QUITO - Milhares de indígenas tentaram entrar na Assembleia Nacional do Equador nesta quinta-feira, 23, no 11º dia de protestos contra o governo e o alto custo de vida. Eles entraram em confronto com a polícia e foram dispersados com bombas de gás lacrimogêneo. Horas antes, o presidente Guillermo Lasso tentou abrir caminho para um diálogo que ponha fim aos protestos, que já resultam em quatro mortes.
O Parlamento estava protegido por uma barreira de policiais. Milhares de indígenas que marchavam em Quito ao lado de mulheres e outros manifestantes tentaram romper a proteção, mas os policiais reagiram com bombas de gás lacrimogêneo e de efeito moral. Os manifestantes responderam com coquetéis molotov, fogos de artifício e pedras.
Os confrontos se espalharam pelas redondezas da sede da Assembleia Nacional. Pelo menos uma pessoa que estava no protesto foi morto com arma de fogo, segundo a Aliança de Organizações pelos Direitos Humanos do país. Outras três mortes foram registradas nos últimos em decorrência das manifestações.
Antes do confronto, o presidente direitista Guillermo Lasso permitiu que cerca de cinco mil manifestantes entrassem na emblemática Casa da Cultura, local simbólico para os povos originários e que desde o dia 13 estava sob controle da força pública.
O gesto foi interpretado como o primeiro sinal de disposição para o diálogo com os indígenas. “É um triunfo da luta”, comemorou Leônidas Iza, presidente da Confederação de Nacionalidades Indígenas (Conaie) e líder dos protestos.
Entretanto, os conflitos na frente da Assembleia Nacional pareceram eliminar as chances de diálogo que haviam até então, em um momento em que o país está exausto e semi-paralisado com prejuízos diários de 50 milhões de dólares, segundo as autoridades. A produção de petróleo caiu 42% na quarta-feira, para cerca de 279.400 barris por dia.
O comandante da Polícia, Fausto Salinas, pediu um apelo para que “os caminhos que permitem reconciliar a paz” continuem entre os líderes das manifestações e o governo. “O diálogo é a única forma de garantir o consenso”, declarou.
“Esta marcha foi pacífica, não vamos deixar que as pessoas que estão prejudicando esta luta, que estão prejudicando esta marcha, se infiltrem”, disse o indígena Leônidas Iza depois do conflito. Durante uma entrevista na hora do protesto, o líder foi surpreendido pelo barulho de bombas provenientes do conflito.
Protestos em todo país
Sob o lema ‘Fora, Lasso, fora’, cerca de 14 mil indígenas protestam em diferentes partes do país para exigir medidas que aliviem o alto custo de vida do Equador, como redução do preço do combustível, renegociação da dívida de agricultores com bancos privados e subsídios de produtos agrícolas.
Em Quito, a maioria das marchas é pacífica, mas há noite costumam surgir tumultos e confrontos com a polícia. Desde segunda-feira, cerca de 10 mil indígenas viajaram de seus territórios até a capital equatoriana de 3 milhões de habitantes para protestarem. “Chorei ao ver tantas pessoas maltratadas por este governo infeliz”, declarou uma aposentada de 80 anos identificada como Cecilia à AFP.
A população que se sente desgastada com os 11 dias de protestos também realizam protestos em Quito. Na tarde desta quinta-feira, centenas de veículos de luxo passaram em carreata por uma área financeira. Buzinas foram ouvidas seguidamente e bandeiras brancas com “Fora, Iza, fora” (em referência ao indígena Leônidas Iza) escrito eram mostradas.
No interior do país, cerca de 300 indígenas ocuparam à força uma usina na noite desta quarta-feira, 22, e detiveram os operadores. O governo ainda não informou se recuperou o controle das instalações ou o destino dos funcionários. O serviço não foi interrompido.
Diagnosticado com covid-19 e isolado, Guillermo Lasso não se pronunciou sobre a escalada de protestos nas última 24 horas. Os líderes do movimento consideram o anúncio do contágio uma cortina de fumaça do presidente para atrasar negociações.
Enquanto isso, organizações internacionais pedem diálogo para os protestos chegarem ao fim. As mobilizações, registradas desde o dia 13 de junho, deixaram 92 feridos e 94 detidos, segundo a Aliança de Organizações de Direitos Humanos.
Lasso considera inviável atender às demandas dos manifestantes e descreve os protestos como uma tentativa de derrubá-lo. O Equador tem a fama internacional de ser “ingovernável” desde que três presidentes caíram por pressão social entre 1997 e 2005.
Sem muito respaldo político, o direitista recorre ao apoio dos militares que cerraram fileiras em torno do seu governo enquanto tenta apaziguar a insatisfação. Nos últimos dias, ele anunciou o aumento de um bônus destinado aos 30% mais pobre da população (de US$ 50 para US$ 55) e perdoou dívidas de agricultores e camponeses de até US$ 3 mil com um banco estatal, dentre outras. Entretanto, as medidas não surtiram efeito.
Os indígenas seguem exigindo mais, mas o governo alega que os custos do Estado com os subsídios para reduzir os preços dos combustíveis, por exemplo, seriam superiores a US$ 1 bilhão por ano. /AFP