ADIS ABEBA — O governo da Etiópia deu um ultimato de 72 horas para que as forças rebeldes da região de Tigré, no norte do país, se rendam antes que o Exército inicie uma ofensiva contra a área, cenário de um violento conflito que se desenrola desde o começo do mês, deixando centenas de mortos e milhares de refugiados.
"Nós exigimos que vocês se rendam pacificamente em até 72 horas, reconhecendo que vocês estão em um ponto sem retorno", escreveu o premier Abiy Ahmed, no Twitter.
Segundo um porta-voz militar, o plano é cercar a capital regional, Mek´lle, com tanques, talvez ampliando os bombardeios que já atingem a cidade de 500 mil habitantes e apontada como a base dos rebeldes. Em um alerta feito em uma emissora estatal, o coronel Dejene Tsegaye alertou que o cenário pode se tornar violento caso não haja sinais de rendição — algo que pode atingir até mesmo a população civil.
“Queremos mandar uma mensagem ao público em Mek'lle para que busquem abrigo contra os ataques de artilharia e se livrem da junta (rebelde)”, afirmou Tsegaye. “Depois disso, não haverá piedade.”
Apesar de algumas rendições entre as forças rebeldes, não há sinais de que abandonar o campo de batalha esteja nos planos imediatos.
"Cercar Mek'lle é o plano deles mas eles não conseguem fazê-lo. No front Sul, não conseguem avançar nem um centímetro há mais de uma semana. Estão mandando ondas, mas sem efeitos", disse o líder da Frente Popular de Liberação de Tigré, Debretsion Gebremichael, à Reuters.
Acusações mútuas
O conflito na região de Tigré começou no dia 4 de novembro, depois que o governo federal lançou uma operação militar contra o que considera ter sido um ataque contra suas forças na cidade de Dansha, um evento que não foi confirmado de forma independente.
Ao mesmo tempo, a Frente Popular de Liberação de Tigré acusa o premier Abiy de discriminar integrantes do grupo, que ocupava posições importantes em governos passados, e mesmo perseguir suas lideranças.
A crise se intensificou em setembro, quando a Frente realizou eleições regionais em Tigré mesmo diante da proibição imposta pelo governo federal, adotada por conta da covid-19. Cerca de 2,7 milhões de pessoas votaram, em um processo acompanhado por observadores internacionais.
Em resposta, o governo de Abiy se negou a reconhecer o resultado, chegando ao ponto de bloquear a ida de jornalistas estrangeiros à região, e o Parlamento aprovou um corte no financiamento a Tigré.
Semanas depois, o conflito teve início, provocando uma onda de refugiados internos e elevando o risco de uma guerra civil de larga escala, que poderia envolver até mesmo a vizinha Eritreia — nos últimos dias, foguetes foram lançados contra a capital, Asmara, por rebeldes, que acusam o país de ajudar as forças do governo federal. Cerca de 30 mil pessoas fugiram rumo ao Sudão, um número que pode chegar a 200 mil em breve.
No poder desde 2018, Abiy é apontado como o responsável pela abertura da Etiópia e por ser o grande responsável por colocar fim a mais de duas décadas de conflito com a Eritreia, o que lhe rendeu o Nobel da Paz em 2019.
Por outro lado, a iminente crise humanitária provocada pela guerra e as acusações de violações dos direitos humanos por parte de opositores recebem críticas mundo afora. Uma delas veio na semana passada, quando a comissão responsável pelo Nobel pediu que ele agisse para evitar a guerra civil. Na mesma linha, a ONU, União Europeia, União Africana, Estados Unidos e até o Papa já pediram o fim da violência e que negociações sejam abertas — pedidos ignorados por Abiy. /Reuters