LONDRES - O príncipe Harry, que está em Londres esta semana, acusou o Palácio de Buckingham de não informá-lo a respeito de má conduta da imprensa britânica e disse que está abrindo seu novo processo na Justiça “porque eu amo meu país e continuo profundamente preocupado com o poder irrestrito”.
Harry parece estar garantindo que seu processo judicial contra a imprensa britânica ganhe cobertura extensa desta mesma imprensa. Não é necessário, absolutamente, que o filho caçula do rei Charles III compareça a uma audiência anterior a julgamento na Alta Corte de Justiça, em Londres, esta semana, mas o fato de ele ter pegado um avião na Califórnia em vez de acompanhar remotamente a sessão diz muito a respeito da seriedade com que ele encara o caso.
Harry -- com outros acusadores -- está processando uma das maiores editoras de jornais do Reino Unido, a Associated Newspapers, cujos títulos incluem os populares tabloides Daily Mail e Mail on Sunday. Eles alegam que tiveram telefones grampeados e hackeados, acusando a empresa de uso indevido de informações privadas. A editora nega as acusações veementemente. A audiência servirá para determinar se haverá julgamento do caso.
Ainda que outros jornais já tenham sido envolvidos no escândalo de telefones invadidos, este é o primeiro grande processo judicial do tipo contra a Associated Newspapers.
A repulsa de Harry em relação aos tabloides britânicos não é segredo. Ele culpa a imprensa pela morte de sua mãe, a princesa Diana. Em seu livro, O que sobra, Harry detalha um assédio implacável de jornalistas, especialmente a ex-namoradas, e em sua série no Netflix ele afirmou que o estresse causado pelo Daily Mail induziu um aborto de sua mulher, Meghan, a duquesa de Sussex.
É altamente incomum que membros da família real britânica ataquem a mídia — comenta-se que eles vivem segundo a máxima, “nunca explique, nunca reclame”. Mas Harry está envolvido em várias disputas jurídicas com meios de comunicação britânicos. Ele está processando o Daily Mail por difamação e poderá prestar depoimento em maio em um julgamento de uma acusação de invasão e roubo de dados de telefones contra o Mirror Group Newspapers.
“Harry se sente apto para isso, ele está fora da família real e considera isso parte importante de sua vida. Sua missão é fazer o que seu irmão e seu pai não podem por causa de sua posição constitucional na sociedade britânica”, afirmou Matt Walsh, diretor da faculdade de jornalismo da Universidade de Cardiff.
“Os integrantes da família real certamente exercem poder informal sobre a imprensa em entrevistas coletivas e ventilando matérias ao léu. Então por que processariam na Justiça grupos jornalísticos? Os membros da realeza tendem a evitar isso o quanto podem”, afirmou ele.
Famosos
Harry é um dos sete requerentes famosos que estão processando a editora. Entre os demais estão Elton John e seu marido, David Furnish, a atriz Elizabeth Hurley e Doreen Lawrence, mãe de Stephen Lawrence, que foi morto em um ataque racista em 1993. O envolvimento de Lawrence, uma figura amplamente respeitada no país, causou surpresa, já que o Mail expressava orgulho havia muito tempo por apoiá-la.
Detalhes das alegações têm gotejado na corte. Por exemplo, a editora é acusada de ter pagado um detetive particular para hackear o telefone de Hurley, instalar um mini microfone em uma janela de sua casa e um rastreador no carro de seu então namorado, Hugh Grant, para conseguir informações sobre ela durante sua gravidez.
Em depoimento na condição de testemunha entregue ao tribunal, ao qual o Washington Post teve acesso, Harry afirmou que soube de uma alegação de ataque hacker pelo qual ele poderia ter processado a News Group Newspapers em 2018.
“A Instituição estava sem dúvida escondendo informações de mim havia muito tempo a respeito de invasões de hackers da NGN em telefones”, escreveu ele. O Palácio de Buckingham recusou-se a comentar.
Walsh afirmou que as acusações mais recentes contra o Daily Mail tiveram alcance e gravidade maiores do que em casos tradicionais de grampos telefônicos. “Os casos foram muito mais graves, com pessoas contratadas para instalar escutas dentro de residências e carros, gravando chamadas em tempo real, muito mais graves e em uma escala diferente do que tínhamos visto antes.”
No caso analisado pela Alta Corte na terça-feira, o grupo que processa a Associated Newspapers alega que os jornalistas se valeram de “coleta ilegal de informações” para produzir reportagens.
No argumento central do caso, o grupo alegou que os esforços da Associated Newspapers vão além do grampo tradicional, incluindo gravações de chamadas em tempo real, acesso a documentos privados, como contas de telefone ou registros médicos, uso de detetives particulares e outros elementos para invadir propriedades privadas. O grupo afirma que isso ocorreu ao longo de 25 anos, de 1993 a 2018.
O caso remete a um escândalo de grampos telefônicos de mais de uma década atrás, que estarreceu a sociedade britânica e fez com que Rupert Murdoch acabasse com seu tabloide que mais vendia nas bancas — e também ocasionou o Inquérito Leveson, que abordou a cultura e a ética da imprensa britânica.
A verdade
De sua parte, a Associated Newspapers nega “categoricamente” todas as acusações a que responde e busca a anulação do processo. Os advogados da empresa argumentam que os requerentes estão usando informações fornecidas de boa-fé ao Inquérito Leveson e que os eventos ocorreram há tempo demais e, portanto, “caducaram”.
O advogado Mark Stephens, especializado em mídia, afirmou que é evidente que Harry e os outros acusadores não estão atrás de dinheiro. “Um caso como este normalmente é liquidado com grandes quantias, as pessoas são compradas para desistir do processo”, afirmou Stephens.
Harry e os demais “sabem que têm a perder revelando o caso, mas eles querem saber a verdade a respeito de como as informações sobre suas vidas pessoais foram obtidas e responsabilizar os infratores.”/TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL