Os protestos em decorrência da morte de uma jovem de 22 anos que estava presa pela polícia moral do Irã por não usar o véu corretamente se intensificaram com uma resposta repressiva das autoridades em dezenas de cidades. Ao menos sete manifestantes foram mortos até esta quarta-feira, 21, segundo uma organização de direitos humanos. A repressão é denunciada por estas organizações, testemunhas e vídeos postados nas redes sociais.
As manifestações eclodiram no fim de semana, após a morte da jovem Mahsa Amini na sexta-feira, 16, e parecem ser uma das maiores expressões de insatisfação ao governo da República Islâmica em anos. Marsha, natural do Curdistão, morreu quatro dias depois de ser presa pela polícia moral por ser acusada de descumprir a lei dos véus por não estar com o cabelo coberto por um hijab. Desde a Revolução Islâmica de 1979, o país exige que todas as mulheres acima da puberdade usem véu e roupas largas.
Em Teerã e em outras dezenas cidades iranianas manifestantes pedem o fim da República Islâmica, com gritos de “Mulás vão embora”, “Não queremos uma república islâmica” e “Morte ao líder supremo”. Mulheres também queimaram hijabs para externar oposição à lei islâmica.
O governo de Ebrahim Raisi, que está em Nova York para participar da Assembleia Geral das Nações Unidas enquanto os protestos acontecem, mobilizou um contingente alto das forças de segurança, incluindo policiais da tropa de choque e a milícia paramilitar Basij, para reprimir os manifestantes. Segundo a Hengaw, uma organização de direitos humanos, pelo menos sete pessoas foram mortas no Curdistão, no noroeste do país, por “disparos diretos das forças de segurança iranianas”. Os nomes e imagens das vítimas foram divulgados no site da organização.
As cidades do Curdistão localizadas no Irã, a província natal de Masha Amini, também tiveram mais de 450 feridos e 500 presos em consequência dos protestos, acrescentou o Hengaw.
No restante do país, os serviços telefônicos e de internet foram interrompidos em bairros onde as revoltas aconteceram, restringindo o acesso às redes sociais. Segundo o ministro iraniano de tecnologia da informação e comunicação, Issa Zarepour, o acesso à internet foi restringido por “razões de segurança”.
As redes sociais foram utilizadas pelos manifestantes para a divulgação de vídeos e fotos que mostram o enfrentamento às autoridades e a repressão. Os conteúdos não puderam ser verificados de forma independente pela imprensa, mas o jornal americano The New York Times afirma que eles são compatíveis com outras imagens enviadas por fontes que são testemunhas.
As imagens recebidas mostram incêndios em alguns locais do país e policiais empurrando manifestantes para o chão, espancando-os com cassetetes e disparando tiros e gás lacrimogêneo.
Repercussão internacional
A morte de Masha Amini atraiu a atenção internacional e a transformou em um símbolo da opressão e da violência do Irã às mulheres e à oposição política.
As autoridades do país afirmam que Masha morreu de ataque cardíaco e negam que ela tenha sido espancada na cabeça enquanto era levada para a prisão. Segundo a família da jovem, que estava com ela de visita ao Irã, ela não enfrentava problemas de saúde no momento da prisão.
Segundo analistas e especialistas em direitos humanos, os protestos são o rompimento de uma insatisfação de anos com as restrições religiosas e sociais do Irã. “Todos os setores da sociedade – trabalhadores, professores, aposentados, estudantes universitários e pessoas comuns em todos os lugares – têm tentado pedir o fim da crise de impunidade no Irã, apesar da violenta repressão estatal”, afirmou a diretora de comunicações do Centro de Direitos Humanos no Irã, Jasmin Ramsey.
Jasmin acrescenta que as manifestações foram em grande parte espontâneas e sem liderança, estimuladas provavelmente por fotos e vídeos que circulam nas redes sociais com imagens de todo o país. Muitas pessoas se mobilizam nas redes através de hashtags em persa que fazem referência à morte de Masha Amini.
Nos vídeos, mulheres desafiam o governo islâmico do Irã com atos contrários à lei. Em um deles, por exemplo, uma mulher corta o cabelo junto com uma multidão na cidade de Kerman, no sudeste; em outro, na cidade de Shiraz, no sul, uma mulher mais velha grita contra um policial: “Se você pensa que é um homem, venha e me mate”. Em Teerã, estudantes universitários cantam juntos: “Para o inferno com a polícia da moralidade!”.
Segundo Jasmin Ramsey, todos esses atos são passíveis de punição. “Eles mostram um sério desafio à República Islâmica em seus cânticos e na quantidade de pessoas na rua”, declarou.
O governador de Teerã, Mohsen Mansouri, disse nesta quarta-feira, 21, que agentes estrangeiros estavam infiltrados nas manifestações para provocar violência nas ruas. Entretanto, testemunhas afirmam que os protestos são mobilizados e apoiados massivamente pelos próprios iranianos.
Há relatos de ataques feitos por manifestantes com o uso de pedras contra as forças de segurança e de incêndios em automóveis policiais nas cidades de Isfahan e Teerã. Um dos vídeos mostra os manifestantes cercando um policial e o espancando no chão.
Presidente afirma que ordenou investigação, diz imprensa iraniana
Segundo a imprensa iraniana, Ebrahim Raisi conversou com a família de Mahsa Amini e disse que ordenou uma investigação das circunstâncias da morte. “Sua filha é como minha própria filha, e sinto como se esse incidente tivesse acontecido com um dos meus entes queridos”, teria dito.
Raisi está na Assembleia Geral da ONU, em Nova York, onde protestos contra a morte de Mahsa também aconteceram nos arredores. O presidente dos EUA, Joe Biden, demonstrou apoio às manifestações no Irã, sobretudo às mulheres. Em seu discurso, Raisi respondeu à repercussão ocidental afirmando que o Ocidente tem ‘dois pesos e duas medidas’ para os direitos das mulheres. “Há dois pesos e duas medidas, com a atenção apenas em um lado, e não em todos”, declarou, referindo-se às mortes de mulheres de povos indígenas no Canadá e às ações israelenses nos territórios palestinos.
O aiatolá Ali Khamenei, líder supremo do Irã, não se pronunciou sobre os protestos em um discurso feito em homenagem aos veteranos da guerra Irã-Iraque nesta quarta-feira, 21. Mas, ainda de acordo com a imprensa iraniana, um representante de Khamenei visitou a família da vítima para prestar condolências.
“Todas as instituições tomarão providências para defender os direitos que foram violados”, declarou o assessor Abdolreza Pourzahabi à imprensa do país. “Como prometi à família da Amini, também acompanharei a questão de sua morte até o resultado final.”
As manifestações ocorrem em um momento desafiador para o aiatolá, que recentemente cancelou todas as reuniões e aparições públicas por causa de uma doença, segundo quatro pessoas com conhecimento sobre a sua condição de saúde disseram ao NYT. /Com NYT e AFP