TÓQUIO - Dois dias depois que o ex-primeiro-ministro do Japão Shinzo Abe foi morto a tiros em um comício político na sexta-feira, 8, seu Partido Liberal Democrata (PLSD) e seus aliados venceram uma eleição parlamentar que deu a eles a chance de perseguir a ambição do líder de reformar a Constituição pacifista do país.
Foi o sinal mais claro de que Abe, o primeiro-ministro mais longevo do Japão, permaneceu uma força política definidora. Mesmo antes de sua morte, ele não era mais o chefe de governo ou do partido no poder, mas seu legado moldou as escolhas dos eleitores nas urnas e a visão de seus aliados para o futuro.
“Tenho a responsabilidade de assumir as ideias do ex-primeiro-ministro Abe”, disse o atual primeiro-ministro, Fumio Kishida, a uma multidão a oeste de Tóquio no sábado, um dia após o assassinato de Abe, enquanto fazia campanha pelos candidatos de seu partido para a Câmara Alta do Parlamento.
O PLD, que governa o país e ao qual Abe pertencia, e seu aliado, o partido Komeito, ganharam cadeiras suficientes na eleição deste domingo, 10, para formar uma supermaioria crucial de dois terços.
Eles agora podem aprovar emendas à Constituição, imposta pelos ocupantes americanos do pós-2ª Guerra, que renuncia ao conflito. Esse objetivo de longa data abriria as portas para que o Japão se tornasse uma potência militar, capaz de liderança global.
Nas primeiras horas da segunda-feira (hora local, domingo no Brasil), os liberais-democratas, juntamente com o Komeito e outros partidos aliados, conquistaram 87 assentos, dando a eles mais de 70% da Câmara Alta, superando sua última supermaioria em 2016, quando a coalizão conquistou mais de dois terços da Câmara Baixa.
A morte de Abe parece ter ajudado a aumentar um pouco a participação dos eleitores, para mais de 52%, acima dos cerca de 49% na última eleição da Câmara Alta em 2019.
O assassinato do ex-premiê na sexta-feira ofuscou a votação, mas Kishida insistiu que o choque provocado pelo crime não iria interromper o processo democrático.
Grande choque
O corpo de Abe chegou a Tóquio no sábado procedente da região oeste do país, onde ele foi baleado na sexta-feira.
O assassinato provocou um grande choque no país e na comunidade internacional, que expressou condolências e condenações ao crime, incluindo países com os quais Abe teve relações tensas, como China e Coreia do Sul.
O homem acusado pelo assassinato, Tetsuya Yamagami, de 41 anos, foi detido e afirmou aos investigadores que atacou Abe porque acreditava que o político era vinculado a uma organização que não foi identificada, da qual ele tinha ressentimento.
A imprensa japonesa descreveu a entidade mencionada como uma organização religiosa e afirmou que a família de Yamagami sofreu problemas financeiros em consequências das doações de sua mãe para o grupo.
De acordo com vários relatos, o suspeito visitou a região de Okayama na quinta-feira, com a intenção de assassinar Abe em outro ato, mas desistiu porque os participantes eram obrigados a registrar a presença com nomes e endereços.
Abe pronunciava um discurso de campanha na região de Nara (oeste do Japão) para apoiar um candidato do PLD quando Yamagami abriu fogo.
Leis rígidas
Depois de ser atingido por dois tiros no pescoço, Abe foi declarado morto poucas horas depois, apesar dos esforços de uma equipe de 20 médicos.
O Japão é um país com poucos crimes violentos e tem leis rígidas sobre o porte de armas e, por consequência, a segurança nos atos de campanha não é tão severa. Após o assassinato de Abe a segurança foi reforçada para os eventos com o primeiro-ministro Kishida.
A segurança nos locais de votação, no entanto, era a habitual. Takao Sueki, de 79 anos, disse que compareceu às urnas com a instabilidade internacional em mente, incluindo a invasão russa contra a Ucrânia.
“Ao observar a situação do mundo agora, penso como o Japão vai administrar o cenário”, disse. Sueki também afirmou que as divergências deveriam ser resolvidas com diálogo.
No sábado, a polícia admitiu falhas no dispositivo de segurança de Abe e prometeu uma investigação exaustiva.
“Acredito que é inegável que houve problemas com as medidas de escolta e de segurança para o ex-primeiro-ministro Abe”, declarou Tomoaki Onizuka, chefe de polícia de Nara.
O comandante afirmou ainda, sem conter as lágrimas, que desde que se tornou policial em 1995 nunca teve “um remorso tão amargo e um arrependimento tão grande como este”.
Velório
O gabinete de Abe informou que um velório acontecerá na segunda-feira à noite. Na terça-feira, apenas a família e amigos próximos comparecerão a um funeral simples. A imprensa japonesa informou que os dois eventos devem acontecer no Templo Zojoji, em Tóquio.
O chefe da diplomacia dos Estados Unidos, Antony Blinken, que está na Ásia, visitará o Japão na segunda-feira para expressar pêsames.
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Um dia depois do assassinato do ex-primeiro-ministro, o Japão vive o luto da perda de Shinzo Abe
Kishida, de 64 anos, já mantinha uma sólida maioria parlamentar ao lado do Komeito. As eleições deste domingo consolidam o poder do PLD e Kishida terá uma posição ainda melhor - o país não terá eleições nos próximos três anos.
O primeiro-ministro, no entanto, enfrentará obstáculos políticos importantes, como a inflação e a escassez de energia./NYT, AFP e AP