O diagnóstico de covid-19 do presidente dos Estados Unidos Donald Trump trouxe a doença que já matou mais de 208 mil americanos para o ápice do poder. E como saúde e a segurança do chefe do poder executivo tem implicações para qualquer coisa que vai desde tomada de decisões de um governo eficiente, a campanha presidencial em andamento para a cadeia de comando militar, o público avidamente espera por rápidas e detalhadas notícias sobre a condição de Trump.A história sugere que eles ficarão dolorosamente decepcionados.
Não é apenas que esse presidente já tenha demonstrado um desprezo desenfreado pela verdade. Ou, mais especificamente, que ele estava disposto a enganar o país sobre a seriedade da ameaça da pandemia. Ou, ainda mais especificamente, que o público aprendeu com o vazamento - não de algum anúncio da Casa Branca - que a principal assessora de Trump, Hope Hicks, testou positivo para o coronavírus, notícia que a equipe da Casa Branca buscou impedir que saísse. Não há um plano para o governo caso vários líderes estejam incapacitados. Ainda em tempos menos controversos, sob líderes menos propensos a negar a verdade e promover falseamentos, presidentes e aqueles em volta dele têm rotineiramente e constantemente retido informação crucial de saúde para o público. Suas justificativas variaram amplamente, mas, seja qual for a lógica, o resultado costuma ser o engano do povo americano, da mídia, do Congresso e até membros do seu próprio governo.
James Madison e Grover Cleveland
Começou cedo na república. Em 1813, perto do meio da presidência de James Madison, ele providenciou o envio urgente de uma carta para membros do Congresso com quem ele tinha a intenção de se encontrar para informá-los que nenhum deles poderia vê-lo “nem ele pode num presente momento assegurar um dia em que estará no poder.” Mas ele falhou em assegurar quaisquer detalhes sobre a doença intestinal e febre que o derrubou e assim o manteve por grande parte do mês. A doença de Madison tornou-se tão severa que ele não conseguiu ler resoluções do Congresso que um parlamentar trouxe para ele. Mas ele se recuperou e sua inicial falta de franqueza sobre a gravidade de sua doença não teve consequências.
Um esforço muito mais robusto para enganar o público foi feito quando Grover Cleveland, ironicamente lembrado como um presidente honesto e próximo, recebeu um diagnóstico, em junho de 1893, que o tumor no céu da sua boca era maligno. Médicos pediram rápida atenção, e Cleveland concordou. Mas para evitar o conhecimento do público sobre o câncer e a tentativa de removê-lo, Cleveland aprovou um inteligente, mas arriscado plano de engano e negação.
Nenhuma visita ao hospital poderia ser mantida em sigilo, então uma equipe secreta decidiu fazer a necessária cirurgia abaixo do convés num iate de propriedade de um amigo do presidente, com o número mínimo de médicos jurados em segredo, enquanto Cleveland estava a caminho de férias no Nordeste dos Estados Unidos. Felizmente, as água permaneceu calma, permitindo aos médicos remover não apenas o tumor, mas também o maxilar superior esquerdo e o parte posterior do céu da boca após descobrirem que o tumor havia realmente crescido através dele.
A verdade foi mantida para um círculo de pessoas muito pequeno; os médicos e a secretária particular mentiam para qualquer pessoa para encobrir seus rastros e desculpar sua falta de vontade em entreter visitantes. “Ele está sofrendo de reumatismo”, diziam. “Nenhuma operação foi feita, exceto uma extração de um dente ruim.” Quando o presidente voltou à capital do país em agosto, ele se adaptou à prótese de mandíbula e podia falar sem que ninguém visse ou ouvisse diferenças. Mas a equipe do presidente manteve o engano, difamando o único ousado jornalista que corretamente noticiou - que viria a ser confirmada no novo século, quando Cleveland morrera de ataque cardíaco.
Woodrow Wilson
As mentiras de Cleveland afetaram poucos assuntos importantes de Estado, mas a enganação que cercou o derrame e subsequente deficiência de Woodrow Wilson certamente afetou. Após um aparente derrame em setembro de 1919, em que o médico de Wilson rotulou como “exaustão nervosa” para a imprensa, o presidente desmaiou em um banheiro da Casa Branca vítima de um forte derrame que o deixou "desamparado" e "uma sombra de seu antigo eu.”
A lei é clara sobre como lidar com doenças do presidente, mas pode ficar nebulosa rapidamente. O boletim do médico chamou o presidente de "um homem muito doente" e declarou que o "repouso absoluto é essencial por algum tempo", mas omitiu todos os detalhes. Sem consultar o vice-presidente, o gabinete ou o congresso, a esposa de Wilson e o médico restringiram rigidamente o acesso ao presidente.
Apenas poucas pessoas de confiança fora da família, alguns médicos e enfermeiras e membros essenciais da Casa Branca ouviram a verdade sobre sua paralisia e deficiência nas primeiras semanas. Maior parte do gabinete, todo mundo no congresso e o público podiam apenas ouvir o boato para adivinhar sua real condição, dadas as declarações desinteressantes e desprovidas de informações da Casa Branca.
