TEL AVIV — Com a guerra de Israel contra o Hamas agora no seu oitavo mês, o primeiro-ministro israelense, Binyamin Netanyahu, enfrenta um aumento crescente de críticas internas e externas a respeito da sua gestão do conflito, ameaçando sua liderança e o lugar do seu país no panorama mundial.
O promotor do Tribunal Penal Internacional anunciou na segunda feira que buscaria mandados de prisão contra Netanyahu, 20, e seu ministro da defesa sob a acusação de terem cometido crimes de guerra e crimes contra a humanidade em Gaza. Dentro do próprio gabinete do primeiro-ministro, ministros importantes dizem que ele está ameaçando as conquistas tácticas dos militares e estabeleceram um prazo para que seja traçado um plano para o pós-guerra. Nas ruas, os manifestantes o acusam de ter como prioridade sua sobrevivência política em detrimento do regresso dos reféns israelenses.
Netanyahu assumiu uma postura política conhecida, atacando os críticos mais próximos e distantes sem dar nenhuma indicação pública de que a pressão o fará mudar de rumo. Recusou-se a abandonar o objetivo de guerra original de “vitória total” contra o Hamas, que seus próprios generais e aliados em Washington dizem já não ser alcançável, e rejeitou apelos urgentes para formular uma estratégia para o dia seguinte. Embora a postura desafiadora possa lhe valer uma explosão de apoio a curto prazo por parte dos seguidores mais leais, dizem analistas e antigos funcionários do governo, a posição política dele está se tornando cada vez mais insustentável.
Em uma entrevista na terça feira ao programa “Good Morning America”, da ABC, Netanyahu acusou o TPI de ter feito um “trabalho de assassinato”, “absurdo” e “ultrajante”. O ministro da defesa, Yoav Gallant, juntou-se ao primeiro-ministro nas suas críticas ao tribunal, chamando a decisão de buscar os mandados de uma tentativa “vergonhosa” de interferir com o direito de Israel à autodefesa.
Mas Gallant também emergiu como um dos críticos mais veementes da condução da guerra por Netanyahu. Em uma declaração contundente na semana passada, ele deu voz às profundas dúvidas do establishment de defesa em geral, que teme que a falta de uma estratégia política do governo em Gaza permita ao Hamas se reagrupar e forçar os militares israelenses a uma ocupação da Faixa no longo prazo.
“Apelo ao primeiro-ministro Binyamin Netanyahu para que tome uma decisão e declare que Israel não estabelecerá o controle civil da Faixa de Gaza, que Israel não estabelecerá um governo militar na Faixa de Gaza e que uma alternativa de governo ao Hamas na Faixa de Gaza será criada imediatamente”, exigiu Gallant na quarta feira.
Benny Gantz
Netanyahu não fez tal promessa. Benny Gantz, membro do gabinete de guerra de uma coligação política centrista, aumentou a pressão no sábado com um ultimato, dizendo que renunciaria ao gabinete se este não adotasse um plano para o pós-guerra em Gaza até 8 de junho.
Gantz disse que Israel deve trabalhar pelo retorno dos reféns, acabar com o domínio do Hamas, desmilitarizar a Faixa de Gaza, estabelecer uma administração internacional para assuntos civis e trabalhar para normalizar as relações com a Arábia Saudita. Faz tempo que os sauditas consideram a criação de um caminho viável para um Estado palestino como condição para um acordo com Israel, uma medida universalmente contestada pelos aliados de direita de Netanyahu, que o ajudaram a regressar ao poder no fim de 2022.
“Se você escolher o caminho dos fanáticos, arrastando o país para o abismo, seremos forçados a deixar o governo”, disse Gantz em uma declaração televisiva. “Vamos nos voltar para o povo e construir um governo que ganhe a confiança do povo.”
Netanyahu ignorou o prazo, dizendo que as exigências de Gantz significariam “uma derrota para Israel”.
Yaki Dayan, ex-cônsul-geral de Israel em Los Angeles e especialista nas relações entre Estados Unidos e Israel, disse que é “apenas uma questão de tempo” até que Gantz deixe a coalizão. Se a saída dele desencadear uma série de outras renúncias – são necessárias cinco no total –, isso derrubaria a coligação de Netanyahu e provavelmente levaria a novas eleições.
Embora a condenação internacional da guerra - especialmente a medida do procurador do TPI - esteja na verdade fortalecendo o primeiro-ministro diante da sua base de apoio, disse Dayan, as renúncias seriam uma ameaça real ao governo dele.
