Na manhã seguinte à assinatura de uma das leis de aborto mais rigorosas dos Estados Unidos, o governador da Flórida, Ron DeSantis, apresentou-se a milhares de estudantes universitários evangélicos como um defensor da verdade, do bom senso e da moralidade.
“Sim, a verdade os libertará”, disse DeSantis, invocando as palavras de Jesus Cristo. “Como os ‘woke’ representam uma guerra contra a verdade, devemos travar uma guerra contra os ‘woke’”, continuou, fazendo referência ao termo que, traduzido literalmente como “desperto”, é usado em seu país para descrever aqueles que estão alertas e conscientes para o preconceito e discriminação na sociedade —muitas vezes de forma pejorativa.
DeSantis falou na sexta-feira, 14, para cerca de 10 mil alunos do serviço vocacional da Liberty University. A instituição alega que o evento, que ocorre duas vezes por semana, é “o maior encontro mundial de estudantes cristãos”.
O político foi introduzido pelo pastor Jonathan Falwell, recém-nomeado reitor da universidade. Sua menção ao fato de que DeSantis havia ratificado uma lei que proíbe o aborto após seis semanas de gravidez na Flórida foi seguida por uma salva de aplausos da plateia.
DeSantis não mencionou explicitamente a legislação. Ele abriu seu discurso com um relato pessoal, agradecendo ao público por suas orações após o diagnóstico de câncer de sua mulher em 2021. “As orações foram atendidas”, disse. Então passou a divulgar as ações que tem realizado na Flórida em diversas frentes, incluindo novas restrições a tratamentos médicos de afirmação de gênero.
“Escolhemos os fatos em vez do medo, escolhemos a educação em vez da doutrinação, escolhemos a lei e a ordem em vez de tumultos e desordem”, disse DeSantis. “Não recuamos.”
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A visita fez parte da turnê nacional de DeSantis por centros de influência conservadora, enquanto ele ganha impulso para sua esperada entrada na campanha presidencial de 2024. Mais do que isso, foi uma oportunidade crucial para avaliar, e talvez promover, seu relacionamento com os cristãos evangélicos —um bloco eleitoral que ajudou a elevar Donald Trump à Presidência e parece estar aberto a novos candidatos.
A Liberty University, em Lynchburg, na Virgínia, há muito é uma escala importante para políticos republicanos e celebridades conservadoras ansiosas para influenciar os alunos do campus.
Foi lá que o senador republicano Ted Cruz, do Texas, anunciou sua candidatura em 2015. Foi também lá que Trump se apresentou a um público evangélico mais amplo, declarando-se defensor de um cristianismo sob ataque —e da famosa referência que ele fez a “Dois Coríntios”, numa tentativa frustrada de falar a mesma língua que seus ouvintes, que o corrigiram (os cristãos se referem à passagem como “Segunda Coríntios”).
No final das contas, Trump não precisou “falar evangélico” para conquistá-los. Ele ganhou uma parcela ainda maior do voto evangélico branco em 2020 do que em 2016. Embora alguns líderes evangélicos tenham sinalizado que considerariam apoiar outro candidato republicano, muitos permanecem leais a Trump e até agora mostraram poucos sinais de abandoná-lo por seu recente indiciamento judicial.
Para DeSantis, a questão é se ele consegue afrouxar essa ligação extraordinária.
Jesse Hughes, um calouro da Liberty, esperava ouvir DeSantis oferecer um relato mais íntimo de como a fé influenciou sua abordagem de governo e o ajudou a enfrentar desafios como o diagnóstico de câncer de sua mulher. Em vez disso, afirma que ouviu principalmente o material que já conhecia de outros discursos de DeSantis.
Ainda assim, diz estar impressionado com o histórico do político na Flórida, incluindo suas abordagens no que se refere à legislação de aborto e educacional e “como ele está disposto a assumir posições ousadas e não ceder à pressão da mídia”. Sob DeSantis, o estado proibiu a discussão sobre orientação sexual e identidade de gênero em algumas séries do ensino fundamental.
Hughes, 21, leu recém-publicado livro de memórias de DeSantis, “The Courage to Be Free” (a coragem de ser livre), mas conta que encontrou pouco para ajudá-lo a entender a vida espiritual do potencial candidato à Presidência. “Há referências à sua fé, mas ele não dá muitos detalhes sobre nada.”
Hughes descreve as acusações contra Trump na Justiça como “perseguição política”. Mas também afirma que muitos de seus colegas estão prontos para deixar o ex-presidente para trás.
Hughes é o presidente do clube College Republicans do campus, que está realizando uma pequena pesquisa informal sobre as preferências dos alunos nas primárias. Horas antes do encerramento do pleito na sexta, DeSantis tinha 53% dos votos, contra 31% de Trump. A ex-governadora da Carolina do Sul Nikki Haley tinha 13%.
“O que vejo é um claro interesse por DeSantis, mas não uma rejeição a Trump” entre os evangélicos brancos, analisa Kristin Kobes Du Mez, historiadora da Universidade Calvin em Michigan, uma instituição evangélica, e autora de “Jesus and John Wayne”.
Du Mez vê DeSantis fazendo um apelo semelhante àquele feito por Trump aos evangélicos conservadores, posicionando-se como um guerreiro da cultura que está “protegendo os cristãos vulneráveis”. Ela argumenta que o governador da Flórida pode apelar para os eleitores que são atraídos por Trump, mas estão exaustos com o caos que o cerca, ou ainda duvidam de suas chances de vencer novamente uma eleição presidencial.
Mas os dois republicanos estão longe de ser equivalentes. “O que você ganha em termos de estabilidade ao escolher DeSantis, perde em termos de carisma”, diz Du Mez.
Segundo ela, a maioria dos evangélicos conservadores neste estágio inicial parece genuinamente aberta a qualquer um dos principais candidatos. Entre os eleitores, pelo menos, “é uma competição amigável”.
DeSantis foi criado em uma família católica na Flórida. “Quando criança, era inegociável que eu levaria meu traseiro à igreja todos os domingos de manhã”, escreveu em suas memórias. Ele tem uma tia que é freira e um tio padre, ambos em Ohio. Nenhum deles quis comentar a educação religiosa do sobrinho.
Até agora, ele fez menções à sua fé pessoal com bastante cautela, posicionando-se como defensor das pessoas “tementes a Deus”. Em discursos, frequentemente se refere a vestir “toda a armadura de Deus” —uma referência bíblica—, dizendo ao público para “manter-se firme contra os esquemas da esquerda”.
Ele encerrou seu discurso na Liberty com outra referência bíblica, dizendo ao público que “combateria o bom combate, terminaria a corrida e guardaria a fé”, parafraseando o apóstolo Paulo na Segunda Epístola a Timóteo.