A maioria dos documentos importantes que exigiam ação presidencial nunca recebeu respostas; as evidências disponíveis sugerem fortemente que a primeira-dama tomou grande liberdade com as poucas decisões que vieram de sua residência. O agente do serviço secreto Edmund Starling admitiu que a esposa e o médico de Wilson “ficaram entre o presidente e o resto do mundo enquanto ele estava doente. O quanto eles esconderam dele nunca será conhecido.”
Aqueles em volta de Franklin D. Roosevelt, quem perdeu a capacidade de falar sem espartilho para as pernas, tentaram esconder os efeitos da paralisia do presidente do público. Os outros problemas de saúde que o afetaram em 1940 e viriam a matá-lo motivaram enganos semelhantes. No começo de 1944, exames revelaram uma grande quantidade de problemas que desenvolveram ou pioraram ao longo dos anos: pressão alta, insuficiência cardíaca, má circulação, capacidade pulmonar limitada, coração dilatado, mandíbula frouxa, olhar vazio e fornecimentolimitado de oxigênio ao cérebro.
A comunicação ruim entre os médicos e o seu importante paciente - em ambas as direções - permitiram a Roosevelt responder sobre sua condição médica mais abertamentedo que se ele tivesse completo conhecimento sobre sua própria saúde. Seus médicos também enganaram cada vez mais a imprensa sobre o que sabiam. “A saúde do presidente está perfeitamente bem”, escreveu seu médico-chefe em um comunicado à mídia em outubro. “Não há absolutamente nenhum problema corporal.” Poucos dias depois, quando um repórter fez o acompanhamento, o médico prosseguiu: “As histórias de que ele está mal de saúde são bastante compreensíveis na época das eleições, mas não são verdadeiras”. Mas, é claro, eles eram verdadeiros, e Roosevelt morreu em abril de 1945, após uma hemorragia cerebral.
Alguns presidentes desde então se saíram melhor do que outros na comunicação de informações de saúde ao público. Três sustos estimularam Dwight D. Eisenhower a tomar providências específicas para que seu vice-presidente, no caso de uma deficiência presidencial grave, "decidisse sobre a devolução dos poderes e deveres do Gabinete" e servisse como presidente interino até que a incapacidade acabasse. Mais especificamente, a carta codificando essa intenção foi tornada pública no mês seguinte - e ajudou a informar os debates sobre as disposições presidenciais sobre deficiência da 25ª Emenda, ratificada em 1967.
Eisenhower e Reagan
Aqueles em torno de Ronald Reagan não agiram tão bem em 30 de março de 1981, quando John Hinckley atirou e quase matou o presidente. Quase imediatamente após o ataque, Reagan foi submetido a uma cirurgia e permaneceu inconsciente por horas. A coisa óbvia a fazer seria invocar a Seção 4 da 25ª Emenda - pela qual o vice-presidente e a maioria dos principais funcionários dos departamentos executivos transfeririam o poder, pelo menos temporariamente, para o então vice-presidente George H.W. Bush - mas os funcionários responsáveis do governo Reagan falharam em forçar a consideração da disposição. Pelo menos o exemplo de Eisenhower os encorajou a se comunicar de forma mais robusta e eficaz sobre a condição médica do presidente com a imprensa e líderes do Congresso do que a maioria dos presidentes anteriores.
É importante lembrar que quatro dos 43 predecessores de Trump morreram de causas naturais enquanto estavam no cargo, e muitos mais deles enfrentaram doenças graves ou outras condições incapacitantes durante pelo menos parte de seu mandato. E mesmo antes de ele testar positivo para coronavírus, a incerteza sobre a saúde deste presidente permanece maior do que a maioria. O mistério, por exemplo, ainda envolve a viagem não anunciada de Trump ao Centro Médico Militar Nacional Walter Reed, em novembro de 2019. Na tarde de sexta-feira, 2, a Casa Branca forneceu informações bastante limitadas sobre a condição física do presidente após contrair o vírus. A única declaração oficial de seu médico declara que o presidente está "bem", e o chefe da equipe, Mark Meadows, disse aos repórteres que Trump está apresentando "sintomas leves". O histórico de doenças presidenciais aponta para uma forte possibilidade de que meses, até anos, se passarão antes que a verdade seja revelada.
Isso seria lamentável. A profunda lacuna de credibilidade do governo deixa observadores razoáveis céticos sobre os sintomas e prognósticos do presidente e oferece amplo material para os teóricos da conspiração. Se o presidente deixar de aparecer, mesmo por vídeo da quarentena, por muito tempo - ou, mais dramaticamente, se ele parar de tuitar por períodos incomuns de tempo - o público compreenderá se as pessoas ao redor do presidente estão nos enganando sobre sua condição.