Netanyahu também está enrolando diante de outra questão que há muito acirra os ânimos em Israel: o alistamento dos ultraortodoxos nas forças armadas. A isenção de serviço militar para essa comunidade, que dura há décadas, é amplamente contestada pelos israelenses seculares e vista como um símbolo da confiança de Netanyahu nos partidos ultraortodoxos para permanecer no poder.
Gantz, ex-ministro da defesa, apoiou repetidamente o alistamento dos ultraortodoxos, dizendo na semana passada que o recrutamento deles era mais essencial do que nunca, com centenas de milhares de reservistas convocados para a linha de frente após o 7 de outubro. Assim como fez diante dos apelos por uma estratégia para o pós-guerra, Netanyahu enquadrou a questão como um debate para outro momento.
Com os militantes ressurgindo no norte de Gaza e os soldados israelenses avançando lentamente pela cidade de Rafah, no sul, a promessa de Netanyahu de “eliminar completamente” o Hamas parece cada vez mais fora de sintonia com os fatos concretos. O objetivo de Netanyahu “não tem significado militar, mesmo que tenha valor político para fins de propaganda”, disse o major-general Tamir Hayman, antigo chefe da inteligência militar israelense.
Alon Pinkas, um veterano diplomata israelense e antigo conselheiro do governo, disse que a inação de Netanyahu prendeu o país em uma imobilidade instável. “Israel não está ocupando a Faixa de Gaza, mas continua lá, invadindo Rafah de uma forma que é certamente mais do que uma incursão cirúrgica, mas não chega a ser uma operação em grande escala, diante da oposição dos americanos”, disse ele.
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Isolamento
Conforme o campo de batalha esquenta e o isolamento internacional se intensifica, Pinkas acrescentou: “Netanyahu está sob uma pressão que não consegue sustentar”. Se o gabinete de guerra cair, o ressentimento em relação ao primeiro-ministro e aos seus parceiros de coligação de extrema-direita – que levou a protestos de rua sem precedentes contra o governo nos meses que precederam o 7 de outubro – poderá aumentar novamente.
O gabinete de guerra foi organizado às pressas nos primeiros dias da guerra, sob o entendimento tácito de que o governo de Netanyahu não tinha a confiança pública necessária para gerir uma guerra que muitos israelenses consideram uma defesa da sua existência.
Mas a aliança está se desgastando conforme o conflito se arrasta. As tropas israelenses estão regressando ao feroz combate urbano em áreas que já tinham desocupado meses antes, e a situação dos civis de Gaza piora a cada dia. As Nações Unidas afirmam que 900 mil palestinos foram deslocados nas últimas duas semanas e as operações de ajuda humanitária estão entrando em colapso conforme uma “fome total” no norte se espalha para o sul.
Os protestos de rua em Israel também estão aumentando, impulsionados por dois movimentos sobrepostos com mensagens distintas – um centrado na libertação dos reféns, e um segundo, ao qual se juntaram algumas famílias de reféns, pedindo o fim do governo de Netanyahu e a realização de novas eleições.
Milhares de pessoas participaram de um “dia de perturbação” na segunda feira. Comboios percorreram as ruas, instalações artísticas foram erguidas e manifestantes bloquearam as ruas, hasteando bandeiras israelenses e fotos dos mais de 100 reféns ainda mantidos pelo Hamas em Gaza.
No Knesset, famílias de reféns se reuniram com políticos de extrema-direita que se opuseram consistentemente a qualquer acordo de reféns com o Hamas e culparam os manifestantes pelo colapso das negociações, implorando a eles que não se esquecessem dos seus parentes após quase 230 dias de cativeiro.
“O gaslighting é tão eficaz que às vezes preciso me lembrar de que as coisas realmente estão mal”, disse Gil Dickman, cujo primo, Carmel Gat, foi sequestrado do Kibutz Beeri em 7 de outubro.
Ele disse que os israelenses também devem lidar com a oposição internacional à guerra, mesmo que esta se “baseie na hipocrisia extrema, depois do terrível massacre que aconteceu em Israel”.
“Mas também penso que Israel poderia ter trabalhado para se unir ao mundo, para colaborar com a comunidade internacional para derrotar o Hamas e conseguir o retorno dos reféns”, disse Dickman. “Poderia ter sido de uma maneira diferente.” / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL