de Togo viajaram para uma área rural duas horas ao norte da capital para montar uma clínica aberta que é organizada duas vezes ao ano. Eles conversam com pacientes em salas de consulta ou sob enormes mangueiras, em um quintal poeirento. Por horas, os psiquiatras atendem pessoas sofrendo de depressão, estresse, vícios e outros problemas.

De volta a Lomé, Lima passou a frequentar algumas vezes ao mês ao salão de beleza de Silveira, a uma quadra de sua casa. Lima, de 54 anos, seguiu o conselho de sua cabeleireira para ouvir música religiosa — ambas são cristãs — e retomou as caminhadas relaxantes até a lagoa nas proximidades, que antes ela não tinha energia para realizar. Lima afirmou que espera vender um terreno para usar parte do dinheiro para pagar por terapia, sob recomendação de sua cabeleireira.

“Ela viu que tinha algo dentro de mim que eu não conseguia resolver”, afirmou Lima, usando um vestido florido enquanto Silveira penteava seu cabelo.

Dar esse aconselhamento exige um preço da saúde mental de algumas de algumas cabeleireiras, mesmo que elas também façam terapia mensalmente, como cortesia da Fundação Bluemind.

“Eu consigo ouvir e falar até certo ponto, mas chega uma hora que não aguento mais”, afirmou Silveira numa manhã recente, sentada diante de seu salão. Ela disse que tem depressão.

Filhotes de cachorro brincavam com um tufo de aplique aos seus pés. Uma cliente aguardava dentro. Com um sorriso suave, Silveira perguntou, “Por que parece que todo mundo sofre de algum distúrbio mental?”. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

Madame Valerie cuida do cabelo de Joseline de Lima em Lomé, Togo, no dia 8 de novembro de 2023 Foto: Yagazie Emezi/NYT

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